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AULA 3 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Profª Ligia Maria Bueno Pereira Bacarin 2 INTRODUÇÃO Prezados cursistas, neste módulo sobre Transtorno do Espectro Autista – TEA, buscaremos compreender com mais profundidade a tríade de sintomas que constitui a espinha dorsal do comportamento autístico: 1- Disfunções sociais. 2- Disfunção da linguagem. 3- Disfunções comportamentais. O diferencial deste modulo será a abordagem caracterizada pelo Estudo de Caso; com isso, cada elemento que compõe a tríade do TEA será exemplificado com um estudo real. O aprofundamento se justifica porque nem todas as pessoas com PEA apresentam da mesma maneira todos os sintomas e nem com o mesmo grau de intensidade. Segundo Corrêa (2015, p. 18) “as características do comportamento variam muito de indivíduo para indivíduo e também no mesmo indivíduo, ao longo do tempo.” Alguns sintomas podem ser mais evidentes com a idade e podem sofrer alterações, o que implica mudanças no diagnóstico. Nesse sentido, cabe pensar a importância de compreensão sobre o que realmente caracteriza esses três grandes grupos de identificação do TEA, pois o diagnóstico se embasa na observação dessas três características gerais. Em outras palavras, não existem dois indivíduos com TEA que sejam iguais, por isso o termo “espectro” autista, todavia, conhecer as características de ligação entre os diversos autismos se faz necessário. Para orientar este terceiro módulo, organizou-se as seguintes questões sobre o que especificamente significa: Disfunções sociais? Disfunção da linguagem? Disfunções comportamentais? Para abordar o contexto acerca da Tríade que se apresenta como características gerais do TEA, apresentaremos o seguinte relado, de uma das mães que acompanhamos: Até um ano, X era uma criança como todas as outras: levantava, sentava, falava “mamã” e “papá” e batia palminhas. Porém, logo após seu aniversário, começou a regredir, porque desaprendeu algumas habilidades e se mostrava mais sério. 3 Relato da mãe de X: - “ele também tinha uma mania de rodinha com tudo. Pegava os carrinhos, virava e ficava girando a rodinha sem parar. Na rua, parava carrinho de bebê para ver a roda”. Mais tarde, quando os pais o chamavam, X passou a não olhar. Para a mãe, o filho teria um “temperamento difícil”. Mas, com um ano e 11 meses, ao ingressar na escola, as professoras notaram algo estranho. Relato da mãe de X: - “elas pediram uma avaliação neurológica, e foi então que recebi o diagnóstico de autismo”. A mãe descreve esse momento como uma espécie de luto: Relato da mãe de X -“pega você totalmente de surpresa. É um luto do que você idealizou, do que você perdeu. A vida agora é outra, mas você tem que seguir em frente, não dá para ficar deitada chorando”. Essa reação de “estado de choque” é muito comum nos relatos acerca do TEA, principalmente porque os sintomas do autismo, às vezes, são extremos e difíceis de entender. Isso também se deve ao fato de que o autismo não tem cura, muitas vezes tem causa imprecisa e o conhecimento acumulado sobre essa síndrome é passível de rápida superação. Quando questionada sobre o que, depois de 6 anos do diagnóstico, a mãe de X compreende sobre a síndrome do filho, ela responde que: É uma coisa que aconteceu no cérebro, a maneira como o cérebro de X se desenvolveu, como um pedaço do cérebro se conectou ao outro, como cada neurônio se ligou ao outro. E, assim como essa ligação pode trazer dificuldades, pode trazer vantagens. Muitos autistas demonstram uma maior percepção de detalhes, notam o que a maior parte das pessoas não nota, têm enorme capacidade de concentração sobre assuntos que lhes agradam, boa memória e hiperfoco, como é o caso de X. TEMA 1 – DISFUNÇÕES SOCIAIS: DIFICULDADES NA INTERAÇÃO SOCIAL Para Silva, Gaiato e Reveles (2012), a dificuldade de socialização é a base da tríade de sintomas do funcionamento autístico. Segundo as autoras, ser humano é, antes de tudo, um ser social. Busca, desde pequeno, fazer amigos, agregar pessoas à sua volta e dividir momentos e experiências. É por meio da socialização que o indivíduo aprende as regras e os costumes da sociedade em que habita. Desde a infância, buscamos a companhia um do