Buscar

educacao_psicomotora

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-2981-5
Educação
Psicomotora
Educação
Psicomotora
daniEl ViEira da SilVa
Ed
u
c
a
ç
ã
o
 P
s
ic
o
m
o
to
r
a
Daniel Vieira da Silva
Educação Psicomotora
IESDE Brasil S.A.
Curitiba
2012
Edição revisada
© 2005 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor 
dos direitos autorais.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ 
__________________________________________________________________________________
S578e
 
Silva, Daniel Vieira da, 1956-
 Educação psicomotora / Daniel Vieira da Silva. - 1.ed., rev. e atual. - Curitiba, PR : 
IESDE Brasil, 2012. 
 70p. : 28 cm
 Inclui bibliografia
 ISBN 978-85-387-2981-5
 1. Psicomotricidade. 2. Professores - Formação. I. Título.
12-5025. CDD: 152.3 
 CDU: 159.943
16.07.12 31.07.12 037530 
__________________________________________________________________________________
Capa: IESDE Brasil S.A.
Imagem da capa: Shutterstock
IESDE Brasil S.A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 
Batel – Curitiba – PR 
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Todos os direitos reservados.
Sumário
Psicomotricidade: considerações preliminares ....................................................................7
Filogênese da motricidade ...................................................................................................9
Psicomotricidade: uma categoria em discussão ...................................................................13
Estimulação, educação, reeducação e terapia psicomotora .....................................................................14
Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias ................................................17
Dados sobre a organização psicomotora: abordagem da regulação sensório-motora 
e dos fatores psicotrônicos .......................................................................................................................19
O corpo hábil ........................................................................................................................25
Corpo hábil – síntese esquemática ...........................................................................................................29
Corpo consciente: uma análise das contribuições da Psicologia do Desenvolvimento 
para a ciência do esquema corporal .....................................................................................33
Corpo consciente – síntese esquemática ..................................................................................................37
Corpo significante: o corpo que “fala” .................................................................................43
Corpo significante – síntese esquemática 1 .............................................................................................46
Corpo significante – síntese esquemática 2 .............................................................................................48
Corpo significante – síntese esquemática 3 .............................................................................................52
Espaço vital e espaço relacional: uma reflexão sobre a formação e intervenção 
em Psicomotricidade Relacional ..........................................................................................55
Espaço vital e espaço relacional ..............................................................................................................56
Formação e intervenção ...........................................................................................................................57
Psicomotricidade Relacional: uma contribuição integradora para o olhar educacional ......59
Psicomotricidade Relacional ...................................................................................................................59
Contribuições da Psicomotricidade Relacional para o ambiente educacional .........................................60
Considerações finais ................................................................................................................................61
Revisão .................................................................................................................................63
Referências ...........................................................................................................................67 
Apresentação
O trabalho que ora apresentamos foi elaborado com o intuito de servir como apoio didático para as videoaulas. Cientes de que tal disciplina não tem o caráter de formar psicomotricistas, mas de subsidiar os estudos e a prática da Pedagogia, a partir dos conhecimentos produzidos 
no campo da Psicomotricidade, colocamos como meta para este estudo os seguintes objetivos:
 conhecer os princípios teóricos e práticos que orientam as várias linhas de abordagem 
psicomotora.
 apreender os processos históricos que fundamentam os marcos teóricos dessas diversas linhas.
 analisar a inserção da Psicomotricidade e suas diferentes perspectivas no campo educacional 
e psicopedagógico.
 conhecer a relação entre: o movimento e a criança; o desenvolvimento motor e as múltiplas 
inteligências.
 reconhecer a dança, a expressão dramática e a criatividade como possibilidades a serem 
desenvolvidas no sujeito psicomotor.
Para efetivarmos esta tarefa, dividimos o material em unidades temáticas, a partir das quais orientamos 
a análise sobre os fundamentos da Psicomotricidade e suas implicações nos processos formativos.
Iniciamos o estudo, deixando explícito o referencial teórico pelo qual abordaremos nosso objeto, 
bem como aprofundamos a discussão sobre a centralidade do trabalho no processo de desenvolvimento 
da motricidade humana.
Discutimos o conceito de Psicomotricidade, bem como introduzimos os diversos campos de 
atuação psicomotora, os quais serão aprofundados nos capítulos subsequentes – Corpo hábil, Corpo 
consciente propostos por Jean Le Camus, em sua obra O Corpo em Discussão. 
Em algumas aulas é apresentado um texto base, que se segue imediatamente à abertura da 
aula – no qual o aluno encontrará um panorama geral do período em questão. Além dos conteúdos 
teóricos, elaboramos um resumo esquemático para complementar as informações relativas a cada um 
dos conteúdos propostos, tarefa esta que sugerimos ser efetivada em duas etapas: 1) individualmente, 
durante a aula; 2) em grupo de discussão, posteriormente à explanação do professor. 
Na sequência, apresentamos: O movimento e a criança; um estudo sobre A relação entre 
desenvolvimento motor e as múltiplas inteligências; A dança na Educação Infantil e Educação e 
Criatividade.
Esperamos que este material, considerando as limitações inerentes a qualquer produção 
acadêmica, uma vez partindo de uma perspectiva histórica e crítica do corpo, das técnicas e métodos 
que dele vêm se ocupando ao longo dos tempos, possa ampliar o entendimento da Psicomotricidade 
como prática educativa e, portanto, como prática social, bem como, adicionar reflexões aos estudos e 
à futura prática no campo da Psicopedagogia.
Bom trabalho!
Psicomotricidade: 
considerações preliminares
passagem do modo de produção feudal para o capitalista implicou profundas modificações, 
acompanhadas de transformações nas formas de organização social, que envolveram diferen-
tes dimensões – cultural, política, educacional e econômica. A prática do artesão, trabalhador 
do período feudal, era caracterizada como própria de um trabalhador total, o qual 
[...] dispunha do domínio teórico-prático do processo de trabalho como um todo. Isto é, dominava um projeto 
teórico, intencional, necessário à realização de um certo produto, e, para produzi-lo, contava com formaçãoanterior 
que lhe assegurava destreza especial, a força necessária e habilidades específicas para operar certos instrumentos 
sobre a matéria-prima adequada, ao longo de todas as etapas do processo de trabalho. (ALVES, 1998, p. 37)
A transformação da produção artesanal em manufatureira e, posteriormente, em industrial, com 
vistas à obtenção de maior produtividade e lucratividade, só foi possível com a divisão do trabalho e 
a transformação do trabalhador total em trabalhador parcial. (ALVES, 1998)
Neste percurso, o trabalhador foi sendo alienado do processo de produção como um todo e, 
com os avanços da mecanização industrial, também ficou alheio ao produto em si, transformando-se 
num acessório vivo de um organismo morto – a máquina. Expropriado, inclusive, do conhecimento 
produzido pelo seu próprio ofício, “o operário fabril passou a realizar operações rotineiras que 
não exigiam qualquer destreza especial. Com isso, a produção capitalista, enquanto domínio do 
trabalho simples, se realizou em sua plenitude” (ALVES, 1998, p. 39).
As ideias de Alves encontram apoio na análise realizada por Marx e Engels (1987, p. 68), na 
qual “[a] indústria e o comércio, a produção das necessidades de vida, condicionam, por seu lado, 
a distribuição, a estrutura das diferentes classes sociais, para serem, por sua vez, condicionadas por 
estas em seu modo de funcionamento”. 
A
7
Psicomotricidade: considerações preliminares
8
Nesta conjuntura, a educação, embora se proponha a ser igualitária e para 
todos, tem-se revelado um processo organizado a partir de modos diferenciados 
de formação, no qual a classe trabalhadora é submetida a uma educação 
reducionista e simplificada, entendida como suficiente à sua adequação às 
necessidades do sistema de produção capitalista. 
Desta maneira, não somente o conhecimento fica restrito às necessidades 
técnicas das linhas de produção, como também a complexidade do corpo do 
trabalhador foi adequada/
reduzida às funções mecâ-
nicas e à rotina do tempo 
fabril (FOULCAULT, 1988; 
MARx, 2001).
Neste contexto, as prá-
ticas corporais foram e são 
de inestimável valor para 
que a normatização da vida 
privada e institucional se 
concretize. Sobre este fato, 
esclarece Foucault (1988, 
p. 126) que “[esses] métodos 
que permitem o controle 
minucioso das operações do 
corpo, que realizam a sujeição 
constante de suas forças e 
lhes impõe uma relação de 
docilidade-utilidade, são 
o que se denominou por 
“disciplinas”. 
Frente a esta perspectiva de intervenção direta sobre o corpo, com o objetivo de 
normatizá-lo e classificá-lo de acordo com as necessidades dos modos de produção 
de determinada sociedade, que a Psicomotricidade, no contexto capitalista, é uma das 
áreas que muito tem colaborado para a sistematização de saberes e técnicas corporais, 
amplamente utilizados e expandidos pelas instituições educacionais, fato que explicita 
sua organicidade com o modo de produção de nossa sociedade. 
Ao buscarmos, portanto, conceituar esta área do conhecimento e apreender 
os benefícios que ela pode oferecer para o encaminhamento das necessidades 
relativas ao processo psicopedagógico, coloca-se a necessidade de superar a visão 
tendencialmente positivista e biologicista pela qual ela vem sendo, historicamente, 
concebida. Neste sentido, o simples conhecimento a respeito das diversas linhas 
e práticas direcionadas à educação, reeducação e terapia psicomotoras parece 
ser insuficiente para tal superação, bem como para revolucionar o entendimento 
a respeito da significativa banalização e reducionismo a que está sujeita a 
dimensão corporal, no ambiente escolar e clínico. É preciso buscar apreender a 
Psicomotricidade enquanto prática social, em seu movimento na história, ou seja, 
concebê-la numa perspectiva de totalidade1.
 Cena do filme Tempos modernos, extraída da capa do livro 
Loucura do Trabalho, de Christophe Dejours.
