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Jo g o s , R e c re a ç ã o e E d u c a ç ã o Luciana de Luca Dalla Valle Jo go s, R ec re aç ão e E du ca çã o Lu ci an a de L uc a Da lla V al le Jogos, Recreação e Educação Curitiba 2011 Luciana de Luca Dalla Valle FAEL Diretor Executivo Maurício Emerson Nunes Diretor Acadêmico Osíris Manne Bastos Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância Vívian de Camargo Bastos Coordenadora do Curso de Pedagogia EaD Ana Cristina Gipiela Pienta Secretária Acadêmica Dirlei Werle Fávaro EDITORA FAEL Coordenadora Geral Dinamara Pereira Machado Coordenador Editorial William Marlos da Costa Edição Jaqueline Nascimento Revisão Ivana Valeria Gonçalves Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin Ilustração da Capa Cristian Crescencio Diagramação Ana Lúcia Ehler Rodrigues Ilustração da Capa Cristian Crescencio Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cleide Cavalcanti Albuquerque CRB9/1424 Dalla Valle, Luciana de Luca V181j Jogos, recreação e educação / Luciana de Luca Dalla Valle. – Curitiba: Editora Fael, 2011. 104 p.: il. ISBN 85-64224-42-1 Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 1. Educação. 2. Recreação. I. Título. CDD 371.39 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. Dedico este livro aos meus super-heróis João Victor, Rodrigo e Henrique e à princesa Nicole, que, com suas brincadeiras, jogos e alegria, me possibi- litam reviver a infância. apresentação A infância traz lembranças inesquecíveis, principalmente quando nos recordamos de nossas brincadeiras, com os amigos, irmãos, primos, pais. Muitas vezes, penso que as brincadeiras de infância estão em extin- ção e isso me provoca um sentimento de “perda da felicidade infantil”. Vocês já ouviram dizer que criança que brinca é uma criança feliz? A autora, conhecedora do universo infantil – não apenas na vida profissional, mas muito mais em seu dia a dia, na prática, tendo em seu convívio três filhos que complementam a sua sabedoria –, nos revela de forma encantadora a história das brincadeiras e dos jogos no mundo; isso sem relatar o ar de criança e o sorriso de menina feliz que demons- tra quando o assunto é educação. A obra traz a todos nós, educadores, este assunto fascinante sobre a brincadeira, jogos e recreação, assim como a contribuição destas atividades no processo de ensino e aprendi- zagem, de forma dinâmica e agradável. A leitura do livro nos leva à reflexão acerca da história do ato de brincar e, muito mais, sobre a história da criança e sua participação no contexto familiar e social, além de ampliar nossos conhecimentos so- bre a importância do lúdico na construção do desenvolvimento infantil cognitivo, afetivo e social. Por meio de referências e muitas atividades práticas, você compreenderá a importância de resgatar as brincadei- ras infantis e cultivar esta ação dentro do contexto educativo. Conhecer a professora Luciana no curso de Pós-graduação em psi- copedagogia, no ano de 1998, foi mais que ganhar uma amiga, foi ter o prazer de tê-la sempre por perto e aprender sobre a sua enorme ca- pacidade e sensibilidade no que se refere ao “ser” “Humano”. Isso me habilita a indicar a leitura deste livro, não apenas pela riqueza do tema, mas pelo olhar psicopedagógico e pelo comprometimento profissional da autora. apresentação Em cada capítulo o leitor verificará como foram cuidadosamente abordados os assuntos e como eles nos trazem consciência da importân- cia de conhecer mais sobre as brincadeiras e de cumprir a função de unir esse conhecimento com a prática em sala de aula. Percorremos desde os estudos históricos da ludicidade no mundo, passando pelo entendimento acerca dessa atividade lúdica enquanto uma prática cultural e compreensão do mundo pela criança. Refletimos sobre a importância dos jogos e brincadeiras na formação da criança e a prática de atividades lúdicas na Educação Infantil e no Ensino Fundamen- tal, além de estudar os jogos como auxiliares do trabalho pedagógico. O tema será uma grande ferramenta para leitores e professores que buscam uma melhor qualidade de ensino, uma forma de inovar suas metodologias e criar práticas que construam um aprender inesquecível. Quem de nós não se lembra de nossas brincadeiras? É uma pena que nós crescemos e nos esquecemos de brincar no nosso dia a dia, mas, se é verdade que temos uma criança dentro de nós, podemos afirmar que temos também muita vontade de brincar. Então, lhe convido, leitor: quer brincar com a gente? Cleonice Soares de Sales* * É graduada em pedagogia, pela Universidade Nove de Julho, de São Paulo. Es- pecialista em psicopedagogia, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Mestre em filosofia, pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro. Psicopedagoga na área clínica e institucional, atua também como professora em cursos de Graduação e Pós-Graduação. apresentação apresentação Prefácio...................................................................................9 1 Estudo histórico da ludicidade .............................................11 2 Lúdico: prática cultural e compreensão do mundo ..............21 3 Classificação dos jogos ........................................................31 4 Jogos e brincadeiras na formação da criança ....................43 5 Jogos como auxiliares do trabalho pedagógico ..................55 6 Jogos e recreação ................................................................65 