outro. Lembra como eram gostosas as festinhas de aniversário de parentes e amigos? O aniversariante quer convidar todo mundo e se preocupa se a festa vai ser um sucesso. As brincadeiras, brigas e a bagunça animam a garotada 4 antes dos parabéns e das inevitáveis disputas pelos brigadeiros. Aos 7 anos, muitos de nós já têm um grupo bem-formado, quase uma gangue! Nessa idade, surgem os primeiros líderes. Na adolescência, ser aceito pelo seu grupo é mais importante do que qualquer nota na escola. A vida gira em torno da preocupação com as aparências ("o que meus amigos vão dizer") e de querer construir uma imagem ("não posso pagar mico!"). Muitos jovens, inclusive, trocam a hora de almoço para mergulhar nas redes sociais. A expressão "navegar é Preciso", de Fernando pessoa, nunca esteve tão em alta (Silva; Gaiato; Reveles, 2012, p. 10). Entretanto, o que significa socialização na infância? Para responder a essa indagação, recorre-se ao estudo de Algumas críticas já se fazem presentes, no entanto, à maneira como o chamado novo paradigma para os estudos sociais da infância vem se constituindo. Essa “crítica da crítica” nasce no exterior e no interior da própria SI e dirige-se tanto à ideia da infância como “construção social” quanto à ideia da criança como “ator”. Algumas dessas críticas objetivam avançar na elucidação dos novos princípios considerados uma “obviedade” que ainda luta por ser estabelecida devido à invisibilidade epistemológica da infância/ criança como objetos de estudo legítimos e autônomos. Nesse sentido, alertam para o risco de esses princípios tornarem-se “slogans vazios” ao sofrerem distorções ou vulgarização em seu significado, tanto no nível do “senso comum douto” quanto no nível do cotidiano. Outras críticas, no entanto, alertam para o problema de o novo paradigma estar ainda circunscrito às clássicas dicotomias sociológicas (natureza/ cultura; ação/ estrutura, etc.), não sendo capaz, portanto, de apreender o fenômeno da infância em sua complexidade, instabilidade e pluralidade contemporâneas. Considerando os limites externamente estabelecidos para este texto, a exposição e a discussão dessa “crítica da crítica” não poderá, no entanto, ser aqui realizada, devendo tornar-se objeto de reflexão em outra ocasião (De Cássia March, 1990, p. 240). Isto é, “existem realidades sociais que somente a partir do ponto de vista das crianças e dos seus universos específicos podem ser descobertas, apreendidas e analisadas” (De Cássia March, 1990, p. 239). 1.1 Estudo de caso sobre a Dificuldade de Integração social no TEA Principais sintomas que caracterizam a Dificuldade de Integração são: Isolamento em graus variados; Não utiliza o relacionamento como fonte de segurança, conforto e alívio para a ansiedade; Não apresenta movimento antecipatório; Dificuldade de contato olho a olho; Pode apresentar rosto inexpressivo, dificultando a apreensão de suas emoções; 5 Deficiência na capacidade de perceber sentimentos e respostas sociais dos outros, interpretando de maneira inadequada o tom de voz e a expressão facial; Dificuldade de criar vínculos de amizade e cooperação em brincadeiras de grupo; Às vezes age como se fosse surdo; Não busca aprovação do adulto (Fonte: baseada em dados do DSM 5). Observem o relato a seguir, extraído do estudo de Silva, Gaiato e Reveles (2012): A mãe de Pedro, dona de uma loja de sapatos, gostava muito de levá-lo para o trabalho no período da tarde. Suas clientes conheciam bem o garoto e, a todo momento, levavam para ele doces e balas. D. Maria começou a perceber que seu filho ficava muito felizcom as visitas, pois sempre que elas chegavam Pedro corria para recebê-las. A pergunta era sempre a mesma: "O que você trouxe para mim hoje, tia?". Ele pegava as guloseimas e saía correndo. Gostava de brincar no estoque da loja, que ficava embaixo de uma escada, e sua maior diversão era empilhar caixas. Algumas mães, também lojistas da região, levavam seus filhos para as lojas. Pedro olhava pela fresta da porta e, quanto mais crianças apareciam na frente da loja, mais parecia se esconder atrás das caixas. O contato que Pedro tinha com as clientes da loja era melhor do que com as próprias crianças, fato que sua mãe não conseguia entender. A brincadeira de empilhar