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SÍNDROME MIOFASCIAL Introdução e definições O sistema musculoesquelético é o responsável pela estabilidade estática e dinâmica das extremidades e tronco. A eficiência de sua função depende da integridade de seus componentes estruturais, da biomecânica adequada e do alinhamento corporal e postural corretos, resultando em movimentos livres e indolores. Quando há quebra do conjunto harmônico, ocorre fenômenos dolorosos e perda da função. Muitos estados traumáticos são acompanhados de incapacidade temporária ou permanente. O traumatismo pode ocorrer como um acidente único e violento, com mediato aparecimento das lesões ou ser resultado de traumas crônicos decorrentes de hábitos posturais ou ocupacionais que originam fadiga muscular persistente, desequilíbrio músculo-fáscio-tendíneo e tensão. Portanto os quadros miofasciais geralmente estão relacionados a vícios posturais ou dinâmicos ou alterações anatômicas estruturais. A síndrome miofascial pode ser definida como um conjunto de sintomas sensoriais, motores ou autonômicos associados com os pontos-gatilho miofasciais. Um ponto-gatilho miofascial é uma região hipersensível em um músculo esquelético que está associado a uma banda muscular contraturada, também hipersensível, palpável ao exame físico. Os distúrbios sensoriais presentes no ponto-gatilho são disestesias (fraqueza ou perda de algum sentido), hiperalgias (sensibilidade exagerada aos estímulos dolorosos) e dor referida. Já as manifestações autonômicas mais comuns são alteração da temperatura, sudorese, piloereção, eritema, salivação e queixas proprioceptivas. Quando o ponto-gatilho é pressionado, a dor causada produz um efeito no alvo ou na zona de referência. Esta área de referência é a característica que a diferencia a síndrome miofascial da fibromialgia. Na dor miofascial, os pontos de gatilho estão relacionados à causa da dor, ou seja, se eles forem tratados, o paciente melhorará. Já na fibromialgia os pontos de dor são úteis ao diagnóstico, mas não devem ser tratadas isoladamente. Exemplos de quadros miofasciais: Síndrome escápulo-costal ou síndrome do ângulo da escápula, situação em que o paciente refere dor na região dorsal, mais na face posterior da cintura escapular, que se irradia para a região cervical, o ombro e parede torácica. O ponto- gatilho está presente na região da porção medial e sob a escápula. Fasciites da região pré- sacral, glútea e do tensor da fáscia lata são outros exemplos. Epidemiologia São afecções extremamente comuns no dia a dia. Os quadros mais comuns estão distribuídos na musculatura cervical e cintura escapular. O quadro tem maior prevalência na faixa etária entre 30 e 50 anos, em indivíduos sedentários e afeta igualmente ambos os gêneros. Etiopatogenia Em geral, um ponto-gatilho se desenvolve após uma lesão inicial a uma banda de fibras musculares. Essa lesão pode incluir um evento traumático evidenciado ou traumas de repetição no músculo acometido. O ponto-gatilho causa dor e estresse, que à medida que vai aumentando, o músculo se torna fatigado e mais susceptível à nova adição de pontos-gatilho adicionais. Quando vários fatores predisponentes se combinam com um evento produtor de estresse agudo, ocorre ativação da síndrome miofascial. Aspectos clínicos e diagnósticos O diagnóstico da síndrome miofascial depende de uma anamnese e exame físico executados de forma detalhada. A ultrassonografia de alta resolução permite localizar os pontos-gatilho através da alteração de ecogenicidade, mas, em geral, não são usados na prática clínica. Outro exame que permite a localização do ponto-gatilho é a elastografia por ressonância magnética, que é uma técnica que diferencia as densidades diferentes e consegue distinguir as bandas de contratura muscular e o músculo normal. O quadro, em geral, é insidioso e bem localizado. A identificação do padrão referido é extremamente importante para o diagnóstico e tratamento da síndrome. A dor pode ser aguda ou crônica. A natureza da dor em ambos os casos é profunda, difusa a mal localizada. O paciente geralmente observa uma região “endurecida” que corresponde a bandas de contratura muscular. A dor existe no repouso, mas é mais bem pronunciada com movimentação ativa ou passiva da região acometida. Além da dor, o paciente pode também queixar de hiperestesia e perda da força. Alguns sintomas autonômicos, como lacrimejamento e salivação, são descritos. Ainda pode ocorrer vasodilatação ou vasoconstrição que geram eritema e sensações térmicas cutâneas diversas. Disfagia, alterações do equilíbrio e tonturas também podem estar relacionadas com a síndrome. Deve-se pedir para que o paciente aponte para região que ele sente mais dor. Como já existe um padrão estabelecido de áreas referidas e os pontos-gatilho, os locais desses últimos geralmente são previsíveis e estão bem descritos na literatura. Há três métodos para identificar o ponto-gatilho através da palpação: 1. Palpação plana: escorrega-se o dedo indicador entre as fibras musculares do músculo afetado. A pele fica empurrada, enquanto o dedo médio palpa o corpo muscular. 