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Alfabetização e Letramento KARIN CASARIN ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO 1ª Edição Taubaté Universidade de Taubaté 2014 Copyright©2014. Universidade de Taubaté. Todos os direitos dessa edição reservados à Universidade de Taubaté. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização desta Universidade. Administração Superior Reitor Prof.Dr. José Rui Camargo Vice-reitor Prof.Dr. Marcos Roberto Furlan Pró-reitor de Administração Prof.Dr.Francisco José Grandinetti Pró-reitor de Economia e Finanças Prof.Dr.Luciano Ricardo Marcondes da Silva Pró-reitora Estudantil Profa.Dra.Nara Lúcia Perondi Fortes Pró-reitor de Extensão e Relações Comunitárias Prof.Dr. José Felício GoussainMurade Pró-reitora de Graduação Profa.Dra.Ana Júlia Urias dos Santos Araújo Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação Prof.Dr.Edson Aparecida de Araújo Querido Oliveira Coordenação Geral EaD Profa.Dra.Patrícia Ortiz Monteiro Coordenação Acadêmica Profa.Ma.Rosana Giovanni Pires Coordenação Pedagógica Profa.Dra.Ana Maria dos Reis Taino Coordenação Tecnológica Profa. Ma. Susana Aparecida da Veiga Coordenação de Mídias Impressas e Digitais Profa.Ma.Isabel Rosângela dos Santos Ferreira Coord. de Área: Ciências da Nat. e Matemática Profa. Ma. Maria Cristina Prado Vasques Coord. de Área: Ciências Humanas Profa. Ma. Fabrina Moreira Silva Coord. de Área: Linguagens e Códigos Profa. Dra. Juliana Marcondes Bussolotti Coord. de Curso de Pedagogia Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Gestão e Negócios Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Recursos Naturais Revisão ortográfica-textual Projeto Gráfico e Diagramação Autor Profa. Dra. Ana Maria dos Reis Taino Profa. Ma. Márcia Regina de Oliveira Profa. Dra. Lídia Maria Ruv Carelli Barreto Prof. Me. João de Oliveira Me.Benedito Fulvio Manfredini Karin Casarin Unitau-Reitoria Rua Quatro de Março,432-Centro Taubaté – São Paulo CEP:12.020-270 Central de Atendimento:0800557255 Polo Taubaté Polo Ubatuba Polo São José dos Campos Avenida Marechal Deodoro, 605–Jardim Santa Clara Taubaté–São Paulo CEP:12.080-000 Telefones: Coordenação Geral: (12)3621-1530 Secretaria: (12)3625-4280 Av. Castro Alves, 392 – Itaguá – CEP: 11680-000 Tel.: 0800 883 0697 e-mail: nead@unitau.br Horário de atendimento: 13h às 17h / 18h às 22h Av Alfredo Ignácio Nogueira Penido, 678 Parque Residencial Jardim Aquarius Tel.: 0800 883 0697 e-mail: nead@unitau.br Horário de atendimento: 8h às 22h Ficha catalográfica elaborada pelo SIBi Sistema Integrado de Bibliotecas/UNITAU C335a Casarin, Karin Alfabetização e letramento / Karin Casarin. Taubaté: UNITAU, 2010. 44p. : il. ISBN - 978-85-62326-24-0 Bibliografia 1. Alfabetização. 2. Educação infantil. 3. Letramento. 4. Leitura. I. Universidade de Taubaté. II. Título v PALAVRA DO REITOR Palavra do Reitor Toda forma de estudo, para que possa dar certo, carece de relações saudáveis, tanto de ordem afetiva quanto produtiva. Também, de estímulos e valorização. Por essa razão, devemos tirar o máximo proveito das práticas educativas, visto se apresentarem como máxima referência frente às mais diversificadas atividades humanas. Afinal, a obtenção de conhecimentos é o nosso diferencial de conquista frente a universo tão competitivo. Pensando nisso, idealizamos o presente livro- texto, que aborda conteúdo significativo e coerente à sua formação acadêmica e ao seu desenvolvimento social. Cuidadosamente redigido e ilustrado, sob a supervisão de doutores e mestres, o resultado aqui apresentado visa, essencialmente, a orientações de ordem prático-formativa. Cientes de que pretendemos construir conhecimentos que se intercalem na tríade Graduação, Pesquisa e Extensão, sempre de forma responsável, porque planejados com seriedade e pautados no respeito, temos a certeza de que o presente estudo lhe será de grande valia. Portanto, desejamos a você, aluno, proveitosa leitura. Bons estudos! Prof. Dr. José Rui Camargo Reitor vi vii Apresentação A alfabetização tem sido alvo de muitos debates nos meios escolares, acadêmicos e políticos, principalmente devido ao baixo desempenho em leitura e escrita de grande parte dos estudantes brasileiros. As pesquisas revelam a existência de alunos que avançam nas séries, semianalfabetos ou ainda não alfabetizados, o que indica a fragilidade do sistema público de ensino. Essa falta de saber dos estudantes liga-se a vários aspectos ocorridos ao longo da história, num contexto de mudanças sociais, econômicas e políticas. Com a crescente democratização do acesso à educação escolar, a população que antes ficava fora da escola passou a frequentá-la. Isso exigiu do ensino adequação a essa nova clientela, o que não ocorreu a contento, aumentando os índices de evasão e repetência. De fato, foi amenizada a evasão a partir da implantação da progressão continuada com a instituição da lei 9394/96, nova Lei de Diretrizes e Bases, que substituiu o ensino seriado por ciclos de aprendizagem. No entanto, a efetivação da equidade e qualidade do ensino não se efetivou. Hoje, muitos jovens ocupam os bancos escolares, mas não têm acesso ao saber escolarizado. A exclusão, que antes ficava além dos muros da escola, hoje se perpetua dentro dela em proporções mais alarmantes considerando o fato de que tais alunos, além de não possuírem o saber, carregam o sentimento de baixa autoestima e a ideia de que são incapazes de aprender. Concomitante a essas mudanças, houve também a inserção de inovadoras propostas educacionais, como o construtivismo. Há quem atribua os altos índices de fracasso escolar a essa proposta, porém há controvérsias sobre a sua real aplicação em sala de aula. Misturam-se nos meios escolares interpretações equivocadas da proposta que podem dificultar a aprendizagem dos alunos ou acentuar suas dificuldades. O sistema de progressão continuada pressupõe didáticas diferenciadas da concepção tradicional de viii ensino, em que a prioridade é considerar o processo de desenvolvimento intelectual; o aluno ativo, plural e singular, e também formas diferenciadas de avaliação. Do ponto de vista do ensino escolar, a alfabetização abriria portas aos alunos para o acesso a outros saberes em sala de aula. Entretanto, ela não está ocorrendo para grande parte dos estudantes que, muitas vezes, já em séries avançadas, são considerados os alunos “problemas” para muitos professores, pois além de não dominarem o código escrito, necessário à realização das atividades escolares, são frequentemente responsabilizados pela indisciplina da classe. A nova lei Federal n. 11.274, de 2006, instituiu a antecipação da matrícula obrigatória para os 6 anos no ensino fundamental, na expectativa de melhorar o acesso ao saber pelos alunos. Essa proposta, entretanto, impõe novos desafios ao professorado, como por exemplo, a questão do “como” realizar o trabalho pedagógico com essas crianças que antes frequentavam a Educação Infantil. Nesse contexto, cabe a todos da sociedade juntar forças em prol de uma educação mais igualitária e de qualidade, participando de debates, fóruns e congressos sobre o assunto. Sobretudo, é papel dos cursos de formação de professores oferecer uma formação menos técnica, mais construtivista, de forma a integrar os conhecimentos práticos aos teóricos, valorizando o professor ao entendê-locomo um profissional intelectual. Este livro-texto sobre alfabetização não se propõe a trazer para o estudante de Pedagogia novos métodos ou receitas, mas reflexões sobre o processo de desenvolvimento da aprendizagem da leitura e da escrita e também algumas alternativas e caminhos embasados na proposta construtivista, para orientar o ensino. ix Sobre a autora KARIN CASARIN: Graduada em Pedagogia (2004) e Mestre em Educação (2008) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente é Professora Coordenadora de uma escola de educação infantil municipal e integrante do Projeto Raios de Sol - RED Latinoamericana para la transformación Docente em Lenguaje (Unesp – Rio Claro). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em alfabetização, atuando principalmente nos seguintes temas: formação de professores, saberes docentes, práticas pedagógicas, alfabetização e construtivismo. x xi Caros(as) alunos(as), O Programa de Educação a Distância (EAD) da Universidade de Taubaté apresenta-se como espaço acadêmico de encontros virtuais e presenciais direcionados aos mais diversos saberes. Além de avançada tecnologia de informação e comunicação, conta com profissionais capacitados e se apóia em base sólida, que advém da grande experiência adquirida no campo acadêmico, tanto na graduação como na pós-graduação, ao longo de mais de 35 anos de História e Tradição. Nossa proposta se pauta na fusão do ensino a distância e do contato humano-presencial. Para tanto, apresenta-se em três momentos de formação: presenciais, livros-texto e Web interativa. Conduzem esta proposta professores/orientadores qualificados em educação a distância, apoiados por livros-texto produzidos por uma equipe de profissionais preparada especificamente para este fim, e por conteúdo presente em salas virtuais. A estrutura interna dos livros-texto é formada por unidades que desenvolvem os temas e subtemas definidos nas ementas disciplinares aprovadas para os diversos cursos. Como subsidio ao aluno, durante todo o processo ensino-aprendizagem, além de textos e atividades aplicadas, cada livro-texto apresenta sínteses das unidades, dicas de leituras e indicação de filmes, programas televisivos e sites, todos complementares ao conteúdo estudado. Os momentos virtuais ocorrem sob a orientação de professores específicos da Web. Para a resolução dos exercícios, como para as comunicações diversas, os alunos dispõem de blog, fórum, diários e outras ferramentas tecnológicas. Em curso, poderão ser criados ainda outros recursos que facilitem a comunicação e a aprendizagem. Esperamos, caros alunos, que o presente material e outros recursos colocados à sua disposição possam conduzi-los a novos conhecimentos, porque vocês são os principais atores desta formação. Para todos, os nossos desejos de sucesso! Equipe EAD-UNITAU xii xiii Sumário Palavra do Reitor ......................................................................................................... v Apresentação ............................................................................................................. vii Ementa......................................................................................................................... 