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O TRABALHO DO PSICÓLOGO EM UMA INSTITUIÇÃO ESPECIAL: EDUCAÇÃO, INCLUSÃO E O LUGAR DO PSICÓLOGO.

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O TRABALHO DO PSICÓLOGO EM UMA INSTITUIÇÃO “ESPECIAL”: EDUCAÇÃO, INCLUSÃO E O LUGAR DO PSICÓLOGO.
Introdução
Este trabalho procurar pensar a partir do relato de um profissional em psicologia escolar, a atuação do psicólogo na escola, principalmente na escola de ensino diferenciado, a partir das questões práticas e temáticas, o lugar do psicólogo em um contexto tão complexo como o que vivemos atualmente, principalmente no âmbito educacional. Com o objetivo de promover a princípio um debate, uma discussão que nos permita pensar sobre o assunto, este trabalho se abstém de rigidez teórica e citações, embora tenhamos em mente bases teóricas diversas.
Justificativa
Pensando no atual contexto de divulgação da inclusão ao mesmo tempo em que presenciamos a falência da educação, por perceber a importância dessa instituição para a construção da sociedade, achamos interessante refletir sobre esse tema a partir de uma instituição “especial”, de um suposto agente de exclusão, que por sinal, é um dos poucos órgãos públicos de educação onde a presença do psicólogo é garantida.
A partir também de nossa experiência pessoal, que já nos permitiu passar por escolas normais e especiais, particulares e públicas, pudemos observar que diferenças existem, das mais diversas, tanto de uma instituição para outra como dentro das próprias instituições. Isto nos leva a questionar como e porque esse ideal de inclusão vem sendo disseminado de forma idealizada no momento atual, qual a real face disso, o que existe por trás desse discurso e o que é realmente construtivo para nossa sociedade.
Este trabalho também é importante para uma reflexão quanto a prática profissional, possivelmente uma das principais questões, como atuar, pensar e agir para a construção de melhoras em nosso contexto diante da demanda extra-humana que os ambientes de trabalho cobram dos profissionais, inclusive dos psicólogos? Lembrando que já na faculdade enfrentamos dificuldades em manter notas, trabalhos, leituras, empregos, vida pessoal e sujeito em harmonia, como pensar isso no ambiente de trabalho, como manter nossos ideais, nossa ética ao mesmo tempo que tentamos cumprir metas?
Essa questão não é só uma questão dos alunos universitários e profissionais, é possivelmente uma questão da própria educação. Cabe-nos pensar no sentido disso, e em possibilidades de articulações e mudanças. Mesmo em um contexto tão complexo, mesmo que as possibilidades de mudança reais pareçam caóticas, nem por isso devemos parar de pensar e questionar, se o que nós temos não nos tem servido satisfatoriamente.
Prática Investigativa: Entrevista
Para compreendermos melhor a prática do psicólogo dentro da escola, optamos por fazer uma visita a Instituição P. localizada na região central de BH. A escola é estadual direcionada para alunos “especiais”. Possui três psicólogos atuantes, um pela parte da manha, outro na parte da tarde e outro por período integral para um total de 400 alunos, além dos funcionários.
Conversamos inicialmente com G. uma psicóloga com 11 anos de experiência na área, ela nos falou mais sobre o papel exercido por eles naquela instituição e sobre seu pensamentos em relação a participação geral dos psicólogos. Segundo a mesma, o trabalho do psicólogo na escola é mais institucional, não há espaço para o atendimento individualizado, se este parecer necessário caberá um encaminhamento.
Nessa escola cabe aos psicólogos a função de Orientação e Encaminhamento. Por se tratar de uma escola para alunos com deficiência, é necessário que passem por uma triagem antes para verificar quais realmente precisam estar na escola e os encaminhamentos ocorrem devido a outras necessidades do mesmo. Observa que o trabalho é realizado juntamente com outras áreas, a importância do trabalho em equipe, destacando-se em sua fala os nomes da pedagogia e do serviço social.
Os alunos submetidos a Avaliações Psicológicas passam por uma Anamnese e em casos mais extremos por um Psicodiagnóstico. Eles contribuem também fazendo diversos trabalhos com os alunos utilizando-se de temas demandados, como por ex. “sexualidade”, “roubo” e etc. questões que vão surgindo e com as quais os professores não sabem lidar.