parecia muito mais divertida, pois ele passava tardes inteiras entretido nessa arte. Depois da pilha feita, Pedro as desmontava e tornava a empilhar. A mãe sempre dizia que ele tinha dificuldades de manter amizades com as crianças da mesma idade. Na saída da escola estava sempre sozinho e, em casa, sua maior diversão era enfileirar os antigos soldadinhos de chumbo do seu pai (Silva; Gaiato; Reveles, 2012, p. 11). Infere-se, portanto, que a característica que se destaca, nesse estudo, foi a inadequação da autopercepção e da percepção do outro. TEMA 2 – DISFUNÇÃO DA LINGUAGEM Conforme estudos de Silva, Gaiato e Reveles (2012), as pessoas com autismo apresentam grandes dificuldades na capacidade de se comunicar pela linguagem verbal e não verbal e, com isso, permanecem isoladas e distantes em seus mundinhos particulares. Em relação à importância da linguagem, o embasamento recai sobre o livro “Pensamento e Linguagem”, de Vygotsky. Esse ator apresenta um estudo detalhado sobre o desenvolvimento intelectual, orientado para a psicologia evolutiva, educação e psicopatologia. 6 Tomasello (1999), ao analisar a obra do pensador russo, afirma que “na questão do inter-relacionamento objetivo de todos os traços característicos do pensamento infantil, ele partiu da ideia de que este, pautado no egocentrismo, ocupa uma posição intermediária, genética, estrutural e funcionalmente, entre o pensamento autístico e o orientado.” Assim, segundo o autor, “o pensamento orientado é consciente, isto é, prossegue objetivos presentes no espírito de quem pensa”. É social, porque vai desenvolvendo e sendo influenciado pelas leis da experiência e da coerência. O pensamento autístico é “individualista e obedece a um conjunto de leis específicas”. Conforme o pensador russo: […] A relação entre o pensamento e a palavra não é uma coisa, mas um processo, um movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra, e vice-versa. Nesse processo, a relação entre o pensamento e a palavra passa por transformações que, em si mesmas, podem ser consideradas um desenvolvimento no sentido funcional. O pensamento não é simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que ele passa a existir. Cada pensamento tende a relacionar alguma coisa com a outra, a estabelecer uma relação entre as coisas. Cada pensamento se move, amadurece e se desenvolve, desempenha uma função, soluciona um problema. Esse fluxo de pensamento corre como um movimento interior através de uma série de planos. Uma análise da interação pensamento e da palavra deve começar com uma investigação das fases e dos planos diferentes que um pensamento percorre antes de ser expresso em palavras (Vygotsky, 2005, p. 123). Compreende-se que as funções psicológicas superiores – FPS, como a atenção, memória, imaginação, pensamento e linguagem são organizadas em sistemas funcionais, cuja finalidade é organizar adequadamente a vida mental de um indivíduo em seu meio. Então, de acordo com Vygotsky (2005), todas as atividades cognitivas básicas do indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social de sua comunidade. Portanto, as habilidades cognitivas e as formas de estruturar o pensamento do indivíduo não são determinadas por fatores congênitos. Na verdade, são resultado das atividades praticadas de acordo com os hábitos sociais da cultura em que o indivíduo se desenvolve. Consequentemente, a história da sociedade na qual a criança se desenvolve e a história pessoal desta criança são fatores cruciais que vão determinar sua forma de pensar” (Vygotsky, 2005, p. 143). 7 Figura 1 – Processo de desenvolvimento cognitivo Para Tomasello (1999), nesse processo de desenvolvimento cognitivo a linguagem tem papel crucial na determinação de como a criança vai aprender a pensar, uma vez que formas avançadas de pensamento são transmitidas à criança por meio de palavras. Os principais sintomas que caracterizam a dificuldade de integração são: Déficit na compreensão da linguagem falada; Fala pouco e a fala não tem qualidade social e reciprocidade; Às vezes, fala sem conversar; Pode ter fala ininteligível; Às vezes, a fala tem uma forma estereotipada com ecolalia e inversão dos pronomes “eu-você”; Às vezes, fala de forma incessante, mas com tom de voz