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CAPÍTULO 1 A Centralidade da Aprendizagem nas Práticas Educativas Escolares A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Analisar as práticas escolares e a relação com a produção de conhecimento � Discutir sobre as práticas inovadoras e a contribuição para os avanços cognitivos. � Conhecer práticas que estimulem o desenvolvimento integral do aluno. 10 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR 11 A Centralidade da Aprendizagem nas Práticas Educativas Escolares Capítulo 1 1 Contextualização Discutir o tema da centralidade das aprendizagens na ação educativa requer entender o contexto histórico e atual da escola e sua forma de lidar com o conhe- cimento. As transformações sociais, culturais, políticas e econômicas afetam dire- tamente a perspectiva do conhecimento no ambiente escolar, além da articulação entre currículos e práticas pedagógicas. Deste modo, este capítulo propõe um estudo que orientará o entendimento sobre a escola e o conhecimento no decorrer da história e seus avanços, bem como o conhecimento em rede e o conhecimento em processo. Boa leitura! 2 Escola e Conhecimento no Tempo: Quais os Avanços? Para compreendermos a escola atual, teremos que inseri-la num contexto histórico recente, pois não foi construída a partir de uma necessidade lógica e científica, e sim por uma condição histórica, o que a torna fruto de necessidades sociais. Diante disso, entender a instituição de hoje, só fará sentido se inserida nas atuais condições, ou seja, no movimento social em torno da economia, valores, educação e paradigma científico vigente. O mesmo ocorre quando discutimos a história da educação de outras épocas em que, se desconsiderado seu contexto social, muito possivelmente levará a conclusões, julgamentos e críticas equivocadas. Por isso, ao pesquisar, estudar ou entender qualquer esfera, seja ela política, educacional, religiosa ou econômica, temos que nos reportar à época em que o referente objeto de pesquisa ou estudo está inserido. Entender uma época isolando-a de seu contexto histórico e social, é olhar e compreender através de um ponto de vista apenas, limitando assim cada parte que o constituiu. É preciso apreender o movimento dos fatos através do desenvolvimento histórico, as formas de estruturação, as conexões internas, as relações de causalidade, as distinções entre o permanente e o transitório. É preciso compreendê- los como parte de um momento de todo, revelador de sua especificidade ao mesmo tempo em que sinaliza suas implicações para a compreensão da totalidade, já que existem as relações de interdependência e um dinamismo recíproco entre ambos. Acumular fatos e memorizar dados estatísticos sobre determinada realidade educacional não implicam o conhecimento da realidade (MORAES, 2010, p. 87). 12 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR Neste aspecto, antes de qualquer debate sobre a escola e o conhecimento, é importante esclarecermos que a instituição escolar é recente se comparada ao surgimento do homem no planeta. As formas de ensinar e conceber o conhecimento têm raízes num passado não muito distante. Vamos entender resumidamente a história da educação: QUADRO 1 – EDUCAÇÃO NA HISTÓRIA Educação na antiguidade Educação na Idade Média Educação moderna Reconhecida por seu poder militar e caráter guerreiro, o modelo de educação espartano baseava-se na disciplina rígida, no autoritarismo, no ensino de artes militares e códigos de conduta, no estímulo da competitividade entre os alunos e nas exigências extremas de desempenho. Por outro lado, Atenas tinha no logos (conhecimento) seu ideal educativo mais importante. O exercício da palavra, assim como a retórica e a polêmica, era valorizado em função da prática da democracia entre iguais. Podemos reconhecer traços da tradição espartana na educação medieval. Os estudantes eram formados de acordo com o pensamento conservador da época e a educação desenvolvida em consonância com os rígidos dogmas da Igreja Católica. Cabe ressaltar que até o século XVII os valores morais e até mesmo os ofícios responsáveis pela garantia da subsistência eram transmitidos em grande parte dentro dos próprios círculos familiares, sendo que esses valores e códigos de conduta eram profundamente influenciados pelo pensamento religioso. Foi esse modelo de educação escolar centrado na figura do professor como transmissor do conhecimento que se expandiu ao longo dos séculos XVIII e XIX, impulsionado pela Revolução Industrial e a consequente urbanização e aumento demográfico. Além disso, o fortalecimento e expansão de regimes democráticos influenciou a reivindicação pelo acesso à escola enquanto direito do cidadão e à educação passa a ser atribuída a tarefa de formar cidadãos, cientes de direitos e deveres e capazes de exercê-los perante a sociedade. 13 A Centralidade da Aprendizagem nas Práticas Educativas Escolares Capítulo 1 Como herança da educação ateniense surgiram os sofistas, considerados mestres da retórica e da oratória, eles ensinavam a arte das palavras para que seus alunos fossem capazes de construir argumentos vitoriosos na arena política. Fruto da mesma matriz intelectual, porém em oposição ao pensamento sofista, o filósofo Sócrates propunha ensinar a pensar – mais do que ensinar a falar - através de perguntas cujas respostas dependiam de uma análise lógica e não simplesmente da mera retórica. Apesar de concepções opostas, tanto o pensamento sofista como o pensamento socrático contribuíram para a educação contemporânea através da valorização da experiência e do conhecimento prévio do aluno enquanto estratégias que se tornaram muito relevantes para o sucesso na aprendizagem do aluno na contemporaneidade. Em contrapartida, com as Reformas Religiosas e o Renascimento, inicia- se uma nova era para o Ocidente e é marcada pelo ressurgimento dos ideais atenienses nos discursos sobre os objetivos da educação. O conhecimento era tido como um corpo sagrado, essa matriz de pensamento permaneceu dominante e foi grande responsável pela concepção do papel da educação desde o desaparecimento do Antigo Regime até a constituição dos Estados Nacionais: o conhecimento passa a ser organizado para ser transmitido pela escola, através da autoridade do professor enquanto sujeito detentor do saber e mantenedor da ordem e da disciplina. A partir de meados do século XIX, portanto, o modelo hierarquizado e autoritário de educação que caracterizou as instituições escolares até então passou a ser questionado por educadores como Maria Montessori, na Europa, e John Dewey, nos Estados Unidos. Impulsionados pelo desenvolvimento dos estudos de