A psicóloga observa que o psicólogo na escola não teria um lugar específico, ele circula entre alunos, pais, diretoria, funcionários, procurando trabalhar com todos. Quando questionamos sobre como seria esse trabalho com a diretoria, ela diz que seria no sentido de escutar a demanda dessa diretoria quanto as necessidades da instituição: “Com a direção, é quando a direção solicita algum caso.”; do que deve ser trabalhado, de apaziguar as relações daqueles que estão gerando problemas na instituição.
Ela ressalta em vários momentos a importância da escuta no trabalho do psicólogo, incluindo isso não só à escuta realizada com o órgão sensorial “ouvido”, mas também a partir da observação e da sensibilidade de o psicólogo, que naquele ambiente passa por todas as áreas e conhece os diversos setores e necessidades, saber o que é preciso fazer, como intervir em um determinado momento, não só a partir da solicitação externa, mas também a partir das próprias observações.
Quando pergunto sobre qual seria a posição do psicólogo na educação, não só na instituição escola, mas na educação de um modo geral ela responde “importantíssima.” Fala que o psicólogo hoje é mais valorizado do que antes, e que em sua época de formação quase não se falava em psicologia escolar.O psicólogo vai ajudar a fazer circular a questão da aprendizagem na escola. O psicólogo deve descobrir o que pode estar barrando a aprendizagem. Ela diz que o olha do psicólogo é diferente, que sua função é diferente, e que com a inclusão tem aumentado a demanda da psicologia nas escolas, e que ela acredita que nessas escolas estão o futuro (do psicólogo?).
Complementa sobre o que é realizado pela psicólogo naquela instituição contando sobre os estudos de caso em equipe para decidir “o que fazer” com alguns alunos, a partir de uma interferência externa.
Perguntamos sobre como lidar com a questão ética profissional e pessoal, sabendo do contexto em que vivemos e atuando no contexto escolar que de certa forma representa a educação. Ela fala que a educação está péssima, que os professores não tem mais ideais, da greve e da crise financeira, e que o psicólogo nessa situação deve manter a questão ética de escuta. Ela diz que para ela, a questão ética da psicologia está na escuta, está em escutar e ver o que fazer diante do que escuta. Ainda segundo ela a Psicologia proporciona um olhar diferente, pois “a Instituição escola quer resultados e é cobrada por isso, não tem a paciência de escuta”, sendo assim a psicologia proporciona também uma escuta aos professores, alunos, demais funcionários e familiares, dando voz a essas pessoas para que possam compreender o sujeito ali em questão. Observa que na instituição todos os lugares tem sujeitos que têm que ser escutados, profissionais e alunos.
Quando perguntamos sobre como era o trabalho em equipe no início da escola, se a presença do psicólogo acompanha a escola desde o princípio, para nossa surpresa ela responde que a equipe diminui, que a variedade de profissionais também diminuiu, que a equipe foi enxugada.
Conversamos também sobre um estágio em parceria com a faculdade que acontecia nessa instituição, voluntário que foi cortado por uma decisão do governo. A psicóloga comenta que esse trabalho era importante, inclusive que os estagiários faziam o que eles não podem fazer, que se trata do atendimento individual, e que cortaram sem que eles soubessem o porque.
Ela diz da dificuldade de um trabalho em outros sentidos, de uma postura ética, reivindicativa, etc., diante da grande quantidade de trabalho que têm, usando como exemplo o estágio que deveria ser revisto quanto ao motivo da interrupção e que até hoje não se reuniram para falar sobre isso. Fala também de uma carta que escreveu para o conselho e que nunca teve resposta, questionando sobre apouca valorização do psicólogo escolar. E do desinteresse dos profissionais de um modo geral (inclusive os próprios professores) de trabalhar na área da educação.
Perguntamos sobre a inclusão, sua realidade, suas reais possibilidades, quando temos dificuldades de lidar com as diferenças muito mais sutis, se seria uma questão de enquadrar a minoria excluída ou de conscientizar a maioria excludente e se isto seria uma questão caótica. Ela fala das questões práticas da inclusão, achando que uma possível conscientização da maioria seria uma questão caótica.
