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O DEVER DO JUIZ DIANTE DA LACUNA OU OBSCURIDADE DA LEI

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CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC)
O DEVER DO JUIZ DIANTE DA LACUNA OU OBSCURIDADE DA LEI
O novo Código de Processo Civil (CPC) ampliou a aplicação do Direito quando em seu art. 8º permite ao juiz aplicar o ordenamento jurídico atendendo aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando, por conseguinte, a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Antes, na vigência do velho CPC, seu art. 126 trazia a seguinte redação: “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”.
Observe que a dicção do art. 8º, do novo CPC, além de inovadora, é muito mais abrangente. Prevalece, agora, a máxima de que “não se aplica simplesmente a lei, mas, o Direito da qual a lei é um segmento”.
“O direito precisa transformar-se em realidade eficiente, no interesse coletivo e também no individual. Isto se dá, ou mediante a atividade dos particulares no sentido de cumprir a lei, ou pela ação, espontânea ou provocada, dos tribunais contra as violações das normas expressas, e até mesmo contra as simples tentativas de iludir ou desrespeitar dispositivos escritos ou consuetudinários. Assim resulta a aplicação, voluntária quase sempre; forçada muitas vezes” (Nagib Slaibi Filho, professor e desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro).
A aplicação do Direito - diz Carlos Maximiliano, em “Hermenêutica e aplicação do Direito”, Revista Forense - consiste no enquadrar um caso concreto em a norma jurídica adequada. Submete às prescrições da lei uma relação da vida real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado. Por outras palavras: tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humano.
Ao ampliar os deveres do juiz, atendendo - agora de forma expressa - aos fins sociais e às exigências do bem comum, o novo CPC também trouxe uma redação inovadora prevista no art. 140, segundo o qual “o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”.
Antes, pela redação do art. 126, do velho CPC, agora revogado, “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”.
Anteiormente, o CPC de 1973 tratava de “lacuna ou obscuridade da lei”. Hoje, de “lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. Implica dizer que estamos, agora, diante de uma cláusula mais ampla, onde o ordenamento jurídico prevalece para tornar dever do juiz para que não se omita na aplicação do Direito. Como diz o desembargador citado, o juiz, hoje, deve ser “iluminado por todo o ordenamento jurídico”.
A mudança tem sentido prático: de impor ao juiz não só um dever de observar a letra fria da lei, mas prestigiar o ordenamento jurídico na busca do Direito na sua expressão maior.
Para alguns juristas, lacuna da lei é a ausência da norma legal. Para outros, uma imperfeição insatisfatória dentro da totalidade jurídica; uma falha ou uma deficiência do sistema jurídico.
Miguel Reale, citado por Tércio Sampaio Ferraz Júnior, em “O problema das lacunas e a filosofia jurídica”, parte da premissa de que o sistema jurídico compreende-se de uma estrutura plural e complexa. E entende que a lacuna não é o vazio nem é a inadequação jurídica, mas apenas uma tensão não resolvida temporariamente.
Lacuna e obscuridade da lei nascem porque a vida em sociedade sofre mudanças, acompanhando o natural progresso. E o Direito, por ser dinâmico, caminha no sentido de acompanhar essa evolução. Em algum momento da vida é possível que ocorra algum fato não previsto em lei, estando presente a lacuna, cabendo ao juiz decidir para não deixar o jurisdicionado sem uma resposta.
O novo CPC impôs ao magistrado o dever de, em cada caso concreto, buscar a solução para preencher as omissões, as lacunas e as obscuridades da lei. Primeiro, o imperativo infere-se do art. 4º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Infere-se, por último, da previsão do art. 140, do CPC, que consagra o princípio da proibição do “non liquet”, ou seja, da vedação da denegação de entrega da tutela jurisdicional, “verbis”: “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”.
“Assim sendo - diz Maria Helena Diniz, em sua obra “As lacunas no direito”, 7ª edição, São Paulo, Saraiva -, sempre haverá um direito para quaisquer relações que se instaurarem no convívio social, por mais intricadas, heterogêneas ou excêntricas que sejam”. Em outras palavras, o juiz deve encontrar a regra aplicável na ausência, na lacuna ou na obscuridade da lei, procurando outras fontes para entregar ao jurisdicionado o Direito buscado e almejado.
Por analogia, entende-se em aplicar uma disposição legal a um caso não qualificado normativamente, mas que possui algo semelhante com o fato típico por ela previsto. O uso do costume, por sua vez, entrará em cena quando a lei for omissa e não for possível a utilização da analogia. E os princípios gerais do direito serão invocados pelo juiz quando não houver lei ou costume aplicável ao ponto controvertido.
Por fim, segundo Lenio Luiz Streck, em sua obra “Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito”, p. 103, “é necessário distinguir bem as fórmulas ‘lacunas na lei’ e ‘lacunas no direito’”.
É possível, ensina a doutrina, cogitar-se de “lacunas da lei”, quando ocorrente um fato não tipificado no direito legislado. Mas, não em “lacunas no direito”. Porque no Direito haverá sempre uma solução para cada caso concreto como fenômeno de regulação social e fonte inspiradora para a efetivação dos princípios de jurídico, de justo e de justiça.

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