1“Totalidade, no trabalho em referência, nada tem a 
ver com as imprecisas noções 
de ‘todo’, de ‘contexto social’, 
sistematicamente presentes nas 
falas dos educadores. Totalidade, 
no caso, corresponde à forma de 
sociedade dominante em nosso 
tempo: a sociedade capitalista. 
Apreender a totalidade implica, 
necessariamente, captar as leis 
que a regem e o movimento 
que lhe é imanente” (ALVES, 
Gilberto Luiz. Apresentação. 
In: Klein, Lígia Regina. 
Alfabetização: quem tem medo 
de ensinar? São Paulo: Cortez; 
Campo Grande: Editora da 
Universidade Federal de Mato 
Grosso do Sul. 1996, p. 10).
Filogênese da motricidade
Toda riqueza provém do trabalho, asseguram os economistas. 
E assim o é na realidade: a natureza proporciona os materiais que o 
trabalho transforma em riqueza. Mas o trabalho é muito mais do que 
isso: é o fundamento da vida humana. Podemos até afirmar que, 
sob determinado aspecto, o trabalho criou o próprio homem. 
Engels, 1876
ara que possamos entender a Psicomotricidade, seus objetos de estudo e de trabalho, ao longo da 
história, faz-se necessário explicitar o fator que jogou a motricidade no processo de hominização. 
Ao estudarmos a filogênese da motricidade humana, acompanhando as transformações anáto-
mocorticais desde os macacos até o Homo sapiens sapiens, evidencia-se com extrema clareza que, 
assim como refere Marx (2001), o trabalho é um processo pelo qual o homem, à medida que modifica 
a natureza externa, modifica a sua própria natureza. 
Da quadrupedia terrestre à apropriação do meio arbóreo-aéreo, como modo de remediar sua 
condição de vulnerabilidade frente aos predadores, nossos ancestrais remotos ficaram imersos em no-
vas necessidades. Tal situação colocou em marcha uma série de modificações na organização social, 
alimentar, esquelética e cerebral desses pré-hominídeos. 
Explicitando as transformações cerebrais relativas à organização tônica, resultante das novas 
necessidades impostas pelo habitat aéreo, explica Fonseca (1982, p. 69) que
[...] a locomoção aérea põe mais problemas de equilibração e coordenação que a locomoção terrestre, na medida 
em que os estímulos proprioceptivos tendem a multiplicar-se, até porque, se encontram conjugados com os es-
tímulos exteroceptivos visuais, razão pela qual as conexões corticais e cerebelosas se inter-relacionam cada vez 
mais, favorecendo um desenvolvimento cerebeloso que tem como função coordenar as informações que vêm dos 
músculos, dos tendões e das articulações e submetê-las à apreciação da motricidade, responsável pela equilibração 
(sistema extrapiramidal-teleocinático) e pela coordenação (sistema piramidal-ideocinático).
Tais modificações, de ordem cerebelar, além de terem garantido a precisão dos movimentos 
amplos, a partir da independização das mãos pela postura verticalizada, influenciaram decisiva-
mente na possibilidade de manipular objetos e construir instrumentos. Citando Sanides, Fonseca 
(1982, p. 69) enfatiza que 
[...] [ao] grau mais elevado da diferenciação da representação motora neocortical, com o aperfeiçoamento progres-
sivo dos movimentos unilaterais das extremidades, corresponde um aperfeiçoamento cerebeloso que assegura a 
harmonia do movimento mais complicado através de sistemas cerebelosos proprioceptivos.
Neste sentido, Sanides evidencia que a capacidade de planejamento e execução das ações, fator 
de distinção entre o homem e seus antecessores primatas, ou seja, o desenvolvimento do neocórtex 
bem como a especialização dos hemisférios cerebrais, entre outras coisas, é resultante de um processo 
que visou equacionar as necessidades impostas pelo meio arbóreo. 
Com a emancipação da mão, até então necessária às funções de locomoção arborial, novas 
funções apresentaram-se, a princípio, ligadas às necessidades básicas adaptativas, por exemplo, de 
preparação alimentar, apanhando e selecionando os alimentos antes de introduzi-los na boca etc. 
Assim, a destralidade manual, pouco a pouco, colocou-se como um dos principais instrumentos de 
apropriação do real e de relação com este.
P
9
Filogênese da motricidade10
A partir do refinamento das possibilidades de manipulação da realidade cir-
cundante, a utilização consciente e a produção de instrumentos tornam-se um fato 
e, ao mesmo tempo, um marco qualitativo na passagem do Homo habilis para o 
Homo sapiens sapiens. O objeto, antes tido pelos primatas e hominídeos como 
intracorpóreo, ou seja, indiferenciado do corpo, passa a ser diferenciado. Ao ser 
(des)incorporado intencionalmente na dinâmica de produção da sobrevivência da 
comunidade, o objeto torna-se instrumento. Neste sentido, nossos antepassados 
libertam-se da sujeição à natureza externa e passam a produzir modos de intervir 
conscientemente sobre ela, superando suas limitações físicas (o instrumento am-
plia suas capacidades motoras) e fisiológicas (expansão das estruturas cerebrais) 
de sobrevivência.
A mão humana, com os dedos reduzidos, com um polegar relativamente 
comprido, evidenciando a capacidade de rotação sobre o seu próprio eixo, 
podendo opor-se aos restantes dedos, permitiu ao Homem a capacidade de 
fabricar [e utilizar] instrumentos, razão fundamental do fenômeno humano. 
(FONSECA, 1982, p. 71)
 Deste modo, surgiram as primeiras formas de trabalho propriamente ditas, 
ou seja, as primeiras intervenções intencionais sobre a natureza, provocando a 
expansão do potencial humano pelo uso do instrumento.
Se o fabrico e uso consciente do instrumento permitiram a superação das 
limitações corporais do indivíduo, segundo Marx (2001, p. 382), “[...] ao coope-
rar com outros de acordo com um plano, desfaz-se o [ser humano] trabalhador 
Do movimento ao pensamento reflexivo. Das ações à sequência dos seus 
efeitos. Ação e representação corolário um do outro. (FONSECA, 1982, p. 99)
Filogênese da motricidade
11
dos limites de sua individualidade e desenvolve a capacidade de sua espécie” 
(colchete nosso).
A necessidade do trabalho cooperado e planejado oportunizou o flores-
cer de uma linguagem cada vez mais elaborada e, com isto, a expansão das 
capacidades cerebrais dá um salto qualitativo em suas possibilidades de asso-
ciação e abstração.
No quadro abaixo, Fonseca (1982, p. 104) oferece uma síntese do processo 
que até agora expusemos e procura enfatizar a profunda conexão entre necessida-
des de sobrevivência, trabalho, utilização e fabrico de instrumentos e alterações 
anatomofisiológicas, que levaram o homem a constituir-se como tal. 
(F
O
N
SE
C
A
, 1
98
2,
 p
.1
04
)
Filogênese da motricidade
12
Nesta parte do trabalho, relativa à filogênese da motricidade humana, pro-
curamos evidenciar o fato de que o trabalho, historicamente, vem se apresentando 
como o grande mote da consciência humana. 
Criadora da cultura, primórdio da expansão cerebral com suas ilimitadas 
potencialidades associativas, a atividade laboral coloca o potencial humano dia-
leticamente dependente de uma organização social cada vez mais complexa, or-
ganização esta que exigirá e produzirá estreitos vínculos entre a necessidade de 
desenvolvimento de suas forças produtivas e de seus meios de produção. 
Na sequência de nossas aulas, continuaremos nossas reflexões, procurando 
explicitar o modo pelo qual a Psicomotricidade, enquanto elemento do processo 
educacional, tornou-se um dos meios pelo qual os homens vêm intervindo cons-
cientemente na natureza humana, produzindo especificidades motoras de acordo 
com as necessidades de produção de nossa sociedade.
Psicomotricidade: 
uma categoria em discussão
uando perguntamos aos nossos alunos o que entendem por Psicomotricidade, aparecem 
respostas como:
 Movimento, cérebro;
 Técnicas para desenvolver o conhecimento das partes do corpo;
 Ligação corpo-mente;
 Equilíbrio;
 Técnicas voltadas ao desenvolvimento de pré-requisito para leitura e escrita;
 Corpo e emoção;
 Exercícios de coordenação motora;
 Corpo e cognição;
 Desenvolvimento infantil;
 Esquema corporal;
 Lateralidade etc.
Como se pode observar, uma gama bastante vasta, que vai desde concepções mais funcionais 
(maturação do sistema nervoso, processos neuromotores, pré-requisitos, coordenação etc.), até pers-
pectivas mais ligadas aos aspectos relacionais da motricidade humana (corpo e emoção).
Esta variedade de noções que surgem, no senso comum, em conexão ao termo Psicomotricida-
de, reflete o próprio processo histórico pelo qual esta área do conhecimento vem se constituindo. 
Preliminarmente, segundo alguns estudos mais difundidos, que procuram explicitar a es-
pecificidade deste campo, podemos visualizar a abrangência da Psicomotricidade por meio do 
seguinte esquema:
Psico Motricidade
Aspectos biomaturacionais Movimento
Aspectos cognitivos Ação corporal
Aspectos afetivos
Partindo desta multiplicidade de aspectos que estabelecem uma inter-relação com a motricida-
de, a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP) (fundada em 1980), em meados dos anos 1990, 
procurando especificar a abrangência da Psicomotricidade no país, elaborou um primeiro conceito geral 
desta área do conhecimento: Psicomotricidade é “uma ciência que tem por objeto o estudo do homem, 
através de seu corpo em movimento, nas relações com seu mundo interno e externo” (SBP, 1995).