G. diz que o lugar da Psicologia será revisto a partir da educação de inclusão, e é questão de tempo. Mostra sua insatisfação com o modo com a Inclusão tem sido feita, devido ao despreparo dos professores e a não capacidade de alguns alunos de se adaptarem. Ela diz que a Inclusão funciona dependendo também da adaptação do aluno e será positiva se encontrar algum jeito de ajudá-lo. E como tem ocorrido atualmente, diz que não é de fato inclusão, apenas em alguns casos quando conciliar adaptação de aluno e preparo dos professores é possível. Ela fala de outras questões práticas da inclusão, achando que uma possível conscientização da maioria seria uma questão caótica.
Reflexões finais
A partir de alguns tópicos da entrevista, de uma visão global do que discutimos nesta entrevista, e pensando nas teorias e debates que desenvolvemos em sala de aula sobre psicologia e educação nos foram possíveis algumas reflexões.
Percebemos de um modo geral na entrevista o reflexo da época em que vivemos. Isto poderá ser visto no decorrer de uma análise e discussão em torno de alguns tópicos da entrevista, percebemos a dificuldade de falar para além das questões práticas da educação, o quanto é difícil pensar a educação além da escola.
Tivemos uma entrevista muito rica, com uma profissional já com uma experiência vasta na área. Curiosamente ela nos conta o fato de não haver concurso para área, reclama do descaso em relação a essa área. Ali naquela instituição temos a presença de três psicólogos para 400 alunos, se tratando de uma instituição pública, tem-se em mente que, fora as exceções, somente temos a presença mesmo que insuficiente de uma equipe de profissionais ali, que inclui o psicólogo por ser uma escola de ensino diferenciado, de alunos com as mais diversas deficiências e dificuldades, também de aprendizado, onde o psicólogo é chamado a ocupar a posição de “peneira”, para selecionar quem realmente precisa estudar naquela escola e qual o horário e sala mais adequados, e também o papel de “bússola”, para mostrar a direção para outros profissionais de como lidar com os problemas que surgem naquela instituição. O psicólogo é também um “olho mágico” que vê o que está por trás, e um confessionário que de tudo houve, e depois receita alguns pai nosso e aves marias para a remissão dos pecados.
Ironias a parte, sabemos que estas questões práticas são importantes, que elas existem e precisam ser levadas em conta, mas quando ouvimos da profissional que o psicólogo não tem um lugar e que sua função vai circulando entre as áreas, somos levados a pensar positivamente que existe um trabalho interdisciplinar, se olharmos com ingenuidade. Mas no decorrer de sua fala, percebemos que isso não é fato, o psicólogo está mais para um “bombril” de nível um pouco elevado, que sai tampando os buracos de uma instituição falida, de um sistema falido, de uma moral falida, para tentar fazer com que funcione o que nunca funciona.
Precisamos ser cuidadosos com o lugar que somos chamados a ocupar, esse lugar de seleção, de orientação, de solução, esse lugar de saber absoluto, de poder que pode nos seduzir e nos ludibriar, cobrindo nossas vistas com trabalhos infinitos que nos impedem de pensar amplamente, que pelo que ouvimos, é o que acontece naquela instituição, e possivelmente o que acontece em várias outras instituições e com vários outros profissionais e não só o psicólogo.
Percebemos por exemplo, quando ela fala que é realizado um trabalho com a direção, os alunos, professores e pais, que no sentido de alunos e funcionários, e ainda com os pais, o trabalho é interventivo, mas com a direção o trabalho e de escuta: escutar ordens, escutar demandas a serem resolvidas em outros setores, com outras pessoas, porque na direção só temos queixa, só temos demanda dos outros, ela não precisa mudar. Neste caso, nos parece semelhante quando na clínica recebemos uma família queixosa de um de seus membros, e que joga nele todos os seus problemas, obviamente se excluindo da posição de fazer parte do problema. Assim como na clínica é percebemos que a família precisa ser tratada de alguma forma para realmente haver uma melhora, não seria essencial pensar isso também na instituição?
Podemos observar no discurso dessa profissional, um discurso que nos é muito repetido desde o início do curso: da importância da escuta, da escuta como a principal função do psicólogo, da escuta como a posição ética do psicólogo. Mas quando lhe questiono sobre o lugar do psicólogo na educação para além da instituição escolar, ela diz algo como “importantíssima” e volta a discursar sobre a prática do psicólogo escolar. Escuta? Questionamos se essa repetição do psicólogo como agente da escuta, não teria por trás uma idéia de passividade, que tira do psicólogo toda a responsabilidade pesada em incomoda da sua realidade como profissional, que tira o peso do seu conhecimento que pode ser agente de construção e de destruição, assim como o de muitas outras áreas do meio científico na atualidade. Essa ciência que é dominada pela ideologia.