constante, monótono ou “cantado”; Frequentemente imita com perfeição as frases no mesmo tom de voz e ritmo de quem as pronunciou; Alguns aprendem a ler precocemente, sem a ajuda dos outros. Contudo, demonstram pouca compreensão do que foi lido e não sabem utilizar essas informações para a comunicação com outras pessoas (Fonte: baseada em dados do DSM 5). Motivo Significante Pensamento Referência Fala interior Referência significada Significado das palavras Fala exterior 8 Tabela 1 – Sinais de alerta de acordo com a idade IDADE COMPREENSÃO SINAIS DE ALERTA 0 – 06 meses Reage a sons. Dirige o olhar e/a cabeça na direção dos sons. Não reagir a estímulo sonoro. Não sorrir, não estabelecer contato ocular. 6 – 12 meses Reage ao seu nome. Aponta e dirige o olhar para objetos de uso comum nomeados pelo adulto. Compreende ordens simples (ex.: dá, diz adeus, não). Deixar de produzir sons. Não reagir ao seu nome. Não reagir a sons familiares (ex.: telefone, campainha, porta). 12 – 18 meses Identifica objetos de uso comum. Compreende verbos de ações relacionados à rotina diária. Não usar palavras isoladas. Não reagir, olhando ou sorrindo, quando brincam com ele/ela. 18 – 24 meses Identifica objetos e respectivas imagens. Aponta algumas partes do corpo Compreende perguntas simples. Não compreende instruções simples. Vocabulário reduzido a 4 – 6 palavras. 24 – 36 meses Identifica imagens que expressam ação. Identifica grande, pequeno e muito. Não combinar duas palavras para formar frases. Fonte: Silva, Gaiato; Reveles, 2012. Conforme a Tabela 1, Silva, Gaiato e Reveles (2012) observam que a “ausência da fala, na maioria dos casos, é o fator que mais preocupa os pais e o que os motiva a procurar ajuda”. Milena tinha 3 anos quando nós a conhecemos. Parecia muito feliz, estava sempre sorrindo. Os pais se preocuparam com seu desenvolvimento quando perceberam que o outro filho, um ano mais novo, já se comunicava com gestos e palavras enquanto Milena ainda não. Ela gostava de brincar com os pais, mas fazia isso de uma forma diferente do irmão. As brincadeiras eram sempre de pular ou correr. Não tinha nenhuma troca de palavras. Divertia-se por horas a fio apenas com sua própria movimentação e pulinhos. A mãe até tentava brincar de casinha, fazia comidinha, simulava a ida à feira, mas Milena não entrava nesse mundo de imaginação. Ela só queria segurar a mesma boneca e nada daquilo parecia fazer sentido. Ao conhecê-la, percebemos, ainda, que ela repetia várias vezes o mesmo som com a boca (tá, tá). Emitia esse som aleatoriamente, e não quando queria alguma coisa. Era uma comunicação sem destino (Silva, Gaiato; Reveles, 2012, p. 15). As autoras, ao analisarem o caso,relatam que a “utilização de sons verbais, normalmente, é feita quando desejamos trocar ideias; referir-nos a alguém ou a 9 alguma coisa. Muitas vezes, porém, crianças com autismo, como a Milena, falam, mas sem a real intenção de se comunicarem” (Silva; Gaiato; Reveles, 2012, p. 15). TEMA 3 – DISFUNÇÕES COMPORTAMENTAIS Divide-se em duas categorias (Silva, 2012): 1ª Categoria: Comportamentos motores estereotipados e repetitivos • Estereotipados: Pular, balançar o corpo e/ ou as mãos, bater palmas, agitar ou torcer as mãos ou os dedos, fazer caretas, dar pulinhos e correr de um lado para outro (Manetti, 2018). • Repetitivos: alinhar/ empilhar brinquedos de forma rígida; observar objetos aproximando-se muito deles; prestar atenção exagerada a certos detalhes de um brinquedo; demonstrar obsessão por determinados objetos em movimento (ventiladores, máquinas de lavar roupas etc.) (Manetti, 2018). Alguns mais agitados não seguem comandos, fazem só o que é do seu interesse, geralmente restritivo. Por exemplo: querem sempre as mesmas coisas, do mesmo jeito, na mesma sequência; É normal a birra, quando alguém o contraria; Perceptível hiperatividade ou extrema inatividade; O medo e a raiva podem ganhar proporções traumáticas (Manetti, 2018). Observação: Tem uma hiperatividade física diferente do TDAH. Para o autista, o prazer está na agitação, o excesso de movimentos não tem função; para TDAH a característica de hiperatividade mental procura atividades diferentes. 