Sentimos a necessidade de especificar um pouco mais o conceito de Psicomotricidade elaborado 
pela SBP. Neste sentido, superando a visão idealista vigente, concordamos com Silva (2002) quando 
afirma que Psicomotricidade, numa perspectiva de totalidade, define-se como, “uma área do conheci-
mento que tem por objeto o corpo e o movimento humano em suas relações sociais e de produção”.
Q
13
Psicomotricidade: uma categoria em discussão
14
1Referimo-nos aos distúr-bios corporais orgânicos, 
psicomotores funcionais, de 
comportamentos ou sociais, 
em que a educação psico-
motora pode e deve intervir, 
prevenindo-os.
Uma vez explicitadas as concepções de Psicomotricidade que nortearão 
nossos estudos, podemos passar para as sistematizações explicativas das 
principais categorias com as quais trabalha esta área do conhecimento e, 
posteriormente, para uma abordagem crítica de sua historiografia.
Estimulação, educação, reeducação e terapia psicomotora
Uma vez discutida a categoria Psicomotricidade, vamos fazer uma 
introdução relativa às suas áreas de atuação. De modo geral, a intervenção no 
campo psicomotor vem sendo concebida a partir de quatro grandes áreas, a 
saber: estimulação, educação, reeducação e terapia psicomotora.
Para a definição dos campos de intervenção psicomotora, faremos, a seguir, 
uma transcrição de alguns trechos da obra de Bueno (1998), Psicomotricidade: 
teoria e prática, por sua fidelidade ao modo vigente de conceber as especificidades 
desta área do conhecimento.
Segundo esta autora, (BUENO, 1998, p. 83)
Entende-se por estimulação psicomotora o [processo] que envolve contribuições para 
o desenvolvimento harmonioso da criança no começo de sua vida. Caracteriza-se por 
atividades que se preocupam e vão ao encontro das condições que o indivíduo apresenta, 
acima de tudo, na sua capacidade maturacional, procurando despertar o corpo e a atividade 
por meio de movimentos e jogos e buscando a harmonia constante. Estimulação quer 
dizer despertar, desabrochar o movimento. Dirige-se prioritariamente a recém-natos e 
pré-escolares. Alguns autores referem-se à estimulação psicomotora como estimulação 
precoce, mas consideramos o termo errôneo, sendo mais sensato utilizarmos estimulação 
essencial.
Educação psicomotora
Abrange todas as aprendizagens da criança, processando-se por etapas 
progressivas e específicas conforme o desenvolvimento geral de cada 
indivíduo. Realiza-se em todos os momentos da vida por meio de percepções 
vivenciadas, como uma intervenção direta nos aspectos cognitivo, motor e 
emocional, estruturando o indivíduo como um todo. A educação passa pela 
facilitação das condições naturais e prevenção de distúrbios corporais1. Ela 
se realiza na escola, na família e no meio social, com a participação dos 
educadores, dos pais e dos professores em geral (professores de natação, deatividades aquáticas, judô, balé, ginástica, dança, arte-educadores, magistério 
etc.). Dirige-se prioritariamente às crianças em condições de frequentar a 
escola e sem comprometimentos maiores. Muitos autores enfatizam essa área 
de atuação e acreditamos que a base educativa acaba permeando as outras 
(reeducação, estimulação e terapia).
Le Boulch (1981) comenta que “a educação psicomotora deve ser considerada 
como uma educação de base na escola elementar, ponto de partida de todas as 
Psicomotricidade: uma categoria em discussão
15
aprendizagens pré-escolares e escolares”. Ele lutou e conquistou, na década de 
1960, a inclusão da educação psicomotora nos cursos primários da França.
Vayer (1969) coloca que
[...] do ponto de vista educativo, o papel e lugar da educação psicomotora na educação 
geral corresponderá, naturalmente, às diferentes etapas do desenvolvimento da criança, 
e assim entendemos que: no curso da primeira infância, toda educação é educação 
psicomotora; no curso da segunda infância, a educação psicomotora permanece sendo o 
núcleo fundamental de uma ação educativa que começa a diferenciar-se em atividades 
de expressão, organização das relações lógicas e as necessárias aprendizagens de leitura- 
-escrita-ditado; no curso da ‘grande infância’, a diferenciação entre as atividades 
educativas se faz mais acentuadamente, e a educação psicomotora mantém então a 
relação entre as diversas atividades que concorrem simultaneamente ao desenvolvimento 
de todos os aspectos da personalidade.
Lapierre (1989) coloca que a educação psicomotora “é uma ação 
psicopedagógica que utiliza os meios de educação física, com a finalidade de 
normalizar ou melhorar o comportamento do indivíduo”.
Picq–Vayer (1969) sugerem que se investiguem as técnicas mais eficazes 
para obter uma melhora progressiva no comportamento geral da criança.
E Bueno (1998, p. 84) completa dizendo que:
A consciência do corpo, o domínio do equilíbrio, o controle e mais tarde a eficácia das 
diversas coordenações gerais e segmentares, a organização do esquema corporal, a 
orientação no espaço e, finalmente, melhores possibilidades de adaptação ao mundo 
exterior são os principais motivos da educação psicomotriz.
Reeducação psicomotora
É a ação desenvolvida em indivíduos que sofrem com perturbações ou 
distúrbios psicomotores. A reeducação psicomotora tem como objetivo retomar 
as vivências anteriores com falhas ou as fases de educação ultrapassadas 
inadequadamente. Em termos gerais, reeducar significa educar o que o indivíduo 
não assimilou adequadamente em etapas anteriores. Deve começar em um tempo 
hábil em razão da instalação das condutas psicomotoras, diagnosticando as 
dificuldades a fim de traçar o programa de reeducação.
A atribuição da reeducação está contida em várias áreas profissionais: 
pedagogia, educação física, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia educacional, 
psicologia, arte-educadores, educadores, médicos da especialidade motora 
ou psíquica, entre outros. Mas, o mais importante para uma boa reeducação é 
a tranquilidade e o intercâmbio afetivo entre o presente do reeducador com o 
reeducando, condição básica para uma boa reeducação.
O artigo 7.º da proposição da lei francesa de 15/2/74 cita que a reeducação 
deve ser “neurológica em sua técnica, psicológica e psíquica em sua meta, destinada 
pela intermediação do corpo a atuar sobre as funções mentais e psicológicas 
perturbadas tanto na criança como no adolescente ou no adulto”.
Psicomotricidade: uma categoria em discussão
16
De Fontaine (1980) diz 
A reeducação embasa sua eficácia no fato de que se remonta às origens, aos mecanismos 
de base que estão na origem da vida mental, controle gestual e do pensamento, controle 
das reações tônico-emocionais, equilíbrio, fixação na atenção, justa preensão do tempo e 
do espaço. (apud BUENO, 1998, p. 85)
Terapia psicomotora
Dirigida a indivíduos com conflitos mais profundos na sua estruturação, associados aos 
[aspectos] funcionais ou com desorganização total de sua harmonia corporal e pessoal. En-
volve [por exemplo] crianças com agressividade acentuada, pulsões motoras incontroladas, 
casos de excepcionalidade e dificuldades de relacionamento corporal e também destinada 
a indivíduos que possuem associação de transtornos da personalidade. Está baseada nas 
relações e na análise dessas relações por meio do jogo de movimentos corporais. (BUENO, 
1997, p. 85)
Como pode-se notar pelas contribuições de Bueno e dos autores a 
quem ela recorre, as especificidades de atuação no campo psicomotor mais 
amplamente adotadas priorizam as questões biológicas, cognitivas e de 
comportamento, embora, por vezes, com um acento mais humanista, porém, 
não deixando claro o papel da Psicomotricidade enquanto sistematização de 
uma sociedade que tem necessidades específicas – a de organizar e gerir os 
modos de produção capitalista.
Psicomotricidade: 
um estudo preliminar de suas categorias
Para iniciar nossos estudos, temos que abordar algumas categorias fundamentais para a reflexão sobre as produções teóricas e técnicas no campo da Psicomotricidade. São elas: esquema corporal, imagem corporal e tono. Para as duas primeiras categorias, esquema corporal e imagem corporal, 
utilizaremos, fundamentalmente, a obra de Michel H. Ledoux, Introdução à Obra da Françoise Dolto. Já 
o assunto tono será abordado a partir de um artigo de Vitor da Fonseca, em sua obra Psicomotricidade.
Referente ao esquema corporal, Ledoux (1991, p. 85), psicanalista francês, colaborador de 
Françoise Dolto, oferece a seguinte formulação:
O esquema corporal especifica o indivíduo como representante da espécie. Mais ou menos idêntico em todas as 
crianças da mesma idade, ele é uma realidade de fato, esteio e intérprete da imagem do corpo. Graças a ele, o corpo 
atual fica referido no espaço à experiência imediata. Ele é inconsciente, pré-consciente e consciente. 
Seguindo esta posição, podemos considerar que o esquema corporal é definido pela área da 
Psicomotricidade como a organização de estruturas cerebrais que outorga ao indivíduo a capacidade 
funcional, ou seja, o conhecimento progressivo das partes e funções do corpo, a partir de etapas 
sucessivas, determinadas pela maturação neurocortical e pela relação da pessoa com o meio físico 
e humano. Esta organização, segundo a Psicomotricidade, tem como função propiciar ao indivíduo 
noções de globalidade de si, equilíbrio postural, afirmação da lateralidade, entre outras habilidades. 
(F
R
EI
R
E,
 1
98
9,
 p
. 1
94
)
17
Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias
18
Se visto sob uma perspectiva de totalidade, podemos dizer que os saberes 
técnicos produzidos por esta área do conhecimento, relativos ao esquema 
corporal, justificaram o surgimento de uma verdadeira economia do movimento. 
Determinados pela necessidade imposta pelo capital, de extração de lucro por 
meio do aumento da produção, sem o respectivo aumento de investimento em 
mão de obra, tais saberes influenciaram vários setores da sociedade, incluindo a 
Educação. Nesse setor, tal visão colocou em marcha, entre outros, um processo de 
intervenção psicomotora, que justificou a formação da classe trabalhadora, pela 
necessidade de um programa compensatório direcionado para o desenvolvimento 
de pré-requisitos que garantissem um bom desempenho nas etapas posteriores de 
escolarização, frente à precariedade cultural e social da população pobre. 
