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Lúpus Eritematoso Sistêmico: Diagnóstico e Epidemiologia

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jigsaw.minhabiblioteca.com.br
Reumatologia – Diagnóstico e Tratamento, 5ª
edição
INTRODUÇÃO
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica pouco frequente
que ocorre principalmente em mulheres jovens e acomete múltiplos órgãos e sistemas.
Apresenta alterações da resposta imune, com presença de anticorpos dirigidos contra
proteínas do próprio organismo. Sua evolução é crônica, caracterizada por períodos de
atividade e remissão (sem manifestações). A gravidade da doença é variável: desde formas
leves e intermitentes até quadros graves e fulminantes. As taxas de morbidade e
mortalidade estão aumentadas em pacientes com LES quando comparadas com as da
população geral. Os avanços terapêuticos ocorridos nas últimas décadas melhoraram
significativamente a evolução da doença. Entretanto, remissão completa e permanente é
rara.1 Embora a causa do LES não seja conhecida, admite-se que a interação de fatores
genéticos, hormonais e ambientais participe do desencadeamento dessa doença.
O termo lúpus (do latim, lobo) foi usado por Rogerius (Roggerio dei Frugardi, cirurgião da
Escola de Salerno), no século XIII, para descrever lesões erosivas da face. A palavra lúpus
passou da linguagem vulgar para a literatura médica, graças às investigações históricas de
Virchow. Em 1846, Ferdinand von Hebra descreveu dois tipos de lesões no lúpus
eritematoso (LE): – manchas em forma de disco e outras menores e confluentes – e
introduziu a denominação “borboleta” para o eritema malar. O seu discípulo Moritz
Kaposi (1837-1902) subdividiu o lúpus em formas discoides e formas disseminadas e
introduziu o conceito de doença sistêmica com um prognóstico potencialmente fatal.2
EPIDEMIOLOGIA
O LES é uma doença rara, cujas taxas de incidência variam, aproximadamente, de 1 a 10
por 100.000 pessoas/ano, e as de prevalência de 20 a 70 por 100.000. Foi descrito nos
cinco continentes (Europa, América, África, Ásia e Oceania), sendo raro na África, embora
comum em afrodescendentes ao redor do mundo. No Brasil, na cidade de Natal, no Rio
Grande do Norte, a incidência de LES foi de 8,7 casos por 100.000 pessoas/ano, em
estudo realizado em 2000.3 Em uma revisão sistemática da incidência e da prevalência
mundial de LES, cinco principais resultados são apresentados:
• Há variação mundial na incidência e prevalência de LES
• Em todas as etnias, existe predomínio do sexo feminino
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• O pico de idade de incidência ocorre em adultos de meia-idade (na mulher, entre a 3a e a
7a década de vida, e no homem, entre a 5a e a 7a)
• Grupos étnicos negros têm maior incidência e prevalência, e grupos de etnia branca têm
as menores taxas
• Parece haver uma tendência de crescimento na prevalência de LES com o tempo.4
Nos EUA, além da incidência de LES ser mais elevada nos negros, as taxas de mortalidade
são 3 a 4 vezes maiores nas mulheres negras do que nas brancas, a média de idade de
início da doença é menor e o dano instala-se mais precocemente.5 As taxas de incidência e
de prevalência na infância são consideravelmente menores do que nos adultos. A
incidência anual de LES em crianças (≤ 16 anos) foi inferior a 1 por 100.000 pessoas em
estudos da Europa e da América do Norte.6
A doença tem predominância no sexo feminino, com frequência variável segundo a faixa
etária. Entre 20 e 40 anos, a relação é de 9 a 12 mulheres para um homem, indicando um
possível efeito do hormônio estrogênio. Antes da puberdade, em que o efeito desse
hormônio é mínimo, a relação é de 2:1, e o mesmo ocorre nos idosos. O início da doença
durante a adolescência está associado com evolução mais agressiva e desfechos mais
graves do que o início mais tardio.5
Os dados da coorte Spanish Rheumatology Society SLE Registry (RELESSER) sobre as
diferenças da doença entre os sexos em pacientes com LES mostraram que os homens
eram diagnosticados em uma idade mais avançada que as mulheres, tinham mais
comorbidades cardiovasculares e foram hospitalizados mais frequentemente. Ainda nos
homens, a probabilidade era maior para perder peso, ter nefrite lúpica, linfadenopatia,
esplenomegalia e fibrose pulmonar, e nas mulheres, a maior probabilidade era de
ocorrerem lesões cutâneas, alopecia, fenômeno de Raynaud e artrite.7
O prognóstico dos pacientes com LES tem melhorado muito nos últimos anos.
Considerado por anos uma doença fatal, atualmente os pacientes com LES vivem anos,
senão décadas após o diagnóstico. A taxa de sobrevida em 5 anos entre 99 pacientes
atendidos na Universidade Johns Hopkins, EUA, de 1949 a 1953, foi de 50%. Em
contraste, desde meados da década de 1970, a maioria dos estudos na Europa, EUA,
Canadá e América Latina demonstraram taxas de sobrevida de 5 anos superior a 90%
entre pacientes recém-diagnosticados, e de sobrevida por 15 a 20 anos de cerca de 80%.6
Apesar dos avanços no tratamento, as taxas de mortalidade no LES permanecem três
vezes mais altas do que na população em geral. O risco de mortalidade é
significativamente aumentado para mortalidade por insuficiência renal, doença
cardiovascular e infecção. O risco cardiovascular varia de acordo com a etnia, e o maior
risco é observado entre os afro-americanos.7
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Dados inequívocos demonstram o aumento de prevalência, incidência e mortalidade de
pacientes com LES em virtude de doença cardiovascular, principalmente em países
desenvolvidos. Fatores de risco tradicionais e relacionados à doença e seu tratamento
exercem papel importante na patogênese da aterosclerose no LES, interagindo de modo
complexo e levando à aterosclerose precoce e acelerada. Nos países em desenvolvimento,
os dados são mais escassos, possivelmente pela alta mortalidade por atividade e sequelas
da doença e infecções nesses países, onde a doença cardiovascular ainda não aparece
dentre as principais causas de morte.8-10
No Brasil, um estudo ecológico exploratório entre 2001 e 2011, de uma série temporal de
8.761 mortes em que o LES foi registrado (DATASUS) como a causa subjacente ou
sequencial de morte, identificou que a taxa de mortalidade por LES foi de 4,76
mortes/100.000 habitantes. A média de idade ao óbito foi 40,7 ± 18 anos e 45,61% dos
óbitos ocorreram entre 20 e 39 anos. A incidência foi maior nas mulheres (90,7%) e nos
brancos (49,2%). O LES foi mencionado como a causa subjacente de óbito em 77% dos
casos, sem diferença entre as regiões brasileiras. As principais causas de morte associadas
ao LES foram, em ordem, doenças dos sistemas respiratório e circulatório e doenças
infecciosas e parasitárias.11
ETIOPATOGENIA
A etiologia do LES permanece desconhecida, mas é provavelmente multifatorial. Diversos
estudos sugerem o papel da interação de fatores genéticos, hormonais e ambientais no
desenvolvimento das anormalidades imunológicas que caracterizam a patogênese do
LES.12
Fatores genéticos
Estudos de associação do genoma humano identificaram 30 a 40 loci em genes com
polimorfismo, ou raramente mutações, que predispõem ao LES. Cada gene provavelmente
afeta algum aspecto da imunorregulação, da degradação de proteínas, do transporte de
peptídios através de membranas celulares, complemento, fagocitose, imunoglobulinas e
apoptose. As diferentes combinações dos defeitos dos genes podem causar respostas
imunológicas e patológicas distintas, resultando em expressões clínicas diferentes.13
Evidências sugerem a importância do papel da genética na patogênese do LES: 5 a 12%
dos parentes de pacientes com LES desenvolvem a doença, e há uma maior frequência de
anticorpos anti-C1q e anticardiolipina e anormalidades de C3 e C4 nos familiares desses
pacientes. Os gêmeos monozigóticos apresentam maior concordância da frequência de
LES que os dizigóticos.14
Osfatores genéticos que conferem a maior taxa de risco (5 a 25%) para o desenvolvimento
do LES são as deficiências dos componentes do complemento, como C1q (importante para
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o clearance das células apoptóticas), C4A e B, C2 ou a presença do gene que sofreu
mutação, o TREX1. Diversos genes que determinam importante predisposição genética
para o desenvolvimento do LES estão localizados no sistema principal de
histocompatibilidade (MHC). O MHC contém genes para moléculas dos antígenos
leucocitários humanos (HLA) classe II (HLA-DR, DQ e DP), moléculas apresentadoras de
antígenos (HLA classe I), componentes do complemento, citocinas e paraproteínas de
choque térmico.15 Outros genes que possuem algumas variantes envolvidas na
predisposição para o desenvolvimento do LES estão associados com a imunidade inata
(IRF5, Stat4, IRAK1, TNFAIP3, SPP1), e muitos deles são controlados pelo interferon alfa.
Cerca de 60% dos pacientes com LES apresentam expressão aumentada dos genes
induzidos pelo interferon alfa nas células do sangue periférico.16 Além disso, existem
outros genes associados com predisposição, que estão envolvidos com a sinalização de
linfócitos (PTPN22, OX40L, TP-1, 1-BANCO, LYN, BLK) e cada um deles desempenha um
papel na ativação ou supressão das células T e B.17
Em resumo, com exceção da rara mutação para TREX1 ou as deficiências dos
componentes iniciais do complemento, não há um único polimorfismo do gene
responsável pelo alto risco para o desenvolvimento de LES. Assim, uma combinação de
genes de suscetibilidade ou a presença de genes de suscetibilidade associada com a
ausência de genes protetores (como TLR5 polimorfismo ou perda de função PTPN22
variante) é necessária para “atingir” suscetibilidade genética suficiente para permitir o
desenvolvimento da doença.
