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As dimensões curriculares na perspectiva da arte/educação contemporânea

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As dimensões curriculares na perspectiva da arte/educação contemporânea
Os desenhos curriculares elaborados para a linguagem da Arte expressam diferentes concepções sobre a sua aprendizagem e o seu ensino. O currículo traduz aquilo que os educadores acreditam ser fundamental para a aprendizagem e sugere também caminhos para essas conquistas.
Sendo assim, o reconhecimento das diferentes concepções da arte/educação faz-se fundamental para que os professores possam participar ativamente da construção desses currículos, e também para que possam interagir com os documentos já elaborados de forma crítica e autoral.
Na perspectiva da arte/educação contemporânea, a aprendizagem da arte deve favorecer o desenvolvimento da poética autoral dos alunos, na medida em que apoia o diálogo de suas produções com as produções de colegas e artistas, expandindo o seu repertório imagético e também as práticas sociais de uso da linguagem artística.
Nessa perspectiva, Elliot Eisner, arte/educador norte-americano, aponta que o currículo de artes visuais deve ir além do fazer, e destaca a importância de experiências em que os alunos possam tomar contato com a arte a partir de práticas socioculturais e também possam desenvolver o olhar para perceber os elementos dessa linguagem.
Eisner (1972) organiza o currículo a partir de 3 dimensões fundamentais para a aprendizagem:
Criar formas artísticas que tenham natureza estética e expressiva;
Olhar formas visuais na arte e na natureza;
Compreender a arte como fenômeno cultural.
A seguir, descreveremos esses campos fundamentais e apontaremos possíveis transposições didáticas para sua a aprendizagem na escola de Educação Infantil. Traduzimos os campos apontados por Eisner como CRIAR, SENTIR e CONHECER.
 
 1. CRIAR
Produzir imagens é poder criar um discurso próprio na linguagem visual. Discurso que é alimentado pelas culturas e que com elas dialoga. É, segundo Elliot Eisner, poder criar imagens que possuam qualidades estéticas e expressivas.
A aprendizagem do fazer integra vários elementos presentes nas experiências da criança com o mundo que a cerca – os materiais disponíveis, a observação das marcas, a paisagem do lugar em que ela vive, a família, a escola, as imagens das mídias a que tem acesso, as imagens produzidas por colegas ou artistas que conhece – todos esses elementos que estarão presentes nos temas e nas linhas, formas, cores e objetos que compõem as suas produções.
Além desses elementos, o fazer também está diretamente relacionado ao processo de desenvolvimento da criança. Para elaborar as situações didáticas, é fundamental que o professor conheça esse processo e estude as formas de ampliação mais adequadas.
Os materiais respondem de maneiras distintas aos gestos que a criança realiza – seja sobre as superfícies planas, seja na ocupação do espaço para a construção de imagens tridimensionais. É preciso garantir certa intimidade com eles, para que a criança consiga prever e calcular sua ação, que será mais e mais intencional a partir de cada experiência. A canetinha, por exemplo, responde de forma muito diferente se comparada ao lápis de cor, e cada um desses materiais pode ser usado com finalidades diversas. Caso a criança queira colorir uma superfície muito extensa, por exemplo, o giz de cera grosso ou a tinta são mais indicados, e assim por diante.
É comum, sobretudo nas escolas de Educação Infantil, que os educadores entreguem uma grande variedade de materiais para que a criança experimente, como se essa variedade pudesse garantir ricas experiências para a produção de imagens. Além dos convencionais lápis de cor, tinta, pincel, giz de cera, canetinhas, argila, tesoura e papel, costumam usar também misturas de pó de café, farinha, temperos, gelatina, sagu e muitas outras coisas.
Ocorre que a excessiva variedade e a pouca frequência de contato com um mesmo material pode fazer com que a criança não perceba as regularidades de seus usos quando sua intenção é construir imagens. Nesse contexto, menos é mais, quando estamos pensando em experiências mais significativas para o desenvolvimento da linguagem visual.
Em contrapartida, caso o professor perceba que os alunos estão interessados por investigar linhas de diferentes espessuras, as diferentes marcas que podem produzir em diferentes superfícies, poderá oferecer objetos variados para que possam pintar e observar as diferenças dessas marcas, e assim por diante.
Antes de selecionar os materiais, o mais prudente é pensar nos sentidos dessas escolhas, que não devem ser aleatórias e tampouco orientadas apenas para garantir a variedade, mas sim o sentido da experiência, da investigação que proporcionará para as crianças.
Além da experimentação dos materiais, o fazer da criança também envolve o processo de assimilação recriadora, como já apontamos anteriormente. Esse processo depende do contato da criança com as imagens das diferentes culturas, por meio das quais pode significar as suas marcas e ampliar os temas, bem como o seu repertório gráfico. Nesse sentido, vale acrescentar aqui as experiências da aprendizagem compartilhada, já citadas anteriormente.
 2. SENTIR
“Sim, eu quero saber. Saber para
 melhor sentir, sentir para melhor saber”.
Paul Cézanne
 
As experiências do sentir fazem lembrar que é o corpo o elemento fundamental para qualquer percepção, emoção e conhecimento.
Sensibilizar o corpo para experimentar imagens é poder conectar-se com as sensações e conhecer como respondemos fisicamente a elas – os pensamentos, as sensações e as emoções que despertam.
Por imagens, entendemos aquelas que são produzidas por colegas, pela própria criança, por artistas, mas também as imagens do cotidiano da criança, os ambientes (a casa, a escola), as paisagens urbanas e também as naturais.
Estar atento ao corpo e sensibilizá-lo para perceber o mundo é também algo que se pode aprender.
As situações de sensibilização podem variar de acordo com os objetivos das propostas didáticas. Se, por exemplo, o projeto envolver a pintura da paisagem ao ar livre, sentir o vento tocar a pele de olhos fechados, observar as árvores e como o vento faz balançar os galhos e as folhas, as diferentes tonalidades de cor que a luz faz vibrar, brincar de contar os tons de verde que existem numa mesma árvore, ou no pôr do sol, sentir a rugosidade da terra e sua textura com as mãos, a temperatura, tudo isso influenciará a qualidade das imagens que as crianças poderão criar - elementos que poderão se configurar como novos repertórios de ideias para as imagens das crianças.
 