2. Palpação em pinça: utilizada para identificar o ponto-gatilho específico. O músculo é preso entre o polegar e o indicador. As fibras comprimidas entre os dedos são examinadas para localizar a banda de contratura. 3. Palpação profunda: a ponta do dedo é colocada sobre a área do músculo com suspeita de apresentar o ponto-gatilho, e produz-se uma compressão. Deve-se utilizar esta técnica para pontos profundos. Não é raro que junto com a síndrome miofascial exista outras afecções do aparelho motor, como a tendinite no punho associada à dor na musculatura do antebraço. Assim o diagnóstico não deve se limitar somente à síndrome, como também outras afecções que podem estar presentes. Diagnóstico diferencial Tendinopatias, bursopatias e contraturas musculares. De acordo com o sítio acometido, deve- se considerar síndromes compressivas radiculares, como a síndrome do túnel do carpo. Fibromialgia, hipotireoidismo e espondiloartropatias, quando a área acometida vem acompanhado de fraqueza e fadiga. Também pode ter relação com síndromes de deficiências nutricionais, como falta de vitamina D e ferro. Se encontrar uma ou mais deficiência, deve-se pesquisar síndrome de má absorção ou doença celíaca. Os desvios posturais devem ser avaliados com cuidado. Roupas justas, calçados, bolsas e cargas diárias podem ser responsáveis pelo aparecimento das queixas. Traumas ocorridos em acidentes, práticas esportivas e manipulações cirúrgicas são habituais de aparecimento de sintomas. Tratamento Para identificar os agentes causadores, o médico deve investigar hábitos posturais, profissionais e de lazer, além do desempenho das atividades de vida diárias e da vida prática. O primeiro aspecto importante do tratamento é a educação, o esclarecimento sobre a doença e cada passo do tratamento. Além disso, deve-se observar os estressores citados e alertar o paciente sobre eles, para que possa promover modificações da sua rotina de vida. Tratamento local As intervenções localizadas são mais eficientes para desativação dos pontos-gatilho. Os recursos terapêuticos envolvem prescrição de exercícios de alongamento e fortalecimento que visem a melhora da função muscular ou procedimentos diretamente no ponto-gatilho, como métodos físicos (ultrassom, ondas curtas e estimulação transcutânea), agulhamento seco, acupuntura, infiltração com lidocaína, toxina botulínica e massoterapia. A técnica de agulhamento constitui o tratamento com mais evidência científica na literatura. Várias técnicas foram avaliadas, como agulhamento seco, anestésico local, solução salina e água estéril. Um achado comum em todas as técnicas é que a duração do alívio da dor após o procedimentosupera a duração da ação do medicamento, quando este é aplicado. O uso da toxina botulínica vem se expandindo nesta síndrome, pois acredita-se que apresenta um papel na modulação da dor tanto em uma ação central como periférica. Apesar disso, os resultados dos estudos disponíveis são controversos e são necessários estudos controlados para esclarecer melhor sua eficácia. Tratamento medicamentoso Há poucos estudos controlados dos medicamentos. O arsenal de medicamentos indicados inclui desde analgésicos e anti-inflamatórios até relaxantes musculares e antidepressivos tricíclicos e inibidores de recaptação de serotonina. Tratamento não medicamentoso Nas fases mais agudas, recomenda-se crioterapia (imersão em água fria, compressas de gelo, sprays e recursos de importância no controle da dor). Pode-se ainda utilizar iontoforese com histamina e eletroterapia; indica-se também cinesioterapia o mais precocemente possível, com o objetivo de manter a amplitude articular. Nas fases subagudas e crônicas, o calor superficial (compressas quentes, banhos de parafinas, raios infravermelhos) ou profundo (ultrassom, ondas curtas e micro-ondas), dependendo da estrutura acometida, é a terapêutica de eleição. Enfatiza-se a importância dos exercícios físicos são de extrema importância, pois ajudam a melhorar a flexibilidade, o status funcional e o humor, reduzir a dor e restaurar a função motora comprometida. Os exercícios devem seguir um roteiro pré-estabelecido, de acordo com o grau de lesão, o acometimento anatômico e a evolução da doença. A fisiologia muscular e a biomecânica articular devem ser respeitadas. Para alguns pacientes, é importante prescrever técnicas de redução do estresse, como terapia cognitivo-comportamental, meditação e outras técnicas de relaxamento. Prevenção de novos surtos A prevenção deve ser estabelecida a partir da identificação do nexo etiológico da lesão e dos fatores predisponentes e desencadeantes do processo álgico. A adequação nas atividades profissionais e a manutenção osteomioarticular são fatores fundamentais para atingir uma adequada prevenção de novas alterações. A evolução tende a ser positiva com o controle do quadro e combinação dos métodos citados. A recorrência dos sintomas se relaciona com a presença dos fatores desencadeantes.
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