Fatores ambientais
O meio ambiente provavelmente tem um papel na etiologia do LES, por meio dos seus
efeitos sobre o sistema imune. As infecções podem intensificar respostas imunes
indesejáveis. Os vírus, por exemplo, podem estimular células específicas do sistema
imune. Pacientes com LES apresentam frequentemente altos títulos dos anticorpos
antivírus Epstein-Barr, carga viral circulante desse vírus aumentada e produzem
anticorpos antirretrovírus. Estudos em crianças com LES sugerem que a infecção pelo
vírus Epstein-Barr pode ser o gatilho para a manifestação clínica do LES.18 Infecções por
micobactérias e tripanossoma podem induzir a formação de anticorpos anti-DNA ou
mesmo sintomas lúpus-símile, e infecções bacterianas podem induzir ativação do LES.19
Cerca de 70% dos pacientes com LES apresentam ativação da doença após exposição à luz
ultravioleta. Esta pode estimular queratinócitos a expressar mais RNP em suas células de
superfície e a secretar mais IL-1, IL-3, IL-6, GM-CSF e TNF-alfa, que estimulam as células
B a produzir mais anticorpos. A exposição à luz ultravioleta também induz apoptose dos
queratinócitos, o que possibilita exposição de automoléculas no sistema imune.20
O pó de sílica, encontrado em material de limpeza, solo, materiais de cerâmica, cimento e
fumaça de cigarro, pode aumentar o risco de LES, principalmente em mulheres
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afro-americanas.21 Pacientes com LES recém-diagnosticados apresentam alergia a
medicamentos, sobretudo aos antibióticos, com mais frequência do que os controles
saudáveis.12
Fatores hormonais
Os hormônios possivelmente interferem na incidência e na gravidade do LES. Essa
hipótese é baseada nas fortes evidências demonstradas na literatura de que o estradiol, a
testosterona, a progesterona, a deidroepiandrosterona (DHEA) e a prolactina apresentam
importantes funções imunorregulatórias.
Mulheres em uso de contraceptivo oral contendo estrogênio apresentam um aumento de
50% no risco de desenvolverem LES, enquanto o início precoce da menarca (≤ 10 anos de
idade) ou a administração de estradiol em mulheres na pós-menopausa dobra o risco.22
Mulheres com LES clinicamente estável e em uso de contraceptivos orais durante 1 ano
não apresentaram aumento da atividade da doença no período estudado. No entanto, os
estudos que avaliaram a associação do tratamento com reposição hormonal com maior
atividade da doença em mulheres com LES na pós-menopausa apresentaram resultados
controversos.23,24
Variações dos níveis plasmáticos dos hormônios sexuais podem predispor ao
desenvolvimento do LES. No entanto, é importante salientar que os níveis hormonais
permanecem dentro da variação fisiológica. Nas mulheres com LES, os níveis plasmáticos
de testosterona, progesterona e DHEA estão diminuídos, e os níveis do estradiol e da
prolactina estão aumentados, quando comparados com esses níveis em mulheres
saudáveis. Nos homens, existem dados limitados que sugerem que o nível plasmático do
DHEA é provavelmente diminuído e o da prolactina aumentado, enquanto os níveis da
testosterona e do estradiol permanecem inalterados.22
O papel etiológico dos hormônios no LES pode estar relacionado a seus efeitos na resposta
imune. O estrogênio estimula timócitos, células T CD4+ e CD8+, células B, macrófagos, a
liberação de certas citocinas e a expressão do HLA e moléculas de adesão (VCAM e ICAM).
Diferentemente, andrógenos tendem a ser imunossupressores. A progesterona suprime a
proliferação de células T e aumenta o número de células CD8, enquanto a
hiperprolactinemia está associada à ativação do LES. Apesar dos possíveis efeitos dos
hormônios sexuais no LES, a expressão clínica da doença é a mesma no homem e na
mulher.25
Anormalidades imunológicas
O LES é primariamente uma doença com deficiências na regulação do sistema imune.
Essas anormalidades são secundárias à perda do mecanismo de autotolerância, portanto,
pacientes com LES não toleram seus próprios autoantígenos e, consequentemente,
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desenvolvem uma resposta autoimune.26 Os mediadores do LES são os autoanticorpos e
os imunocomplexos patogênicos. Os anticorpos podem estar presentes anos antes que a
doença se manifeste. Os autoantígenos que são reconhecidos pelo sistema imune estão
presentes principalmente na superfície das células que estão ativadas ou em processo de
apoptose. Os pacientes com LES apresentam um defeito genético na apoptose, o que
resulta em programação anormal da morte celular.27
Nos pacientes com LES, a fagocitose e o clearance dos imunocomplexos e das células
apoptóticas são deficientes, permitindo a persistência de antígenos e imunocomplexos. As
células B plasmáticas, responsáveis pela produção dos autoanticorpos, são
persistentemente ativadas e induzidas ao processo de maturação pelo fator de ativação das
células B (BAFF), também conhecido como estimulador de linfócitos B (BLyS) e por
células T helper, que também são persistentemente ativadas. Os níveis séricos do BAFF
estão frequentemente aumentados nesses pacientes, promovendo a formação e a
sobrevivência das células B de memória e plasmócitos. Esse aumento persistente dos
autoanticorpos não é controlado adequadamente pelos anticorpos anti-idiotípicos, células
T reguladoras CD4+ ou pelas células T supressoras CD8+.28
Alguns imunocomplexos, particularmente aqueles que contêm proteínas de DNA ou RNA,
ativam o sistema imune inato via receptor toll-like 9 (TLR-9) ou TLR-7, respectivamente.
Assim, as células dendríticas são ativadas e produzem interferon tipo 1 e o TNF-alfa, as
células T produzem interferon-gama, IL-6 e IL-10, enquanto as células natural killer e T
não conseguem produzir quantidades adequadas de TGF-beta. Esses padrões de citocinas
favorecem a formação de autoanticorposcontinuamente. Assim, tanto a imunidade inata
quanto a adaptativa conspiram para a produção contínua dos autoanticorpos. Essa
resposta autoimune costuma ser controlada por alguns anos, mas quando falha, resulta
em manifestação clínica da doença.29
Em resumo, a predisposição genética, associada a estímulos ambientais e hormonais,
facilita a exposição de autoantígenos processados por células apresentadoras de antígenos
e células B. Esses peptídios processados ativam células T e se ligam a receptores de células
B, direcionando o processo para a produção de anticorpos patogênicos. Estes se ligam aos
antígenos para formar imunocomplexos, que se depositam em órgãos-alvo. As células-alvo
lesadas (glomérulos, células endoteliais, plaquetas e outras) liberam mais antígenos, que
perpetuam o processo. Além disso, o mecanismo regulatório, que deveria interromper o
processo e transformar a resposta imune em self (própria), não funciona adequadamente.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico do LES baseia-se em manifestações clínicas características e exames
laboratoriais. Critérios para classificação dos indivíduos com lúpus foram estabelecidos
pelo American College of Rheumatology (ACR) em 1971 e revisados em 198230 e 199731, e
estão apresentados no Quadro 24.1 Qualquer combinação de quatro ou mais dos 11
critérios, bem documentada a qualquer momento da evolução da história do indivíduo,
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torna muito provável o diagnóstico de LES, com especificidade e sensibilidade de 95 e
75%, respectivamente.
A revisão de 1997, realizada por Hochberg, modificou os critérios: retirou-se a presença de
células LE em virtude da dificuldade técnica para realização do exame e acrescentou-se a
positividade para anticorpos antifosfolipídios, mantendo-se nesse item a reação sorológica
falso-positiva para sífilis. Esses critérios não são específicos do LES, e eles podem estar
presentes em indivíduos com outras doenças, como sífilis, hanseníase, síndrome da
imunodeficiência adquirida e síndrome do anticorpo antifosfolipídio. Eles foram definidos
para identificar uma população relativamente homogênea e para permitir comparação
entre grupos de pacientes em diferentes centros de pesquisa.30,31
Quadro 24.1 Critérios do American College of Rheumatology para classificação do lúpus
eritematoso sistêmico, revisados em 1997.