2.1. Olhar
O olhar faz parte do campo da sensibilidade, mas merece lugar de destaque quando pensamos na área de artes visuais.
Olhar de criança tende a ser curioso, investigativo. Os pequenos ainda não desenvolveram o que Elliot Eisner (1972) chama de constância visual, que é o que acontece com o olhar quando fica condicionado a rapidamente ler certos símbolos e seus significados sem necessitar refletir sobre eles. Essa condição abre ricas possibilidades de troca com os pares e adultos, que podem dar às imagens sentidos diferentes, muitas vezes desconhecidos pelos adultos.
Ao mesmo tempo, sabemos que o olhar e a percepção são, desde cedo, influenciados pela cultura de um tempo e de um lugar - os desenhos da mídia, as ilustrações de livros, os quadros de casa, os murais da escola, as visitas a espaços culturais, os desenhos de outras crianças, de adultos etc.
O exercício do olhar, na escola de Educação Infantil, pode se configurar como oportunidade de ampliação. Nessa linha, a aprendizagem pode ganhar sentidos de percepção sobre as imagens, de investigação sobre a sua organização em linhas, formas, pontos e cores (como o artista fez a boca, o cachorro etc.), de reflexão sobre os sentimentos que as imagens despertam e das relações que a criança pode estabelecer com a vida – práticas que podem favorecer o desenvolvimento estético da criança.
Edmund Feldman, arte/educador norte-americano, assim como Elliot Eisner, considerou a crítica como um aspecto fundamentalpara a aprendizagem da arte.
Na concepção de Feldman (1970), ver filmes, pinturas, desenhos, performances etc. não é suficiente para aprender sobre a arte e tampouco para fazer arte. Essa linguagem, assim como todas as outras, se dá na interação social. A crítica, portanto, pode ser compreendida como a CONVERSA, que se estabelece com outros sobre a arte por meio da oralidade ou da escrita (no caso das crianças mais velhas ou dos adultos).
Feldman aponta que o desenvolvimento da crítica se dá na articulação de alguns procedimentos que favorecem o refinamento dessa conversa - a descrição, a análise, a interpretação e o julgamento. Esses procedimentos ajudam a aguçar o olhar, favorecem a pesquisa dos diferentes elementos que compõem a imagem e apoiam a construção de uma opinião pessoal sobre ela.
Sobretudo na Educação Infantil, o professor não deve ver essa lista de procedimentos como uma lista de tarefas a se fazer com as crianças nas situações de leitura de imagens. Esses elementos podem servir como apoio para a organização de boas perguntas, de como podemos ouvir e qualificar os comentários que as crianças fazem, suas ideias, percepções etc.
 3. CONHECER
Este aspecto é o que reforça a importância de colocar a criança em contato com as manifestações socioculturais da arte, do modo como as pessoas fazem uso dessa linguagem no mundo. É levá-las a conhecer espaços de arte como galerias, museus, centros culturais, e também convidá-las a participar da organização de exposições para compartilhar com outros as manifestações artísticas produzidas na escola.          
Uma possibilidade interessante que pode favorecer a aprendizagem significativa dos alunos é a elaboração de um portfólio contendo os percursos didáticos vividos pelo grupo (artistas que conheceram, imagens preferidas, lugares já visitados, projetos vividos, desenhos etc.). Esse material poderá se configurar como importante registro, que possibilita retomar as experiências vividas e conquistar uma maior consciência delas. Além disso, esses registros poderão servir de fonte de pesquisa para o planejamento de projetos futuros, que poderão retomar e ampliar conhecimentos.
O planejamento das visitas a espaços de arte ou de museus merece cuidado redobrado. Um simples contato com crianças pequenas pode revelar o quanto a relação com o espaço interfere no modo como se comportam e na segurança de que precisam para viver as experiências que planejamos.
Sabendo disso, o professor deve buscar antecipar com o grupo como será a atividade, o que irão encontrar no lugar, como poderão se comportar, mostrar as obras que serão vistas ao vivo etc.
Um outro ponto importante é garantir que elas possam olhar as obras com atenção, que possam conversar sobre elas e que tenham tempo para fazer isso com calma, sentar-se em frente às obras, olhar detalhes, falar sobre emoções e sentimentos. Por isso, pode ser desastroso andar por exposições com grupos numerosos.
O mais indicado é levar grupos pequenos e dividi-los em subgrupos de até 6 crianças para caminhar pela exposição. O professor não deve preocupar-se com a quantidade de obras que as crianças poderão ver, mas com a qualidade da interação com elas, podendo garantir bons momentos de conversa, de escolha do que querem ver etc.
Para as crianças muito pequenas, de 1, 2 e até 3 anos, o mais indicado é planejar saídas com as famílias. Dessa forma, os pequenos poderão observar como os adultos se comportam, como aprendem juntos e conversam sobre as obras e os artistas.

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