1 Objetivos ..................................................................................................................... 2 Introdução .................................................................................................................... 3 Unidade 1. A alfabetização e o processo de escolarização ....................................... 5 1.1 Introdução .............................................................................................................. 5 1.2 O ensino tradicional ............................................................................................... 6 1.3 A proposta construtivista ........................................................................................ 8 1.4 A educação infantil no cenário das mudanças pedagógicas ....................................10 1.5 Síntese da unidade .................................................................................................12 1.6 Para saber mais .....................................................................................................12 1.7 Atividades .............................................................................................................13 Unidade 2. A construção do sistema de escrita pelo aprendiz ................................15 2.1 Introdução .............................................................................................................15 2.2 A psicogênese da escrita ........................................................................................16 2.3 A aprendizagem da leitura .....................................................................................18 2.4 Síntese da Unidade ................................................................................................21 2.5 Para saber mais .....................................................................................................21 2.6 Atividades .............................................................................................................22 Unidade 3. Aprender a ler e a escrever na escola: a pedagogia...............................23 3.1 Introdução .............................................................................................................23 3.2 Alfabetização e letramento ....................................................................................23 3.3 A pedagogia por projetos.......................................................................................26 3.4 Síntese da Unidade ................................................................................................29 3.5 Para saber mais .....................................................................................................29 3.6 Atividades .............................................................................................................30 Unidade 4. O trabalho em sala: atividades de ensino e aprendizado ......................33 4.1 Introdução .............................................................................................................33 4.2 Contextos de alfabetização ....................................................................................33 xiv 4.3 O trabalho com letras e sílabas: atividades de sistematização .................................35 4.4 Síntese da Unidade ................................................................................................39 4.5 Para saber mais .....................................................................................................39 4.6 Atividades .............................................................................................................40 Referências .................................................................................................................43 11 ORGANIZE-SE!!! Você deverá usar de 3 a 4 horas para realizar cada Unidade. Alfabetização e Letramento Ementa EMENTA A alfabetização e o processo de escolarização A construção do sistema de escrita pelo aprendiz. A Psicogênese da língua escrita e da leitura. As fases do desenvolvimento da construção da leitura e da escrita pela criança. O desenvolvimento das estruturas cognitivas na aprendizagemda criança. A alfabetização e o seu contexto social e escolar. Aprender a ler e a escrever na escola: a pedagogia do real. Trabalho em sala de aula: atividades de ensino aprendizado 22 Objetivo Geral Proporcionar reflexão e compreensão alusivas ao processo de alfabetização da criança, favorecendo um maior entendimento sobre a importância do educador neste contexto de extremas mudanças. Objetivos Objetivos Específicos Apontar os mecanismos pelos quais ocorrem a aquisição da escrita e da leitura pelo aluno; Identificar os níveis de desenvolvimento sócio-cognitivo e suas interferências na assimilação dos conteúdos, considerando os contextos social e escolar na aprendizagem do aluno. 33 Introdução O fio condutor deste livro-texto é a aquisição da língua escrita por meio de uma postura ampla e inovadora, que considera o aluno sujeito ativo, autor de sua própria aprendizagem. Um sujeito singular e ao mesmo tempo plural, integrante de uma sociedade em constante transformação e carente de indivíduos críticos, solidários e operantes. No decorrer do estudo desta disciplina ficará evidente o significado abrangente da palavra alfabetização, não mais ligada apenas à ideia de ensino do alfabeto, mas da língua materna, num contexto de desenvolvimento intelectual, físico e social do ser humano. As reflexões apresentadas contemplam ferramentas importantes para o docente, em processo de formação inicial ou continuada, atuar com consciência em sala de aula, pois possibilita não somente “o quê” e o “como” ensinar, mas também o “porquê” de se agir dessa ou daquela maneira, elemento imprescindível para o sucesso dos educandos e dos educadores. 44 55 Unidade 1 U nidade 1. A alfabetização e o processo de escolarização 1.1 Introdução Para tratar de alfabetização no âmbito escolar é preciso esclarecer que implícitas às práticas pedagógicas dos professores há concepções de ensino e aprendizado que as fundamentam, denominadas, de acordo com pesquisadores, como tradicionais ou como construtivistas, as quais são passíveis de ser distinguidas por meio de observação atenta. Ambas as concepções, tradicional e construtivista, trazem consequências para a formação e a vida do educando. Para entender, é interessante refletir: que indivíduo queremos formar? Crítico e leitor competente? Ou passivo, que decodifica textos, mas não os compreende? Procurando esclarecer essa questão, a seguir, serão enfocadas as diferenças entre essas concepções de ensino e aprendizado, principalmente no que diz respeito aos papéis que o aluno e o professor desempenham diante do conteúdo estudado, ressaltando a maneira como é considerada a alfabetização em cada uma delas. O objetivo desta unidade é estimular a reflexão e a compreensão do processo de alfabetização da criança, favorecendo a ampliação do entendimento sobre a importância do papel do educador neste contexto de extremas mudanças. 