2ª Categoria: Comportamentos disruptivos cognitivos É atraída por objetos que rodam e balançam; Compulsões, rituais e rotinas; Insistência, mesmice e interesses com aderência rígida a alguma regra ou necessidade de ter as coisas somente por tê-las; Padrão anormal e restritivo de interesse, exagerado em foco e intensidade, dedicando toda energia a um único foco de interesse, tendendo a ter prejuízos em outras áreas de suas vidas (pequenos gênios). Exemplo: Saber tudo de dinossauros, ou trens, ou cálculos; 10 Autoagressão, bater com o corpo ou a cabeça na parede, morder-se, sem reclamar de dor; Fonofobia: aversão a barulhos altos, gritos ou fogos de artifício; Fotofobia: aversão à luz em excesso; Instabilidade de humor e afeto; Apresentam insônia, sono agitado ou trocam o dia pela noite; Gosto por música; Dificuldades nas atividades básicas da vida diária; Pensamento concreto; Podem tolerar extremos de dor, fome e temperatura sem reclamar. Figura 2 – Diagnóstico de TEA Fonte: baseado em Silva, Gaiato e Reveles, 2012. Silva, Gaiato e Reveles (2012) inferem a partir do organograma da figura anterior que a “cultura de um povo é determinada através das regras de convivência, ou padrões de comportamento aceitáveis socialmente”. Com essa perspectiva, as autoras afirmam que os padrões de comportamento das pessoas com autismo independem de raça, nacionalidade ou credo desses indivíduos. É fácil identificarmos comportamentos autísticos mesmo em um estrangeiro, pois não estão relacionados aos costumes de um povo ou outros moduladores, e sim ao desenvolvimento particular dessas pessoas (Silva; Gaiato; Reveles, 2012, p. 17). As pesquisadoras apontam que: Diagnóstico de TEA: Disfunção em dois domínios Interação/comunicação social Padrões comportamentais repetitivos e restritivos 11 Estudos no campo da neuropsicologia têm demonstrado que indivíduos com autismo aparentam ter dificuldades na área cognitiva de funções executivas. Essas funções são um conjunto de processos neurológicos que permitem que a pessoa planeje coisas, inicie uma tarefa, se controle para continuar na tarefa, tenha atenção e, finalmente, resolva o problema. Crianças com dificuldades na função executiva podem ser resistentes à mudança de rotinas, tendem a usar a memória daquilo que já fizeram ao invés de planejar novas ações. Ficam aflitas quando há mais de uma opção para escolher, têm dificuldade para generalizar regras ou informações e, por isso, prendem-se excessivamente a uma regra escolhida. Muitas crianças com autismo ficam ansiosas com mudanças e têm grandes problemas com transições. Os padrões restritos e repetitivos de comportamento dominam, com frequência, as atividades diárias de crianças com autismo (Silva; Gaiato; Reveles, 2012, p. 19). TEMA 4 – O TEA E A PROBLEMÁTICA DO OBJETO Silva, Gaiato e Reveles (2012, p. 21) apontam que “para quem tem autismo, o detalhe chama mais atenção do que o todo”, ou seja, o apego excessivo a um objeto específico se torna um problema. . É comum, por exemplo, uma criança, em vez de pegar o carrinho e brincar como se estivesse em uma rodovia, ficar apenas girando e olhando a rodinha do brinquedo. A pessoa com autismo sofre de um déficit da capacidade de unificar o mundo percebido. Ela não vê o mundo como um mundo, o carrinho como um carrinho, ou uma pessoa como a pessoa, vê o mundo em pedaços. Silva, Gaiato e Reveles (2012) demonstram no mesmo estudo que a pessoa com funcionamento mental “normal”, por sua vez, reúne de maneira automática e inconsciente seu mundo percebido na totalidade. Quando alguém só vê detalhes e não o todo, chegar até sua casa por uma rodovia é uma vivência completamente diferente de pegar um atalho. O detalhe ou a maneira como algo é realizado tem mais importância do que o objetivo final da ação (Silva; Gaiato; Reveles, 2012, 21). Enfim, a partir dessa demora em dividir a atenção com o objeto inteiro, podemos entender esses e outros traços característicos do autismo, como: 1. Necessidade de uniformidade e rotina; 2. Interesses restritos e limitados; 3. Comportamentos repetitivos. Os três elementos anteriormente mencionados se relacionam com a necessidade da rotina, dessa forma, caracteriza-se da seguinte forma: a Rotina é um instrumento que demanda uma sequência de ações ou atividades cuja função é antecipar os acontecimentos do dia a dia de