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Queimaduras – ATLS Ana Laura Walcher VIA AÉREA: sinais de obstrução podem ser inicialmente sutis até o doente entrar em crise; portanto, a avaliação precoce da necessidade de intubação endotraqueal é essencial. Queimaduras localizadas na face e na boca causam edema mais localizado e apresentam maior risco de comprometimento da via aérea. Por terem a via aérea menor, as crianças têm maior risco de problemas na via aérea. Os indicadores clínicos de lesão por inalação incluem: • Queimaduras faciais e/ou cervicais • Chamuscamento dos cílios e das vibrissas nasais • Depósitos de carbono na boca e/ou nariz e expectoração carbonácea • Alterações inflamatórias agudas na orofaringe, incluindo eritema • Rouquidão • Confusão mental e/ou de confinamento no local do incêndio • Explosão com queimaduras da cabeça e do tronco • Níveis sanguíneos de carboxi-hemoglobina maiores que 10% se o doente foi envolvido em um incêndio A presença de estridor é tardia e é indicação imediata para intubação endotraqueal. Queimaduras circunferenciais do pescoço podem produzir edema dos tecidos ao redor da via aérea. Portanto, nessa situação, indica-se a intubação precoce. INTERRUPÇÃO DO PROCESSO DE QUEIMADURA: • Roupa removida para interromper o processo de queimadura; no entanto, a roupa aderente à pele não deve ser arrancada. • Qualquer roupa impregnada com substância química deve ser removida com cuidado. • Pós químicos (secos) devem ser removidos delicadamente da ferida com escova, com cuidado. A superfície corporal comprometida deve ser enxaguada copiosamente com água corrente. O doente deve, então, ser coberto com lençóis quentes, limpos e secos para evitar a hipotermia. ACESSOS VENOSOS: queimaduras de 20% da superfície corporal = reposição de volume. Após estabelecer a permeabilidade da via aérea e identificar e tratar as lesões que implicam risco iminente de vida providenciamos acessos venosos com cateter de grosso calibre (no mínimo 16 G) introduzido em veia periférica. Se a extensão da queimadura não permitir a introdução do cateter através de pele íntegra, isso não deve impedir a punção de veia acessível. Os MS são preferíveis aos MI para o acesso venoso. Deve-se iniciar a infusão com solução cristaloide isotônica, preferencialmente com solução de Ringer lactato. CALCULANDO % DE ÁREA CORPORAL QUEIMADA: adulto é dividido em regiões anatômicas que representam 9%, ou múltiplos de 9%, da superfície corporal total. A área de superfície corporal (ASC) da criança é consideravelmente diferente daquela do adulto. A palma da mão do doente (incluindo os dedos) representa aproximadamente 1% de sua superfície corporal. A Regra dos Nove ajuda a avaliar a extensão das queimaduras com distribuição irregular e é a ferramenta preferencial para calcular e documentar a extensão da queimadura. PROFUNDIDADE: 1. Queimaduras de primeiro grau: queimadura solar. São caracterizadas por eritema, dor e ausência de bolhas. Elas não determinam risco à vida e geralmente não necessitam reposição endovenosa de fluidos porque a epiderme permanece intacta. 2. Queimaduras de segundo grau ou queimaduras de espessura parcial: aparência vermelha ou mosqueada e presença de edema e bolhas. A superfície pode ter uma aparência "lacrimejante" ou úmida e é hipersensível à dor intensa até mesmo às correntes de ar. 3. Queimaduras de terceiro grau ou de espessura total: escuras, aparência de couro. A pele também pode apresentar-se translúcida ou com aspecto de cera. A superfície é indolor e geralmente seca e pode ser vermelha e não mudar de cor à compressão local. Há pouco edema no tecido com queimadura de espessura total; no entanto, a área ao redor da queimadura pode apresentar um edema significativo. VENTILAÇÃO: lesão direta da via aérea inferior é rara e geralmente está associada à inalação de vapor superaquecido ou de gases inflamáveis. Preocupações com a ventilação estão relacionadas com três situações: hipóxia, intoxicação por monóxido de carbono e lesão por inalação de fumaça (fumo). A hipóxia pode estar relacionada a lesão inalatória, ventilação inadequada por queimaduras circunferenciais no tórax ou lesões traumáticas torácicas não relacionadas à queimadura. Deve-se administrar oxigênio suplementar com ou sem intubação. Devem ser realizadas uma radiografia de tórax e gasometria arterial para avaliação da condição pulmonar inicial