66 1.2 O ensino tradicional O ensino da leitura e da escrita pode ocorrer de formas totalmente diferentes, dependendo da postura que o professor assumir em relação a ele. O tipo de ensino pode indicar se um professor tende a desenvolver uma prática tradicional ou construtivista. Becker (2001) aponta as características de cada dessas posturas pedagógicas e as consequências destas para a aprendizagem do aluno. Primeiramente, será apresentado como se dá o processo de ensino-aprendizagem por meio de uma educação tradicional. Em seguida, o mesmo processo será considerado a partir da postura construtivista, enfocando o papel do aluno e do professor no ensino aprendizado, sobretudo, no que diz respeito ao processo de alfabetização. É válido ressaltar que na concepção tradicional há duas possibilidades de posturas pedagógicas: a empirista e a inatista, as quais serão discutidas a seguir. A concepção empirista considera o professor como detentor e transmissor do conhecimento e o aluno como mero receptor passivo de informações; nesta concepção o aluno é comparado a uma tábua rasa, ou seja, nada sabe antes de receber os ensinamentos do professor. Os procedimentos dessa didática, na alfabetização, acentuam a atividade do professor no processo de ensino e a utilização de cartilha, pois se acredita que a aprendizagem é constatada quando o aluno é capaz de reproduzir o conteúdo de maneira automática e sem variações. Ao findar a aula expositiva, geralmente, há exercícios de repetição, aplicação e recapitulação. Nessa perspectiva, a alfabetização é considerada de modo restrito, isto é, centrada apenas na aprendizagem do código alfabético, nas combinações das letras e sílabas, por meio de métodos de ensino – analítico ou global e sintético. O método analítico ou global subdivide-se em três grupos: palavração (geralmente inicia-se apresentando a palavra-chave em um texto com sentido para ser repetido em voz alta pelo aluno, com frequência é feito desenho para representar o sentido), método da frase ou sentenciação (escrita da sentença pelo professor, seguida da leitura realizada 77 por ele próprio) e método do conto ou historieta (pequeno texto formado por algumas sentenças). Os métodos sintéticos baseiam-se na concepção de escrita como transcrição visual da fala; subdividem-se em “alfabético (que parte das letras), silábico (que se inicia com as sílabas) e o fônico (que parte dos sons correspondentes às letras)” (MICOTTI, 1996, p.11). Correntemente os métodos sintéticos são alvos de críticas, pois há uma acentuada fragmentação do material de leitura e a leitura mecânica, o que pode prejudicar a compreensão do sentido do texto. Neste contexto, a definição da palavra alfabetização tende para a tradição de séculos que a manteve ligada à ideia de alfabeto, ou seja, aquela série de letras combinadas de acordo com regras pré-estabelecidas de acordo com a cultura para compor as palavras. Assim, acredita-se que a alfabetização se origina no âmbito escolar, especificamente quando a criança inicia o 1º ano do ensino fundamental; uma vez que, na educação infantil, espera-se que ela adquira a maturidade por meio de exercícios de coordenação motora, discriminação visual e auditiva, entre outros. A concepção inatista concebe o aluno como dotado de uma bagagem hereditária, enquanto o professor nesse processo é eximido de sua função fundamental, que é intervir no processo de aprendizagem. Nesta concepção, as ações do aluno são, a priori, aceitáveis, pois, trata-se do “regime do laissez-faire: deixa fazer, que ele encontrará o seu caminho” (BECKER, 2001, p.19). Sobre o assunto o autor completa: [...] o professor é despojado de sua função, ‘sucateado’. O aluno guindado a um status que ele não tem e nem poderia sustentar, e sua não-aprendizagem explicada como déficit herdado; impossível, portanto, de ser superado ( BECKER, 2001, p.23). Diante desta postura, em relação à alfabetização, geralmente são oferecidos diversos tipos de textos e situações que exijam a leitura e a escrita, porém com a ideia errônea de que o aluno por si mesmo chegará à compreensão do sistema de escrita apenas entrando em contato com materiais escritos. Nesse sentido, costuma-se ouvir o professor dizer que tal aluno aprende de maneira espontânea ou que é só deixá-lo porque em algum momento vai dar um “estalo” e ele se alfabetizará. 88 As posturas empiristas e inatistas, integrantes do ensino tradicional, não oferecem subsídios necessários para todos os alunos alcançarem o sucesso escolaralmejado. A primeira desconsidera os conhecimentos prévios do aluno, padroniza o ensino sem levar em conta as características e necessidades particulares dos educandos, entre outros aspectos mencionados. Por outro lado, a proposta inatista desconsidera o ensino do professor, sobrepondo os conhecimentos dos alunos, os quais são considerados herança genética. Concepções como essas que privilegiam um dos polos do ensino – professor ou aluno – tendem a reforçar as mazelas do fracasso escolar, à medida que excluem aqueles que não se encaixam nos padrões previamente estabelecidos. 1.3 A proposta construtivista A partir de uma visão ampla de educação, acredita-se que a alfabetização inicia-se desde o nascimento do indivíduo e percorre todas as fases da vida, ampliando seu significado. Essa inovadora abordagem de educação, denominada construtivismo, considera que a aquisição do conhecimento é um processo de construção ativa pelo indivíduo no decorrer de toda sua vida, em interação com o mundo físico e social. A esse respeito, Becker (2001) salienta: [...] o conhecimento não está no sujeito quando o indivíduo nasce, o conhecimento não está no objeto, ou seja, no meio físico ou social, não está na cabeça do professor com relação ao aluno, nem na cabeça do aluno com relação ao professor; o conhecimento se dá por um processo de interação radical entre sujeito e objeto, entre indivíduo e sociedade, entre organismo e meio (BECKER, 2001, p. 36). Portanto, nesta perspectiva, é inconcebível uma sala de aula em que de um lado fica o professor e de outro o aluno, pois ambos são agentes ativos no processo de ensino aprendizado. O professor é o mediador do conhecimento, ou seja, a ponte entre os alunos e o saber. Ele não só ensina, mas também aprende. No trabalho pedagógico, orientado pelo construtivismo, não se pode esperar de uma classe resultados uniformes e imediatos (MICOTTI, 1999). Cada aluno é respeitado no 99 seu modo de ver e agir. Ênfase é dada à interação professor-aluno e aluno-aluno, como meio de superação de obstáculos e evolução do conhecimento. Em relação ao ensino da leitura e da escrita, Jolibert (1994, p.14) apresenta uma abordagem de aulas cooperativas, pautada em uma pedagogia de projetos, da qual emergem atividades em contexto propício à leitura e à escrita significativa, pois trata-se de atividades escolares autênticas e diversificadas com a participação ativa dos alunos nos planejamentos do ensino. Além disso, os textos não são somente para aprender a ler e a escrever, pois eles abarcam a função social destes atos Esta proposta da Pedagogia por Projetos remete a uma nova postura de professor, pois retira-o do centro das decisões e ações, colocando-o como intermediário nas relações do aluno com seu objeto de estudo e possibilita um ensino ancorado em situações reais de comunicação. Micotti (2001, p.12) destaca que a aplicação ou não de alguns trabalhos com sílabas não é o que caracteriza ou descaracteriza a proposta construtivista, “mas a prática da leitura e da escrita ‘para valer’, voltadas para o desenvolvimento das competências básicas de leitura e de escrita”, indicando mudança na relação entre professor e aluno. Nesta proposta de ensino, ênfase é dada aos usos sociais da escrita, assim como à oportunidade de os alunos viverem as experiências como leitores e escritores, desde o início da escolarização. Assim, ao contrário da visão tradicional de ensino, a produção de textos e a leitura compreensiva são aprendizagens que ocorrem simultaneamente. Aplicar a proposta construtivista, segundo Micotti (1999): [...] significa fazer uma reviravolta no ensino como um todo, não apenas realizar mudanças parciais, ou começar mais cedo a aplicação de métodos tradicionais. A convivência escolar se modifica. As mudanças de procedimentos adotados em aulas são profundas. [...] A alfabetização insere-se no conjunto das vivências escolares; a escrita é vista como instrumento útil para viver e conviver; por isso as crianças interagem com escritos em toda a sua complexidade, não com elementos isolados (MICOTTI, 1999, p.19). A proposta construtivista propõe mudança total em relação ao ensino tradicional, realçando sua viabilidade para um aprendizado efetivo e adequado a diferentes 1100 necessidades de diferentes alunos. Com essa proposta, compreende-se que o motor da construção de saberes é o esforço do aluno e que “o conhecimento se constrói frequentemente por caminhos diferentes daqueles que o ensino supõe” (WEISZ e SANCHES, 2001, p.41). Essa questão se remete, também, ao novo tratamento que é dado ao erro. Errar pode significar o caminho pelo qual o aluno está pensando, indicando o caminho que o professor deve seguir para suprir aquela necessidade. Sobre o trabalho docente no construtivismo, Micotti (2001) frisa que: O professor não dispõe, como antes, de indicações precisas sobre os seus afazeres. Ao invés de lições prontas, destinadas a um aluno médio ideal, dispõe de um referencial para analisar e compreender as condutas de dezenas de alunos e tomar as decisões que parecem ser as mais adequadas para orientar o trabalho deles. Quem realiza a construção do conhecimento é a criança, o que exige do professor muita versatilidade para orientar os diferentes modos de interagir com a escrita (MICOTTI, 2001, p.34). Por isso, é de suma importância o professor conhecer o desenvolvimento infantil e a proposta construtivista em profundidade. Quanto mais consciente dos processos de aprendizado do aluno, maior será a segurança do professor para atuar. Todavia, o construtivismo não é considerado um método e sim uma proposta, pois não há lições prontas como nos métodos tradicionais; o caminho do ensino é uma realização personalizada e dinâmica, uma vez que cada aluno tem sua necessidade. A partir da divulgação dessa proposta de ensino, novo enfoque é dado à educação infantil. Atualmente, há a percepção de que o trabalho com o ensino da leitura e da escrita pode ser desenvolvido de modo mais compatível com as características cognitivas desta clientela, como veremos a seguir. 