1. Eritema malar
2. Lesão cutânea crônica (discoide)
3. Fotossensibilidade
4. Úlcera oral ou nasofaríngea
5. Artrite não erosiva acometendo duas ou mais articulações
6. Pleurite (dor, atrito, derrame) ou pericardite (dor, atrito, derrame, alterações no
ecocardiograma)
7. Acometimento renal: proteinúria persistente (> 0,5 g/dia ou > 3+ no EUR) ou cilindros
celulares
8. Convulsão ou psicose
9. Alterações hematológicas: anemia hemolítica com reticulocitose ou leucopenia <
4.000/mm3 ou linfopenia < 1.500/mm3 (em duas ou mais ocasiões) ou trombocitopenia
< 100.000 mm3 (em duas ou mais ocasiões) sem uso de medicamentos
trombocitopênicos
10. Alterações imunológicas: títulos elevados de anticorpos anti-DNAn ou presença do
anticorpo anti-Sm ou presença de anticorpos antifosfolipídios baseada em:
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• Positivo para o anticorpo anticoagulante lúpico usando método padrão
• Níveis elevados de anticorpos anticardiolipina IgM ou IgG
• Teste falso-positivo para Treponema pallidum por, pelo menos, 6 meses e confirmado
por testes de imobilização ou fluorescência
11. Anticorpos antinucleares: título elevado de FAN pela IFI ou teste equivalente em
qualquer época de investigação, sem o uso de medicamentos capazes de induzi-los
Recentemente, um grupo internacional de pesquisadores especializados em atendimento
de pacientes com lúpus [Systemic Lupus International Collaborating Clinics (SLICC)]
publicou nova proposição para critérios de classificação de pacientes com lúpus. Foram
incluídas manifestações do lúpus não contempladas no critério do ACR e enfatizou-se a
necessidade de, pelo menos, um critério imunológico. Para um indivíduo ser classificado
com lúpus sistêmico, são necessários, no mínimo, quatro critérios: pelo menos um clínico
(dentre 11) e um imunológico (dentre 6) ou nefrite confirmada por biopsia com fator
antinuclear positivo ou anticorpo anti-DNA nativo positivo (Quadro 24.2). O novo critério
apresentou especificidade (92%) semelhante ao critério ACR (93%) para classificação de
lúpus, com sensibilidade ligeiramente superior (94% para SLICC e 86% para ACR).32
No Brasil, o desempenho dos critérios foi avaliado em um trabalho no serviço de
Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco em
pacientes diagnosticados com LES, inclusive naqueles considerados como LES incompleto
(LESi). Tratou-se de um estudo retrospectivo (análise de prontuários), transversal, cujo
padrão-ouro foi o diagnóstico de LES segundo a opinião de especialista, mas tendo como
base os critérios do ACR. Foram incluídos 286 pacientes, 88 do grupo LES e 198 do grupo
de comparação (99 com artrite reumatoide e 99 com esclerose sistêmica). A sensibilidade
calculada para os critérios SLICC foi de 0,94 (95% CI 0,8751 a 0,9817) e a especificidade
foi de 0,98 (95% CI 0,9559 a 0,9968); para os critérios ACR, a sensibilidade e a
especificidade calculadas foram 0,98 (95% CI 0,9369 a 0,9997) e 0,98 (95% CI 0,9543 a
0,9967), respectivamente (dados não publicados).
Quadro 24.2 Critérios do Systemic Lupus International Collaborating Clinics para
classificação do lúpus eritematoso sistêmico.
Manifestação clínica
1. Lúpus cutâneo agudo com eritema malar (não discoide), lúpus bolhoso, necrólise
epidérmica tóxica (variante lúpus) e eritemas maculopapular e fotossensível do lúpus ou
lúpus cut‚neo subagudo (psoriasiforme/anular)
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2. Lúpus cutâneo crônico: lúpus discoide, hipertrófico/verrucoso, profundus (paniculite),
túmido, mucoso, sobreposição líquen plano/lúpus discoide
3. Úlcera mucosa: palato, cavidade oral, língua ou úlcera nasal (sem outras causas)
4. Alopecia não cicatricial
5. Artrite/artralgia:
• Sinovite (edema/derrame articular) ≥ 2 articulações
• Artralgia (dor) em duas ou mais articulações, com rigidez matinal ≥ 30 min
6. Serosite:
• Pleurite (dor ≥ 1 dia/derrame pleural/atrito pleural)
• Pericardite (dor ≥ 1 dia/derrame/atrito/alteração no ECG)
7. Nefrite: proteinúria 24 h > 500 mg ou relação proteína/creatinina > 500 mcg/mg
(mg/g), cilindro eritrocitário
8. Neurológica: convulsão, psicose, mononeurite múltipla, mielite, neuropatia
periférica/craniana, estado confusional agudo (sem outras causas)
9. Anemia hemolítica
10. Leucopenia (< 4.000/mm3 em pelo menos uma ocasião) ou linfopenia (< 1.000/mm3
em pelo menos uma ocasião)
11. Plaquetopenia (< 100.000/mm3 em pelo menos uma ocasião)
Alteração imunológica
1. FAN Hep2 positivo
2. Anti-DNA positivo
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3. Anti-Sm positivo
4. Anticorpo antifosfolipídio positivo: anticoagulante lúpico positivo, anticardiolipina
positiva (título moderado/alto – IgA/IgM/IgG), VDRL falso-positivo, anti-beta-2
glicoproteína 1 positiva
5. Complemento baixo: C3 baixo, C4 baixo, CH50 baixo
6. Coombs direto positivo (na ausência de anemia hemolítica)
Quadro clínico
Sinais e sintomas gerais ocorrem em qualquer fase da doença em 53 a 77% dos casos,
caracterizados por adinamia, fadiga, perda de peso, diminuição de apetite, febre,
poliadenopatias, mialgia e artralgia.1 São inespecíficos e podem estar ligados à atividade
da doença ou a fenômenosintercorrentes, como infecção ou fibromialgia (presente em
cerca de 22% dos indivíduos com LES).33 A febre merece atenção especial e deve ser
cuidadosamente investigada, pois tanto pode ser resultado da atividade da doença como
de um quadro infeccioso associado, situações que merecem abordagens diagnósticas e
terapêuticas completamente diferentes.
Manifestações musculoesqueléticas
Constituem as manifestações clínicas mais frequentes. A maioria dos pacientes com lúpus
sistêmico tem poliartrite intermitente, com sintomas que podem ser discretos ou
incapacitantes. Predominam nas pequenas articulações de mãos, punhos e joelhos. O
quadro geralmente regride quando outras manifestações do lúpus sistêmico respondem ao
tratamento.1,34
Deformidades articulares desenvolvem-se em cerca de 10% dos indivíduos e são mais
comuns nas mãos. Podem se apresentar como um quadro leve ou uma forma poliarticular,
simétrica e erosiva, que se assemelha às deformidades da artrite reumatoide, conhecida
como “rhupus”, ou, ainda, como um quadro não erosivo conhecido como artropatia de
Jaccoud, caracterizada por frouxidão das estruturas periarticulares que afeta todas as
articulações, especialmente as das mãos. Desvio ulnar dos dedos e subluxação das
articulações metacarpofalângicas é, em geral, o primeiro sinal, seguindo-se dedos em
pescoço de cisne, em botoeira e polegar em “Z” (Figura 24.1). Nos pés, podem ocorrer
hálux valgo, dedos em martelo e subluxação das articulações metatarsofalângicas.
Deformidades semelhantes podem ser encontradas na artrite reumatoide, entretanto,
erosões ósseas não são observadas no lúpus. No “rhupus”, o estudo radiográfico mostra
erosões em metacarpofalângicas. À ressonância magnética (RM), há edema da cápsula e
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tenossinovite nas deformidades de Jaccoud e sinovite ativa e erosões no “rhupus”.1
Um quadro de miosite pode ocorrer caracterizado por fraqueza muscular e elevação da
creatininofosfoquinase, acompanhada de inflamação e necrose à biopsia muscular, em 5 a
10% dos pacientes. Entretanto, a grande maioria dos pacientes tem mialgias sem miosite
franca. Os corticosteroides e, mais raramente, os antimaláricos e as estatinas podem ser
responsáveis por queixas de mialgia e até de miosite. Tais efeitos adversos, além de doença
tireoidiana concomitante, devem ser diferenciados da doença em atividade.1,34
A persistência de dor, edema e calor em apenas uma articulação, principalmente o joelho,
ombro ou quadril, levanta a suspeita de osteonecrose (ON) ou artrite séptica. Infecções
musculoesqueléticas expressam-se como celulite, artrite séptica (ver Capítulo 42),
osteomielite e piomiosite. Atenção para as causadas por micobactérias, que têm evolução
crônica e podem acometer todas as estruturas citadas.34
Figura 24.1 Deformidades da artropatia de Jaccoud. A. Mãos com desvio ulnar dos
dedos, subluxação de metacarpofalângicas, polegar em “Z”. B. Pé com subluxação das
metatarsofalângicas.
Fibromialgia tem sido identificada em 22% dos indivíduos com LES, índice um pouco
mais alto quando comparado com outras artropatias sistêmicas, e é responsável por
escores mais baixos quando se avalia a qualidade de vida. Esses pacientes têm mais
distúrbios de ansiedade e depressão.1,33
Manifestações cutâneas
O comprometimento cutâneo no LES é bastante comum, ocorrendo em 70 a 80% dos
pacientes durante a evolução da doença e constituindo a manifestação inicial em cerca de
20% dos casos.35
Estudo norte-americano demonstrou que pacientes com lúpus cutâneo têm pior qualidade
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de vida do que indivíduos com outras afecções dermatológicas comuns, como acne, câncer
de pele não melanoma e alopecia. Considerando o estado mental, eles têm escores
semelhantes ou piores do que indivíduos com hipertensão arterial, diabetes tipo 2, infarto
do miocárdio recente e insuficiência cardíaca congestiva.36
As lesões cutâneas são polimorfas e podem ser específicas ou inespecíficas, de acordo com
os achados histopatológicos. Constituem 3 dos 11 critérios estabelecidos pelo ACR para a
classificação do LES – lesões discoides, eritema ou rash malar e fotossensibilidade31 – e 3
dos 17 itens discriminados pelos critérios do grupo SLICC: lesões de lúpus cutâneo agudo
ou lúpus cutâneo subagudo, lesões de lúpus cutâneo crônico e alopecia não cicatricial.32
Fotossensibilidade, presente em cerca de 50% dos pacientes, pode ser precipitada pelos
raios ultravioleta e acontece, geralmente, após exposição exagerada à luz solar ou até
mesmo à lâmpada fluorescente. Além da reação cutânea, alguns pacientes desenvolvem
exacerbação das manifestações sistêmicas ao se exporem aos raios ultravioleta.1 Deve-se
estar atento ao diagnóstico diferencial de lesões cutâneas de fotossensibilidade causadas
por substâncias químicas, como:
• Anti-inflamatórios não hormonais (AINH): piroxicam, diclofenaco
• Diuréticos: tiazídicos, furosemida
• Antibióticos: tetraciclina, quinolonas, sulfonamidas, amoxicilina, cefalosporina
• Antiarrítmicos/anti-hipertensivos: amiodarona, inibidores da enzima conversora da
angiotensina (IECA), betabloqueadores, inibidores do canal de cálcio
• Antagonistas da histamina: ranitidina, cimetidina, astemizol
• Antidepressivos: amitriptilina, fluoxetina, bupropiona
• Antifúngicos: griseofulvina, terbinafina
• Imunomoduladores: etanercepte, infliximabe, leflunomida
• Outros: sinvastatina, omeprazol, sulfonilureia, carmabazepina, tamoxifeno.