psicologia sobre aprendizagem e desenvolvimento humano, e com críticas à pedagogia tradicional e à forma como os conteúdos curriculares eram impostos aos alunos, esses e outros educadores passaram a reivindicar a participação ativa dos alunos no processo de aprendizagem. Desta forma e como mencionado anteriormente, essas propostas resgataram princípios atenienses de educação ao valorizar a experiência anterior do aluno e seus conhecimentos prévios à aprendizagem escolar. FONTE: Pereira (2017, s.p.). Entender a educação na história traz uma compreensão mais lúcida sobre os métodos, concepções e teorias educacionais, considerando que as práticas educativas atuais remetem à herançade modelos educativos. E se tratando de conhecimento, podemos dizer que esse foi e sempre será o maior objetivo da instituição escolar, embora em tempos passados, a disciplina e a obediência se sobrepusessem ao conhecimento. Naquela época, os saberes eram centrados no professor que os transmitia com autoritarismo, exigindo mais disciplina e pouco diálogo. 14 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR Hoje, temos uma visão bem diferenciada, em que o conhecimento vem sendo ressignificado por meios tecnológicos. Dá-se mais atenção às aprendizagens e as formas diferenciadas do sujeito aprender. O professor passa a ser mediador e propulsor dos saberes compartilhados, tendo os recursos tecnológicos, como fontes de informações que percorrem caminhos que estão dentro e fora de sala de aula. Contudo, os sistemas educacionais ainda não conseguiram avaliar de maneira satisfatória o impacto das tecnologias da informação sobre a Educação. Logo, será preciso trabalhar em dois tempos: o tempo do passado e o tempo do futuro. Fazendo de tudo para superar as condições de atraso e, ao mesmo tempo, criando condições para aproveitar as novas possibilidades que surgem através desses novos espaços de conhecimento (PEREIRA, 2017, s.p.) Nessa corrente, Moraes (2010) apresenta críticas ao que se refere aos atuais modelos pedagógicos, que se respaldam em teorias contemporâneas, práticas inovadoras, com uma estrutura curricular ultrapassada, engessada a um modelo mecanicista, que divide conhecimento em assuntos e disciplinas. É dessa disparidade entre práticas e currículos que surgem os grandes equívocos e discussões no meio escolar. Para esclarecer esta afirmação, a autora cita como exemplo alguns tipos de softwares que são utilizados nas escolas, e que trazem em si uma proposta inovadora, porém oferecem métodos de exercícios tradicionais que fazem com que o aluno repita e memorize, não desenvolvendo o pensar e o criar. No entanto, salienta que existem bons e maus programas, porém o problema é que a maioria apresenta um nível baixo de qualidade pedagógica. Com toda inovação e recursos tecnológicos que poderiam levar nossos alunos a produzir conhecimentos para atender a um mercado tão inovador, por que ainda apresentamos baixo nível de escolarização? Neste momento, vale ressaltar que não teremos uma única resposta, pois entender pelo viés de apenas um autor poderá limitar seu entendimento, então o convidamos a acompanhar a crítica de outros autores para depois relatar na atividade de estudos a sua análise sobre toda leitura. Libâneo (1994) cita alguns problemas educacionais que podem esclarecer a nossa questão. Perceba que ele traz a crítica, mas também uma opção de solução. Acompanhe: 15 A Centralidade da Aprendizagem nas Práticas Educativas Escolares Capítulo 1 Crítica Possíveis soluções O professor passa a matéria, o aluno recebe e reproduz mecanicamente o que absorveu. O elemento ativo é o professor que fala e interpreta o conteúdo. O aluno, ainda que responda ao interrogatório do professor e faça os exercícios pedidos, tem uma atividade muito limitada e um mínimo de participação na elaboração dos conhecimentos. Subestima-se a atividade mental dos alunos privando-os de desenvolverem suas potencialidades cognitivas, suas capacidades e habilidades, de forma a ganharem independência de pensamento. O ensino deve ser mais que isso. Deve compreender ações conjuntas do professor e dos alunos pelas quais estes são estimulados a assimilar, consciente e ativamente, os conteúdos e os métodos, de assimilá-los com suas forças intelectuais próprias, bem como aplicá- los, de forma independente e criativa, nas várias situações escolares e na vida prática. QUADRO 2 – OS CONTEÚDOS FONTE: Adaptado de Libâneo (1994, p. 78). Nesse contexto, trazemos Piaget (1974) que concebe o conhecimento como a interação do sujeito com o meio, num movimento que decorre de um processo de reorganização reflexiva. O autor esclarece que a aprendizagem não se constrói através do acúmulo das informações, mas sim pelas condições cognitivas, pensamento e conhecimento, em conjunto com seu meio físico e social. Portanto, escolas que centralizam os estudos somente nos conteúdos escolares, não colaboram para o desenvolvimento das competências e habilidades que geram o conhecimento. Ainda assim, os conteúdos permanecem o centro de todo o processo educativo, como se eles tivessem a autonomia de gerar o conhecimento. Se olharmos para toda estrutura curricular, bem como sua ressignificação na sala de aula, veremos que muitas das ações escolares giram em torno dos conteúdos. O mais interessante é que estudos vêm nos alertando há décadas sobre a desarticulação entre práticas e teorias. 16 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR QUADRO 3 – RECURSOS DIDÁTICOS Crítica Possíveis soluções É dada excessiva importância à matéria que está no livro, sem preocupação de tor- ná-la mais significativa e mais viva para os alunos. Muitos professores querem, a todo custo, terminar o livro até o final do ano le- tivo, como se a aprendizagem dependesse de “vencer” conteúdos. São ideias falsas. O livro didático é necessário, mas por si só não ganha vida. É um recurso auxiliar, cujo uso depende da iniciativa e imaginação do professor. Os conteúdos do livro didático somente ganham vida quando o professor os toma como meio de desenvolvimento intelectual, quando os alunos conseguem ligá-los com seus próprios conhecimentos e experiên- cias e quando através deles aprendem a pensar com sua própria cabeça. É mais importante uma aprendizagem sólida e duradoura daquilo que se ensina do que adquirir um grande volume de conheci- mento. Por essa razão, é fundamental que o professor domine bem a matéria para saber selecionar o que é realmente básico e indispensável para o desenvolvimento da capacidade de pensar dos alunos. FONTE: Adaptado de Libâneo (1994, p. 78). Nesse sentido, o conhecimento não é algo que se extrai dos recursos didáticos, mas da