1.4 A educação infantil no cenário das mudanças pedagógicas No tópico anterior, foram descritos os principais fundamentos da proposta construtivista; é válido ressaltar que, antes dela, o ensino era visto do ponto de vista “adultocêntrico”; ou seja, a aprendizagem da criança era concebida a partir da perspectiva própria do adulto alfabetizado, fato que impossibilita “compreender o ponto 1111 de vista do aprendiz, pois não se pode ‘enxergar’ o objeto de seu conhecimento com os olhos de quem ainda não sabe” (WEIZS e SANCHES, p.19, 2001). Dessa forma, as atividades propostas distanciavam-se do pensamento infantil. A partir de uma nova postura de ensino-aprendizado, as funções da educação infantil foram redefinidas. As escolas, que ignoravam completamente a linguagem escrita e priorizavam atividades de coordenação motora e discriminação visual e auditiva, passaram a desenvolver certas habilidades, considerando que a criança trabalha não só no plano visível, brincando e explorando o seu ambiente, como também, cognitivamente. Nessa perspectiva, as escolas de educação infantil: [...] deixam de ser consideradas apenas como escolinhas de passatempo ou brincadeiras, sem compromisso, porque sua clientela tem poucas condições de entender explicações ou de fazer o trabalho escolar, segundo os moldes da didática tradicional. Deixam também de serem vistas como escolas preparatórias, em que as coisas não são feitas para valer, sequer para aprender, mas para aprender depois (MICOTTI, 1999, p.19-20). Neste contexto, as atividades que envolvema interação e apropriação da língua escrita são acentuadas, não perdendo de vista que os processos pelos quais as crianças aprendem se diferenciam daqueles propostos pelos tradicionais métodos de ensino. Ferreiro (1996), em resposta à pergunta comum nos meios escolares: deve-se ou não ensinar a ler e a escrever na pré-escola?; mesmo considerando a questão mal colocada, esclarece: “minha resposta é simples: não se deve ensinar, porém deve-se permitir que a criança aprenda”. E acrescenta: [...] não é obrigatório dar aulas de alfabetização na pré escola, porém é possível dar múltiplas oportunidades para ver a professora ler e escrever; para explorar semelhanças e diferenças entre textos escritos; para explorar o espaço gráfico e distinguir entre desenho e escrita; para perguntar e ser respondido; para tentar copiar ou construir uma escrita; para manifestar sua curiosidade em compreender essas marcas estranhas que os adultos põe nos mais diversos objetos. As repercussões deste tipo de pré-escola na alfabetização inicial, na escola de primeiro grau, são enormes [...] (FERREIRO, 1996, p.38- 39). Possibilitando a ocorrência da abordagem da leitura e da escrita de forma mais abrangente, permitindo o contato das crianças e sua interação com materiais escritos e 1122 tendo o professor como mediador e sistematizador das descobertas das crianças, a educação infantil pode acentuar a função social da escrita e não meramente sua função escolar, predominante na educação tradicional. O enfoque do processo de alfabetização na atividade do aprendiz propõe à educação infantil e às séries iniciais a tarefa de possibilitar um ambiente motivador, diferenciando o ensino de modo a corresponder às necessidades reais do aprendiz e valorizando as interações das crianças com os materiais escritos. Essa inovadora abordagem do ensino da leitura e da escrita será apresentada no decorrer deste livro-texto. 1.5 Síntese da unidade A primeira unidade trata das diferenças entre as concepções de alfabetização vigentes e as consequências delas para a aprendizagem. De um lado o ensino tradicional e por outro a proposta construtivista, que fazem distinção na concepção do papel do professor e do aluno no ensino aprendizado. Enfoca também as mudanças ocorridas na educação infantil após a inserção da proposta construtivista. 1.6 Para saber mais Filme Sociedade dos poetas mortos – (Direção Peter Weir, EUA, 1989) Esse filme retrata cenas do cotidiano de uma escola conservadora dos anos 50, nos EUA. Esse cenário de educação tradicional é rompido a partir do ingresso de um novo professor que amplia os horizontes dos alunos conferindo novo sentido a vida escolar. É um filme rico para se estudar a relação dos estudantes com o saber escolarizado e o processo de ensino- aprendizado. 1133 1.7 Atividades 1) Leia a figura abaixo e reflita sobre o tipo de educação subjacente, salientando o papel do aluno e do professor. Fonte: CECCON, C. et al. A vida na escola e a escola na vida. Petrópolis: Vozes, 1986, p.66. 2) Leia a tira de Quino e reflita sobre o processo de alfabetização implícito. Fonte: QUINO, Toda Mafalda: da primeira a última tira. São Paulo: Martins fontes, 2003, p.73. 1144 1155 Unidade 2 Unidade 2. A construção do sistema de escrita pelo aprendiz 2.1 Introdução Na unidade anterior foram discutidas as diferenças entre o ensino tradicional e a proposta construtivista, questão fundamental para o entendimento do contexto de extremas mudanças pelo qual estamos passando. Numa perspectiva construtivista de educação, nesta unidade será discutido como se dá a construção do sistema de escrita pelo aprendiz, considerando a diversidade de interações que ele vivencia. A todo momento as crianças estão em contato com materiais escritos. Antes mesmo de iniciarem a vida escolar, elas observam placas de trânsito, embalagens de produtos diversos, cartazes, jornais, entre outros. Nessa diversidade, elas constroem, gradativamente, hipóteses sobre a escrita, cabendo à escola aprimorar essas vivências e sistematizar as descobertas. O objetivo desta unidade é apontar os mecanismos pelos quais ocorre a aquisição da leitura e da escrita pelo aluno, assim como os níveis de desenvolvimento da escrita, favorecendo o melhor entendimento a respeito do pensamento da criança e de suas primeiras elaborações, pelo educador. Cabe ressaltar que nesta unidade fez-se necessário separar a aprendizagem da leitura e da escrita por questão de organização; entretanto, na prática, o desenvolvimento de ambas ocorre simultaneamente, dependendo da qualidade das interações entre os aprendizes e os portadores de textos, leitores e escritores. 1166 2.2 A psicogênese da escrita Interagindo com o mundo escrito, as crianças (re)constroem gradativamente suas concepções a respeito do sistema de escrita. Segundo Ferreiro (1993), há um padrão evolutivo no desenvolvimento da escrita, caracterizado por quatro níveis: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético. A passagem por esses níveis pode ocorrer na sequência ou não, assim como de forma lenta ou rápida; isso dependerá, sobretudo, da qualidade das interações dos aprendizes com o mundo da escrita. Segundo Ferreiro (1993), a escrita espontânea, aquela grafada sem o uso da cópia, corresponde a um dos indicadores mais claros para entendermos como a criança compreende a natureza da escrita. Essa escrita espontânea pode ocorrer, por exemplo, quando a criança está fazendo um desenho e por si mesma, do seu jeito, escreve o nome do desenho ao lado ou quando tenta escrever os nomes dos familiares. É necessário que o professor compreenda essa escrita dentro do processo de desenvolvimento infantil. A seguir, são apresentadas as principais características das diferentes fases da escrita. No nível pré-silábico, são encontradas escritas que não apresentam correspondência entre som e grafia. As primeiras escritas infantis aparecem em forma de zigue e zague, em linhas contínuas ou fragmentadas; também podem apresentar uma série de bolinhas. Nesta fase se objetiva diferenciar o “desenhar” do “escrever”, considerando que a criança desenha dizendo que ali está escrito algo. Entretanto, essa distinção sustentará as construções subsequentes. É válido destacar que o ensino tradicional enfoca mais a aparência gráfica dessa produção; enquanto que, numa outra vertente, a construtivista, analisam-se os traçados buscando “o que se quis representar e os meios utilizados para criar diferenciações entre as representações” (FERREIRO, p.18-24). O nível seguinte, denominado de silábico, é caracterizado pelo esforço intelectual empregado pelo aprendiz, “na construção de formas de diferenciação entre as escritas”. É justamente a atenção às particularidades sonoras que possibilita o ingresso da criança no nível silábico. Conforme a autora, “a criança começa por descobrir que as partes da escrita (suas letras) podem corresponder a outras tantas partes da palavra escrita (suas 1177 sílabas)”. O aprendiz tenta fazer a correspondência entre grafia e sílaba (FERREIRO, p.18-24). Por exemplo, para escrever CAVALO, numa escrita em que não há correspondência entre grafia e som, o aprendiz escreveria UTR, uma letra para cada sílaba. Numa fase mais evoluída desse mesmo nível, o aprendiz descobre que para escrever uma sílaba ou uma parte da palavra pode haver correspondência com a parte oral, assim percebe que se pode escrever uma letrapara cada sílaba sem repetir letras ou omitir sílabas. Percebe-se, então que, dentro da fase