A expressão lúpus eritematoso cutâneo é aplicada a pacientes com lesões cutâneas
produzidas pelo LE, independentemente de o comprometimento ser exclusivamente
cutâneo ou uma manifestação da doença sistêmica. Segundo Gilliam e Sontheimer, as
lesões foram classificadas em três formas:37
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1. LE cutâneo agudo:
• Eritema (malar) facial
• Eritema maculopapuloso, difuso em face, couro cabeludo, pescoço, tórax, ombros, face
extensora de braços e dorso das mãos
• LE bolhoso
2. LE cutâneo subagudo:
• Papuloescamoso (psoriasiforme)
• Anular (policíclico)
3. LE cutâneo crônico:
• LE discoide localizado (cabeça e pescoço)
• LE discoide generalizado (disseminado)
• LE verrucoso (ou hipertrófico)
• LE profundo (paniculite lúpica)
• LE mucoso
• LE discoide-líquen plano
• LE pérnio.
Em 2014, outra categoria foi criada, o LE intermitente, representada pela lesão lúpus
túmido. Todavia, essa divisão não é universalmente aceita.38 Vasculite e úlceras mucosas
são consideradas lesões inespecíficas.
Lúpus eritematoso cutâneo agudo
A forma aguda do LE cutâneo (6,1% das lesões cutâneas) manifesta-se como eritema
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malar, lesões maculosas ou papulosas difusas e LE bolhoso, sendo a duração dessas lesões
mais curta do que nas formas discoide e subaguda. Tipicamente, os pacientes têm a forma
sistêmica da doença, em atividade, e apresentam manifestações em outros órgãos. A
erupção malar, chamada eritema ou rash malar, eritema ou rash em asa de borboleta ou
em vespertílio, apresenta-se como eritema na região malar e no dorso do nariz, transitório
ou mais persistente. Pode ser precipitada pelo sol, e o edema local é frequente. Em geral,
poupa o sulco nasolabial e cura sem deixar cicatriz (Figura 24.2).
Figura 24.2 Rash malar.
Outros tipos de lesões agudas são máculas, pápulas ou placas eritematosas, algumas vezes
com tonalidade violácea, que podem apresentar leve descamação. As lesões não são
pruriginosas, simulam erupção causada por medicamentos eprimariamente, ocorrem em
áreas expostas ao sol, como face, tórax, ombros, face extensora dos braços e dorso das
mãos, regredindo sem atrofia. Raramente, podem simular a necrólise epidérmica
tóxica.38,39
Lúpus eritematoso cutâneo subagudo
Clínica e histologicamente, situa-se entre a forma mais agressiva, com tendência cicatricial
do LE discoide e eritema malar de curta duração, sem caráter destrutivo, do LE agudo
(Figura 24.3).
Clinicamente, observam-se duas variedades: papuloescamosa e anular. A erupção é
frequentemente fotossensível, ou seja, desencadeada ou exacerbada pela exposição solar,
podendo também ser induzida por pesticidas e inseticidas, metais pesados e outros
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elementos, tabaco, alimentos, fármacos (hidroclorotiazida, anti-histamínicos,
bloqueadores de canal de cálcio, naproxeno, contraceptivos orais, estrogênios e infecções.
No início, apresenta-se como uma pápula ou pequena placa eritematosa levemente
descamativa. Na variante papuloescamosa, as lesões progridem e confluem formando
placas psoriasiformes em arranjo muitas vezes reticulado; na variante anular, ocorre
progressão periférica das lesões, com eritema e fina descamação na borda.
Ocasionalmente, surgem hipopigmentação e telangiectasias no centro das lesões
anulares.38,39
Histologicamente, as lesões do LE cutâneo subagudo e do LE discoide são
qualitativamente idênticas, diferindo pela menor dilatação folicular, grau de
hiperqueratose, intensidade do infiltrado inflamatório dérmico, presença de melanófagos
na derme e maior grau de atrofia epidérmica no primeiro. A associação com anticorpos
anti-Ro é comum, presente em 90% dos pacientes com esse tipo de lesão cutânea, além de
apresentar melhor prognóstico com relação às manifestações sistêmicas mais graves.35,37
Lúpus eritematoso cutâneo crônico
A forma mais comum é o LE discoide, caracterizado por lesões maculosas ou papulosas,
eritematosas, bem definidas, com escamas firmes e aderentes à superfície das lesões.
Podem ocorrer na ausência de manifestações sistêmicas. Comumente, em sua evolução,
essas lesões tornam-se mais infiltradas e confluentes, formando placas recobertas por
escamas espessas e queratose que se estende para o interior do folículo piloso dilatado. Os
locais mais acometidos são: couro cabeludo, pavilhão auricular, região torácica anterior e
porção superior dos braços. Na face, as sobrancelhas, as pálpebras, o nariz e as regiões
mentoniana e malar estão frequentemente envolvidos (Figura 24.4). Às vezes, encontra-se
uma placa disposta sob a forma de “asa de borboleta”, simetricamente localizada na região
malar e no dorso nasal. As lesões cutâneas são crônicas, persistentes e podem regredir
deixando áreas cicatriciais discrômicas, além de telangiectasias e alopecia cicatricial
(Figura 24.5). Quando as lesões discoides ultrapassam a região abaixo do pescoço, são
classificadas como LE discoide disseminado.35 Histologicamente, as lesões discoides
apresentam:
• Hiperqueratose com tamponamento folicular
• Adelgaçamento e achatamento do estrato malpighiano, menos intenso do que nas formas
de LE subagudo
• Degeneração hidrópica basocelular
• Infiltrado predominantemente linfocítico disposto ao longo da junção dermoepidérmica,
em torno dos folículos pilosos e ductos écrinos, e em padrão intersticial
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• Edema, vasodilatação e extravasamento de hemácias na derme superior. À coloração
pelo PAS, é muito frequente o achado de espessamento da membrana basal. Observam-se
eventualmente melanófagos contendo melanina, situados na derme superior.38
Figura 24.3 Lesões cutâneas de lúpus subagudo em área do decote e braços.
Na paniculite lúpica (lupus profundus), são acometidos face, pescoço, ombros, braços e,
eventualmente, quadris e regiões glúteas. Clinicamente, notam-se nódulos eritematosos
subcutâneos, duros e bem definidos. A pele suprajacente pode apresentar lesões típicas de
lúpus eritematoso discoide ou mesmo ulcerações. A frequência de ocorrência no lúpus
sistêmico é de 2%, e a etiologia é incerta. Citocinas e imunocomplexos circulantes podem
aumentar a inflamação e a necrose na hipoderme. À histologia, encontram-se atrofia focal
da epiderme, dilatação do óstio folicular, hiperqueratose, degeneração vacuolar da junção
dermoepidérmica, além de paniculite linfocítica trabecular e lobular acompanhada de
infiltrado inflamatório na derme profunda e no tecido celular subcutâneo.35
Chilblains ou lúpus pérnio é uma forma rara de lesão cutânea, caracterizada por placas e
nódulos purpúricos, dolorosos, em áreas expostas ao frio, principalmente em dedos, que
podem se tornar hiperceratóticas ou ulcerar. Cerca de 20% dos indivíduos com esse
quadro apresentarão a forma sistêmica do lúpus.38
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Figura 24.4 Lesões discoides ativas.
Lúpus eritematoso cutâneo intermitente
As lesões conhecidas como lúpus túmido são fotossensíveis, urticariformes ou placas lisas,
eritematovioláceas, brilhantes, localizadas na cabeça e no pescoço, muitas vezes com
descamação fina na superfície e prurido eventual, mais comum em homens. Não deixam
cicatrizes e, quando há recorrência, ela ocorre nos locais afetados originalmente. É raro
que ocorram em pacientes com lúpus sistêmico.38
Outros sintomas
Alopecia é manifestação comum e pode ser difusa e localizada. A forma difusa costuma
acompanhar os períodos de atividade inflamatória da doença, é transitória e não deixa
retração cicatricial. O tipo localizado é produzido por lesões discoides no couro cabeludo,
sendo, por isso, permanente. A alopecia transitória pode ser ainda decorrente de efeitos
colaterais de medicamentos como corticosteroide e agentes citotóxicos.38,39
Existem ainda algumas manifestações cutâneas inespecíficas que representam formas de
apresentação de vasculite, como a púrpura palpável, urticária, livedo reticularis, eritema
periungueal, ulcerações digitais ou em membros inferiores e fenômeno de Raynaud
(presente em até 50% dos pacientes), as quais indicam doença ativa (Figura 24.6).
A vasculite no LES afeta tipicamente vasos com menos de 100 mcm de diâmetro,
caracterizada por necrose fibrinoide e espessamento da parede do vaso, com mínima
infiltração de células inflamatórias. Ulcerações orais, vaginais, conjuntivais ou
nasofaríngeas podem ocorrer como manifestação de vasculite. Em geral, são rasas, com
base escura e bordas hiperemiadas e dolorosas. A perfuração do septo nasal é complicação
rara.35
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O Cutaneous Lupus Erythematosus Disease Area and Severity Index (CLASI) é uma
ferramenta clínica que quantifica a atividade e o dano do lúpus cutâneo, proposta em 2005
e revista em 2010 (RCLASI, revised CLASI), utilizada atualmente em diversos ensaios
clínicos em virtude de sua boa confiabilidade. O escore de atividade baseia-se na presença
e na intensidade de eritema, edema/infiltração, descamação, além de lesões mucosas e
alopecia não cicatricial, e o escore de dano avalia a presença e a intensidade de
despigmentação e cicatriz, incluindo a alopecia cicatricial. Este índice analisa várias
regiões anatômicas, como face, tórax e braços. O escore de atividade varia de 0 a 70, sendo
os maiores escores associados com doença mais grave.40
Figura 24.5 Lesões discoides cicatriciais.