ação do sujeito sobre o objeto, aliados à mediação do professor. Percebemos que o sujeito realmente aprendeu pelos seus mecanismos de assimilação, ação e transformação de seu meio como de si próprio. Assim, nada externo é imposto sem que o organismo reaja. Os recursos didáticos em sala de aula são muitas vezes interpretados pelo docente como único meio para desenvolver o conhecimento, como se os livros ou o uso das tecnologias fossem os responsáveis pela promoção das aprendizagens. Eles são fortes aliados dos saberes, mas desde que utilizados com a participação ativa do aluno, respeitando seu contexto cultural e seus processos cognitivos. E, ainda assim, não garantem o conhecimento. A contradição sempre está posta nos processos educativos: o ensino só se concretiza nas aprendizagens que produz! E as aprendizagens, em seu sentido alargado e bem estudadas pelos pedagogos cognitivistas, decorrem de sínteses interpretativas realizadas nas relações dialéticas do sujeito com seu meio. Não são imediatas, não são previsíveis, ocorrem por interpretação do sujeito, dos sentidos criados, das circunstâncias atuais e antigas. Enfim, não há correlação direta entre ensino e aprendizagem. Quase que se pode dizer que as aprendizagens ocorrem sempre para além, ou para aquém do planejado; ocorrem nos caminhos tortuosos, lentos, dinâmicos das trajetórias dos sujeitos (FRANCO, 2015, p. 604). 17 A Centralidade da Aprendizagem nas Práticas Educativas Escolares Capítulo 1 Não podemos falar de garantias de conhecimentos, porque não há. Como teremos a certeza que em uma sala com trinta alunos, todos aprenderão sobre adição e subtração, por exemplo? Arriscamosdizer que uns aprenderão, outros estarão no processo e, outros ainda terão mais dificuldades. Isso porque os recursos didáticos para uns chegam como estímulo e desenvolvem conexões relevantes a seu aprendizado, para outros não fazem sentido algum. É na relação dos processos internos e externos que criamos as conexões e estimulamos a aprendizagem. Ainda sobre os recursos didáticos acompanhe a leitura complementar: OS RECURSOS DIDÁTICOS NA APRENDIZAGEM MATEMÁTICA Os recursos didáticos parecem exercer considerável influência na aprendizagem matemática, como elucidam Freitas e Bittar (2004), afirmando que não acreditam que as dificuldades para o aprendizado da Matemática tenham origem na Matemática em si, pois ela é rica em coerência interna, além de ser útil para resolver problemas da realidade. Para os autores, essas dificuldades também não estão nas pessoas, na capacidade de gostar ou não, de sair-se bem ou mal em Matemática, pois confiam que todos têm condições de compreender e de produzir matemática. Deste modo o problema estaria na forma como um (matemática) é apresentado ao outro (aluno), ou seja, na metodologia que o professor adota para mediar os conteúdos, envolvendo os recursos didáticos utilizados. Jesus e Fini (2005) enfatizam que os recursos e materiais de manipulação podem fazer com que o aluno focalize com atenção e concentração o conteúdo matemático a ser aprendido, atuando como catalisadores do processo natural de aprendizagem, aumentando a motivação, estimulando-o, de modo a aumentar sua aprendizagem quantitativa e qualitativamente. Lorenzato (2006) destaca que com o auxílio do material didático é possível conseguir uma aprendizagem com compreensão, diminuindo assim a imagem da Matemática como uma disciplina para alguns privilegiados, muito difícil; com o temor e a ansiedade sendo substituídos pela satisfação e prazer de aprender com confiança, e o mais importante, melhorando a autoimagem do aluno. O autor 18 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR ressalta que cada aluno tem um modo próprio de pensar, que varia em cada fase da vida e está em constante processo de mudança, portanto, a aprendizagem por compreensão é um processo pessoal e único que acontece no interior de cada um, embora influenciado por fatores externos. “As interações do indivíduo com o mundo possibilitam-lhe relacionar fatos, estruturar ideias e organizar informações, internalizando-as” (LORENZATO, 2006, p. 43). Assim, através de experiências matemáticas bem-sucedidas e da interação com objetos e situações do cotidiano, o aluno desenvolve o gosto pela descoberta, a coragem para enfrentar desafios, o conhecimento de maneira que consiga agir autônomo. Nogueira (2005) alerta para a necessidade de utilizar os materiais manipuláveis como mediadores da passagem das ações concretas para a abstração dos conceitos, cabendo ao professor garantir essa passagem com compreensão, para que a utilização de materiais manipuláveis não se torne mais uma aula expositiva e mecanizada apesar de contar com a presença dos materiais. FONTE: Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/ portals/pde/arquivos/2164-8.pdf>. Acesso em 8 jun. 2018. Podemos, então, considerar que entre os autores que mencionam os recursos didáticos em sala de aula, todos corroboram a mesma opinião. Os objetos utilizados como mediação das aprendizagens só terão êxito se combinados a uma série de fatores, entre eles a participação ativa do aluno, pois o contexto de sujeito da zona urbana é diferente da indígena, ou da rural, além disso, cada sujeito é único e autêntico, com potenciais e limitações. QUADRO 4 – O ENSINO Crítica Possíveis soluções O ensino somente transmissivo não cuida de verificar se os alunos estão preparados para enfrentar matéria nova e, muitas vezes, de detectar dificuldades individuais na compreensão da matéria. Com isso, os alunos vão acumulando dificuldades e assim, caminhando para o fracasso. O verdadeiro ensino, ao contrário, busca a compreensão e assimilação sólida das matérias; para isso, é necessário ligar o conhecimento novo com o que já se sabe, bem como promover os pré-requisitos, caso seja necessário. A avaliação deve ser permanente, de modo que as dificuldades vão sendo diagnosticadas aula a aula. FONTE: Adaptado de Libâneo (1994, p. 78). 