silábica, num momento não há correspondência entre grafia e som e em outro isso é adquirido. Neste último caso, por exemplo, numa escrita que considera a relação entre escrita e som, ele escreveria KAO: a letra K representa o CA, a letra A representa o VA e a letra O representa a sílaba LO. O próximo nível, denominado silábico-alfabético, consiste em representar cada grafia por um som, sendo que “algumas grafias representam sílabas e outras, fonemas”, indicando uma transição entre a fase silábica e a alfabética (KATO, 1994, p.55). Por exemplo, ao ditar a uma criança a palavra cavalo, ela, estando nesse nível, poderia escrever KVAO. No nível alfabético, a criança consegue se fazer entender por escrito, mesmo considerando os erros gráficos. As primeiras escritas das crianças devem ser valorizadas, ainda que não convencionais, mas transitórias, e acompanhadas de um modelo para a confrontação. A respeito da correção da escrita espontânea, Ferreiro (1996, p.47) adverte que a sua correção pode acarretar inibição, impedindo a confrontação e a reflexão do aprendiz sobre o objeto de conhecimento. Dessa forma, torna-se oportuno o professor se manter indiferente à escrita não convencional da criança em um primeiro momento; e agir propondo outro encaminhamento para os erros como, por exemplo, a confrontação e a autocorreção. Sobre a cópia, Ferreiro (1993, p.100) adverte que ela deve fazer parte de situações significativas para o aprendiz e, sobretudo, que “é um dos procedimentos para o domínio da escrita, mas não é o único (nem mesmo o mais importante)”. 1188 O conhecimento das fases da escrita na criança pelo professor é um dos saberes essenciais para que haja o desenvolvimento de atividades pedagógicas de forma consciente, portanto adequadas às necessidades particulares de cada criança ou do grupo. 2.3 A aprendizagem da leitura O construtivismo envolve um conceito de leitura diferente do tradicional. Segundo, Micotti (1998, p.10), no ensino tradicional o conceito de leitura prende-se à decifração; a tradução do escrito para a língua oral é vista como necessária para a compreensão. Nesta perspectiva, no ensino da leitura e da escrita, geralmente, tem-se a ideia de que o aluno não é capaz de realizar certa atividade por ser complexa. Por exemplo, no caso da leitura, acredita-se que crianças de cinco ou seis anos não são capazes de ler um cartaz, um convite ou um folheto, por isso o professor o faz por elas. Entretanto, essas ações são possíveis para as crianças, segundo a proposta construtivista, na qual ler, desde o início, “é atribuir diretamente um sentido a algo escrito”, ou seja, sem passar pela decifração, nem pela oralização de letra por letra, sílaba por sílaba ou palavra por palavra (JOLIBERT, 1994, p.15). Conforme Jolibert (1994), aprender a ler, desde o início, é aprender a compreender o texto, mesmo não sabendo fazê-lo convencionalmente. Assim, tanto para quem ensina, como para quem aprende, ler: é ler escritos reais, que vão desde um nome de rua numa placa até um livro, passando por um cartaz, uma embalagem, um jornal, um panfleto, etc., no momento em que se precisa realmente deles numa determinada situação de vida, ’para valer’ como dizem as crianças. É lendo de verdade, desde o início, que alguém se torna leitor e não aprendendo primeiro a ler (JOLIBERT, 1994, p.15). Nessa perspectiva, a leitura é compreendida de forma mais abrangente, pois muda-se o conceito de leitura. A leitura silenciosa torna-se muito importante, uma vez que nela há 1199 uma busca individual, com a ativação dos conhecimentos prévios, significados e levantamento de indícios. A alfabetização, portanto, dentro deste enfoque, ocorre de maneira “natural” que pode variar segundo o contexto; ou seja, a criança aprende a ler lendo e a escrever escrevendo mediante as práticas sociais significativas de leitura e escrita (JOLIBERT, 1994). Com relação à leitura de diferentes portadores de textos, para Jolibert (1994, p.15-72), as estratégias de leitura, pelas quais o leitor aprendiz chega ao sentido do texto (tanto as crianças da pré-escola como as demais), contrapõem-se à decifração regular e linear, “que parte da primeira palavra da primeira linha para chegar à última palavra da última linha”, pois trata-se inicialmente da coleta de indícios e hipóteses, conforme o nível de desenvolvimento em que a criança se encontre. Inicialmente os textos são questionados coletivamente, momento rico em que as crianças se apropriam de indícios para atribuir sentido ao texto, assim como para diferenciá-lo dentre tantos, geralmente pelo formato do texto, ou seja, sua silhueta, pelas cores, desenhos, palavras conhecidas, entre outros tantos, extremamente ligadas ao contexto. Dessa forma: Progressivamente, desenvolve-se e afina-se a coleta de indícios. Depois das procuras por analogias no escrito, após os ‘começa como...’, ‘termina como’, ‘aqui se vê isso e lá também’, que não são senão jogos de observação do escrito, as crianças chegam a pesquisas mais complexas, ligadas ao sentido, e, rapidamente identificam palavras como ‘fim’ ...os nomes dos dias, os nomes, tudo quanto elas manipulam diariamente... ler (JOLIBERT, 1994, p.72). Quanto à busca de semelhanças entre as palavras, Smith (1999, p.65) aponta que o fornecimento das “melhores pistas para o seu significado [das palavras] e, assim, para a sua identificação [das palavras]”, ajuda a criança a construir seus instrumentos e competências linguísticas. Jolibert (1994, p.44), assim como Smith (1999, p. 51-66), considera que tais competências (apropriação de indícios, pistas, adivinhações, comparações com palavras de construções similares) devem ser construídas, aprimoradas e encorajadas pela escola. Atualmente o ensino da leitura tem trazido muita polêmica no âmbito educacional, no que diz respeito à relação entre a língua oral e a língua escrita. De um lado, 2200 Doze regras veneradas por alguns mestres quanto à aprendizagem da leitura 1. Tenha como finalidade o domínio precoce das regras de leitura. 2. Cuide para que a fonética seja aprendida e utilizada. 3. Ensine as letras ou as palavras, uma por uma, certificando-se de que cada letra ou palavra é adquirida antes de passar para a seguinte. 4. Tenha como objetivo principal uma leitura por palavra perfeita. 5. Não deixe as crianças adivinharem; pelo contrário, cuide para que elas leiam com atenção. 6. Encoraje a falta de erros. 7. Proporcione um feedback imediato. 8. Detecte e corrija os movimentos incorretos dos olhos. 9. Identifique os eventuais disléxicos e trate-os o mais cedo possível. 10. Certifique-se de que as crianças apreendam a importância da leitura e a gravidade do fracasso. 11. Aproveite as aulas de leitura para melhorar a ortografia e a expressão escrita; insista também para que os alunos falem o mais corretamente possível. 12. Se o método utilizado não lhe satisfizer, tente outro. Esteja sempre alerta para achar material novo e técnicas novas. pesquisadores defendem o conhecimento prévio da correspondência entre ortografia- som para a aquisição das habilidades de ler e escrever; de outro lado, defendem práticas de leitura com compreensão ou um mínimo de reflexão sobre o escrito para que então seja adquirido o código linguístico. Micotti (2001, p.26) aponta que hoje “há, a tendência de considerar a oralização como dependente da compreensão”. Segundo Smith (1999, p.51), “não é possível decodificar a linguagem escrita em fala, pelo menos não sem antes compreender a linguagem escrita”, ou seja, ter uma compreensãoprévia do escrito, pois através de estudos e pesquisas nesta área entendeu-se que é possível ler a linguagem escrita compreendendo- a sem imaginar ou emitir sons. Porém, se esses princípios não forem levados em consideração no trabalho pedagógico, de maneira que apenas o código seja trabalhado de forma descontextualizada e mais ou menos isolada, “não só deixamos de aproveitar esta bagagem significativa e funcional, como contribuímos para que a ideia de leitura construída pela criança seja errônea: ler é dizer as letras, ou os sons, ou as palavras” (SOLÉ, 1998, p.58). Jolibert (1994, p.19), por meio de doze regras, salienta como certas práticas podem dificultar a aprendizagem da leitura para o aprendiz. São elas: Tais maneiras de dificultar a aprendizagem da leitura são o retrato vivo do que propõe o ensino tradicional, não colaborando, sobretudo, com a aquisição da habilidade de 2211 compreensão de texto. Se, desde o início, o objetivo primordial do ensino consistir na aquisição da decodificação – memorização de letras e sílabas – quando a criança abordar um texto para ler, ela se preocupará tanto em decifrá-lo corretamente que não atentará para o sentido do texto, o qual se perderá. Por isso, nessa nova proposta de ensino da leitura de Jolibert (1994), há grande atenção à busca pela compreensão do texto, mesmo para o aprendiz que não lê convencionalmente. A decifração vai ocorrendo gradativamente, conforme a necessidade e a idade. No capítulo 4 discutiremos um dos caminhos para se trabalhar com as sílabas e letras, de acordo com uma proposta reflexiva e dinâmica. 2.4 Síntese da Unidade Nesta unidade aprendemos o que é a psicogênese da língua escrita e da leitura, evidenciando que a aprendizagem das competências linguísticas, dos usos na sociedade da leitura e da escrita e, também, a aquisição do código alfabético, são um processo de construção do aprendiz, o qual apresenta um modo particular de entender o mundo, que muitas vezes se diferencia da perspectiva do adulto. 