 A imagem corporal, por sua vez, radica nas impressões resultantes das 
relações de prazer e desprazer estabelecidas entre a pessoa e seus pares, sobretudo 
na infância, que lhe dispensam cuidados básicos cotidianamente. Segundo Ledoux 
(1991, p. 84-85),
[...] [a] imagem inconsciente do corpo não é o corpo fantasiado, mas um lugar inconsciente 
de emissão e recepção das emoções, inicialmente focalizado nas zonas erógenas de prazer. 
Ela se tece em torno do prazer e do desprazer de algumas zonas erógenas. [...] trata-se de uma 
memória inconscienteda vivência relacional, de uma encarnação do Eu em crescimento.
[...] a imagem do corpo, individual, está ligada à história pessoal, a uma relação libidinal 
marcada por sensações erógenas eletivas. Como vestígio estrutural da história emocional, 
e não como prolongamento psíquico do esquema corporal, ela se molda como elaboração 
das emoções precoces com os pais tutelares. 
(F
R
EI
R
E,
 1
98
9,
 p
. 6
5)
Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias
19
1Por exemplo: uma criança de três ou quatro anos, de 
modo geral, tem um aparato 
motor e neurológico suficiente-
mente desenvolvido para subir 
alguns degraus de uma escada 
e saltar. Em relação à organi-
zação do esquema corporal, 
ela está apta para empreender 
a tarefa. Porém, nossa prática 
clínica e institucional eviden-
cia que algumas crianças o 
farão com certa tranquilidade, 
enquanto outras hesitarão e, até 
por medo, não o farão. Entre 
as crianças que não o fazem e/
ou hesitam, podemos encontrar 
uma parcela que é sobrepro-
tegida pelas figuras parentais. 
Nestes casos, a dificuldade da 
criança em pular não é uma 
questão de maturação ou falta 
de conhecimento do próprio 
corpo, mas sim, pode estar re-
ferida à ausência de imagem 
corporal positiva. Uma vez 
que a criança é tratada pelos 
seus pais e/ou tutelares como 
frágil, necessitando ser sobre-
protegida, ela tem dificuldade 
em reconhecer-se potente o su-
ficiente para utilizar suas com-
petências e arriscar, como em 
nosso exemplo, um salto. 
Essencialmente relacional e inconsciente, a estruturação da imagem do 
corpo apoia-se na dialética entre o próprio desejo do sujeito e o desejo do outro, 
influenciando, diretamente, os modos de relação que o indivíduo vai empreender 
com os outros, consigo mesmo1 e com as coisas. 
Neste sentido, Ledoux (1991, p. 89) explicita que
[...] [a] comunicação sensorial (emocional) e a fala do outro aparecem como dois substratos 
dessa imagem do corpo. A simples experiência sensorial (corpo a corpo), sem um mediador 
humano, só instrui o esquema corporal e não estrutura a imagem do corpo. [...] viver num 
esquema corporal, sem imagem do corpo, equivale ao “viver mudo”, solitário. 
Essa citação evidencia a estreita relação entre esquema e imagem corporal, 
bem como, concebe estas categorias determinadas pelas relações humanas, nas 
quais o corpo e a linguagem constituem-se como elementos fundantes das relações e 
da estruturação do sujeito. Segundo estudos recentes, estas formulações no campo 
da Psicomotricidade vêm justificando uma diferenciação no modo de apropriação 
da força produtiva do trabalhador, visto que, à economia do movimento, relativa 
ao esquema corporal, adiciona-se, pelas sistematizações a respeito da imagem 
corporal, um novo elemento – a economia do desejo.
Dados sobre a organização psicomotora: 
abordagem da regulação sensório-motora 
e dos fatores psicotrônicos2
Inúmeros autores estão de acordo ao aceitarem que o estado tônico é 
uma forma de relação com o meio, que depende de cada situação e de cada 
indivíduo.
2Texto complementar ao texto “Psicomotricidade: 
um estudo preliminar de suas 
categorias”: FONSECA, Vítor 
da. Dados sobre a organização 
psicomotora: abordagem da 
regulação sensório-motora e 
dos fatores psicotrônicos. 
In: FONSECA, Vítor da. 
Psicomotricidade. São Paulo, SP: 
Martins Fontes, 1993. (p. 49-56)
(L
A
PI
ER
R
E,
 2
00
2,
 p
. 7
1)
Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias
20
O estado tônico, ligado aos fatores relativos à história biológica do 
indivíduo, traduz a multiplicidade de fenômenos neurofisiológicos que permitem 
ao movimento emergir do fundo que o suporta, o que o torna implicado, portanto, 
com os outros aspectos da iniciativa motora. Encontra-se, também, ligado aos 
fatores hereditários e aos da maturação, a partir dos quais se desenvolvem 
diferentes estados tônicos relacionados com a vigilância e com os diferentes 
episódios da vida emocional.
A hipotonia aparece, assim, como um fator relacionado com a satisfação das 
necessidades, no período de imaturidade corporal; a hipertonia, pelo contrário, 
revela-se como o meio de defesa mais eficaz e mais frequente, fator de luta contra 
os conflitos e contra as ansiedades criadas por estes.
Foi sob a designação de “armadura caracterial” que W. Reich descreveu 
as formas ativas de resistência. Os aspectos tônicos encontram-se ligados a toda 
uma cronologia de atitudes, tomada pelo sujeito no decurso da sua evolução 
temporal.
A função tônica está ligada à totalidade da personalidade do indivíduo, como 
provam vários aspectos do domínio psicopatológico, que nos permitem perceber 
melhor as implicações da tonicidade.
Segundo Wintrebert, os conflitos psíquicos inconscientes podem-se 
transplantar para a periferia do corpo sob a forma aparente de uma doença orgânica. 
A esfera psíquica, quando não tolera os conflitos, projeta-os na esfera motora sob 
a forma de uma perturbação orgânica (psicossomática).
O estado tônico traduz um equilíbrio entre a periferia e os centros nervosos 
que tocam níveis da personalidade profunda.
As experiências de Baruk mostraram que a alteração do estado tônico não 
afeta a perda de execução, mas a iniciativa e o plano do movimento. Por causa 
daquela alteração, os terrenos cerebrais encarregados das funções psicomotoras 
encontram-se perturbados, o que resulta na perda de contato com o mundo exterior, 
no isolamento, na indiferença emocional, nas alucinações etc.
A catatonia, por exemplo, é um problema tônico que se encontra nos 
esquizofrênicos: nestes indivíduos, verifica-se a persistência de atitudes durante 
bastante tempo, sem fadiga aparente. Nestes casos, tudo indica que o indivíduo reduz 
as suas possibilidades de relação com o mundo exterior e que, ao mesmo tempo, 
perde os meios de reconhecimento da imagem do seu corpo. Dão-se uma patologia 
relacional e uma perda de adaptabilidade com as correspondentes dissociações do 
“eu psíquico” do “eu corporal”, que se desintegram progressivamente.
A evolução tônica está ligada à historicidade das relações do indivíduo 
com o seu meio ambiente, segundo um equilíbrio que, progressivamente, vai- 
-se estabelecendo. Pela vivência de crises e conflitos emocionais, o tônus vai-se 
constituindo e moldando-se às diferentes situações, adquirindo, assim, reações 
mais ajustadas às situações do meio.
A vivência corporal não é senão o fator produtor das respostas adequadas, 
em que se inscrevem todas as tensões e as emoções que caracterizam a evolução 
psicoafetiva da criança. Segundo as vivências motoras, o tônus adquire uma 
expressão representativa, demonstrada ao longo da evolução da tonicidade e na 
dialética dos seus estados hipotônicos e hipertônicos. O estudo do tônus põe em 
prática a relação entre a extensibilidade e a passividade e os estudos da evolução 
das sincinesias3. No primeiro aspecto, considera-se o grau de estiramento dos 
3Tendência patológica para a execução simétrica de 
qualquer movimento, de qual-
quer contração muscular que 
executa um membro sem que 
a associação possua um signi-
ficado funcional. Disponível 
em: <www.ecoabreu.psc.br/
vocabulário.htm>.
Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias
21
pontos de inserção muscular; no segundo aspecto, o movimento produzido à volta 
de uma articulação, ou seja, a sua resistência passiva; e no último, os movimentos 
associados e indiferenciados.
Estas propriedades funcionais, ao distribuírem-se quantitativa e 
qualitativamente, originam os diferentes tipos tônicos. Os hipertônicos 
(hipoextensos) mais precoces na aquisição da marcha e mais ativos; os hipotônicos 
(hiperextensos) mais avançados na preensão e na exploração do próprio corpo.
A criança hipotônica tem movimentos mais soltos, mais leves e mais 
coordenados, e acusa um menor desgaste muscular. No aspecto social, uma criança 
com estas características revela um comportamento estável, que lhe garante uma 
maior receptividade. As pessoas que a cercamlhe dedicam um “amor sem censura” 
e são normalmente “calmas” e “sossegadas”. Este clima afetivo, como é evidente, 
intervém na formação do caráter da criança, como expressou Wallon.
A criança hipertônica apresenta uma multiplicidade de reações que traduzem 
uma certa carência afetiva, visto que, pela sua exagerada produção motora (“os 
capetas”), provocam, por parte das pessoas, reações de ansiedade e atitudes de 
rejeição. Graças à sua excessiva motricidade, a criança acusa maior poder de 
tentativa, adquirindo, por esse fato e pelos seus próprios meios, as habilidades 
motoras fundamentais ao seu desenvolvimento.