maneira organizada, 12 possibilitando autonomia e segurança para a criança com TEA. Deve ser elaborada de acordo com as suas necessidades e ou interesses, além das responsabilidades e da socialização, o trabalho de familiarizar as crianças com uma rotina auxilia em seu desenvolvimento psicológico, transmitindo a ela segurança, pois assim ela saberá o que irá acontecer ao longo do dia e assim algumas situações que poderiam gerar ansiedade, agitação e medo passam a ser vistas com mais naturalidade (Ferrari, 2008). Elias (2006) afirma que crianças com dificuldades na função executiva podem ser resistentes à mudança de rotinas, se apoiam muito em memorização, fazem um grande esforço para resolver problemas do dia a dia, orientam-se por fatos, exaltam-se quando apresentadas a muitas opções, não conseguem generalizar regras ou informações e demonstram uma aderência excessiva a regras. TEMA 5 – SITUAÇÕES ORGANIZACIONAIS DE ROTINA Elias (2006) observa que as crianças com TEA que saem da sua rotina, frequentemente ficam paralisadas ou sofrem muito para iniciar uma ação. Muitas crianças se mostram ansiosas frente às mudanças e têm grandes problemas com transições, sendo que muitas das vezes também se sentem sobrecarregadas e se isolam ou têm consideráveis crises de birra. Elias (2006) demonstra que estudos no campo da neuropsicologia cognitiva têm demonstrado que pessoas com Transtornos do Espectro Autista – TEA – apresentam dificuldades com o funcionamento executivo da mente1. Para esse autor, a rotina inclui regulação comportamental como inibição de resposta, deslocamento de atenção e controle emocional. Também inclui processos metacognitivos, por exemplo: o ato de iniciar uma tarefa, memória operacional, planejamento, organização, organização de materiais e auto monitoramento (Elias, 2006, p. 36). Conforme Elias (2006), entende-se que é importante incorporar estrutura ao dia dacriança para ajudá-las a compreender o que precisa ser alcançado, entender o que os outros esperam que elas façam e serem produtivas. Para crianças com dificuldades no planejamento, organização e gerenciamento de 1 A função executiva é um conjunto complexo e dinâmico de processos neurológicos que permitem que a pessoa planeje efetivamente com antecedência e que resolva problemas. 13 tempo, a rotina se torna sua ferramenta também para se expressar, principalmente nos casos não verbais. Quadro 1 – Exemplo de uma rotina Exemplo de uma rotina que incorpora momentos produtivos com pausas necessárias: 7:00 acordar 7:10 escovar os dentes, pentear o cabelo e se vestir 7:30 café da manhã 7:45 computador (pausa) 8:15 estar no carro com a mochila e o lanche 8:20 acesso a um dispositivo móvel durante o caminho até a escola (pausa) Fonte: elaborado a partir do modelo de Elias, 2006. No exemplo, o Fator Motivador para a criança com TEA se arrumar no horário era o momento com o uso do computador. Se a criança conseguisse sair do computador com somente um aviso, ela conquistava o uso do dispositivo móvel no carro. Um dos pontos principais dessa rotina é ajudar a criança criar um propósito para fazer suas tarefas matutinas. As rotinas podem ter diferentes formas: 1- De uma mistura de figuras e palavras ou somente palavras. 2- Ser exclusivamente de figuras (como: ícones, fotografias, desenhos, imagens do PECS – comunicação alternativa), como na figura a seguir, 3- Somente palavras. 14 Figura 3 – O Sistema de Comunicação por Troca de Imagens (Picture Exchange Communication System) – O PECS Para Almeida, Piza e Lamônica (2005), o PECS representa um sistema que permite desenvolver a comunicação interpessoal, principalmente em pessoas com dificuldades severas de comunicação. Para Pedrosa (2006), este sistema permite desenvolver a compreensão, reduzir a frustração de quem tem dificuldade em falar e permite um poder de maior escolha de quem não se expressa oralmente. Além disso, pelo fato de associar o som à imagem, pode desenvolver a própria comunicação oral. Elias (2006) ressalta a importância de ajudar crianças com dificuldades em função executiva a criar propósitos para alcançar sucesso em suas tarefas. O autor observa que, para a maioria das pessoas, o propósito de fazer as tarefas matutinas e se arrumar para ir à escola a tempo