Figura 24.6 Lesões de vasculite com necrose em polpa no terceiro dedo da mão direita.
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Manifestações hematológicas
Anormalidades nos elementos formadores do sangue, da coagulação e do sistema
fibrinolítico são comuns nos pacientes com LES, que podem ser ou não imunomediados.
As principais manifestações são: anemia, leucopenia, trombocitopenia e síndrome do
anticorpo antifosfolipídio. A medula óssea pode ser um alvo, e manifestações como
mielofibrose, anemia aplásica e aplasia de série eritrocítica podem ocorrer.1,41
Em algum período da evolução da doença, 57 a 78% dos pacientes apresentam anemia. As
causas são variadas e incluem mecanismos imunes, como hemólise, hiperesplenismo,
mielofibrose, mielodisplasia e anemia aplásica, e não imunes, como inflamação crônica,
insuficiência renal, perda de sangue, deficiência nutricional, uso de medicamentos e
infecção. As causas mais frequentes são doença crônica e deficiência de ferro, seguida por
hemólise autoimune (Quadro 24.3).1,42
A anemia da doença crônica caracteriza-se por ser leve, ocorrer em períodos de atividade
inflamatória e apresentar níveis inadequados de eritropoetina sérica em proporção com a
intensidade da anemia. Anemia hemolítica pode ser a manifestação inicial do LES e
prevalecer como a única manifestação da doença por anos. O teste de Coombs direto é
positivo em apenas 10% dos pacientes com lúpus e hemólise. Há relatos de anemia
aplásica, perniciosa e megaloblástica. Anemia ferropriva pode resultar de menorragia ou
perda pelo trato gastrintestinal.42
Quadro 24.3 Causas de anemia no lúpus sistêmico.
Mecanismos não imunológicos
• Doença inflamatória crônica
• Insuficiência renal crônica
• Perdas de sangue
• Toxicidade medicamentosa
• Microangiopatia trombótica
• Síndrome de ativação macrofágica
• Anemia sideroblástica
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• Síndromes proliferativas
• Pancitopenia central (vírus, outros mecanismos)
Mecanismos imunológicos
• Hemólise Coombs positivo
• Eritroblastopenia
• Hiperesplenismo
• Hemólise Coombs negativo
• Mecanismos imunoalérgicos (medicamentos)
• Anemia perniciosa (anticorpos anticélulas parietais)
Leucopenia pode estar presente em até 50% dos doentes e linfopenia em 20 a 75%,
especialmente relacionadas à atividade inflamatória da doença. Outro mecanismo
frequente é por efeito colateral de medicamentos imunossupressores. A terapia com
corticosteroide pode resultar em redução do número absoluto dos eosinófilos e monócitos.
Leucocitose, quando presente, reflete processo infeccioso ou o uso de doses elevadas de
corticosteroide, apesar de poder ocorrer em períodos de exacerbação aguda da atividade
inflamatória.43
Trombocitopenia discreta (número de plaquetas entre 100.000 e 150.000/mm3) tem sido
observada em 25 a 50% dos pacientes, porém, contagem inferior a 50.000/mm3 ocorre em
apenas 10%. A causa principal é a destruição autoimune: as plaquetas ligadas a
imunoglobulinas são fagocitadas no baço, como na púrpura trombocitopênica idiopática.
Autoanticorpos contra antígenos específicos nas plaquetas podem ser os mediadores da
destruição destas, como os anticorpos contra o receptor da trombopoetina (TPOR) e
glicoproteína IIb/IIIa (GPIIb)IIa).44 Podem-se distinguir dois grupos de indivíduos com
lúpus e trombocitopenia: um quando associado à doença muito ativa com várias outras
manifestações, e outro quando a manifestação é isolada. Nos casos de plaquetopenia
refratária, deve-se suspeitar da síndrome antifosfolipídio (SAF).1,45
Trombocitopenia também pode ocorrer em outros contextos em LES, por exemplo, como
uma complicação da terapêutica com imunossupressores (azatioprina) e, raramente, com
a hidroxicloroquina. Outra situação possível é como manifestação da púrpura
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trombocitopênica trombótica (PTT), síndrome grave caracterizada por trombocitopenia,
anemia hemolítica microangiopática, disfunção do SNC, insuficiência renal e febre, que
pode ser uma complicação do LES. Não é um diagnóstico fácil nos indivíduos com LES, já
que várias manifestações ocorrem em ambas as doenças.41,42
Nos pacientes lúpicos com pancitopenia, o material coletado por biopsia de medula óssea
mostra hipocelularidade global, aumento da proliferação de reticulina, plasmocitose,
diseritropoese, mielofibrose e necrose. Pode estar relacionada a efeito colateral dos
imunossupressores, complicação de infecções ou manifestação da síndrome
hemofagocítica.46 Outras causas de citopenia no lúpus sistêmico incluem:42
• Trombocitopenia
■ Imunomediada
■ Síndrome antifosfolipídio
■ Infecção
■ Induzida por fármacos:
 Comum: azatioprina, ciclofosfamida, metotrexato
 Raras: hidroxicloroquina, micofenolato mofetil, ciclosporina, anti-inflamatórios naõ
esteroides (INH, estatinas, IECA
■ Púrpura trombocitopênica trombótica
■ Coagulação intravascular disseminada
■ Trombocitopenia amegacariocítica
■ Mielodisplasia
■ Uremia
• Linfopenia
■ Imunomediada
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■ Infecção, particularmente viral
■ Induzida por fármacos
• Neutropenia
■ Imunomediada
■ Infecção
■ Induzida por fármacos
 Comum: azatioprina, ciclofosfamida, metotrexato
 Raras: micofenolato mofetil, ciclosporina, hidroxicloroquina
■ Mielodisplasia
■ Mielofibrose.
Manifestações renais
O envolvimento renal constitui-se ainda em um dos principais determinantes da
morbimortalidade nos indivíduos com LES. Manifesta-se clinicamente em 50 a 70% dos
pacientes, mas praticamente 100% deles têm doença renal à microscopia eletrônica. As
manifestações clínicas subestimam a verdadeira frequência do comprometimento renal,
pois alterações histopatológicas significativas podem estar presentes na biopsia renal sem
qualquer sinal clínico de envolvimento renal (nefrite lúpica silenciosa). Em geral, as
manifestações renais surgem nos primeiros 2 a 5 anos da doença, e, quando se apresentam
como a manifestação inicial do LES, pioram o prognóstico desses pacientes.47 Dez a 30%
dos indivíduos com glomerulonefrite lúpica, principalmente aqueles com a forma
proliferativa, progridem para doença renal crônica estabelecida, com necessidade de
terapia renal substitutiva.48
A maior incidência de nefrite lúpica entre os pacientes com LES nos EUA, em comparação
com Europa, reflete, em parte, as diferenças étnica e racial. Nessas regiões, a incidência é
maior em negros, hispânicos e asiáticos. Os negros e os hispânicos também apresentam
doença mais grave, maiores níveis séricos de creatinina, maior proteinúria e pior
prognóstico do que os brancos.49,50 Polimorfismo do gene APOL1, encontrado quase
exclusivamente em afro-americanos, tem sido associado com glomeruloesclerose e
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progressão da doença na nefrite lúpica.51
O padrão de lesão glomerular observado na nefrite lúpica está relacionado com os sítios de
depósitos de imunocomplexos, que são primariamente compostos de anticorpos anti-DNA
(anti-DNAds ou anti-DNA), dirigidos contra nucleossomas. Os imunocomplexos são
constituídos também de cromatina (C1q), laminina (Sm), La (SS-B), Ro (SS-A), ubiquitina
e ribossomos. Esses imunocomplexos ligam-se no mesângio, no compartimento
subendotelial e/ou subepitelial dos glomérulos.52 Estudos sugerem que os anticorpos
anti-C1q, componentes do complemento, apresentam correlação com nefrite lúpica. A
ligação do anti-C1q ao C1q ativa o complemento, com atração de células inflamatórias.53,54
A subclasse imunoglobulina G (IgG) também pode ser um determinante da resposta
inflamatória, que é induzida pela deposição de imunocomplexos.55Os imunocomplexos localizados nas regiões mesangial e subendotelial ficam próximos da
membrana basal glomerular e, portanto, comunicam-se com o espaço vascular.