2.5 Para saber mais Revista MICOTTI, M. C. de O. Pequenos aprendizes IN: A mente do bebê: o fascinante processo e formação do cérebro e da personalidade. Aquisição da linguagem, raciocínio e conhecimento, v. 3, p.20-25, 2008 ). Neste artigo de revista, a autora descreve como se dá a aquisição da linguagem oral e escrita desde o nascimento do bebê até os anos iniciais de vida, ressaltando o esforço pela busca de entendimento do mundo realizado pelo ser humano. Este texto é entremeado por descrições da observação que a autora faz de uma criança real e seu desenvolvimento cognitivo. Também é discutido e 2222 exemplificado o desenvolvimento da escrita por meio de marcas gráficas realizadas por crianças de diferentes idades. 2.6 Atividades 1) Selecione duas crianças que tenham entre 5 e 7 anos e dite a elas quatro palavras: uma monossílaba, uma dissílaba, uma trissílaba e outra polissílaba. Depois, avalie a fase da escrita em que as crianças se encontram. 2) Com as mesmas crianças, faça uma entrevista oral, perguntando a elas: Pra que serve a leitura? Pra que serve a escrita? Anote as respostas e depois analise-as, com base na teoria estudada, no que diz respeito ao tipo de ensino que recebem. 2233 Unidade 3 Unidade 3. Aprender a ler e a escrever na escola: a pedagogia 3.1 Introdução Nas unidades anteriores estudamos os processos de aprendizado da leitura e da escrita, enfatizando o esforço do aprendiz e sua interação com o mundo cultural da escrita para a aquisição desta. Nesta unidade, estudaremos a importância da inserção do ensino num ambiente contextualizado, pois sabemos que para que haja aprendizagem é necessário que o conteúdo tenha significado para o aluno. Afinal, de que adianta estudar um conteúdo se ele terá um fim em si mesmo, ou seja, foi estudado somente para cumprir o rol de conteúdos escolares e será arquivado na pasta para averiguação dos pais em reunião? Aprender a ler e a escrever com sentido é estudar para suprir uma necessidade real, para se comunicar com o exterior, entre outros. Por isso, também esclareceremos o conceito de alfabetização e letramento. O objetivo desta unidade é propiciar uma reflexão sobre a vinculação das aprendizagens dos conteúdos pelos alunos a contextos reais de ensino, ressaltando a pedagogia por projetos como caminho para a superação dos fracassos escolares. 3.2 Alfabetização e letramento O significado da palavra alfabetização, na atualidade, adquiriu um sentido amplo. Freire (1993, p.20) entende a alfabetização como um processo de leitura de mundo. Sobre sua proposta de alfabetização, o autor afirma que “a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele” e, 2244 completa, “[...] a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de ‘reescrevê-lo’, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente”. Freire chama a atenção para o trabalho com o desenvolvimento da criticidade do aluno e para o sentido das atividades escolares, o que não dá margem para o ensino da leitura e da escrita restrito às antigas cartilhas descontextualizadas da realidade. Atualmente, a palavra letramento tem se inserido no cenário educacional. Mas o que ela significa? A pretensão aqui é discutir esse tema a partir das ideias de Magda Soares e Emília Ferreiro. Do ponto de vista do ensino tradicional, letramento e alfabetização são concebidos como processos independentes; isto é, primeiramente o aluno adquire o código alfabético, mais precisamente a partir do ingresso no 1º ano do ensino fundamental, para depois iniciar o desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita num contexto social. Conforme Ferreiro (1993, p. 67), essa postura de “manter o processo de aprendizagem sob controle traz implícita a suposição de que os procedimentos de ensino determinam os passos na progressão da aprendizagem”; ou seja, como se nada estivesse dentro da cabeça da criança anteriormente ao ensino. Essa concepção, segundo a autora, subjaz à ideia de esperar dos alunos respostas corretas, desconsiderando o erro como parte do processo de aprendizagem. A partir de diversos estudos, sabe-se que, muito antes de a criança ingressar na escola, ela já tem hipóteses sobre a escrita, por conviver num mundo letrado. Sobre as palavras alfabetização e letramento, há autores que dividem opiniões diferentes sobre o seu significado, apesar de compartilharem uma visão distinta da concepção do passado. Soares (2004, p.15-16) afirma que “[...] a alfabetização não precede o letramento, os dois processos são simultâneos”. Entendendo-os como processos de natureza diferente, ela propõe ao ensino: [...] em primeiro lugar, a necessidade de reconhecimento da especificidade da alfabetização e apropriação do sistema de escrita, alfabético e ortográfico; em segundo lugar, e como decorrência, a importância de que a alfabetização se desenvolva num contexto de 2255 letramento – entendido este no que se refere à etapa inicial da aprendizagem, como a participação em eventos variados de leitura e de escrita, e o consequente desenvolvimento de habilidades de uso da leitura e da escrita nas práticas sócia is que envolvem a língua escrita, e de atitudes positivas em relação a essas práticas; em terceiro lugar, o reconhecimento de que tanto a alfabetização quanto o letramento têm diferentes dimensões, ou facetas, a natureza de cada uma delas demanda uma metodologia diferente [...] (SOARES, 2004, p.15-16). Nessaproposta de conciliar letramento e alfabetização, sem perder a especificidade de cada um, a autora enfatiza a necessidade da utilização de múltiplos procedimentos de ensino, para suprir as necessidades características de um grupo escolar ou de cada aluno. Porém, quando ela fala das especificidades, está separando os significados das palavras alfabetização e letramento. Apesar de considerar que ambos ocorrem simultaneamente, ela os distingue. Assim, a palavra alfabetização volta a ser associada a alfabeto. Para Soares (2004), além de os dois termos possuírem naturezas diferentes, apresentam processos simultâneos e interdependentes, por isso devem ser conservados. Entretanto, no entender de Ferreiro (1993), em alfabetização estaria o conceito de letramento, ou vice-versa, em letramento estaria compreendido o conceito de alfabetização, podendo-se optar por um ou por outro termo. Dessa forma, a alfabetização é compreendida como uma aquisição além da compreensão grafofônica. Vale destacar que, no contexto educacional, as duas autoras trazem contribuições para o processo da aprendizagem da língua escrita, considerando que o foco não está mais no professor, detentor do conhecimento, ou no aluno, dotado de conhecimentos advindos da genética, mas na interação do sujeito com o objeto de conhecimento. Neste livro-texto, optamos pelo termo alfabetização, considerando seu significado amplo, conforme Freire (1993) e Ferreiro (1993) destacam. Para designar o ensino da língua escrita utilizaremos o termo: ensino da leitura e da escrita. Se os seres humanos aprendem diversas coisas dentro do contexto da vida, por que a escola teria que ensinar por meio de atividades somente com um fim em si mesmas, fora de contexto, ou como diriam muitas crianças, “sem sentido”? Considerando a 2266 alfabetização como processo que ocorre desde o início da vida do indivíduo e a relevância da escola em ensinar as crianças a ler e a escrever de forma significativa, a seguir, é dada ênfase ao trabalho com a pedagogia por projetos, visto que eles podem constituir mecanismos adequados para desenvolver o raciocínio e formar personalidades, dando sentido à vida na escola. 3.3 A pedagogia por projetos Nesse contexto de extremas mudanças na educação, cabe ressaltar a importância de favorecer a aprendizagem por meio de um ambiente cooperativo e significativo na escola, em que o aluno tenha a oportunidade de ser ativo: opinando, discutindo, decidindo, responsabilizando-se, escolhendo, sendo solidário, etc. Para Charlot (2000, p.72), a aprendizagem vai além dos aspectos didático e cognitivo. Ela está ligada à relação que o estudante estabelece com o saber; ou seja, o aluno realizar ou não uma atividade, considerar um conteúdo difícil ou fácil, querer ou não aprender, dependem do significado que ele atribui a essas ações e das situações que lhes são apresentadas. A aprendizagem está ligada à relação que o estudante estabelece com o saber. A aprendizagem vai acontecer se “aprender fez sentido por referência à história do sujeito, às suas expectativas, às suas referências, à sua concepção de vida, às suas relações com os outros, à imagem que tem de si e à que quer dar de si aos outros” (CHARLOT, 2000, p.72). A vivência num meio que faça sentido para o aluno e onde ele possa agir e ser valorizado, nas suas descobertas e produções, faz com que ele construa sentidos em torno dos conteúdos do currículo escolar se desenvolvendo e aprendendo (SOLÉ e COLL, 1998). Esses aspectos são contemplados na proposta da “Pedagogia por Projetos”, de Jolibert (2006, p.214), a qual representa estratégias para a “construção das personalidades e dos conhecimentos”, em contexto. Diferentemente dos projetos prontos, encontrados