A desilusão parece alastrar-se com o tempo, as questões práticas e utilitárias da vida faz com que aos poucos comecemos a parar de pensar, e sentirmo-nos tão aliviados com isso que nem percebemos o que existe por trás disso. Ao questionarmos sobre a formação, os ideais em torno disso e a realidade, ela nos diz sobre a desilusão dos professores, sobre a postura deles, sem perceber que a pergunta era direcionada em relação a nossa própria profissão.
Pode-nos parecer, e temos isso na fala dessa profissional, e em tantas outras, que é caótico pensar em mudanças, que cada um deve fazer seu trabalho e o que pode se tiver tempo e disposição. No entanto, a partir do momento em que paramos de pensar, de refletir, de questionar, mesmo que nos pareça impossível uma ação efetiva, então o que guiará nossas ações? E se não guiamos nossas ações, o que acontece com nossa questão ética? É guiada por um livro?
A inclusão é um tema que nos ajuda a pensar nessas questões por sua contraditoriedade. Primeiramente ela não existe e não é necessária. Necessário é saber que existem diferenças e saber lidar com elas. Não somos todos iguais, não existem tratamentos iguais, não existem direitos iguais, isso não faz sentido. Somos levados a acreditar em um discurso “bonitinho”, de igualdade, liberdade e fraternidade, sem que paremos para pensar na incoerência desses próprios conceitos diante da realidade.
Precisamos rever nossos conceitos, nossa linguagem, nossos sentidos, nossa realidade. Buscar e criar nossos próprios heróis e teorias, em vez de ficarmos simplesmente nos baseando em autores do século XIV. Não que a história não seja importante, não que os fantásticos personagens de outras épocas, muitos ainda considerados bastante atuais não sejam de extrema importância para construção do nosso conhecimento. Mas se ficarmos nos baseando somente nisso, e não tivermos a ousadia de contradizer, de usar nossas palavras, nossa linguagem, de olhar para nossa realidade e ver que ela pede outra posição, outras criações, obviamente tudo parecerá caótico, porque mudanças sempre parecem caóticas diante de um ponto de vista arcaico. Quando tratamos um aluno com déficit intelectual da mesma forma que um aluno com capacidade intelectual média, dentre outras disparidades que nos propõe essa suposta inclusão, estamos seguindo a mesma lógica de usar um tratado do século XVIII para reger uma situação doséculo XXI. É uma lógica de negação da mudança e do diferente.
Somos levados a pensar que toda essa questão se trata de reavaliar e ter uma postura crítica em relação ao nosso próprio olhar, a nossa própria lógica, para então podermos pensar a realidade e termos de fato capacidade de enxergá-la, de escutá-la e criticá-la. Para então termos condição de pensar a inclusão e o lugar do psicólogo.
REFERÊNCIAS
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MACHADO, Ondina Maria Rodrigues. A prática dos corredores. In: MACHADO, Ondina Maria Rodrigues; GROVA, Tatiane (org.). Psicanálise na Favela - projeto Digaí Maré: a clínica dos grupos. Rio de Janeiro: Associação Digaí-Maré, 2008. 
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários para a educação do futuro. http://www.portugaliza.net/num07/setesaberes.pdf . Acesso em 29/03/2010
PATTO, Maria Helena Souza. Psicologia e Ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar. São Paulo: T. A. Queiroz, 1984. p. 1-112
PATTO, Maria Helena Souza. Mordaças sonoras: a Psicologia e o silenciamento da expressão. In: Exercícios de Indignação: escritos de educação e psicologia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. p. 95-106.
PATTO, Maria Helena Souza. Da psicologia do desprivilegiado a psicologia do oprimido. In: Introdução à psicologia escolar. 3ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. p. 257-277
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Faculdade de Psicologia
PRÁTICA INVESTIGATIVA
Deborah Gomide
Paula Regina
Belo Horizonte
2010
Deborah Gomide
Paula Regina
PRÁTICA INVESTIGATIVA
Relatório apresentado à disciplina Psicologia e Educação, ministrada pela Profª. Gabriela do 6º período do curso de psicologia.
Belo Horizonte
2010