A precocidade da aquisição motora da marcha, por exemplo, pode originar 
obliterações4 afetivas, e como decorrência, os primeiros desgastes materiais. A 
partir daqui, determinados espaços estão interditados e instala-se a privação de 
movimento. Esta simples situação é suficiente para alterar as relações afetivas 
mãe-filho, que irão repercutir no desenvolvimento posterior da criança.
Já a criança hipotônica não só encontra envolvimento afetivo conveniente 
e permissivo, como também inicia mais rapidamente as relações cérebro-mão, 
provocadas pela preensão. A preensão, como estrutura de realização, depende 
da corticalização e favorece a coordenação óculo-manual, elemento essencial de 
maturação mental.
Stambak e Lezine realizaram um estudo experimental entre os tipos motores 
e a correspondente adaptação caracterial, chegando à conclusão de que as crianças 
hipotônicas são mais tímidas, mais afetivas e mais dependentes que as crianças 
hipertônicas, que já são mais raivosas e menos fixadas nos pais. Constataram, 
ainda, que os comportamentos das crianças do mesmo tipo motor variam em 
razão do regime socioeducativo a que estão sujeitas. Apresentando manifestações 
motoras e caracteriais semelhantes, as crianças podem ser fáceis ou difíceis, 
segundo o ambiente cultural e o nível de tolerância que as cercam.
Nesta simples amostragem, somos levados a compreender que a função 
tônica está ligada a todas as manifestações de ordem afetiva, emotiva, cognitiva 
e motora.
Para muitos autores, como André-Thomas, Ajuriaguerra, Chailley-Bert, 
Mamo, Laget e Paillard, a função tônica é a mais complexa e aperfeiçoada do ser 
humano; encontra-se organizada hierarquicamente no sistema integrativo e toma 
parte em todos os seus comportamentos. É à função tônica que se deve a inter- 
-relação recíproca entre motricidade e psiquismo. A descoberta da sua função pelo 
aparecimento do fuso pelo e do sistema gama constitui uma virada científica 
no estudo do homem, bastante significativa. Em todas as formas de conduta do 
ser humano há uma interconexão entre a musculatura estriada, a musculatura 
41. ato ou efeito de oblite-rar-se; 2. destruição, eli-
minação; 3. esquecimento, ol-
vido; 4. apagamento, extinção. 
(Houaiss)
Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias
22
lisa e o sistema hormonal, interconexão esta estabelecida pela função tônica que 
intervém na regulação do sistema muscular voluntário (de relação), do sistema 
neurovegetativo e do sistema hormonal, como argumenta Paillard.
Wallon sublinhou que a função tônica intervém na dialética da atividade 
de relação e no campo da psicogênese. Entre o indivíduo e o seu meio, 
estabelece-se um diálogo corporal, em que a função tônica integra a história das 
informações exteriores e inter-relacionais, para dar origem à fenomenologia do 
comportamento humano.
O estudo da função tônica, iniciado no princípio do século xx por 
Sherrington põe em destaque a necessidade de integrar o estudo do tônus na 
atividade organizada pelo sistema nervoso. Desde os estudos da atitude deste 
mesmo autor, e também de Rademaker, Liddel, Granit, Eccles, Kaada e tantos 
outros, a função tônica situa-se no campo da atividade cinética e também, como 
defendem Mamo e Laget, na vastidão e complexidade da neurofisiologia. Vasto, 
porque não é de formação nervosa exclusiva; complexo, porque forma o fundo das 
atividades motoras e posturais, preparadoras do movimento, fixadoras da atitude, 
projetando o gesto e mantendo a estática e a equilibração.
A função tônica constitui uma função específica e organizada, que prepara a 
musculatura para as diferentes formas de atividade motora. A posição antigravítica 
dos segmentos do corpo é uma ilustração elementar de sua função motora.
A aquisição da atitude bípede, grande responsável pela hominização, conferiu 
ao ser humano uma aptidão para qualquer forma de ação motora suscetível de 
satisfazer a sua natureza investigadora e as suas necessidades de ajustamento ao 
meio ambiente.
Esta função tônica é a vigilância do ser humano, elemento essencial da vida 
orgânica emancipada, provocando a estreita relação do somático aos contornos 
do psiquismo.
A vigilância, suportada pela função tônica, é o alicerce dos múltiplos aspectos 
da função motora. São inúmeras as variedades de tônus que lhe conferem o grau de 
função mais plástica de todas as que constituem a formação e a organização motora. 
Deste modo, temos: tônus de repouso, tônus de postura, tônus de suporte, tônus motor 
etc. Paillard defende que o tônus se encontra na base das manifestações organizadas, 
harmoniosamente repartidas na musculatura, a serviço de uma função específica – 
equilibração ou movimento bem definido – e de expressões mais difusas, específicas 
e de caráter geral. Como resposta a um estímulo que se exerce permanentemente 
(a gravidade), o organismo reage por meio de uma atividade nervosa constate 
autorregulada e, portanto, inconsciente.
O que é importante assinalar é a dupla atividade do músculo, que é suscetível 
de atividade clônica (fásica, de movimento) rápida e altamente energética, e de 
atividade tônica, lenta, pouco energética, de suporte, responsável pela postura.
Cabe dizer que a análise cuidadosa do tônus requer métodos de estudo, 
como a eletrofisiologia, a eletromiografia, a eletrofonia, a cinematografia etc., que 
testemunham com precisão a atividade elétrica desenvolvida pelas miofibrilas e 
pelos motoneurônios.
Não vamos entrar num estudo detalhado do fuso neuromuscular, nem nas 
implicações do sistema gama na organização motora do ser humano; apenas 
apontamos novos campos experimentais que possam auxiliar na observação e na 
compreensão dos fenômenos da motricidade humana.
Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias
23
O tônus, por se encontrar ligado com as funções da equilibração e com as 
regulações mais complexas do ato motor, assegura a repartição harmoniosa das 
influências facilitadoras ou inibidoras do movimento.
A neurofisiologia e a neuropatologia fornecem grande quantidade de 
elementos de estudo sobre as regulações inter e suprassegmentar da motricidade, 
auxiliando-nos na compreensão dos centros e das vias que ela põe em jogo.
Resumindo, o tônus tem uma função informática fundamental porque, ao 
unificar as estimulações, integra-as nos centros responsáveis pela elaboração, 
controle e execução do movimento. O tônus não é mais do que a expressão de uma 
dinamogenia que, inicialmente imatura e difusa, vai se organizando em formações 
mais adaptáveis e plásticas. Por meio de centros bulbomesencefálicos e sistemas 
graviceptivos (a receptividade de gravidade), o tônus integra o bombardeamento 
incessante dos estímulos exteriores que estão na base da aquisição da postura e da 
consequente disponibilidade práxico-construtiva.
Toda a evolução humana se desenrola numa aparente oposição tônica, 
verificada pela progressiva hipertonicidade do eixo corporal e pela progressiva 
hipotonia das extremidades. Todos os movimentos, como argumenta Bergès, 
partem do tronco e terminam nele. O movimento da cabeça e ombros é função 
do tônus da coluna vertebral. As atividades de exploração e de orientação 
desenvolvem-se com o suporte do tônus axial. É através da manutenção da cabeça 
que se desencadeiam as estruturas visuais, auditivas e labirínticas, que vão permitir 
o acesso à exploraçãodo espaço bucal e do espaço contíguo, de que fala W. Stern. 
Toda essa sucessiva maturação, tendo em vista uma autonomia, não é mais do que 
uma progressiva organização tônica das vértebras.
Há como que uma dialética de desenvolvimento entre o tônus axial e o 
tônus periférico, que encontra relação nos inúmeros casos patológicos.
A exploração do mundo e a descoberta do corpo realizam-se pelas atividades 
de orientação e preparação e, posteriormente, pela direção e experiência corporal.
O tônus axial constitui, portanto, o ponto de partida do movimento no 
tempo e no espaço, interdependentemente da lateralidade, ou seja, da motricidade 
não diferenciada. Não vamos neste campo ampliar o conceito de lateralidade, por 
constituir matéria suficiente para novo trabalho; apenas desejamos esclarecer que 
toda a organização motora se encontra relacionada com o problema da dominância 
hemisférico-cerebral. É, portanto, a motricidade espontânea que se encontra na 
base dos fatores da decisão e iniciativa motoras. O tônus, em razão da utilização 
do corpo, adquire uma especialização unilateral em conexão com a estruturação 
progressiva do cérebro.
Além destas relações, devemos equacionar o movimento como estrutura 
que supõe uma integração de mecanismos neurofisiológicos, dependentes da 
evolução dos sistemas piramidal e extrapiramidal. O primeiro é responsável pela 
motricidade fina, voluntária e ideomotora; o segundo constitui o fundo tônico-
-motor automático, que se opõe ao primeiro, servindo de guia às impulsões 
piramidais. Devemos igualmente mencionar o sistema cerebelos, responsável 
pela harmonia espacial do movimento.
Se, em qualquer destes sistemas, não existir um equilíbrio de funcionamento 
e um potencial relacional com os outros, observam-se algumas síndromes de 
debilidade motora, de desordem psicomotora, da patogenia dos hábitos motores, 
de instabilidade psicomotora e de desorganização práxica, das quais se destacam 
Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias
24
as sincinesias e as paratonias. Nas sincinesias, verifica-se uma incapacidade de 
individualização motora, observada quando pedimos à criança para fazer um 
movimento com uma mão e ela tem tendência a fazê-lo com a outra (movimento 
de imitação contralateral). Nas paratonias, verifica-se uma incapacidade de 
descontração voluntária, não se observando o jogo de oposição básica da 
organização motora: músculos agonistas com os antagonistas, músculos flexores 
com os extensores e os efeitos dialético-motores da contração e da descontração. 
Tanto as paratonias de fundo como as paratonias de ação encontram-se em relação 
com a função tônica e representam a expressão de seu funcionamento.
Tudo isso quer dizer que o regulamento e a modulação do tônus fazem do 
músculo uma unidade disponível, de alerta, em permanente tensão de fundo, de 
onde emerge o movimento.