em livros didáticos ou manuais, na referida proposta o planejamento, a execução e a 2277 avaliação dos projetos são elaborados de maneira dialógica no coletivo da classe, possibilitando uma interação entre interesses coletivos, aspirações pessoais e valores. Projetos autênticos e significativos para professor e aluno, pois abrangem a necessidade, tanto de aprendizagem como de comunicação, e a expressão de anseios. Nesse contexto, se inserem o ensino e a aprendizagem da língua materna. Esses projetos, conforme sugere Jolibert (2006), podem se iniciar com uma simples pergunta à classe: o que vocês desejam fazer em aula? O que podemos fazer juntos? Dependendo da faixa etária as respostas se diferenciam. Algumas podem aparecer em qualquer nível de ensino, como por exemplo: Queremos ouvir histórias! Queremos inventar poemas! Queremos brincar! Queremos conhecer um zoológico! Esse é um momento de o professor dividir com a classe seus objetivos, o que pretende realizar durante o ano. Não somente os alunos dão sugestões, mas os professores também. Numa classe de educação infantil podem, por exemplo, surgir perguntas do tipo: Por que os dentes caem? De acordo com as possibilidades de realização, os projetos são anotados em um cartaz e ficam expostos durante o ano. Há sugestões de alunos que, por não serem viáveis, são descartadas; antes precisam ser justificadas pelo professor. Por exemplo, um aluno que sugere que a escola ensine a pilotar avião. Essa iniciativa de perguntar para os alunos o que eles desejam realizar na escola e efetivar por meio de uma didática reflexiva, construtivista, ajuda a promover o sucesso dos estudantes, pois os conteúdos são aprendidos “para valer”, para uso real, não para um faz-de-conta: Vamos fazer de conta que queremos conhecer o centro histórico da cidade, então vamos escrever uma carta ao prefeito. Qual a motivação? Para a realização desses projetos, a leitura e a escrita são utilizadas em situações reais de comunicação. Há significado em aprender a escrever uma carta, por exemplo, a qual será enviada aos bombeiros solicitando-lhes uma palestra aos pais sobre primeiro socorros. Há significado para uma classe de alunos com 6 anos escrever um convite para entregar aos pais, para estes assistirem a um sarau de poesias. Há significado para alunos das séries iniciais aprenderem gramática, pois necessitam produzir histórias para 2288 presentear amigos e representar por meio de encenações. A prática de sala de aula com essa proposta mostra alunos mais interessados e comprometidos com a aprendizagem da leitura e da escrita. Eles capricham, pois haverá a avaliação do seu escrito pelos interlocutores da classe! Para Jolibert (2006, p.179), a aprendizagem é vista como um processo e se caracteriza por vários aspectos: é significativa: quando o conteúdo faz sentido para o aprendiz, quando há articulação aos seus conhecimentos prévios e ele sabe que será útil; valoriza o aluno ativo, que busca respostas as suas inquietações; valoriza o aluno interativo, social, que busca aprender por meio da interação as demais pessoas; é reflexiva, pois o aluno aprende refletindo sobre suas aprendizagens Nesta proposta, há diferentes tipos de projetos: de realizações (convivências, visitas, exposições.); de estudo (ex.: “Aprofundemos o conceito de lendas”); de pesquisa (levantamentos, entrevistas, busca de informações, etc.). Podem-se construir projetos envolvendo toda a classe, em pequenos grupos, individualmente (desde que os resultados sejam socializados), projetos de aula ou de curso, com séries paralelas ou envolvendo outro(s) curso(s) por correspondência escolar; envolvendo a unidade educativa, a comunidade, o município, o bairro, a cidade, outros países. Pode-se ainda, incentivar projetos multidisciplinares ou específicos; projetos anuais, mensais, semanais, ou de curto prazo (1 a 6 dias) (JOLIBERT, 2006).Todavia, que aprendizagens conseguir dentro dos projetos? Jolibert (2009) precisa algumas delas: - de aprender a ler e a produzir textos, ou melhor, vários tipos de textos, contextualizados, com destinatários e autores verdadeiros, e não de uma língua escrita artificial, padronizada e descontextualizada; - de aprender a ler e a produzir textos considerando, de maneira integrada, todos os níveis linguísticos próprios do texto em pauta, além de seu contexto e sua superestrutura de conjunto até suas últimas microestruturas, ao invés de se limitar à síntese da frase e à ortografia das palavras (JOLIBERT, 2009, p.23). 2299 Percebe-se a necessidade de envolver os alunos em contextos reais de aula para o desenvolvimento não somente de aprendizagens efetivas e formação de personalidades, mas também para estabelecer a ponte entre a escola e a vida. Conforme Micotti (2009, p.37), “a ideia de realização de projeto como recurso pedagógico não é nova”, há raízes nas obras de grandes pedagogos, entre os quais: [...] Decroly, com a proposição dos centros de interesse; Kerchensteiner, com o trabalho em cooperação; Dewey, com a ideia do problema e do aprender fazendo; Freinet com a proposição de efetivação de cooperativas, do texto livre, da imprensa e da correspondência escolar (MICOTTI, 2009, p.37). A pedagogia por projetos é a viabilização da inserção dos alunos ao mundo da escrita que pode levar professores e alunos ao êxito. 3.4 Síntese da Unidade Esta terceira unidade contempla a viabilização da aprendizagem da leitura e da escrita por meio da Pedagogia por Projetos, na qual alunos e professor participam ativamente do processo de planejamento e avaliação, num contexto significativo. Destaque é dado ao significado da alfabetização e do letramento por Magda Soares (2004) e Emília Ferreiro (1993, 2003). 3.5 Para saber mais Livro MICOTTI, M.C.O. (Org). Leitura e escrita: como aprender com êxito por meio da pedagogia por projetos. São Paulo: Contexto, 2009. Este livro reúne os resultados da aplicação das premissas da educadora Josette Jolibert, por professoras da rede municipal de ensino, mostrando, com exemplos reais, os êxitos alcançados pelos alunos de ensino fundamental e da educação infantil. Há neste livro relatos de experiências práticas e 3300 autênticas de Projetos, ressaltando a interação entre professor-aluno, num contexto em que as crianças são agentes ativos do processo de ensino e aprendizado. 3.6 Atividades 1) Leia atentamente a tira de Quino e os trechos da música de Gabriel, O Pensador, e pontue as críticas que os autores tecem sobre o ensino-aprendizado vinculados pela escola, enfatizando o significado que a escola tem para o estudante nesta perspectiva. Depois descreva como deveria ser vinculado o ensino na escola. Fonte: QUINO, Toda Mafalda: da primeira a última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.73. Estudo Errado Composição: Gabriel, O Pensador Eu tô aqui pra quê? Será que é pra aprender? Ou será que é pra sentar, me acomodar e obedecer? Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever A professora já tá de marcação porque sempre me pega Disfarçando, espiando, colando toda prova dos colegas E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo E quando chega o boletim lá em casa eu me escondo Eu quero jogar botão, vídeo-game, bola de gude Mas meus pais só querem que eu "vá pra aula!" e "estude!" 3311 Então dessa vez eu vou estudar até decorar cumpádi Pra me dar bem e minha mãe deixar ficar acordado até mais tarde [...] Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei nem o que é inflação - Ué não te ensinaram? - Não. A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil Em vão, pouco interessantes, eu fico pu.. Tô cansado de estudar, de madrugar, que sacrilégio (Vai pro colégio!!) Então eu fui relendo tudo até a prova começar Voltei louco pra contar: Manhê! Tirei um dez na prova Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova Decorei toda lição Não errei nenhuma questão Não aprendi nada de bom Mas tirei dez (boa filhão!) Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Decoreba: esse é o método de ensino Eles me tratam como ameba e assim eu não raciocino Não aprendo as causas e consequências só decoro os fatos Desse jeito até história fica chato Mas os velhos me disseram que o "porque" é o segredo Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo [...] 2) Qual é a relação entre a pedagogia por projetos e o ensino da leitura e da escrita? 3322 3333 Unidade 4 U nidade 4. O trabalho em sala: atividades de ensino e aprendizado 4.1 Introdução Nas unidades anteriores estudamos que a alfabetização é um processo que se inicia desde quando a criança nasce; dessa forma, o trabalho escolar deve considerar seus conhecimentos prévios e necessidade reais no ensino. Enfoque foi dado à inserção do ensino em situações reais; ou seja, com sentido para o professor e o aluno, como facilitador de aprendizado. Nesta unidade estudaremos, com detalhes, práticas de sistematização do sistema de escrita em sala de aula, enfatizando a forma de viabilizar o trabalho com as letras e as sílabas num contexto significativo para o aprendiz. Considerando-se que “a invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema de representação”, para que a criança aprenda a linguagem escrita é preciso construir um conhecimento de natureza conceitual, necessitando a intervenção do ensino (FERREIRO, 1993, p.12). O objetivo desta Unidade é possibilitar a reflexão e a compreensão do processo de alfabetização, mais especificamente sobre o trabalho do professor, no que diz respeito às suas ações mediante a sistematização do aprendizado da leitura e da escrita. Especificamente, objetiva-se refletir sobre os mecanismos pelos quais os alunos adquirem a escrita e a leitura. 