19 A Centralidade da Aprendizagem nas Práticas Educativas Escolares Capítulo 1 Vemos muitas vezes propostas inovadoras que, ao se ressignificarem no chão da escola, pela forma que o professor as conduz, acabam por se transformar em aulas tradicionais marcadas pela repetição de conteúdos, ou ações desarticuladas dos objetivos. Para que o ensino alcance seu propósito, que é construir o conhecimento, é necessário que haja a reflexão crítica e o poder de argumentação do aluno, que deve ser orientado a investigar sempre, pesquisar e transformar os saberes. O aluno também deve ser estimulado a fazer conexões com outras áreas, dialogar, partilhar, comunicar e vivenciar entre pares, pois é na troca, na partilha, que nascem novos questionamentos, dúvidas, fazendo surgir outros olhares e, consequentemente, novos conhecimentos. Vejamos o exemplo de dois grandes educadores que deixaram marcas na história da educação, por apresentarem uma perspectiva de ensino dinâmico em que o conhecimento é vivenciado pela criança. O educador Frederich Froebel, em 1983, criou o que ele chamou de kindergarten (jardim de infância), com um ambiente preparado para estimular as potencialidades da criança, a liberdade, a expressão e a criatividade. Esta proposta se tornou um grande marco na educação da primeira infância, expandindo-se, mais tarde, para a Inglaterra e os Estados Unidos. Importante também falarmos de Maria Montessori, uma médica que deu início ao seu trabalho de levar educação às crianças das áreas carentes de Roma, com base no respeito à vida mental delas e na apreciação do seu potencial para autonomia e aprendizagem. Seu método é ativo, dando ênfase ao trabalho e à uma educação baseada no desenvolvimento dos sentidos. O aluno, nesta perspectiva, é visto como um observador, um explorador capaz de descobrir o ambiente que o cerca. Para esses dois educadores, o ambiente deve estar organizado com materiais preestabelecidos que agucem os sentidos e a experimentação, pois educar é permitir a expressão e o potencial intelectual da criança e prepará-la para a vida prática. QUADRO 5 – O PROFESSOR Crítica Possíveis soluções O trabalho docente fica restrito às paredes da sala de aula, sem preocupação com a prática da vida cotidiana das crianças fora da escola (que influem poderosamente nas suas condições de aprendizagem) e sem voltar os olhos para o fato de que o ensino busca resultados para a vida prática, para o trabalho, para a vida na sociedade. O trabalho docente, portanto, deve ter como referência, como ponto de partida e como ponto de chegada, a prática social, isto é, a realidade social, política, econô- mica, cultural da qual tanto o professor, como, os alunos, são parte integrante. FONTE: Adaptado de Libâneo (1994, p. 78). 20 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR O professor é um mediador considerável na ponte entre os novos saberes, é o “fio condutor”, podemos dizer metaforicamente que ele é o “fio externo”, que orienta, norteia, abre caminhos, conduz os múltiplos olhares, constrói e desconstrói conceitos, mas o “fio interno”, ou seja, as capacidades cognitivas, emocionais e biológicas provêm do aluno. Por isso é tão importante a noção da totalidade do sujeito. A partir desta visão, o professor poderá planejar o ensino baseando-se sempre num conjunto de dimensões sociais, cognitivas, psicológicas, físicas e estéticas (saberes sensíveis).FIGURA 1 – SÁTIRA DA MAFALDA SOBRE ESCOLA E CONHECIMENTO FONTE: Disponível em: <https://profwagnerbueno.wordpress.com/2011/10/17/ voce-sabe-como-surgiu-o-dia-do-professor/>. Acesso em: 8 jun. 2018. Muitas vezes o professor induz os alunos à automação dos velhos e repetitivos discursos que limitam novos conhecimentos. Essa automação traz o silêncio velado das vozes das crianças, dos jovens e adolescentes, de seus desejos, indagações, inspirações e emoções. A formação do professor, talvez, seja a causa desse desencontro entre teoria e prática, pois a forma que ele foi orientado nos bancos da faculdade implicará diretamente em sua prática, ou seja, se o professor não foi conduzido a pensar, refletir e argumentar, como ele poderá ter essa consciência e consequentemente formar sujeitos com tais habilidades? São os antigos problemas se repetindo. A crise atual é também decorrente de uma crise de conhecimento, da ignorância de como ocorre o processo de construção do conhecimento. A física quântica oferece a visão da totalidade, esclarece a multidimensionalidade do processo educativo, mostrando que o conhecimento decorre dos aspectos inseparáveis e simultâneos que envolvem os aspectos físico, biológico, mental, psicológico, cultural e social. Enfatiza a consciência da inter-relação e a interdependência essencial entre todos os fenômenos da natureza, o que implica a concepção da realidade a ser transformada, a formulação de conceitos e modelos interligados e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de organizações sociais compatíveis com esses princípios. A visão de totalidade envolve o reconhecimento da conexidade dos problemas educacionais, que não podem ser vistos isoladamente, 21 A Centralidade da Aprendizagem nas Práticas Educativas Escolares Capítulo 1 e oferecem também uma construção teórica de como ocorre a participação do sujeito na construção do conhecimento, compreendendo-o como algo que está sempre em processo de construção, uma abstração de um fluxo total e único (MORAES, 2010, p. 22, grifos nossos). Nessa mesma linha de pensamento, Zilberman e Rosing (2009) apontam em seus estudos as velhas crises e novas alternativas. Eles se referem à problemática da leitura nas escolas, mas essa deficiência não está isolada, vem de um conjunto de situações que foram negligenciadas ou não vistas. O interessante é que as autoras já falavam há 30 anos sobre essa mesma problemática e, atualmente, revisitando seus escritos, os velhos problemas continuam em pauta. De acordo com elas: Os problemas educacionais permanecem, tendo-se somado novas razões às antigas queixas. O empobrecimento da escola pública é visível em todo o país, ampliando-se a clivagem entre as instituições de ensino destinadas às classes pobres, localizadas na periferia urbana, e as que atendem às camadas superiores. A depauperação dos professores, submetidos a maus salários e ao desdém por parte do poder público, se evidencia em ambas as circunstâncias. Contudo, recaem sobre o professor e sobre o sistema escolar as maiores cobranças, seja pelos velhos problemas persistirem, de que resultam performances negativas em avaliações contínuas, seja por não saberem se posicionar perante os novos desafios, os que são colocados pelas mudanças tecnológicas e científicas (ZILBERMAN; ROSING, 2009, p. 13). A partir dessa discussão sobre escola e ensino, esclarecemos que o conhecimento exige do sujeito dinamismo, habilidades e competências frente ao mundo, numa atuação cônscia e transformadora de sua identidade e de seu coletivo. Para isso, é necessário posicionamento crítico diante das discussões, inovações e questões sociais, e neste aspecto, o maior desafio da instituição escolar é formar sujeitos conscientes de seu papel no mundo, entendendo a sua responsabilidade consigo, com os outros e com a natureza. Atividades de Estudos: 1) Escolha três autores já citados e forme a sua opinião sobre as questões a seguir: a) Com toda inovação e recursos tecnológicos que poderia levar nossos alunos a produzirem conhecimentos para atender a um mercado tão inovador, qual o motivo de ainda apresentarmos baixo nível de escolarização? 