Consequentemente, ativam o complemento (tipicamente a via clássica) que estimula o
recrutamento e a migração de neutrófilos e células mononucleares para as regiões afetadas
por meio dos quimioatraentes C3a e C5a. Essas alterações manifestam-se
histologicamente por glomerulonefrite mesangial ou proliferativa difusa ou focal, e
clinicamente por um sedimento urinário alterado (hemácias, piócitos e cilindros
granulosos e celulares), proteinúria e, frequentemente, piora da função renal. Apesar dos
depósitos imunes da região subepitelial também poderem ativar o complemento, não
estão associados com a migração de células inflamatórias, pois os quimioatraentes estão
separados da circulação pela membrana basal glomerular. Portanto, esse tipo de lesão é
limitado às células epiteliais glomerulares e a manifestação clínica primária é proteinúria,
que frequentemente é nefrótica. Os pacientes com esse tipo de envolvimento renal
apresentam glomerulonefrite membranosa.56
Sintomas específicos relacionados aos rins não são relatados espontaneamente pelos
pacientes com LES até que surja a síndrome nefrótica ou a insuficiência renal. Portanto, os
médicos assistentes devem solicitar periodicamente o exame do sedimento urinário,
dosagem sérica da ureia e creatinina, ritmo de filtração glomerular estimado, relação
proteína-creatinina em amostra única de urina ou proteinúria em amostra de urina de 24
h. As concentrações séricas aumentada do anticorpo anti-DNA nativo e reduzida das
frações do complemento (C3 e C4) frequentemente estão associadas com nefrite lúpica
ativa.1
O estudo do sedimento urinário é um exame importante para auxiliar a hipótese clínica de
acometimento renal no LES. Com frequência, não tem sido valorizado na prática clínica,
infelizmente até por quem realiza o exame da urina. Além da presença ou ausência de
hematúria, o estudo dos cilindros celulares revela-se de especial importância tanto na
formulação de hipóteses de envolvimento renal como na evolução do tratamento
realizado. Os cilindros hialinos, na nefropatia lúpica, têm pequeno valor diagnóstico e
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prognóstico, podendo ser evidenciados em qualquer classe de nefrite. Os cilindros
granulosos são de aparecimento relativamente comum nas doenças glomerulares e
tubulares, mas também estão presentes na doença tubulointersticial. Os cilindros
gordurosos são indicativos de síndrome nefrótica e, em pacientes com LES, decorrem de
nefropatia difusa, nefropatia membranosa ou sobreposição dos dois tipos de lesão. Os
cilindros celulares mais importantes são os hemáticos, os leucocitários e os epiteliais
tubulares. Os cilindros hemáticos indicam nefrite lúpica (habitualmente a classe difusa e
em atividade), nefropatia mesangial por depósitos de IgA, endocardite bacteriana e infarto
renal. Os cilindros de células epiteliais tubulares indicam necrose tubular aguda, doença
por vírus (sobretudo infecção por citomegalovírus) e exposição a medicamentos.57
A biopsia renal deve ser realizada na maioria dos pacientes com LES que desenvolvem
evidências de envolvimento renal, com a finalidade de confirmar o diagnóstico e a classe
histológica da nefrite. Determinar a classe da nefrite lúpica é importante porque o
tratamento é guiado pelo subtipo histológico da nefrite. É igualmente importante definir o
grau de atividade e cronicidade e identificar complicações como nefrite intersticial e
microangiopatia trombótica. Além disso, a apresentação clínica pode não refletir com
precisão a gravidade dos achados histológicos. A forma proliferativa pode estar presente
mesmo quando o paciente tem proteinúria mínima e creatinina sérica normal.58
Além de seu papel em pacientes com LES estabelecido, a biopsia renal pode auxiliar na
confirmação diagnóstica em indivíduos com doença renal nos quais o LES é incerto, como
naqueles com proteinúria sem sedimento urinário ativo e com leve ou nenhuma evidência
de atividade sorológica.59 Recomenda-se a biopsia renal sempre que houver elevação da
creatinina sérica sem causa aparente e potencialmente associada ao LES, na proteinúria
isolada ≥ 1 g/24 h (ou relação proteinúria/creatininúria ≥ 1) ou ≥ 0,5 g/24 h (ou relação
proteinúria/creatininúria ≥ 0,5) associada à hematúria dismórfica glomerular e/ou
cilindros celulares. Essas alterações devem ser confirmadas em um segundo exame.60-62
Todavia, nos centros que não possuem estrutura adequada para biopsia renal de acordo
com a indicação atual, deve-se priorizar a realização desse procedimento nas seguintes
situações: doença renal em que o diagnóstico de LES não está definido; doença renal
refratária ao tratamento inicial com o objetivo de investigar doença tubulointersticial,
doença vascular associada e/ou podocitopatia; e quando ocorre piora progressiva da
função renal com sedimento urinário inativo ou pouco alterado para pesquisa de
microangiopatia trombótica e de esclerose avançada.
Algumas alterações histopatológicas altamente características do acometimento renal do
LES auxiliam a distinção da glomerulonefrite lúpica de outras glomerulonefrites mediadas
por imunocomplexos. Na glomerulonefrite lúpica, o teste de imunofluorescência direta
apresenta depósitos predominantes de IgG, além de IgA, IgM, C3, C1q, kappa e lambda,
configurando o chamado “padrão full house”. O padrão de imunofluorescência full house
também pode ser observado em pacientes com endocardite, HIV, hepatite C e
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glomerulonefrite pós-estreptocócica. Outras alterações que auxiliam o diagnóstico são a
presença de depósitos de imunocomplexos glomerulares vistos simultaneamente nas
regiões mesangial, subendotelial e subepitelial e depósitos extraglomerulares dentro da
membrana basal tubular, do interstício e dos vasos sanguíneos. Além disso, inclusões
intracelulares tubulorreticulares vistas à microscopia eletrônica são alterações
características de condições associadas com alta secreção de interferon, como o LES.61
A nefropatia lúpica pode ser classificada de acordo com os elementos primariamente
acometidos, ou seja, os glomérulos (glomerulopatias), os túbulos (tubulopatias) e/ou o
interstício (doenças tubulointersticiais e intersticiais) e os vasos sanguíneos. Na realidade,
o envolvimento de um desses componentes acaba por lesar os demais. Em 2004, um
grupo de patologistas, nefrologistas e reumatologistas desenvolveram uma classificação de
nefrite lúpica baseada em correlações clinicopatológicas (Classificação da International
Society of Nephrology; Quadro 24.4). Essa classificação divide os distúrbios glomerulares
em seis diferentes classes baseadas na histopatologia da biopsia renal. Apesar de as
diferentes classes apresentarem características histológicas, clínicas e prognósticas
distintas, há uma significativa sobreposição das classes, causada, em parte, pelas variações
da amostra. Para uma amostra de tecido renal ser considerada ideal, deve conter pelo
menos 25 glomérulos. Além disso, as lesões glomerulares apresentam, com alguma
frequência, evolução de um tipo morfológico para outro, espontaneamente ou após o
tratamento. A microscopia eletrônica revela depósitos eletrodensos mesangiais em todos
os padrões histológicos e, em alguns casos, também subendoteliais. Quando os depósitos
são abundantes, determinam espessamento acentuado da parede capilar, visto à
microscopia óptica como “lesão em alça de arame”, sinal de atividade e gravidade do
acometimento renal.63 Além da classificação da International Society of Nephrology,
existe outra que estabelece índices de atividade e cronicidadedo acometimento renal
(Tabela 24.1).
Quadro 24.4 Classificação da International Society of Nephrology para a
glomerulonefrite lúpica.
• I GN mesangial mínima: normal à MO. Depósitos imunes à imunofluorescência
• II GN mesangial proliferativa: hipercelularidade mesangial ou expansão da matriz
mesangial à MO
• III GN focal: menos de 50% dos glomérulos são acometidos de forma segmentar ou
global à MO
• IV GN difusa: mais de 50% dos glomérulos são acometidos (endocapilar e/ou
extracapilar e/ou mesangial) de forma segmentar ou global à MO
• V GN membranosa: espessamento difuso da parede capilar glomerular à MO e de
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depósitos imunes subepiteliais (tanto global quanto segmentar) à ME e
imunofluorescência
• VI GN esclerosante avançada: mais de 90% dos glomérulos esclerosados globalmente
O papel dos índices de atividade e cronicidade na definição do prognóstico da
glomerulonefrite lúpica difusa é controverso. Alguns investigadores concluíram que altos
níveis de cronicidade estão associados com insuficiência renal progressiva e menor
resposta ao tratamento imunossupressor, enquanto outros investigadores observaram que
o grau de atividade e cronicidade costuma ser semelhante em pacientes que progridem
para a insuficiência renal e naqueles com função renal estável. A utilidade limitada dessa
classificação decorre, em parte, da natureza subjetiva de sua avaliação e de possíveis erros
de amostragem. Diversos serviços não utilizam esses índices para estratificar os pacientes
de risco ou definir o tratamento.63,64
Glomerulonefrite mesangial mínima (classe I)
Esta classe de nefrite lúpica é raramente diagnosticada porque os pacientes com esse tipo
de acometimento renal frequentemente têm um exame de urina normal, proteinúria
ausente ou mínima e creatinina sérica normal. Nesses casos, a biopsia renal não é
solicitada. Pacientes com doença classe I apresentam depósitos imunes mesangiais
identificados somente pela técnica de imunofluorescência ou pela imunofluorescência e
microscopia eletrônica, mas sem alterações à microscopia óptica.
Glomerulonefrite mesangial proliferativa (classe II)
A microscopia óptica caracteriza-se por hipercelularidade mesangial (discreta ou
moderada) ou expansão da matriz mesangial. São visualizados poucos depósitos isolados
subendoteliais ou subepiteliais de imunoglobulinas e complemento pelas técnicas de
imunofluorescência e microscopia eletrônica. Clinicamente, manifesta-se com hematúria
e/ou proteinúria discreta, geralmente aparecendo de modo intermitente. Hipertensão
arterial é incomum, e os pacientes raramente evoluem com síndrome nefrótica e
insuficiência renal. Em geral, a evolução é benigna, a não ser que, eventualmente, ocorra
sobreposição de um tipo mais grave de envolvimento renal.
Tabela 24.1 Índices de atividade e cronicidade para nefrite lúpica.
Lesões Atividade Cronicidade
Glomerulares 1. Proliferação 1. Esclerose
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2. Necrose/cariorrexe
3. Trombose hialina
4. Crescentes celulares
5. Exsudação leucocítica
2. Crescentes fibrosas
Tubulointersticiais 1. Infiltrado celular
mononuclear
1. Atrofia tubular
2. Fibrose intersticial
Glomerulonefrite focal (classe III)
É definida histologicamente pelo acometimento de menos de 50% dos glomérulos pela
microscopia óptica, com envolvimento quase sempre segmentar (acomete menos de 50%
do tofo glomerular). Entretanto, a técnica de imunofluorescência revela envolvimento
quase difuso dos glomérulos.