do doente. Níveis mais elevados de monóxido de carbono: • Cefaleia e náusea (20% a 30%) • Confusão (30% a 40%) • Coma (40% a 60%) • Morte (>60%) Doentes com suspeita de exposição ao CO devem receber oxigênio em alto fluxo através de uma máscara unidirecional, sem recirculação. MANEJO DO CHOQUE NO QUEIMADO: 2 a 4 mL de Ringer lactato por kg de peso corporal por percentagem de ASC com queimadura de segundo e terceiro graus, nas primeiras 24 horas. Metade do volume nas primeiras 8 horas. Exemplo: homem de 100 Kg com 80% de ASC queimada necessita de 2 a 4 x 80 x 100 = 16.000 a 32.000 mL em 24 horas. Metade, 8.000 a 16.000 mL, devem ser infundidos nas primeiras 8 horas; portanto, o doente deve receber 1.000 a 2.000 mL/h). O restante deve ser administrado nas 16 horas seguintes. Passar sonda vesical para averiguar débito urinário. Se o débito urinário não é alcançado com a reanimação inicial, deve-se aumentar o volume infundido até conseguir um débito adequado. EXAMES INICIAIS PARA DOENTES COM QUEIMADURAS GRAVES: • Hemograma • Tipagem e provas cruzadas • Carboxi-hemoglobina • Glicemia • Eletrólitos • Teste de gravidez em todas as mulheres em idade fértil. • Amostra de sangue arterial para determinação da gasometria e dosagem de HbCO. • Rx tórax nos intubados ou com suspeita de inalação de fumaça. Outras radiografias podem ser indicadas para avaliar lesões associadas. PREOCUPAÇÕES QUANTO A CIRCULAÇÃO PERIFÉRICA: Síndrome compartimental: pressão do compartimento pode ser medida pela inserção de uma agulha conectada a um medidor de pressão (arterial ou venosa central) no compartimento muscular. Se a pressão for >30 mm Hg, indica-se escarotomia. Prevenção: • Remover todas as joias. • Avaliar a circulação distal, observando se há cianose, se o enchimento capilar é lento ou se existem sinais progressivos de comprometimento neurológico, por exemplo, parestesia e dor em tecidos profundos. A avaliação de pulsos periféricos em doentes queimados é realizada com maior segurança por ultrassom Doppler. • Escarotomia sempre após consultar um cirurgião. Não costumam ser necessárias nas primeiras 6 horas após uma queimadura. • Fasciotomia raramente se torna necessário. Entretanto, pode ser indicado para restaurar a circulação em doentes com trauma ósseo associado, com lesões por esmagamento, com lesão elétrica de alta voltagem ou com queimaduras acometendo tecidos abaixo da aponeurose. SONDAGEM GÁSTRICA: colocada e mantida em sucção se o doente apresentar náusea, vômitos, distensão abdominal ou se a queimadura envolver mais de 20% da ASC. Em tais doentes, é essencial que a sonda gástrica seja colocada e esteja funcionando antes de uma eventual transferência. NARCÓTICOS, ANALGÉSICOS E SEDATIVOS: responde melhor ao oxigênio ou à administração de líquidos do que ao uso de analgésicos, narcóticos ou sedativos, que podem mascarar os sinais de hipoxemia ou hipovolemia. Os narcóticos, analgésicos e sedativos devem ser administrados em doses pequenas e frequentes e apenas por via EV. Lembre-se de que somente cobrindo a queimadura já há alívio da dor. CUIDADOS COM A FERIDA: cobertura da área queimada com um pano limpo aplicado delicadamente impede o contato com o ar corrente e aliviaa dor. Não se deve romper bolhas ou aplicar agentes antissépticos. Qualquer substância aplicada previamente deve ser removida antes que possam ser usados agentes antibacterianos tópicos apropriados. A aplicação de compressas frias pode causar hipotermia. Não use água fria em doentes com queimaduras extensas (> 10% da ASC). ANTIBIÓTICOS: ATB profilático NÃO são indicados na fase inicial logo após queimaduras. Os antibióticos devem ser reservados para o tratamento de infecções. IMUNIZAÇÃO ANTITETÂNICA: verificar calendário vacinal. QUEIMADURAS QUÍMICAS: queimaduras por bases são geralmente piores do que ácidas. Remover produto químico da pele com escova antes de fazer irrigação com água aquecida por 20-30 minutos. QUEIMADURAS ELÉTRICAS: são mais graves do que parecem à inspeção. Lesões internas. Frequentemente precisam de fasciotomias. Como a eletricidade causa contrações forçadas dos músculos, procurar lesões musculoesqueléticas associadas, incluindo lesões vertebromedulares. A rabdomiólise provoca liberação de mioglobina que pode causar insuficiência renal aguda. Nessas circunstâncias, não cabe esperar a confirmação laboratorial antes de instituir a terapia para mioglobinúria. Se