22 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ b) Quais são as principais fragilidades do atual modelo educacional na construção do conhecimento? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Pesquise mais sobre “Uma breve história da educação e do nascimento da escola”, disponível em: <https://goo.gl/6dB5AF>. Acesso em: 8 jun. 2018. 3 O Conhecimento em Rede e as Aprendizagens na Escola A partir dos estudos de Moraes (2010), o paradigma científico atual traz a concepção de mundo como um fluxo em contínuo movimento, impulsionado pelo conhecimento, mas não um conhecimento restrito a pequenos grupos de poder, estamos falando de uma rede de conhecimentos, como uma teia, em que todos estão interligados de alguma forma. Nessa teia interconexa que representa os fenômenos observados descritos por conceitos, modelos e teorias, não há nada que seja primordial, fundamental, primário ou secundário, pois já não existe mais nenhum alicerce, fixo e imutável. Isso significa que não existe uma ciência, ou uma disciplina, que esteja acima e outra abaixo, que não há conceitos em hierarquias ou algo que seja mais 23 A Centralidade da Aprendizagem nas Práticas Educativas Escolares Capítulo 1 fundamental do que qualquer outra coisa. O enfoque disciplinar atual é fruto do racionalismo científico que modelou o pensamento humano durante séculos. Este gerou a especialização em razão da grande variedade do conhecimento humano, especialmente a partir da revolução científica (MORAES, 2010, p. 75). Ao considerarmos que o processo do conhecimento é movimentado por uma grande rede, ou seja, tudo está interligado, podemos perceber o quanto a estrutura curricular está ultrapassada pela fragmentação das disciplinas em conteúdos. Assim, entender o conhecimento é compreender através de uma consciência coletiva e individual, cada um com suas especificidades atuando numa rede de complexidades. CONSTRUINDO CONHECIMENTO EM REDE Professores discutem novas estratégias e possibilidades de ensino diante das alternativas digitais da atualidade e do acesso à grande quantidade de informação permitida por elas. Ferramentas não faltam. Celulares, tablets, notebooks e outros eletrônicos quer queiram, quer não, fazem parte da vida de crianças e jovens em boa parte do mundo. Em vez de vê-los como obstáculo à educação, é hora de enxergar o seu potencial como ferramenta para aprimorar o ensino. O conectivismo é uma das poucas teorias de aprendizagem que estão em sintonia com essa nova realidade. Idealizado por George Siemens, parte do pressuposto de que o conhecimento é construído por meio de redes e interações e busca responder à seguinte questão: como podemos ajudar o estudante a aprender? “Aprender, é criar redes”, reafirma o colombiano Diogo Leal. Especialista em redes sociais na educação, Leal participou do congresso PeopleNET in Education, realizado no mês de março, em São Paulo, com o objetivo de estimular a reflexão e o bom uso das novas mídias em salade aula. Na ocasião, ele lembrou que a aprendizagem e o conhecimento se apoiam em uma vasta gama de informações provenientes de diferentes fontes, acrescentando: “Não é possível controlar as redes, mas pode-se influenciá-las”. Pesquise mais em: <https://goo.gl/gRgc9u>. 24 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR Falamos anteriormente da estrutura curricular que, mesmo na era do conhecimento compartilhado, insiste na fragmentação dos saberes em disciplinas. Discussões sobre novas formas de organizar o currículo vêm aos poucos se construindo com bases mais integradoras, apesar de termos muito a fazer ainda. Vamos entender essa tendência por meio da pesquisa de Prado (2000). A educação básica no Brasil é organizada em três etapas: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Contudo, com a problemática da evasão escolar, tornou-se necessário criar um programa de educação de jovens e adultos, para atender aos que por algum motivo estavam fora da escola. O programa que era para ser provisório passou a ser contínuo. Atender a esta população que não teve acesso é imprescindível, mas alertamos que o ideal seria a extinção desta situação atual, ou seja, programas de prevenção e não de remediação. Uma educação de qualidade envolve igualdade, e enquanto o programa continuar, é sinal de que não vencemos nesse quesito. As tentativas seguem em frente. Já temos um olhar voltado para as diversidades, por exemplo, o caso das comunidades indígenas. Entendendo que o conhecimento é para todos, a Constituição reconheceu e passou a garantir-lhes o direito de fazer uso de suas línguas maternas, bem como suas formas próprias de aprendizagem. Falar de conhecimento é falar de qualidade, e qualidade de educação é igualdade. Nesse caso, os currículos trazem a valorização da expressão dos conhecimentos, tradições e valores que uma sociedade precisa para tornar autêntico o percurso educativo de suas crianças e jovens (PRADO, 2000). Questões relacionadas a conhecimentos e valores vêm sendo discutidas e alteradas nos últimos anos. As crises ou mudanças sociais acarretam em novas formas de organizar a educação, com exigências na qualidade educativa, que recai consequentemente no quesito curricular, nas ações das escolas e numa nova forma de entender o conhecimento. Dessa forma, referências nacionais de educação devem solucionar antigos problemas da educação, apontando os novos desafios trazidos pela conjuntura mundial e pelas novas características da sociedade, considerando as diversidades, sendo elas regionais, culturais ou políticas. Para entender o paradigma atual do conhecimento, veremos a seguir a concepção pedagógica subjacente, com a nova proposta curricular trazida por Prado (2000): 25 A Centralidade da Aprendizagem nas Práticas Educativas Escolares Capítulo 1 • A escola existe, antes de tudo, para os alunos aprenderem o que não podem aprender sem ela. Nesse aspecto a escola não é detentora do saber, mas a propulsora das aprendizagens, tendo a responsabilidade do ensinar: a pesquisar, a não aceitar qualquer argumento sem fundamento, mas com muita investigação, a respeitar a diversidade e a natureza, a liderar e a trabalhar em grupo. • O professor organiza a aprendizagem, avalia os resultados, incentiva a cooperação, estimula a autonomia e o senso de responsabilidade dos estudantes. A tarefa do professor é essencial no que diz respeito ao incentivo e ao estímulo às potencialidades do aluno. Na perspectiva da inclusão, não só sujeitos com deficiências, mas