O quadro clínico é caracterizado por hematúria recorrente e proteinúria leve a moderada.
A evolução é habitualmente favorável, sem sequelas importantes. No entanto, há pacientes
que apresentam evolução desfavorável em consequência de surtos repetidos de inflamação
aguda ou de comprometimento glomerular progressivo ou que evoluem para forma mais
grave de envolvimento renal, como a glomerulonefrite difusa. Características histológicas
adicionais que definem o prognóstico são a proporção dos glomérulos afetados por
necrose fibrinoide e crescentes e a presença ou ausência de acometimento
tubulointersticial e vascular. A glomerulonefrite classe III é dividida em subclasses, que
são determinadas pela presença de atividade inflamatória ou cronicidade das lesões:
• Classe III (A), que apresenta lesões ativas. Também chamada de glomerulonefrite
proliferativa focal
• Classe III (A/C), associada a lesões ativas e crônicas
• Classe III (C), na qual se observam lesões crônicas inativas com cicatrizes. Também
chamada de glomerulonefrite esclerosante focal.
Glomerulonefrite difusa (classe IV)
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É a forma mais comum e mais grave de acometimento renal em pacientes com LES. É
definida histologicamente pelo acometimento de mais de 50% dos glomérulos pela
microscopia óptica. As lesões podem ser segmentares (acometimento de menos de 50% do
tofo glomerular) ou globais (acometimento de mais de 50% do tofo glomerular). Os
pacientes apresentam hematúria macro ou microscópica, proteinúria (que pode ser maciça
e acompanhada de síndrome nefrótica), além de cilindrúria hemática e celular. A maioria
dos pacientes evolui com hipertensão arterial e, naqueles não tratados adequadamente e
em tempo hábil, insuficiência renal. Em geral, os pacientes com essa manifestação renal
apresentam hipocomplementemia significativa (redução principalmente de C3) e níveis
séricos elevados do anticorpo anti-DNA, sobretudo durante a doença ativa.64
A glomerulonefrite classe IV também é dividida em subclasses, que são determinadas pela
extensão do envolvimento do glomérulo (segmentar ou global) e pela presença de
atividade inflamatória ou cronicidade das lesões:
• Classe IV-S (A): caracteriza-se pelo acometimento segmentar com lesões ativas
• Classe IV-G (A): caracteriza-se pelo acometimento global com lesões ativas
• Classe IV-S (A/C): caracteriza-se pelo acometimento segmentar com lesões ativas e
crônicas
• Classe IV-G (A/C): caracteriza-se pelo acometimento global com lesões ativas e crônicas
• Classe IV-S (C): caracteriza-se pelo acometimento segmentar com lesões crônicas
• Classe IV-G (C): caracteriza-se pelo acometimento global com lesões crônicas.
Os pacientes com a doença ativa podem apresentar lesões proliferativas e necrosantes e
formação de crescentes. Aqueles com classe IV-G e com crescentes afetando mais de 50%
dos glomérulos podem apresentar quadro de glomerulonefrite rapidamente progressiva e
rápida perda da função renal. As amostras de biopsias com lesões classe IV-G com
crescentes apresentam maior acometimento intersticial (inflamação e fibrose) e necrose
que amostras classe IV-G sem crescentes.65
Glomerulonefrite membranosa (classe V)
É definida histologicamente por espessamento difuso da parede capilar glomerular à
microscopia óptica e pela presença de depósitos imunes subepiteliais (tanto global quanto
segmentar) à microscopia eletrônica e imunofluorescência. A manifestação clínica usual é
a presença de proteinúria nefrótica (acima de 3,5 g/24 h), hipoproteinemia (especialmente
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hipoalbuminemia – albumina menor que 3 g/dℓ), edema e hiperlipidemia. Na
apresentação do quadro, também podem ser vistos hematúria microscópica e hipertensão
arterial, e a função renal, geralmente, é normal ou levemente alterada. A glomerulonefrite
membranosa pode se apresentar sem nenhuma outra manifestação clínica ou sorológica
de LES. Entretanto, existem dados na microscopia eletrônica e imunofluorescência,que,
se presentes, sugerem fortemente nefropatia membranosa lúpica, e não a forma
idiopática.59
Glomerulonefrite esclerosante avançada (classe VI)
É definida histologicamente por esclerose global de mais de 90% dos glomérulos.
Representa o estágio avançado das glomerulonefrites classe III, IV ou V crônicas. Os
pacientes evoluem com insuficiência renal progressiva em associação com proteinúria, e o
sedimento urinário geralmente apresenta poucas alterações. A definição desse padrão pela
biopsia renal é fundamental, porque a terapia imunossupressora nesses casos não
apresenta benefícios.
Os pacientes com LES apresentam outras formas de acometimento renal, além das
glomerulopatias já descritas: nefrite tubulointersticial, doença vascular, doença renal
associada com LES induzido por medicamentos, podocitopatia e glomerulonefrite
associada ao ANCA.
Nefrite tubulointersticial
A doença tubulointersticial é comum em pacientes com nefrite lúpica e, quase sempre, é
diagnosticada com a doença glomerular, sobretudo a glomerulonefrite proliferativa difusa.
A gravidade do envolvimento tubulointersticial é um importante sinal prognóstico e
apresenta forte associação com hipertensão arterial, níveis séricos elevados de creatinina e
piora clínica progressiva.66
Doença vascular
O envolvimento da vasculatura renal é frequente e afeta negativamente o prognóstico da
doença. As manifestações mais frequentes são a deposição de imunocomplexos nos vasos
(que é tipicamente associada com depósitos imunes nos glomérulos), microangiopatia
trombótica levando a uma síndrome semelhante à PTT, vasculite e aterosclerose. A
trombose de veia renal é uma complicação rara.67 Recentemente, demonstrou-se que
incluir a avaliação do comprometimento vascular na Classificação da Sociedade
Internacional de Nefrologia aumenta o seu valor prognóstico.68
Aqueles com microangiopatia trombótica apresentam trombos glomerulares e vasculares,
frequentemente em associação com os anticorpos antifosfolipídios ou anticorpos contra a
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enzima convertase do fator de von Willebrand (ADAMTS13). Evoluem com alteração da
função renal e, geralmente, o sedimento urinário apresenta poucas alterações. Estudo
retrospectivo que avaliou as alterações de biopsia renal de 114 indivíduos com LES e
disfunção renal detectou trombos vasculares em aproximadamente um terço das biopsias
e foi independente das alterações de nefrite lúpica tradicional.69
Podocitopatia
Na podocitopatia secundária ao LES, são identificadas, à microscopia eletrônica,
alterações caracterizadas por fusão e apagamento difuso dos processos podocitários de
células epiteliais glomerulares, sem depósitos eletrodensos de imunocomplexos
mesangiais ou subendoteliais. Histologicamente, apresenta-se como doença por lesões
mínimas, glomerulonefrite proliferativa mesangial ou glomeruloesclerose segmentar e
focal. Os mecanismos propostos para explicar a lesão glomerular na ausência de depósitos
de imunocomplexos são a produção de citocina ou linfocina tóxica para podócitos ou lesão
podocitária causada por disfunção de células T. Diversos casos de podocitopatia foram
associados com o uso de AINH. A principal manifestação clínica é a síndrome nefrótica,
eventualmente com proteinúria maciça. Portanto, a presença de síndrome nefrótica em
pacientes com LES, com histologia compatível com doença por lesões mínimas,
glomerulonefrite proliferativa mesangial ou glomeruloesclerose segmentar e focal, na
ausência de ou com escassez de depósitos de imunocomplexos mesangiais ou
subendoteliais e fusão podocitária em mais de 50% dos podócitos à microscopia
eletrônica, caracteriza uma podocitopatia lúpica.70
Sobreposição de LES e glomerulonefrite associada ao ANCA
Os anticorpos contra citoplasma de neutrófilos (ANCA) estão presentes em cerca de 20%
dos pacientes com LES (imunofluorescência indireta). Alguns indivíduos com nefrite
lúpica apresentam alterações histológicas compatíveis com sobreposição de uma
glomerulonefrite associada ao ANCA, com formação de crescentes e necrose significativa,
com mínima ou nenhuma proliferação endocapilar e depósitos subendoteliais.71
Manifestações pulmonares
Acometimento pulmonar, tanto do parênquima quanto da vasculatura, da pleura e do
diafragma, pode ocorrer em 50 a 70% dos pacientes com LES. Dor torácica pode estar
presente em até 50% dos doentes, relacionada a inflamação da pleura, envolvimento
muscular, dos tecidos moles ou das articulações costocondrais (costocondrite). A
inflamação da pleura pode causar dor torácica na ausência de atrito ou derrame pleural.
