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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. DISCIPLINA: LET-B77 – TEORIAS SEMÂNTICAS. DOCENTE: RERISSON CAVALCANTE DE ARAÚJO. DISCENTE: ____________________________________________________________. SEMÂNTICA ESTRUTURALISTA: CAMPOS LEXICAIS In: LYONS, John. Semântica: volume 1. Porto: Presença/Martins Fontes, 1980. p. 204-211. Campos semânticos A teoria dos campos semânticos (ou teoria dos campos), tal como é conhecida atualmente, foi primeiro proposta por alguns linguistas alemães e suíços durante as décadas de 20 e 30 do nosso século: nomeadamente Ipsen (1924), Jolles (1934), Porzig (1934), Trier (1934). (...) Trier considera o vocabulário de uma língua como um sistema integrado de lexemas religados do ponto de vista do sentido. Esse sistema encontra-se num fluxo constante. Não só desaparecem os lexemas previamente existentes e surgem novos lexemas no decurso da história de uma língua, como as relações de sentido existentes entre um dado lexema e lexemas vizinhos mudam constantemente com o tempo. Qualquer extensão do sentido de um lexema envolve um estreitamento correspondente do sentido de um ou mais lexemas vizinhos. Segundo Trier, um dos principais erros da semântica diacrônica tradicional consiste em inventariar as transformações de significado de lexemas individuais, um por um, em vez de investigar as transformações da estrutura global do vocabulário tal como evoluiu ao longo do tempo. Tanto a linguística diacrônica quanto a linguística sincrônica devem tratar de sistemas de elementos inter-relacionados, e a linguística diacrônica pressupõe a linguística sincrônica e depende dela. Com efeito, o que temos de fazer quando descrevemos o desenvolvimento histórico de uma língua, é comparar um conjunto de sistemas linguísticos sucessivos. (...) O método seguido por Trier em semântica diacrônica não consistiu em comparar estados sucessivos do vocabulário total (o que dificilmente seria praticável, ainda que teoricamente realizável). Compara, antes, a estrutura de um campo lexical no tempo t1 com a estrutura de um campo lexical no tempo t2. E são comparáveis porque, embora sendo campos lexicais diferentes (e são-no necessariamente, uma vez que pertencem a sistemas linguísticos sincrônicos diferentes), cobrem o mesmo campo conceptual. (...) A relação parte-todo existente entre lexemas individuais e o campo lexical no qual são interpretados é idêntica, ou pelo menos semelhante, à relação parte-todo existente entre os campos lexicais e a totalidade do vocabulário. (...) Segundo as palavras de Trier (...): “Os campos são realidades vivas intermediárias entre as palavras individuais e a totalidade do vocabulário; como parte de um todo, partilham com as palavras a propriedade de estarem integrados numa estrutura mais vasta (sich ergliedern) e, com o vocabulário, a propriedade de se encontrarem estruturados em termos de unidades mais pequenas (sich ausgliedern)”. (...) Como primeiro exemplo do que se entende por campo conceptual, podemos considerar uma vez mais o continuum da cor, previamente à sua determinação pelas línguas particulares. (...) A terminologia da cor ilustra particularmente bem as diferenças de estrutura lexical entre diversos sistemas linguísticos. (...) As diferentes línguas e os diferentes estados sincrônicos do que, diacronicamente, se pode considerar a mesma língua evoluindo ao longo do tempo podem ser comparados no que respeita ao modo como estruturam o continuum ou o articulam (gliedern), lexicalizando determinadas distinções conceptuais (ou psico-físicas) e reconhecendo portanto áreas lexicais maiores ou menores no seu interior. Considerada como continuum, a substância da cor é (...) uma área conceptual (Sinnbezirk); torna-se um campo conceptual (Sinnfeld) em virtude da sua organização estrutural, ou articulação, por este ou aquele sistema linguístico. O conjunto de lexemas de qualquer sistema linguístico que cubra a área conceptual e, por meio das relações de sentido existentes entre eles, a estruture, é um campo lexical (Wortfeld); e cada lexema cobrirá uma determinada área conceptual que, por sua vez, pode ser estruturada como um campo por outro conjunto de lexemas (tal como a área coberta por ‘vermelho’ é estruturada por ‘escarlate’, ‘carmesim’, ‘vermelhão’, etc). O sentido de um lexema é, portanto, uma área conceptual no interior de um campo lexical, e qualquer área conceptual que esteja associada a um lexema