todos, com dificuldades ou sem, precisam serem reconhecidos e valorizados no ambiente escolar, tendo as mesmas chances de se desenvolverem, considerando suas competências e habilidades, como também trabalhando suas fragilidades. É na escola que devemos aprender que o erro é uma alternativa para o acerto e não uma desaprovação ou interpretação negativa, que acaba muitas vezes rotulando o aluno. • Nada substitui a atuação do próprio aluno no processo de aprendizagem. Por mais que a escola ofereça condições do aluno aprender, se não houver a interação do sujeito com seu meio, dificilmente poderá ocorrer a aprendizagem. O conhecimento é movido pelo interesse, que muitas vezes precisam ser estimulados. E nesse caso é fundamental o professor entender que cada aluno é especial e que traz um contexto de vida. O estímulo para uns pode significar repulsa para outros. Um exemplo bem simples é a palavra “pão”, para uns remete à saciedade e para outros, no entanto, a dor da fome. Isso mostra que somos diferentes não só pelo DNA, mas por uma condição de vida. O professor deve ser sensível a essas diferenças. a) O ponto de partida é sempre o conhecimento prévio do aluno Você já deve ter ouvido muito que devemos reconhecer o que o aluno traz de bagagem, mas como isso se ressignifica na prática? Como é possível compreender e considerar cada contexto, cada cultura através de tantos conteúdos disponíveis? Analise a evolução dos questionamentos no Quadro 6: 26 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR QUADRO 6 – QUANTIDADE DE TESES E DISSERTAÇÕES SOBRE CULTURA ESCOLAR ANO FREQUÊNCIA PERCENTUAL 1987 A 1992 0 0% 1993 1 0,28% 1994 0 0% 1995 2 0,56% 1996 5 1,38% 1997 6 1,66% 1998 4 1,11% 1999 5 1,38% 2000 11 3,05% 2001 19 5,26% 2002 27 7,48% 2003 35 9,70% 2004 65 18% 2005 49 13,57% 2006 61 16,90% 2007 71 19,67% TOTAL 361 100% FONTE: Capes (1987/2007). Essa pesquisa demonstrou a crescente preocupação em considerar as culturas de contexto no ambiente escolar. Damke e Simon (2011) destacam que a instituição de ensino está preocupada em seguir as regras e disciplinas, tendo controle do tempo e o espaço com seu funcionamento rigoroso, expondo assim uma discrepância entre a instituição que se tem e a que se almeja. Destacam ainda que “a educação não pode ser planejada de forma isolada da cultura, pois ela existe em uma cultura que trata de poder, de diferenças e de recompensas” (DAMKE; SAIMON, 2011, p. 5385). Mesmo que os educadores atuem em um ambiente determinista, com regulamentos e exigências de conteúdos, isso não impede que os inovem, por meio de práticas que vinculem a cultura e a diversidade a partir do contexto do aluno. b) A avaliação é um instrumento de melhoria do ensino e não uma arma contra o aluno A avaliação deixou de ter um caráter reprovador e negativo para ser elemento de reconhecimento das fragilidades e transformadora de potenciais. Haja vista que é pelo erro que superamos nossos equívocos. Nesse sentido, a escola que produz conhecimento com respeito à individualidade preconiza o erro como um saber em construção. c) A aprendizagem bem-sucedida promove a autoestima do aluno; o fracasso ameaça o aprender e é o primeiro passo para o desinteresse 27 A Centralidade da Aprendizagem nas Práticas Educativas Escolares Capítulo 1 Um ponto muito importante sobre a produção do conhecimento no espaço escolar é que o aluno com dificuldade muito provavelmente apresentará desinteresse e desistência pelos estudos. Essa preocupação deve ser constante do professor, uma vez que se trata de autoestima, sendo esta a mola-mestra para os impulsos das ações. A partir desse entendimento destacamos alguns pontos importantes: O desenvolvimento da autonomia e responsabilidade é essencial não só para o aluno entender que ele é o “gestor de sua aprendizagem”, mas também para a formação de uma consciência responsiva para com seu papel na sociedade em que atua. O processo do conhecimento lida com as novas perspectivas: a partir do que o aluno já sabe, por exemplo, ele aprende a aprender por meio de outros pontos de vistas; compartilhando suas experiências e aprendendo a pesquisar, construir e transformar seu ambiente,gerando assim novos conhecimentos. A instituição escolar foi constituída na história da humanidade como o espaço de socialização do conhecimento formal historicamente constituído. O processo de educação formal possibilita novas formas de pensamento e de comportamento: através das artes e das ciências o ser humano transforma sua vida e a de seus descendentes. A escola é assim, um espaço de ampliação da experiência humana, devendo, para tanto, não se limitar às experiências cotidianas das crianças, mas trazer, necessariamente, conhecimentos novos, metodologias e áreas de conhecimento contemporâneas. O currículo se torna, assim, um instrumento de formação humana (LIMA, 2009). Leia mais em: LIMA, Elvira Souza. Currículo, cultura e conhecimento. São Paulo: Inter Alia, 2009. 4 O Conhecimento em Processo As transformações vistas na sociedade estão cada vez mais aceleradas e disso não duvidamos. Moraes (2010) afirma que o conhecimento está em processo, numa transição que integra um conjunto de saberes, desmistificando verdades fixas, inabaláveis. Hoje, entende-se que o conhecimento é um eterno “vir-a-ser”. O conhecimento como processo em um contexto dinâmico de “vir-a-ser”, também foi destacado por Piaget e Dewey. Um processo de reorganização reflexiva que facilita a abertura de um conhecimento menor para a circunstância 28 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR É o primeiro dia de aula de Kelo, no Chade, na África. As crianças caminham pela estrada. ‘Vou ganhar um caderno?’, pergunta Tomás. ‘Vou ganhar um lápis? Vou aprender a ler como vocês? Mas quando ele e as outras crianças chegam à escola, não há sala de aula, nem carteiras. Apenas uma professora. ‘A primeira lição é construir a nossa escola’, diz ela. Acesse o livro: RUMFORD, James. Escola de Chuva. São Paulo: Brinque Book, 2012. de conhecimento maior e mais completo. Nesse aspecto, Piaget propôs compreender os problemas epistemológicos e ressaltar o papel ativo da criança no desenvolvimento dos saberes. Identificou que seu desenvolvimento cognitivo vem de um processo de elaboração fundamentalmente baseado na ação da criança, e não na unificação de informações acumuladas. A partir daí, Piaget passou a aprofundar seus estudos na ação da criança, a qual denominou como processos de funcionamento de toda organização viva. Essa ação é considerada forma de adaptação de um organismo ao meio por intermédio dos esquemas motores, o que seria a condição de estruturação do mundo pela criança. Na