O corpo hábil
mbora estudos sobre as práticas corporais considerem os primórdios da Psicomotricidade 
datados dos séculos xVII-xVIII, momento em que as técnicas corporais passam a ser uti-
lizadas, deliberadamente, para um investimento político e econômico do corpo, Le Camus 
(1986) situa o “nascimento” da Psicomotricidade no final do século XIX. Este marco deve-se ao 
fato de o autor considerar a Psicomotricidade como saber derivado das ciências médicas e não 
das ciências humanas. 
Sendo assim, em vez de concebida enquanto produto e produtora das necessidades materiais 
e de organização social do capitalismo moderno, segundo aquele autor, são as descobertas na área 
da neurologia as principais responsáveis pelo batismo desta nova área do conhecimento. Segundo 
Vigarello (1986, p. 16) “[o] adjetivo psicomotor teria nascido pouco após 1870, quando foi preciso 
dar um nome às regiões do córtex cerebral situadas além das áreas propriamente motoras [...] onde 
podia operar-se a junção ainda bem misteriosa, entre imagem mental e movimento.”
Segundo estudos sistematizados por Le Camus, o marco inaugural da Psicomotricidade 
deve-se às experiências de Broca (1861), que descobre a ligação entre uma lesão cerebral 
localizada e os sintomas da afasia. Isto outorga ao conhecimento médico da época a ideia de que 
havia uma estreita relação entre movimento e processos cerebrais, estabelecendo-se o que se 
denominou paralelismo psicomotor.
(F
O
N
SE
CA
, 1
98
2)
Numa época de grandes transformações no modo de produção industrial, os estudos de Broca 
e de tantos outros cientistas que buscaram entender os processos pelos quais se estabeleciam as 
relações entre mente e movimento, receberam grandes investimentos. Isto se deu pelo fato de que tais 
estudos respondiam, diretamente, às necessidades da modernidade capitalista resolver a difícil tarefa 
E
Área motora
Área de Broca 
(output)
Área auditiva 
(input)
Área de Wernicke
Área de córtex envolvidas na fala: Área auditiva (input)
 Área de Wenicke (compreensão)
 Área de Broca (output)
Gírus angular
Área visual
Área somatossensorial
25
O corpo hábil
26
de adequar os movimentos, hábitos e costumes dos trabalhadores aos imperativos 
do crescente processo de industrialização1. 
1A respeito das transfor-mações nos modos de 
produção daquela época, ver: 
GOUNET, Thomas. Fordismo 
e toyotismo na civilização do 
automóvel. São Paulo: Boi-
tempo Editorial, 1999.
Neste sentido, o treinamento da classe trabalhadora deveria se dar de 
modo a abarcar um número cada vez maior de pessoas e em idades cada vez 
mais precoces. A educação escolar, neste contexto, ocupou lugar importantíssimo, 
entre outros, como modo de controle e adequação do corpo e do espírito aos novos 
ditames do trabalho. Sobre o papel de tal modalidade educacional, no processo de 
organização produtiva, Rago (1987, p. 122), explicita que 
[...] [na] representação imaginária que os dominantes se fazem da infância, esta é percebida 
como superfície chata e plana, facilmente moldável, mas ao mesmo tempo como ser dotado 
de características e vícios latentes, que deveriam ser corrigidos por técnicas pedagógicas 
para constituir-se em sujeito produtivo da nação.
E Rago (1987, p. 118) acrescenta ainda que, neste processo,
[...] o poder médico defendeu a higienização da cultura popular, isto é, a transformação 
dos hábitos cotidianos do trabalhador e de sua família e a supressão de crenças e 
práticas qualificadas como primitivas, irracionais e nocivas. [...] Assim, a criança foi 
percebida pelo olhar disciplinar, atento e intransigente, como elemento de integração, de 
socialização e de fixação indireta das famílias pobres, e isto antes mesmo de afirmar-se 
como necessidade econômica e produtiva da nação. Constituindo a infância em objeto 
Antiga hipótese de Gall sobre a localização das facilidades mentais. (WELLS & 
HUxLEy, 1955, p. 42) Centros do: (1) sentido das dimensões; (2) sentido da causalidade;
(3) disposição para imitar; (4) sentido das cores; (5) sentido do tempo; (6) talento; 
(7) sentido da admiração; (8) otimismo; (9) firmeza de caráter; (10) vaidade; 
(11) constância na amizade; (12) cuidados com a prole; (13) capacidade de amar; 
(14) agressividade; (15) prudência; (16) poesia; (17) sentido da melodia; 
(18) sentido da ordem; (19) aptidão matemática; (20) sentido mecânico; 
(21) cupidez; (22) astúcia; (23) gula; (24) crueldade.
O corpo hábil
27
privilegiado da convergência de suas práticas, o poder médico procurou legitimar-se como 
tal, demonstrando para toda a sociedade a necessidade insubstituível de sua intervenção 
como orientadores das famílias e como conselheiros da ação governamental. O recorte e a 
circunscrição daquilo que se configurou como o tempo da infância e sua objetivação pela 
medicina atenderam, então, ao objetivo maior de legitimação das práticas de regulamentação 
e controle da vida cotidiana. Os médicos procuraram apresentar-se como autoridade mais 
competente para prescrever normas racionais de conduta e medidas preventivas, pessoais 
e coletivas, visando produzir a nova família e o futurocidadão.
É nesta perspectiva que as práticas corporais do primeiro período, legitimadas 
pela tese da privação cultural, no Brasil, travestem-se de um cunho cientificista, 
higienista e salvacionista dos processos de desenvolvimento infantil, organizadas, 
entre outras formas, sob a égide da disciplina Educação Física. 
Em 1901 (França), o Doutor Philipe Tissié (p. Ix), que se opunha ao 
militarismo imperante na área da educação do corpo, defendendo as bases 
científicas desta disciplina, declara que
[...] [por] Educação Física não se deve entender apenas o exercício muscular do corpo, 
mas também e principalmente o treinamento dos centros psicomotores pelas associações 
múltiplas e repetidas entre movimento e pensamento e entre pensamento e movimento. 
(apud LE CAMUS, 1986, p. 16)
Sob estas bases surge uma técnica de abordagem corporal que, auxiliada 
pelos conhecimentos das áreas médicas, paramédicas e das ciências humanas, foi 
denominada ginástica educativa, posteriormente, dividindo-se em dois grandes 
ramos: ginástica pedagógica, destinada a todas as crianças, e ginástica médica, 
reservada à reabilitação das crianças com necessidades especiais (apud LE 
CAMUS, 1986, p. 24).
Estava, em embrião, lançada a ideia daquilo que posteriormente denominou-
-se Educação Psicomotora e Reeducação Psicomotora.
No contexto nacional, este processo de cientificização do corpo encontrará 
sua aplicabilidade em escalas maiores a partir dos anos 30, do século passado. 
Neste período, enquanto para a primeira infância as intervenções aproximavam- 
-se daquelas tidas como cuidados ideais que a maternidade deveria suprir (noções 
alimentares, de higiene, de saúde etc.), a segunda infância e a adolescência eram 
submetidas a processos de exercícios físicos que garantiam a afirmação do ideário 
liberal – ordem e progresso, por meio da máxima grega – mente sã em corpo são.
Acompanhando o processo de verticalização dos saberes-poderes sobre o 
corpo, Foucault (1988, p. 126) explicita que
[...] [muitas] coisas são novas nessas técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle: 
não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade 
indissociável, mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem 
folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica – movimentos, gestos, atitude, rapidez: 
poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em seguida, do controle: não, ou não 
mais, os elementos significativos do comportamento ou a linguagem do corpo, mas a 
economia, a eficácia dos movimentos, sua organização interna; a coação se faz mais sobre 
as forças que sobre os sinais; a única cerimônia que realmente importa é a do exercício. A 
O corpo hábil
28
modalidade enfim: implica uma coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos 
de atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que 
esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos. 
Ao mesmo tempo que estas formulações científicas possibilitavam uma maior 
propriedade sobre o detalhamento do corpo e das práticas que dele se ocupam, 
também apresentavam suas limitações. Conforme Marx (1984, p. 44) relatou, 
[...] [a] principal dificuldade na fábrica automática consistia em sua disciplina necessária, 
em fazer seres humanos renunciarem a seus hábitos irregulares no trabalho e se identificar 
com a invariável regularidade do grande autômato. Divisar um código de disciplina fabril 
adequado às necessidades e à velocidade do sistema automático e realizá-lo com êxito foi 
um empreendimento digno de Hércules.
A verdade é que este êxito não foi total, o capital jamais conseguiu 
controlar totalmente a força de trabalho humano. Se por um lado isto constituiu 
um problema para o capital, também implementou uma busca incessante neste 
sentido, fato que resultou em processos cada vez mais requintados de diagnóstico 
e encaminhamento das questões relativas à relação corpo-mente.
Um exemplo disso são os estudos de Edouard Guilmain, o qual empenhou- 
-se em “[encontrar] um método de exame direto que [descobrisse] o próprio fundo 
do qual os atos são a consequência.” Sua ambição era conseguir identificar quais 
estruturas psicomotoras, solidariedades interfuncionais, concomitâncias de sintomas 
(síndromes) ou de disposições (tipo) que incidiam sobre as esferas motora e afetiva 
da criança. Deste modo, ao estabelecer um protótipo do Exame Psicomotor (1935), 
Guilmain procurou desenvolver um instrumento de medida, meio diagnóstico, 
indicador terapêutico e de prognóstico das disfunções psicomotoras. Além da 
identificação e classificação dos “desviantes” de modo precoce e a sistematização de 
um modo de tratá-los, ou melhor, adaptá-los aos imperativos sociais ainda quando 
crianças, este tipo de instrumento permitia averiguar as causas de sintomas das 
desordens psicomotoras que acometiam a população trabalhadora ativa, e organizar 
medidas para saná-las (Reeducação Psicomotora).