Achados de envolvimento pleural por necropsia foram identificados em até 93% de
indivíduos com LES. O derrame é, em geral, de volume pequeno a moderado, e bilateral. O
derrame volumoso é exceção. É comumente um exsudato com concentração elevada de
glicose, reduzida de desidrogenase lática e com presença de autoanticorpos como
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anti-DNA nativo e anticorpos antinucleares. No caso de dúvida quanto à sua etiologia,
deve-se realizar a toracocentese para excluir infecção.72
Existem duas formas de acometimento pulmonar: a forma aguda caracterizada por
inflamação alveolar e a forma crônica definida como doença pulmonar intersticial. A
pneumonite aguda é incomum, ocorre em menos de 10% dos pacientes e assemelha-se a
uma pneumonia, com febre, dispneia, tosse, algumas vezes com hemoptise e dor
pleurítica. Está associada com a presença dos anticorpos anti-Ro.1 A radiografia de tórax
mostra infiltrado pulmonar alveolar difuso, com predomínio em bases, e cerca de metade
dos pacientes apresenta derrame pleural associado. A tomografia computadorizada (TC)
do tórax, o lavado broncoalveolar e o teste da difusão do monóxido de carbono podem ser
necessários, pois determinam maior sensibilidade para o diagnóstico. É imprescindível
descartar infecção associada. A forma crônica intersticial caracteriza-se por quadro
insidioso de tosse seca, dispneia progressiva, crepitações pulmonares basais e infiltrado
pulmonar intersticial bibasal, mais bem visualizado na TC do tórax de alta resolução. Da
mesma maneira, é indispensável descartar infecção. O lavado broncoalveolar pode
mostrar celularidade com predomínio de neutrófilos (indicativo de lesão ativa). A
espirometria tem padrão restritivo, com prejuízo na difusão de monóxido de carbono.1
A hemorragia alveolar é uma manifestação pulmonar rara, porém com mortalidade entre
50 e 90%. O quadro clínico consiste em dispneia, tosse, hemoptise e hipoxia, evoluindo
para insuficiência respiratória aguda e franca hemoptise. A rápida queda da hemoglobina
e do hematócrito e o aparecimento de infiltrado alveolar bilateral e geralmente difuso
caracterizam a hemorragia alveolar na sua fase de maior gravidade. Algumas vezes, a
hemoptise pode não ser proeminente, retardando o diagnóstico. Nesse caso, a queda
rápida do hematócrito em um paciente com LES, associada a um infiltrado alveolar difuso,
deve alertar o clínico sobre a possibilidade de hemorragia alveolar. É necessário excluir
outras causas, como infecção, insuficiência cardíaca congestiva, edema agudo de pulmão
não cardiogênico e coagulação intravascular disseminada.73,74
A hipertensão pulmonar ocorre em até 14% em avaliação inicial e 43% no seguimento
clínico dos pacientes lúpicos, tem desenvolvimento insidioso e é uma importante causa de
morbidade. Assim como a forma idiopática, pode ocorrer isoladamente sem sinais e
sintomas de atividade lúpica e até com provas sorológicas negativas. O quadro clínico
consiste em dispneia, dor torácica, síncope, hipoxemia crônica, policitemia e sons
cardíacos com desdobramento e hiperfonese de segunda bulha. O diagnóstico, geralmente
difícil,é feito pelos métodos de rotina, como ausculta cardíaca, eletrocardiograma e
radiografia de tórax, exigindo o Doppler e o cateterismo para sua confirmação. Tem sido
associada aos anticorpos anti-RNP, fator reumatoide e anticorpos anticardiolipina.
Fenômeno de Raynaud é referido em até 75% dos pacientes com hipertensão pulmonar e
LES.75 É importante afastar causas secundárias de hipertensão pulmonar, como embolia
pulmonar – frequente no LES –, valvopatia crônica ou doença intersticial pulmonar.1
Na síndrome do “pulmão retraído”, uma complicação rara no LES, o paciente costuma
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apresentar dispneia progressiva, e a radiografia de tórax mostra redução significativa dos
campos pleuropulmonares sem acometimento do parênquima, diafragmas elevados e
imagens de atelectasia nas bases. O teste funcional revela um importante distúrbio
restritivo, com redução do volume pulmonar. A TC de alta resolução é importante para
diferenciar a “síndrome do pulmão retraído” da doença pulmonar intersticial. A
patogênese é desconhecida e provavelmente resulta de mecanismos respiratórios
alterados, seja por comprometimento de função dos músculos respiratórios ou do
diafragma. A “síndrome do pulmão retraído” não é comum no LES, responde mal ao
tratamento (corticosteroides, imunossupressores) e tem prognóstico reservado.76
Manifestações cardiovasculares
O envolvimento cardiovascular em pacientes com LES inclui o pericárdio, o endocárdio, o
miocárdio, as artérias coronárias e o sistema de condução, com significante morbidade e
mortalidade. Embora raro como manifestação inicial da doença, o comprometimento
cardíaco no LES tem sido descrito entre 50 e 89%, em vários estudos, ao longo da
evolução da doença.1
Pericardite é considerada a manifestação cardíaca mais comum, precocemente observada
no curso da doença, e mais frequentemente encontrada em necropsias que em estudos
clínicos. Está presente em 37% dos pacientes ao ecocardiograma. Em geral, ocorre
associada a outros sintomas e sinais de atividade da doença, apresentando-se como
episódio agudo isolado ou recorrente. Clinicamente, apresenta-se com sintomas e sinais
clássicos de pericardite – dor precordial e atrito pericárdico – ou evolui de modo indolor e
silencioso (mais comum). O líquido pericárdico é um exsudato com células inflamatórias
crônicas, pesquisa positiva para anticorpos antinucleares e anti-DNA nativo e
complemento diminuído. As complicações da pericardite, como pericardite constritiva,
pericardite purulenta e tamponamento cardíaco, são raras.77 O tamponamento cardíaco é
observado em cerca de 1% dos pacientes lúpicos em várias séries. Recomenda-se que não
seja realizada a pericardiocentese, exceto em tamponamento cardíaco descompensado ou
na necessidade de afastar o diagnóstico de pericardite purulenta, pois a inflamação
pericárdica habitualmente regride com o uso de corticosteroide.78
A miocardite clinicamente manifesta é descrita em 7 a 10% dos pacientes com lúpus, e
alterações secundárias à miocardite (vasculite de pequenos vasos, miocardite focal, fibrose
e necrose miocárdica) são encontradas em até 50% das necropsias.79 É um fator
prognóstico ruim, associado à diminuição da sobrevida, apesar de até 80% dos pacientes
apresentarem melhora com o tratamento medicamentoso incluindo corticosteroide e
imunossupressores. O diagnóstico clínico baseia-se em dispneia, palpitações, febre,
presença de sopros cardíacos com ritmo em galope, cardiomegalia e insuficiência cardíaca
congestiva. No entanto, deve-se suspeitar de miocardite em pacientes que se apresentem
apenas com taquicardia de causa não definida.1
Podem ser detectadas alterações eletrocardiográficas não específicas, taquicardia sinusal,
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arritmias supraventriculares e ventriculares e anormalidades de condução. A
ecocardiografia pode identificar disfunção diastólica, hipocinesia ou acinesia global ou
segmentar, cardiomegalia e diminuição da fração de ejeção.77
É importante lembrar que a disfunção miocárdica em pacientes com lúpus pode ser
consequência de outras comorbidades, como isquemia miocárdica, hipertensão arterial
sistêmica, doença renal crônica, valvulopatias ou até resultar de toxicidade aos
medicamentos, como a ciclofosfamida e os antimaláricos. Outros métodos propedêuticos,
como a cintilografia miocárdica e a RM, podem ser úteis na avaliação e no diagnóstico dos
pacientes com suspeita de miocardite lúpica.1
As alterações valvares podem se manifestar como espessamento dos folhetos, massas ou
vegetações, regurgitação e, raramente, estenose. Mais da metade dos pacientes com LES,
quando avaliada por meio de ecoDopplercardiograma transesofágico, apresenta alterações
valvares de pouca repercussão anatômica e funcional e clinicamente silenciosas. A
despeito disso, esses pacientes apresentam uma incidência maior de acidente vascular
encefálico (AVE), embolia periférica, insuficiência cardíaca, endocardite infecciosa e
morte, quando comparados a indivíduos sem valvopatia. Assim, a profilaxia para
endocardite bacteriana tem sido preconizada em pacientes com LES que irão se submeter
aos procedimentos invasivos.1 O diagnóstico de valvopatia deve ser suspeitado na
presença de sopros cardíacos significativos, insuficiência cardíaca, tromboembolismo
arterial periférico ou doença cerebrovascular. Deve ser feito o diagnóstico diferencial com
endocardite bacteriana, especialmente na presença de febre.80
A frequência das vegetações conhecidas como endocardite de Libman-Sacks varia de 0 a
31%, contudo, essas taxas podem ser maiores se for usado o ecocardiograma
transesofágico, método mais sensível para detectar vegetações do que o transtorácico. São
acúmulos estéreis de imunocomplexos, células mononucleares, corpos de hematoxilina e
trombos de fibrina e plaquetas. Podem se desenvolver em qualquer lugar da superfície
endocárdica, porém são mais comumente encontradas nas valvas do coração esquerdo,
particularmente na superfície atrial da valva mitral. Sua cicatrização leva à fibrose e, em
alguns casos, à calcificação. Se as vegetações forem extensas, o processo cicatricial pode
produzir deformidade valvar, possivelmente levando à regurgitação mitral ou aórtica.80
Diversos fatores podem estar envolvidos na doença valvar nos indivíduos com LES, sendo
o preditor mais consistente a presença dos anticorpos antifosfolipídios. A ligação do
anticorpo antifosfolipídio ao endotélio valvular pode ser causa de lesão endotelial,
trombose superficial, inflamação subendocárdica, fibrose e calcificação. Outros fatores
seriam duração da doença, história de pericardite e trombocitopenia.79
Distúrbios de condução podem ocorrer em pacientes com LES. O mais característico é o
quadro de bloqueio congênito do lúpus neonatal. Em adultos, bloqueio atrioventricular e
bloqueios de ramo são raros, geralmente assintomáticos ou se associam a sintomas leves
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como palpitações e fadiga. São secundários à miocardite ou miocardiopatia isquêmica.77,79
Manifestações neuropsiquiátricas
O lúpus neuropsiquiátrico (LNP) compreende diversas síndromes neurológicas,
envolvendo os sistemas nervosos central, periférico e autonômico, além de síndromes
psiquiátricas e psicofuncionais, e o seu diagnóstico e tratamento pode ser um desafio. A
grande variação nas frequências encontradas em populações estudadas – de 19 a 91% –
deve-se à ausência de métodos diagnósticos padronizados que tenham sensibilidade e
especificidade amplamente comprovadas, e evidencia a dificuldade em atribuir, na prática
diária, essas manifestações à atividade