é a compreensão do papel social de: estudante, filho etc. Porém, esses conceitos são abstratos e, para algumas crianças, difíceis de integrar. Ajudá-las a criar um propósito que seja significativo para elas é importante para ajudá-las a aprenderem a habilidade de seguir uma rotina. Elias (2006, p. 46) reforça que: Usar aquilo em que a criança está naturalmente interessada modificando tal interesse em um incentivo, normalmente é um bom ponto de partida. As crianças por natureza estão sempre mudando e crescendo. Elas 15 crescerão e dominarão algumas habilidades e estarão prontas para outras. Além disso, elas perderão interesse em alguns motivadores e mudarão para outros interesses. É importante para os pais e professores darem continuidade ao programa através da antecipação de novas motivações para assim manter o momento na criação de estrutura com propósito que seja significativo para a criança. Prezados cursistas, neste módulo buscamos compreender com mais profundidade a tríade de sintomas que constitui a espinha dorsal do comportamento autístico. E sua compreensão se faz necessária pois é por meio da observação multidisciplinar desses três elementos que se estabelece um diagnóstico e elenca-se estratégias para o melhor desenvolvimento da criança com TEA. Para sintetizar esse debate, faz-se necessário retomar as questões que orientaram a trajetória nesse módulo, para que possamos inferir que a tríade que se apresenta como a espinha dorsal do TEA se desdobra com os seguintes elementos: 1- A inadequação social significa uma tendência ao isolamento, que nem sempre é completo. Muitas vezes, a criança com TEA se faz presente nos espaços sociais, todavia, a forma como ela interage com as pessoas desses ambientes é singular, e quase sempre inapropriado. Uma vez que a criança com TEA não consegue fazer processos de interação adequada, porque as rotinas de controle social saíram do que lhe é seguro. 2- O déficit de comunicação qualitativa se torna mais acentuado quando levado ao processo de integração social, uma vez que possuem dificuldade de demonstrar e compartilhar o que sente, pensa ou quer, por meio de qualquer forma de comunicação. Uma prosódia anormal, pois ela fala, entretanto não enfatiza, não transmite emoção (alegria, tristeza), ou seja, essa criança não modifica emocionalmente e contextualmente o tom e o ritmo da fala conforme o contexto. E, por fim, a desabstração, não compreendem linguagem figurada. 3- O distúrbio de percepção sensorial: não conseguem integrar estímulos que entram, não tendo sua interpretação necessária. 4- Padrões de comportamento restrito e estereotipado, o predomínio da repetição sem finalidade, o que acarreta uma resistência à mudança. 16 REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. A.; MACHADO, M. H. P.; LAMÔNICA, D. A. C. Adaptações do sistema de comunicação por troca de figuras no contexto escolar. Pró-fono R. Atual. Cient., v. 17, n. 2, Barueri, 2005. APA – ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. DSM V – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2014. CORRÊA, M. M. Inclusão de crianças com PEA. E agora? Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti Pós-Graduação em Educação Especial. Trabalho de conclusão de curso. Porto, julho de 2015. DE CÁSSIA MARCHI, R. As teorias da socialização e o novo paradigma para os estudos sociais da infância. Educação & Realidade, v. 34, n. 1, 2009. ELIAS, A. V.; ASSUMPÇÃO JR, F. B. Qualidade de vida e autismo. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v. 64, n. 2, p. 295-299, 2006. FERRARI, P. Autismo Infantil: o que é e como tratar. São Paulo: Paulinas, 2008. MANETTI, I. Â. W.; FERREIRA FILHO, R. C. M. Guia Prático: recursos e procedimentos para inclusão do aluno com transtorno do espectro do autismo. 2018. PEDROSA, S. PECS Picture Exchange Communication System (Sistema de Comunicação por Troca de Imagens), 2006. SILVA, A. B. B; GAIATO, M. B; REVELES, L. T. Mundo Singular: entenda o autismo; Rio De Janeiro: Objetiva, 2012. TOMASELLO, M. Origens culturais da aquisição do conhecimento humano. Tradução: C. Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003 – trabalho original publicado em 1999. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2005.