Com o avanço dos processos de produção, o aumento da população, os problemas 
da automação, as necessidades da sociedade burguesa tornam-se mais complexas. O 
conhecimento de que psiquismo e dinamismo constituem-se numa díade inseparável 
já não era mais suficiente para garantir a disciplinarização do corpo e da mente 
frente às novas necessidades sociais e de produção que se apresentam. O tratamento 
mecanizado, autômato, infringido ao corpo, suficiente para o encaminhamento das 
necessidades em tempos anteriores, começava a apresentar sinais de falência. 
Desse modo, tornou-se premente uma superação dos modos vigentes de forjar, 
utilizar e controlar a classe trabalhadora, bem como, o seu potencial produtivo. Mais 
uma vez, ao corpo e às ciências que dele se ocupam, caberia um lugar central neste 
processo. Além de recuperar os “anormais” (termo utilizado na época, quando se 
referiam a pessoas deficientes) que, pelo seu volume de incidência, já se tornavam 
um problema socioeconômico, era preciso também criar artifícios compensatórios 
que pudessem suprir a precariedade das condições necessárias para um satisfatório 
desenvolvimento a que estavam sujeitas as crianças, garantindo, assim, a continuidade 
do sistema produtivo e a sobrevivência das classes dominadas.
O corpo hábil
29
Corpo hábil – síntese esquemática
Principais concepções – Neurologia
Período: 
Final do século XIX até 1940
Organizador:
Paralelismo
Modelo:
Mecanicista
Dualismo cartesiano
(corpo-mente)
Concepção de corpo:
Receptáculo da tradição
Bases teóricas:
Neurologia
Neuropsiquiatria infantil
Anatomofisiológica estática 
“Existem íntimas ligações entre 
pensamento e movimento... laços 
íntimos e recíprocos unem a cere-
bração e a musculação, isto é, psi-
quismo e o dinamismo” (TISSIÉ, 
apud LE CAMUS,1986, p. 24).
Autores:
Per Henrik Ling (1778-1839)
Philippe Tissié (1852-1935)
Corticopatológica
"Insistindo na variabilidade dos fo-
cos de lesão que permitiram superar 
o esquema estático da anatomopato-
logia [...] Não é, portanto, a própria 
função que se perdeu mas certo uso 
dessa função” (LE CAMUS).
Autor:
Hugo Liepmann
O corpo hábil
30
Principais concepções – Neurologia
Ernest Dupré (1862-1921) 
1901 – Síndrome da debilidade 
motora 
A debilidade motora é considerada 
então como um “estado patológico 
congênito da motilidade, muitas 
vezes hereditário e familiar [...] o 
recém-nascido e o débil motor pato-
lógico não dispõem de um feixe pi-
ramidal inteiramente amadurecido e 
funcional” (LE CAMUS).
Henri Wallon
1925 – Independência entre a debi-
lidade motora e mental, podendo ou 
não apresentarem-se associadas e/ou 
mesmo, serem originados por fatores 
hereditários (LE CAMUS).
“...o movimento é, antes de tudo, 
a única expressão e o primei-
ro instrumento do psiquismo” 
(WALLON, 1925).
Neurofisiológica
“...todo o movimento, mesmo o 
mais simples, tem um significado 
biológico: o reflexo nociceptivo de 
flexão é um ato de defesa, o reflexo 
miotático de extensão permite ga-
rantir a postura.A medula espinhal 
é reconhecida como capaz de “inte-
grar” a informação, isto é, de anali-
sar os estímulos e responder a eles 
de modo adaptado” (LE CAMUS). 
Autores:
John Hughlings Jackson (1834-1911)
Charles Sherrington (1852-1952)
O corpo hábil
31
Edouard Guilmain (1901-1983)
1935 – Protótipo do exame psi-
comotor
“Encontrar um método de exame di-
reto que descubra o próprio fundo 
do qual os atos são a consequência 
[...] instrumento de medida, meio 
diagnóstico, indicador terapêutico e 
de prognóstico” (LE CAMUS).
Edouard Guilmain
Reeducação psicomotora
Técnicas utilizadas na neuropsi-
quiatria: exercícios de educação 
sensorial; de desenvolvimento de 
atenção e trabalhos manuais.
Corrente médico-pedagógica. 
O corpo hábil
32
Corpo consciente: 
uma análise das contribuições da Psicologia do 
Desenvolvimento para a ciência do esquema corporal
O corpo sutil é agora o corpo capaz de acolher, pôr em ordem e 
conservar a informação emanada do seu próprio funcionamento e do 
meio (físico e humano) no qual se insere [...] Se o corpo sutil do 
primeiro período [O corpo hábil] tinha por matriz uma psicologia ainda 
muito enfeudada à neurologia, agora uma psicologia mais 
autônoma irá constituir a principal referência teórica dos investigadores 
e técnicos da psicomotricidade 
Le Camus, 1986, p. 31
onforme a citação acima, a qual sintetiza o pensamento de Le Camus com 
relação aos referenciais teóricos que nortearam a psicomotricidade do cor-
po consciente, acompanharemos que os processos colocados em marcha, 
a partir dos estudos da Psicologia do Desenvolvimento, causaram uma verdadeira 
revisão nos modos de conceber os processos de aprendizagem e intervir neles. 
Organizando saberes cada vez mais elaborados, que justificaram, no país, 
inúmeros programas compensatórios direcionados à infância, utilizados como 
barganha pelo governo com a classe trabalhadora, foi adotado pelos profissionais 
brasileiros, a partir de meados dos anos 50, do século xx, um conhecimento 
alusivo à existência de uma íntima relação entre inteligência, motricidade e 
psiquismo, o qual influenciou, diretamente, as técnicas de abordagem corporal 
nas creches, nas escolas e nos consultórios. 
Paulatinamente, passou-se da era do corpo neurológico, isolado e do movimento 
condicionado, para a era do movimento consciente, no qual o próprio indivíduo, pelo 
ato voluntário, é levado a colaborar para a sujeição de seu corpo. Nesta perspectiva, a 
Psicomotricidade do segundo período1, descrita por Le Camus, constituiu-se como a 
ciência do esquema corporal ou, como prefere este autor, do corpo consciente. 
Segundo nossos estudos, o esquema corporal foi concebido enquanto dimensão 
do corpo, organizadora das experiências dos seres humanos no tempo e no espaço 
presentes. As técnicas, que dele se ocupam, procuraram priorizar o desenvolvimento 
da percepção e do controle do próprio corpo, ou seja, a interiorização das sensações 
relativas a uma ou outra parte do corpo e da globalidade de si mesmo; a apropriação 
de um equilíbrio postural econômico; de uma lateralidade bem definida e afirmada; 
de uma independência dos diferentes segmentos do corpo em relação ao tronco e 
entre eles; um domínio das pulsões e inibições estreitamente ligadas aos elementos 
precedentes e ao domínio da respiração (PICQ–VAyER, 1969, p. 13).
Entre os autores que influenciaram os profissionais e estudiosos deste 
segundo período da história da Psicomotricidade, enfatizamos Wallon (1879- 
-1962) e Piaget (1896-1980). 
Não pretendemos fazer um estudo aprofundado da obra desses autores, porém 
reconhecemos indispensável para nossas análises apontar os conceitos básicos que 
1Segundo Le Camus, este período, na França, está 
compreendido entre os anos 
de 1945 e 1973. (LE CA-
MUS, 1988, p. 48) No Brasil, 
podemos concebê-lo a partir 
dos anos 50, do século xx 
até, aproximadamente, 1980
C
33
Corpo consciente
34
nortearam os seus estudos, no sentido de situar a contribuição de cada um deles para 
a sistematização da Psicomotricidade, enquanto ciência do esquema corporal. 
O pressuposto comum levado a cabo por esses autores refere-se à 
importância fundante das experiências vividas na primeira infância como base 
do desenvolvimento social, emocional, intelectual e físico das crianças. Destas 
experiências, ambos ressaltam a importância das percepções táteis, visuais e 
motoras, embora apresentem particularidades em suas formulações.
Wallon (1951), por exemplo, coloca o diálogo tônico, ou seja, a relação corporal 
afetiva no centro do processo de desenvolvimento do caráter e da inteligência da 
criança. Propondo uma estreita relação entre tono postural e tono emocional, e 
considerando a emoção elemento de ligação entre o orgânico e o social, elabora uma 
teoria do desenvolvimento que concebe a criança, desde o seu nascimento, como 
um ser em sociedade. Sendo assim, para este autor, a estruturação do caráter e da 
inteligência depende, fundamentalmente, das relações estabelecidas entre a criança 
e seus pares. Ajuriaguerra (1962), neurologista francês, citado por Le Camus (1986, 
p. 39), ao comentar as ideias de Wallon a respeito da importância das relações 
corporais afetivas para o desenvolvimento infantil diz que
[...] a constante preocupação de Wallon foi a de destacar a importância da função afetiva 
primitiva em todos os desenvolvimentos ulteriores do sujeito, fusão expressa através dos 
fenômenos motores num diálogo que é o prelúdio ao diálogo verbal ulterior e a que chamamos 
de diálogo tônico. [...] todos sabem da importância que Wallon concedeu ao fenômeno tônico por 
excelência que é a função postural de comunicação, essencial para a criança pequena, função de 
troca por meio da qual a criança dá e recebe. É principalmente aí, em nossa opinião, que a obra 
de Wallon abre uma perspectiva original e fecunda na psicologia e na psicopatologia. A função 
postural está essencialmente vinculada à emoção, isto é, à exteriorização da afetividade. 