4.2 Contextos de alfabetização A aprendizagem da leitura e da escrita no ambiente escolar, necessariamente, deve se dar a partir de uma diversidade de contextos como já foi estudado nas unidades anteriores. Desde os primeiros anos de ensino, é necessariamente dever da escola 3344 oportunizar o contato e a interação dos aprendizes com a cultura escrita e com os leitores e escritores. Dessa forma, a seguir serão descritos vários contextos de alfabetização, aos quais o professor deve estar atento. Teberosky e Ribera (2004, p.55-70) descrevem diversos contextos escolares que são propícios ao desenvolvimento da linguagem escrita em crianças pequenas, tais como a observação da ação de ler e escrever dos adultos (leitores e escritores); a observação, por exemplo, de livros ilustrados, dos recursos visuais e de aprendizagem verbal, a partir da exploração sistematizada pelo professor, variando desde a instigação à leitura e interpretação da imagem até a ajuda na compreensão das “diferentes relações entre desenho e texto, que não se reduzem apenas à repetição”; a escuta da leitura de textos em voz alta, que favorece a familiaridade das crianças com o vocabulário dos livros e possibilita a melhor compreensão dos textos; as situações em que os mais diversos suportes de textos sejam manipulados com o intuito de que a criançaconheça-os em si mesmos enquanto objetos e não para se familiarizarem com a mensagem. Outro contexto importante de aprendizagem em educação infantil é “escrever em ‘voz alta’, ditando ao professor”, pois: Pensando e construindo textos ditados ao professor, as crianças aplicam conhecimentos, resolvem problemas e, sobretudo, aprendem a usar uma linguagem formal em atividades significativas de escrita, adequando o vocabulário, a estrutura e o conteúdo de seus textos aos objetivos perseguidos (TEBEROSKY e RIBERA, 2004, p.64). Nesta escrita, em que o aluno dita uma história, poema, entre outros textos, e o professor, na qualidade de escriba, transcreve-os na lousa, há um importante momento de aprendizado. A partir da necessidade de se expressar, e fazendo isso de forma compartilhada, é que as crianças aprendem aspectos da linguagem escrita que não poderiam aprender com a simples cópia do resultado final. A partir de atividades em contextos, emerge das crianças a necessidade de perguntas e respostas – momento que impulsiona mais o pensar sobre a linguagem escrita, tendo o propósito de reflexão, elaboração de compreensão e resolução de dúvidas. 3355 A própria ação de escrever, que não apenas dá lugar à produção do texto, mas também coloca em jogo procedimentos de produção e de controle mediante a leitura da própria escrita, constitui outro contexto de aprendizagem da alfabetização inicial. A escrita em duplas é muito importante, uma vez que possibilita trocas de conhecimentos entre os participantes, assim como a percepção do relacionamento entre o oral, a escrita e a leitura. Sendo assim, este é um momento ideal para que o professor faça questionamentos sobre a estabilidade e a convencionalidade do escrito. É importante destacar que a produção da escrita pela própria criança é necessária no início da alfabetização; porém, como Jolibert (1994) e Teberosky e Ribera (2004) assinalam, exclusivamente em forma de textos em situações contextualizadas e significativas. Nestas situações, as crianças têm condições tanto para diferenciar diferentes tipos de textos, como também para produzi-los. A seguir, vamos discutir sobre o trabalho com a sistematização, ou seja, a organização das descobertas das crianças no que diz respeito à língua escrita. 4.3 O trabalho com letras e sílabas: atividades de sistematização Com a proposta construtivista, o ensino das letras e suas combinações deixaram de desempenhar papel de destaque na alfabetização; todavia, por se tratar de uma convenção social, é necessário que haja reflexão e estudo sobre ele. Sendo função do professor, como aponta Jolibert (1994, p.14), é importante redefinir tal ensino, sobretudo no que consiste em apoiar a criança em seus próprios aprendizados, de modo a: - fazer com que a vida na sala de aula proporcione às crianças situações de leitura simultaneamente efetivas e muito diversificadas; - ajudar as crianças a “interrogar o escrito”: procura de sentido, hipóteses a partir de indícios e verificação; 3366 - ajudar as crianças a utilizar os instrumentos (os fichários, entre outros) progressivamente elaborados pela turma; - ajudar as crianças a elucidar suas próprias estratégias de leitura (como fazem). A função do professor fica evidente quanto à ponte entre os alunos e o saber, à ajuda na elucidação de estratégias utilizadas e à elaboração de instrumentos de apoio ao aprendizado, imprescindíveis ao desenvolvimento do aprendiz. Nesta abordagem, o professor não é o único que pode ajudar no processo de aprendizagem, pois há o consenso de que é a criança que se ensina a ler com a ajuda do professor e também dos demais leitores presentes em sua vida cotidiana. Neste contexto, diferente do passado, o ensino da linguagem oral e escrita não poderia partir de letras ou sílabas. Sobre o assunto, Jolibert (2006) justifica: A capacidade de soletrar é uma das últimas competências leitoras a ser construídas, é produto da aprendizagem, e não a sua condição prévia. É normal que a decodificação, isto é, o domínio do sistema das letras e de suas combinações, não seja adquirido antes do término da 1ª e início da 2ª série. Mas, nessas condições, quando for construída, o será definitivamente e solidamente, por TODAS (grifo do autor) as crianças (JOLIBERT, 2006, p.188). O domínio das letras e de suas combinações ocorre gradativamente ao longo do ano por meio de diversas atividades e situações de aprendizado. De forma contextualizada, portanto significativa para o aprendiz, utilizando-se do questionamento de texto, é possível fazer reflexões sobre a construção da escrita. Por exemplo, num determinado projeto as crianças necessitam ler uma receita para fazer um bolo, pois receberão a avó de um colega que visitará a escola para contar uma história. Ao abordar o texto, poderá ocorrer situações em que, para saber o que está escrito, os alunos se utilizarão de letras ou sílabas em suas reflexões para ajudar a esclarecer a dúvida. Por exemplo, na leitura da receita, as crianças ficam em dúvida se está escrito “duas colheres de maisena” ou “duas colheres de Nescau”; enfim escolhe-se a primeira opção (maisena), pois elas, reportando-se às palavras já conhecidas, relembram várias com a inicial m; assim desvendam a palavra nova. 3377 Ressalte-se que, na proposta construtivista, a construção da escrita não se reduz a técnicas de decifração, que se iniciam com a aprendizagem das sílabas para depois chegar à leitura de pequenos textos, por exemplo; mas consideram a oportunidade de raciocinar sobre o sistema de escrita de forma contextualizada, que leva as crianças a elaborar suas ideias, e seus modos de agir, “aperfeiçoando os seus instrumentos cognitivos que possibilitarão o acesso a saberes cada vez mais complexos” (MICOTTI, 2001, p.27). A partir da exploração de textos, as crianças são estimuladas a questioná-los; nesse momento, haverá a formulação de várias hipóteses, as palavras conhecidas as ajudarão a comparar, refletir e aprender outras. A interação das crianças com os textos, em situações reais, propicia a utilização da soletração para chegar à compreensão, até que, a longo prazo, os estudantes decodificarão o texto automaticamente. Todavia, Micotti (2001, p.14) destaca que, numa situação de exploração de textos pelo professor, não se pode prever exatamente quais as hipóteses que as crianças formularão a partir dos indícios levantados, cabendo ao professor averiguar o significado do que foi falado e organizar as informações levantadas. Na busca da construção do sistema de escrita, as atividades de produção livre são propícias a esse desenvolvimento. O professor pode dizer para elas escreverem o que quiserem ou, ainda, dar a ideia do registro do que fizeram no dia, criando um diário particular. Elas escrevem livremente, tendo a oportunidade de escolher o jeito que irão grafar. Por fim, é solicitado que a criança conte o que escreveu para o grupo, que será seu primeiro leitor. Durante todo o ano letivo, é interessante e divertido utilizar jogos com letras como recurso. As crianças devem manipular letras, combinando-as e interrogando-as sobre seu uso. Pode-se utilizar letras móveis, jogos da memória, dominó entre outros, construídos pela classe. Esses jogos permitem o estudo de letras ou palavras conhecidas e sua composição e decomposição. Nesse jogo, novas palavras são descobertas e usadas como referências posteriormente. 3388 Durante todo esse trabalho, é extremamente necessária a realização da sistematização das descobertas das crianças, ou seja, é importante que o professor esteja atento para registrar e ter como material
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