interação da criança com o seu ambiente, ela desenvolve estruturas por meio de “esquemas de ação”. Esquema seria uma sequência bem definida de ações físicas e mentais. É a ação que se desenvolve com ordem e coerência, que se refere a um tipo regular de ação que a criança aplica a vários objetos. É algo transponível, generalizável, diferenciável de uma situação para outra; algo comum às diversas aplicações da mesma coisa (MORAES, 2010, p. 92). Aprender pela ação, segundo Hohmann e Weikart (2007), significa que a aprendizagem ocorre mediada pela iniciativa pessoal, ou seja, ninguém aprende se não tocar, mexer, manipular, falar, experimentar, cheirar. Enfim, aprender significa envolver-se. No entanto, a aprendizagem só acontece quando pais, professores e responsáveis disponibilizam oportunidades de aprendizagem ativa. Dessa forma, acreditar na aprendizagem ativa é, antes de tudo, acreditar que as crianças são pessoas competentes. Hohmann e Weikart (2007) consideram a aprendizagem ativa como uma aprendizagem pela ação e que esta é uma condição necessária para a reestruturação cognitiva e para o desenvolvimento humano. No contexto da educação infantil, a aprendizagem ativa pode ser melhor observada por meio da brincadeira. Na brincadeira a criança cria e recria desafios, desenvolvendo sua capacidade de representar as situações-problema e as ações que realizou para resolvê-las. 29 A Centralidade da Aprendizagem nas Práticas Educativas Escolares Capítulo 1 5 Há Diferença Entre o Conhecimento Social e o Conhecimento Escolar? Segundo Young (2007), a escolaridade abrange a possibilidade de acesso ao saber especializado em diferentes áreas. Nesse sentido, o autor traz as seguintes indagações: • Há diferenças entre o conhecimento escolar e o cotidiano? • Há diferenças e relações entre domínios do conhecimento? • Há diferenças entre o conhecimento especializado (por exemplo, física ou história) e o conhecimento com tratamento pedagógico (por exemplo, física escolar ou história escolar para diferentes grupos de alunos)? Young (2007) explica que há dois tipos de conhecimentos, um que é o conhecimento vinculado ao contexto, que se processa ao entender situações práticas e específicas no dia a dia, por exemplo, consertar um chuveiro elétrico, ou achar um determinado endereço no mapa, que também pode ser procedimental, como um manual ou conjunto de regras de saúde e segurança. O conhecimento condicionado ao contexto faz com que o indivíduo execute funções específicas e lide com situações detalhadas, ou seja, mais objetivas e não subjetivas. Já o conhecimento independente de contexto ou conhecimento teórico envolve generalizações e busca a universalidade. “Ele fornece uma base para se fazer julgamentos e é geralmente, mas não unicamente, relacionado às ciências. É esse conhecimento independente de contexto que é, pelo menos potencialmente, adquirido na escola e é a ele que me refiro como conhecimento poderoso” (YOUNG, 2017, s.p.). Algumas escolas vêm falhando no sentido de preparar os alunos a expandir para o conhecimento poderoso. Temos que considerar que a cultura do aluno pode influenciar no sucesso ou insucesso escolar. Todavia, cabe à escola suprir essa desigualdade tornando o espaço educativo em propostas democráticas e igualitárias. [...] se as escolas devem cumprir um papel importante em promover a igualdade social, elas precisam considerar seriamente a base de conhecimento do currículo, mesmo quando isso parecer ir contra as demandas dos alunos (e às vezes de seus pais). As escolas devem perguntar: “Este currículo é um meio para que os alunos possam adquirir conhecimento poderoso?”. Para crianças de lares desfavorecidos, a participação ativa na escola pode ser a única oportunidade de adquirirem conhecimento poderoso e serem capazes de caminhar, ao menos intelectualmente, para além de suas circunstâncias locais e particulares. Não há nenhuma utilidade para os alunos em se construir um currículo em torno da sua experiência, para que este currículo possa ser validado e, como resultado, deixá-los sempre na mesma condição (YOUNG, 2017, s.p.). 30 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR Assim, o currículo deve superar as condições básicas de conhecimento para elevar o potencial dos alunos. Um currículo que atende somente ao que é necessário não proporciona o “conhecimento poderoso” como cita o autor anteriormente. Vamos entender melhor o conceito de conhecimento escolar: CONCEITUANDO O CONHECIMENTO ESCOLAR A tentativa mais aceita e original de se conceituar o conhecimento escolar é a desenvolvida pelo sociólogo inglês Basil Bernstein (1971; 2000). Sua visão específica foi a de enfatizar o papel central das fronteiras do conhecimento, como uma condição para a aquisição de conhecimento e como uma incorporação das relações de poder que estão necessariamente envolvidas na pedagogia. Bernstein começa conceituando as fronteiras em termos de duas dimensões. Primeiramente, ele faz uma distinção entre a classificação do conhecimento – ou o grau de isolamento entre domínios de conhecimento – e o enquadramento do conhecimento – o grau de isolamento entre o conhecimento escolar ou o currículo e o conhecimento cotidiano que os alunos trazempara a escola. Em segundo lugar, ele sugere que a classificação do conhecimento pode ser forte – quando os domínios são altamente isolados um do outro (como no caso de física e história) – ou fraca – quando há baixos níveis de isolamento entre domínios (como nos currículos de humanidades ou ciências). Da mesma forma, o enquadramento pode ser forte – quando o conhecimento escolar e o não escolar são isolados um do outro, ou fraco, quando as fronteiras entre o conhecimento escolar e o não escolar são diluídas (como no caso de muitos programas de educação adulta e alguns currículos planejados para alunos menos capazes). Posteriormente, em seu trabalho, Bernstein (1996; 2000) passa de um foco nas relações entre domínios para a estrutura dos domínios em si, ao apresentar a distinção entre estruturas verticais e horizontais de conhecimento. Essa distinção refere-se à maneira como os diferentes domínios do conhecimento incorporam diferentes ideias de como o conhecimento evolui. Enquanto nas estruturas de conhecimento verticais (tipicamente as ciências naturais) o conhecimento evolui para níveis mais elevados de abstração (por exemplo, das leis da gravidade de Newton à teoria da relatividade de Einstein), nas estruturas de conhecimento horizontais ou segmentais, como Bernstein expressa (como as ciências sociais e as humanidades), o conhecimento evolui ao desenvolver novas linguagens que apresentam novos problemas. 