a urina estiver escura, deve-se considerar a presença de hemocromógenos. A administração de líquidos deve ser aumentada para garantir uma diurese de, no mínimo, 100 mL por hora no adulto ou 2 mL/kg em crianças < 30 kg. A acidose metabólica deve ser corrigida pela manutenção da perfusão adequada. CRITÉRIOS PARA TRANSFERÊNCIA 1. Queimaduras de espessura parcial e espessura total comprometendo mais que 10% da ASC em qualquer doente 2. Queimaduras de espessura parcial e total envolvendo face, olhos, ouvidos, mãos, pés, genitália, períneo ou comprometendo a pele sobre as principais articulações 3. Queimaduras de espessura total em qualquer extensão, em qualquer grupo etário. 4. Queimaduras elétricas mais graves, incluindo lesões por raios (que podem ocasionar a lesão de quantidade importante de tecidos profundos e resultar em insuficiência renal aguda e outras complicações) 5. Queimaduras químicas importantes 6. Lesões por inalação 7. Queimaduras em doentes com doenças prévias que podem complicar o atendimento, prolongar a recuperação ou elevar a mortalidade. 8. Trauma concomitante aumente o risco de morbidade ou mortalidade 9. Crianças com queimaduras atendidas em hospitais sem pessoal qualificado ou sem equipamentos para seu cuidado devem ser transferidas para um centro de queimados dotado desses recursos 10. Necessidade de suporte especial ou de reabilitação prolongada. LESÕES POR FRIO: agravadas por umidade, presença de doença vascular periférica e feridas abertas. 3 tipos de lesão: 1. Crestadura ou frostnip: dor, palidez e diminuição de sensibilidade, reversível com aquecimento. Só causa dano permanente se repetida muitas vezes, causando perda do panículo adiposo ou atrofia. 2. Congelamento: cristais de gelo dentro das células e oclusão microvascular. Cuidar com lesão de reperfusão que ocorre com o reaquecimento. Primeiro grau da lesão por congelamento: hiperemia + edema sem necrose. Segundo grau: vesículas grandes de conteúdo claro + hiperemia + edema + necrose parcial. Terceiro grau: necrose total da pele + necrose do subcutâneo + vesículas de conteúdo hemorrágico. Quarto grau: necrose muscular e óssea, gangrena. 3. Lesão não congelante: mão/pé de trincheira. Exposição crônica a ambiente úmido e temperaturas puco acima do congelamento. Os tecidos afetados apresentam-se frios e anestesiados no início e evoluem para a hiperemia em 24 a 48 horas. Com a hiperemia surge uma sensação intensa e dolorosa de queimação e de disestesia, edema, formação de bolhas, vermelhidão, equimoses e ulcerações. Podem surgir complicações de infecção local, como celulite, linfangite ou gangrena. Bons cuidados higiênicos locais podem evitar a ocorrência da maioria dessas lesões. TRATAMENTO DO CONGELAMENTO E DAS LESÕES NÃO CONGELANTES: tratamento imediato. Entretanto, o reaquecimento não deve ser iniciado se existir o risco de um novo congelamento. Roupas úmidas e apertadas devem ser substituídas por cobertores aquecidos e, desde que possa ingerir líquidos, o doente deve receber líquidos quentes por via oral. As medidas iniciais a serem tomadas incluem a colocação da parte afetada em água circulante a 40°C até que ocorra o retorno da perfusão e a coloração volte a ser rosada (o que leva, usualmente, 20 a 30 minutos). A melhor forma de conseguir isso é no ambiente hospitalar, em um grande tanque como uma banheira com água circulante. O calor seco deve ser evitado, assim como esfregar ou massagear a área. O processo de reaquecimento pode ser extremamente doloroso, sendo essencial que se usem analgésicos adequados (narcóticos infundidos por via EV). Durante o reaquecimento, recomenda-se a monitoração cardíaca. As feridas devem ser mantidas limpas e as bolhas não infectadas devem ser deixadas intactas por 7 a 10 dias, com o intuito de oferecer um curativo biológico estéril, capaz de favorecer a epitelização subjacente. HIPOTERMIA SISTÊMICA: temperatura central do doente cai abaixo de 36°C, e por hipotermia grave a temperatura central abaixo de 32°C. A hipotermia é comum em doentes traumatizados graves, mas a queda progressiva da temperatura central pode ser limitada com a infusão de fluidos e sangue aquecidos, exposição sensata do doente e aquecimento do ambiente. Evitar a hipotermia iatrogênica durante a exposição e infusão de líquidos é importante, pois a hipotermia pode piorar a coagulopatia.
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