de que ela constitui o sentido, é um conceito. Consideremos agora a aplicação deste modelo à semântica diacrônica. Aparentemente, o lexema ‘braun’ recobria uma área do campo conceptual da cor mais vasta no alemão do século XVIII do que no alemão actual, onde se encontra em contraste com ‘violett’ (...). Em vez de afirmar que ‘braun’ tinha dois significados (<castanho> e <violeta>), um dos quais perdeu em favor do ‘violett’, quando este lexema surgiu na língua como empréstimo do francês – tal como o lexicógrafo ou o semântico tradicional teriam tendência para fazer –, o defensor da teoria dos semânticos sustentaria que a estrutura interna do campo conceptual (articulada pelos dois campos lexicais diferentes) mudou entre os dois períodos. ‘Braun’ tem apenas um sentido, mas um de sentido diferente em cada um dos sistemas linguísticos. (...) Comparando dois campos lexicais diacronicamente distintos recobrindo o mesmo campo conceptual, poderemos descobrir que: (i) não houve mudança quer no conjunto de lexemas pertencentes aos dois campos quer nas suas relações de sentido; (ii) um dos lexemas foi substituído por m novo lexema sem, todavia, se operar qualquer mudança na estrutura interna do campo conceptual; (iii) não houve mudança no conjunto de lexemas, mas antes uma mudança de determinado tipo de estrutura interna do campo conceptual; (iv) um (ou mais) lexema foi substituído e a estrutura interna do campo conceptual também se transformou; (v) um (ou mais) lexema foi acrescentado ou perdeu-se e verificou-se uma mudança na estrutura interna do campo conceptual. (...) Segundo Trier, verificou-se uma mudança no campo conceptual do conhecimento e do entendimento (der Sinnbezirk des Verstandes) tal como era estruturado pelo vocabulário do Médio Alto Alemão entre o início e o final do século XIII. Cerca de 1200 d.C., este campo conceptual era recoberto por um campo lexical contendo os três nomes ‘wîsheit’, ‘kunst’ e ‘list’; cem anos mais tarde, encontrava-se recoberto por um campo lexical contendo os nomes ‘wîsheit’, ‘kunst’ e ‘wissen’. (...) Mas as relações de sentido entre eles não são idênticas às que se verificavam quer em 1200 quer em 1300. Por volta de 1300, ‘list’ tinha-se deslocado para um campo lexical que recobria outro campo conceptual; e ‘wissen’ tinha passado para o mesmo campo lexical de ‘wîsheit’ e ‘kunst’. Porém, não aconteceu simplesmente que ‘wissen’ tomasse o lugar anteriormente ocupado por ‘list’, recobrindo a mesma área conceptual. No primeiro período, ‘kunst’ recobria “falando grosso modo, o domínio do conhecimento mais elevado e requintado, incluindo o comportamento social” e ‘list’, “o domínio do conhecimento e da aptidão inferiores e mais técnicos, desprovidos de distinção e de requinte”. Quanto a ‘wîsheit’, era “não apenas uma alternativa para os outros dois, na maioria das suas aplicações, como também constituía a sua síntese, perspectivando o homem como um todo e misturando elementos intelectuais, morais, estéticos e religiosos numa unidade indissolúvel” (Ullmann, 1957: 166). No período posterior, ‘wîsheit’ deixou de poder ser usado como alternativa para ‘kunst’ e ‘wissen’ (i.e., não estavam relacionados com ele em termos de hiponímia); cada um dos três lexemas recobria agora uma área conceptual diferente no domínio do conhecimento e do entendimento. Essas três áreas podem ser caracterizadas, grosso modo, como diferindo quando à profundidade de análise ede saber em que assentam; ‘wîsheit’ recobre o tipo de conhecimento mais profundo (e é tipicamente usado para os conceitos místicos e religiosos) e ‘wissen’, o tipo de conhecimento mais chão, ou mais vulgar, enquanto ‘kunst’ recobre a área entre os outros dois. Trier associa a transformação ocorrida entre os dois períodos no domínio do conhecimento e do entendimento, às transformações sociais que tiveram lugar na mesma época e à ruptura na síntese medieval do que hoje distinguiríamos como ciência, filosofia e teologia. (...) A teoria de Trier dos campos conceptuais e lexicais parece basear-se no postulado de que, subjacente aos vocabulários de todas as línguas, há uma substância de significação não estruturada e à priori (que ele designa, tal como muitos outros semânticos estruturalistas, pelo termo, cheio de carga filosófica, ‘realidade’): “Todas as línguas articulam a realidade à sua própria maneira, criando assim a sua visão particular da realidade e estabelecendo os seus próprios conceitos únicos” (Trier, 1934: 429). (...)