31 A Centralidade da Aprendizagem nas Práticas Educativas Escolares Capítulo 1 Alguns exemplos são inovações da teoria literária ou abordagens à mente e à consciência. O interesse de Bernstein era, em primeiro lugar, desenvolver uma linguagem para pensar em diferentes possibilidades de currículo e suas implicações. Seu segundo argumento crucial era fazer a conexão entre estruturas de conhecimento, fronteiras e identidades de alunos. Sua hipótese era de que fronteiras fortes entre domínios de conhecimento e entre o conhecimento escolar e o não escolar exercem um papel crítico no suporte às identidades dos alunos e, portanto, são uma condição para que progridam. Contudo, há muitos aspectos específicos de como Bernstein usa a ideia das fronteiras, e todos esses aspectos podem ser vistos em Durkheim (MOORE, 2004). Primeiramente, as fronteiras referem-se às relações entre conteúdos, não aos conteúdos do conhecimento em si. Em segundo lugar, embora as fronteiras fortes tenham sido expressas historicamente em disciplinas escolares, do ponto de vista de Bernstein, esse é um fato histórico e as disciplinas que conhecemos não são a única forma que as fronteiras fortes podem ter. Em terceiro lugar, as fronteiras fortes entre os conteúdos terão consequências distributivas ou, em outras palavras, serão associadas a certas qualidades negativas dos resultados. Em quarto lugar, a inovação, seja ela associada a criar novo conhecimento (na universidade) ou ampliar a aquisição de conhecimento poderoso para novos grupos de alunos, demandará que cruzemos fronteiras e coloquemos identidades em questão. Em outras palavras, a melhoria das escolas sob essa perspectiva irá envolver tanto a estabilidade quanto a mudança, ou, como descrito neste capítulo, a relação entre a manutenção e o cruzamento da fronteira. Fonte: Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v28n101/ a0228101.pdf>. Acesso em: 1 maio 2018. Atividades de Estudos: 1) Explique com suas palavras o que é conhecimento em rede. _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ 32 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO AMBIENTE ESCOLAR 6 Cultura e Aprendizagens: Ressignificação nas Práticas Educativas Ao lidar com educação e cultura, presentes em várias dimensões da vida social, percebemos o quanto a sua relação estimula a construção de novos conhecimentos e, consequentemente, surgem novas práticas culturais que se ressignificam não só na instituição educativa como em outros espaços de aprendizagem, formal e informal. De acordo com o Plano Nacional de Cultura (BRASIL, 2018), os saberes culturais devem ser vistos como componentes essenciais na educação formal, proporcionando ao aluno os múltiplos olhares, aguçando seus sentidos e a formação do saber sensível. As ações do PNC apontam para: [...] a necessidade de fortalecer e estruturar a inter-relação entre cultura e educação. Assim, mostram a importância de articular agendas compartilhadas entre instituições de educação e de cultura, e de ampliar as possibilidades de colaboração e complementaridade nos diferentes níveis de governo, ministérios e secretarias. Buscam aproximar as redes de ensino e de cultura, com a efetiva inserção das artes no sistema ensino regular e a transformação das escolas e universidades em polos de fruição e produção cultural. Tais ações propõem também a formação de pesquisadores e capacitação de profissionais no campo cultural, com a promoção de cursos livres, de novos cursos técnicos e superiores de atualização e gestão cultural. Nesse sentido, apontam a importância de reconhecer os saberes e fazeres na área da cultura. São propostas ainda iniciativas de incentivo a projetos de pesquisa, buscando, assim, produzir e aprimorar conhecimento sobre o campo da cultura (BRASIL, 2018, s.p.). Desta forma, a relação entre cultura e aprendizagem traz a compreensão e a interpretação da realidade pelos alunos e/ou crianças vinculadas a sua experiência cultural, aos seus conhecimentos prévios, à cultura acumulada historicamente pela humanidade e à cultura contemporânea. Para você compreender melhor, há um conceito de criança apontado pelos Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil que afirma que “A criança é um sujeito social e histórico que está inserido em uma sociedade na qual partilha de uma determinada cultura. É profundamente marcada pelo meio social [...], é um ser único, completo e ao mesmo tempo em crescimento e desenvolvimento” (BRASIL, 2006, p. 14). Na mesma linha, Sarmento e Pinto (1997) define que a criança é um cidadão com direitos, é um sujeito sócio-histórico cultural que, em função das interações entre aspectos biológicos e culturais, apresenta especificidades no seu desenvolvimento. Lendo com atenção estes conceitos, você pode observar que é preciso garantir a indissociabilidade nos aspectos cognitivos, emocionais, fisiológicos e culturais. Portanto, a criança é um sujeito competente e de direitos, capaz de interagir e produzir história e cultura no meio em que vive. A escola deve conceber os alunos como coconstrutores de conhecimento e cultura. 33 A Centralidade da Aprendizagem nas Práticas Educativas Escolares Capítulo 1 Para finalizar os estudos dessa unidade recomendamos o filme: “Amor impossível”. O filme ensina sobre a vida acadêmica? O pano de fundo desta comédia romântica é o trabalho de um estudioso altamente especializado em um campo que tem muito de experimental. Segundo o consultor Marco Oliveira, o filme é interessante por mostrar os bastidores da pesquisa acadêmica e os desafios da sua implementação. “Salmon fishing in the Yemen”. 7 Algumas Considerações Ao pensar na produção de conhecimento na escola, é importante considerar um currículo integrado e interdisciplinar que move toda uma ação educativa. Um currículo que se organiza em torno de temas relevantes para os alunos e para sua realidade, que flexibiliza as fronteiras entre as disciplinas, entre os horários e espaços escolares, sempre num clima de diálogo colaborativo entre a escola e a comunidade. Para tanto, é preciso levarem conta o protagonismo do educando e as múltiplas percepções de mundo. Também não podemos esquecer que a função do professor constitui um papel fundamental na produção do conhecimento ao selecionar conteúdos, elaborar a rotina, organizar o espaço físico da sala de aula, e organizar projetos. Nos próximos capítulos aprofundaremos a discussão sobre a produção do conhecimento e seus autores. Referências BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à educação. Brasília: MEC, SEB, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302007000400002>. 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