Concebendo o processo de desenvolvimento como descontínuo, Wallon 
se contrapõe às teorias elaboradas segundo regras de maturação unívoca e de 
encadeamento de operações sucessivas do pensamento. Em suas formulações, 
o desenvolvimento advém de um processo de superação, por incorporação, de 
antigas atitudes e formas de pensamento, motivadas pelas contradições presentes 
nas novas relações que se estabelecem entre a criança e o meio humano. Neste 
sentido, podemos dizer que para Wallon o homem é um processo histórico, 
precisamente o processo de seus atos, de suas relações.
Conforme podemos acompanhar, Wallon (1951, apud CABRAL, 2000, 
p. 271) pressupõe a articulação entre o orgânico e o ser psíquico, afirmando não 
serem estas dimensões isoladas:
Não são duas entidades que se devam estudar separadamente e, depois, colocar em 
concordância. [...] Um e outro se exprimem simultaneamente em todos os níveis da 
evolução, pelas ações e reações do sujeito sobre o meio, diante do outro. O meio mais 
importante para a formação da personalidade não é o meio físico, é o meio social. Pouco a 
pouco, ela que se confundia com o meio vai se dissociar dele. Sua evolução não é uniforme, 
mas feita de oposições e identificações. É dialética.
35
Corpo consciente
Portanto, para Wallon (1951, apud LE CAMUS, 1986, p. 37), 
[...] [o] esquema corporal não é ‘um dado inicial, nem uma entidade biológica ou psíquica’, 
mas uma construção.[...] Estudar a gênese do esquema corporal na criança, é indagar-se 
como a criança chega ‘à representação mais ou menos global, específica e diferenciada de 
seu corpo próprio’. [...] Esta aquisição é importante. É um elemento básico indispensável 
à construção da personalidade da criança [...] É o resultado e a condição de legítimas rela-
ções entre o indivíduo e seu meio.
Piaget, por sua vez, fundamentou sua teoria numa visão evolutiva. 
Diferentemente de Wallon, para o qual o sujeito é antes de tudo um ser social, 
Piaget parte de um sujeito biológico,uma espécie de organismo rudimentar que, 
por meio da experiência, desenvolve-se rumo à socialização. Pulaski (1983, p. 32), 
com base nos estudos de Piaget, afirma que o bebê
[...] vem ao mundo equipado com uns poucos reflexos neonatais, como sugar e agarrar, 
que fazem parte de sua herança biológica. Além desses, seu comportamento consiste em 
movimentos motores grosseiros, a princípio sem coordenação e sem objetivo.2
Deste modo, concebe o desenvolvimento como um processo de equilibração 
progressiva, que parte de um estado inferior até atingir um estado mais elevado. 
Processo autorregulador, dinâmico e contínuo, a equilibração tem o papel de 
promover um balanço entre as funções de assimilação e acomodação que, 
funcionando simultaneamente em todos os níveis biológicos e intelectuais, 
possibilitam o desenvolvimento tanto físico quanto cognitivo da criança. Esta 
conceituação baseia-se nos processos adaptativos referidos pela biologia que, 
segundo Piaget, constituem o elo comum entre todos os seres vivos (PULASKI, 
1983, p. 23-25).
Quatro fatores são apresentados por Pulaski (1983, p. 24-27) como 
fundamentais para o processo de desenvolvimento biopsicossocial da criança. São 
eles: maturação ou crescimento fisiológico das estruturas orgânicas hereditárias; 
experiências física e empírica, pelas quais a criança vai fazer suas próprias 
aprendizagens; transmissão social referente às informações aprendidas com seus 
pares, por via direta ou indireta; equilibração que coordena e regula os outros três 
fatores, fazendo surgir estados progressivos de equilíbrio.
Embora Piaget não tenha definido um conceito de esquema corporal, visto que 
seus estudos não se propunham a tal tarefa, suas formulações levam-nos a considerar 
tal esquema como o conhecimento progressivo das partes e funções do corpo, 
constituído a partir de etapas sucessivas, semelhantes em crianças da mesma idade, 
determinado pelos processos de autorregulação e adaptação ao meio exterior. 
A partir desta breve contextualização, podemos considerar que enquanto 
Wallon concebe o esquema corporal como resultante das múltiplas relações que 
o indivíduo estabelece com seus pares, Piaget define esta categoria a partir de uma 
visão cognitivista, na qual a consciência do corpo resulta do amadurecimento 
das interações entre as estruturas cerebrais, como processo natural de adaptação 
ao meio ambiente. Segundo a primeira concepção, o indivíduo toma consciência 
de si a partir de sua inserção no meio social, já, na segunda, esta consciência é 
determinada por uma autoequilibração comum a todos os seres vivos.
Ao analisarmos a tendência das produções teórico-práticas da 
Psicomotricidade, no período considerado por Le Camus do corpo consciente, 
evidenciamos que, de Wallon, foram incorporados os fundamentos elaborados na 
2Optamos por utilizar Pu-laski em vez de Piaget, 
no original, pelo fato de en-
contrarmos naquele autor uma 
abordagem mais didática e di-
reta do conceitos piagetianos, 
o que entendemos suficiente 
para o estudo proposto. 
Corpo consciente
36
segunda década do século XX, que tratam da influência direta do tono postural 
sobre o tono emocional e vice-versa, relegando a segundo plano a importância das 
relações sociais e afetivas; de Piaget, foram incorporados, pela Psicomotricidade, 
os processos advindos da tendência natural à autorregulação e adaptação.
Como resultante destas influências, encontramos, nesse período da 
Psicomotricidade, a formulação de um grande número de manuais e práticas 
psicomotoras, elaborados de acordo com normas de desenvolvimento pré- 
-determinadas, que visam ao desenvolvimento do esquema corporal e proporcionar, 
sobretudo, às crianças pequenas, condições “favoráveis” de adaptação e auto-
equilibração voluntárias. Se os fundamentos piagetianos foram adotados para educar 
os movimentos e legitimar a capacidade universal de adaptação dos seres humanos, 
da mesma forma, foram os fundamentos de Wallon, relativos à mútua influência entre 
tono postural e tono emocional, que atribuíram um caráter científico à maneira pela 
qual o poder passou a ser incorporado aos comportamentos. 
Deste modo, podemos dizer que os saberes-poderes sobre o corpo, formulados 
no segundo período da Psicomotricidade, restituem ao ser humano a propriedade, 
a consciência de seu corpo, ao mesmo tempo que consideram voluntária a sua 
participação no encaminhamento das necessidades da sociedade capitalista, de 
produção e de controle social. 
Automatismo e consciência do movimento tornaram-se o mote da busca de 
superação das dificuldades explicitadas pelos modelos disciplinares autômatos 
dos séculos xVIII, xIx e início do século xx:
[...] para crear los automatismos indispensables la consciencia debe pasar a un segundo 
término, habitualmente la participación voluntaria del sujeto es la condición de la educa-
ción o reeducación psicomotriz, estando presente en todos los instantes y dándole caráter. 
El movimiento “en si” no es educativo. Para que el ejercicio pueda intervenir en la vida 
psíquica y contribuir a su desarrollo, es necesario que sea voluntario, pensado, preciso y 
controlado. (PICQ-VAyER, 1969, p. 25)3
Deste modo, o conhecimento da área psicomotora, neste período, oportunizou 
uma adequação voluntária dos movimentos humanos ao tempo e espaço de 
produção, a partir do desenvolvimento de programas de educação e reeducação 
psicomotoras, incorporados ao cotidiano das creches e pré-escolas. É deste modo 
que, de maneira precoce,
[...] disciplinando las contracciones musculares, aumentando en cuanto sea posible la 
acción de los centros superiores sobre los inferiores, se mejorará, disciplinará y educará la 
voluntad y la atención. En fin, nada se opone, ya que se trata siempre de la misma función, 
a que se pueda pasar progresivamente de la inibición muscular impuesta al dominio de 
la totalidad del cuerpo e incluso al refrenamiento de los deseos y a la obediencia de los 
imperativos sociales. (PICQ-VAyER, 1969, p. 23)4
Sendo assim, podemos apreender que as técnicas especializadas no 
desenvolvimento do esquema corporal destinavam-se, de fato, a dar suporte para 
um processo de apropriação do corpo, com vistas à exploração da força de trabalho 
das classes menos favorecidas. 
Outro aspecto a ser analisado refere-se ao caráter universal atribuído às 
formulações do segundo período da Psicomotricidade (LE CAMUS, 1986), no 
3[...] para criar os automa-tismos indispensáveis, a 
consciência deve passar a um 
segundo termo; habitualmen-
te, a participação voluntária 
do sujeito é condição para a 
Educação ou Reeducação Psi-
comotora, estando presente em 
todos os instantes, outorgando-
-lhe caráter. O movimento em 
si não é educativo. Para que o 
exercício possa intervir na vida 
psíquica e contribuir para seu 
desenvolvimento, é necessário 
que seja voluntário, pensado, 
preciso e controlado (tradução 
do autor).
4 [...] disciplinando as con-trações musculares, au-
mentando ao máximo a ação 
dos centros superiores sobre 
os inferiores, se melhorará, 
disciplinará e educará a von-
tade e a atenção. Ao final, 
nada se oporá, na medida em 
que se trata sempre do mesmo 
objetivo, da mesma função, a 
de passar progressivamente da 
inibição muscular imposta ao 
domínio da totalidade do cor-
po, inclusive, ao recalcamento 
dos desejos e à obediência aos 
imperativos sociais (tradução 
do autor).
37
Corpo consciente
tocante à legitimação da ideologia liberal e dos princípios do Estado burguês. 
Sabemos, com base nos estudos de Marx, que uma das necessidades da classe 
dominante, para sustentar-se no poder, é tornar universal suas ideias e necessidades. 
Assim sendo, cabe recuperar que uma das estratégias principais do sistema liberal 
para a legitimação e manutenção de seu poder é a meritocracia. 
Uma vez que a base ideológica deste sistema funda-se na ideia de igualdade 
de condições para todos, fica subentendido, a partir dessa concepção, que o que 
falta aos indivíduos não é fruto de desigualdades

Continue navegando