7 Práticas de ludicidade na Educação Infantil ........................77 8 Práticas de ludicidade no Ensino Fundamental ...................89 Referências...........................................................................99 sumário sumário Capítulo prefácio prefácio Sou do tempo em que as crianças podiam brincar livres na rua. Moradora de uma calma cidade do interior paranaense, com uma turma de amigos tive muitas experiências brincando na rua de minha casa: aprendi a esperar, a dividir, a perder e a pular de alegria na vitória, aprendi estratégias para me esconder no quintal e não ser achada, aprendi a ser a dona da bola de futebol para poder fazer parte do time de meninos. A brincadeira livre possibilitou o nascer de amizades e a delicio- sa experiência de ser heroína, vitoriosa e habilidosa em uma mesma tarde de jogos. E foram muitas as minhas brincadeiras: cabra-cega, esconde-esconde, sete pecados, “mãe cola”, futebol. A cada semana, encontrávamos espaço para brincar e exercitar nossa alegria infantil e, assim, correndo despreocupadamente, me diverti muito, sem medo da violência. Atualmente, nem sempre nossas crianças podem brincar na rua. Na verdade, esse brincar despreocupado existe apenas em algumas ci- dades brasileiras, em face da violência que assola muitas cidades e im- pede as famílias de deixarem suas crianças soltas na rua para brincar. Por um tempo, isso me entristeceu, pois imaginei que a fantás- tica experiência de brincar seria prejudicada. Ledo engano meu. As brincadeiras não ficaram perdidas no tempo, ao contrário, as crian- ças, dentro de suas épocas, continuam por aí brincando, correndo divertindo-se e, sem saber, crescendo. Os tempos são outros e as brincadeiras também. Temos um gran- de fascínio pelos artefatos tecnológicos, mas basta o quicar de uma 9 FAEL 10 bola na quadra da pracinha, que teremos muitas crianças dispostas a sacrificar o videogame por uma partida de futebol. É essa magia dos jogos e brincadeiras que me encantou e moti- vou a escrever esse livro e espero que o leitor não só possa relembrar seus tempos de brincadeiras, como compreender que as crianças pre- cisam brincar para aprender a viver. Divirtam-se! A autora.* * Luciana de Luca Dalla Valle foi uma criança que brincou muito e redescobriu a brinca- deira como professora e mãe. É pedagoga, com especializações em Educação Infantil (PUCPR) e Psicopedagogia (PUCPR),Mestre em engenharia da produção, com ênfase em mídia e conhecimento (UFSC). Autora de temas relacionados à docência na educação básica, é professora do curso de pedagogia da Fael. prefácio prefácio 11 Segundo o dicionário Michaelis, o termo lúdico significa aquilo que se refere a jogos e brincadeiras (MICHAELIS, 2010). Esse termo origina-se da palavra ludus, que, em latim, significa jogo. Dessa forma, lúdico e jogo são palavras de significado muito próximo, utilizadas atualmente em ampla escala nas escolas brasileiras. No entanto, nem sempre foi assim. A história da humanidade (aqui contada a partir da Idade Média) mostra que os jogos, embo- ra sempre presentes nas atividades das sociedades, nem sempre eram vistos como elementos de educação e não eram destinados às crianças, tendo seu foco maior na recreação, com ênfase no divertimento das comunidades. Como forma de contar um pouco a história do lúdico, refaremos este caminho histórico. Lúdico: a partir da Idade Média passeio por diferentes concepções Na Idade Média, os jogos eram basicamente destinados aos homens, visto que as mulheres e as crianças não eram consideradas cidadãs e, por conseguinte, estando sempre à margem, não participavam de todas as atividades organizadas pela sociedade. Porém, em algumas ocasiões nas quais eram realizadas as festas da comunidade, o jogo funcionava como um grande elemento de união entre as pessoas (ARIÈS, 1981). Diferente do trabalho a que se submetiam todos os dias, para as pessoas da Idade Média, os jogos representavam um espaço de tempo para descontração, além de um momento único de integração: “os jogos e divertimentos estendiam-se muito além dos momentos furtivos que Estudo histórico da ludicidade 1 Jogos, Recreação e Educação FAEL 12 lhes dedicamos: formavam um dos principais meios de que dispunha uma sociedade para estreitar seus laços coletivos, para sentir-se unida.” (ARIÈS, 1981, p. 94). Com relação às crianças, que eram vistas como adultos em miniatu- ra, na maioria das vezes somente os meninos podiam participar dos jo- gos e brincadeiras com os adultos. Acompanhemos um relato acerca de uma criança dessa época, encontrado em anotações de seu médico. Luis, o menino dos relatos a seguir, nasceu em 1601. Vejamos algumas das atividades lúdicas presentes no seu desenvolvimento até os sete anos. IDADE DA CRIANÇA Atividades lúdicas. ANTES DE UM ANO E MEIO Brinca com cavalo de pau, cata-vento ou pião. COM UM ANO E CINCO MESES Toca violino e canta ao mesmo tempo. Joga malha. COM UM ANO E DEZ MESES Toca seu tambor com todos os tipos de toques. COM TRÊS ANOS Ganha uma pomba mecânica e uma bola e brin- ca de recortar papel com a tesoura, brincando com os adultos de recortar. (os brinquedos são destinados a ele e à sua mãe). Participa de um jogo de rimas (destinado a adultos). Acende velas com os olhos vendados (participando de outro jogo de adultos). Canta e participa de declamações. COM TRÊS ANOS E QUATRO MESES Começa a aprender a ler, ensinado pela ama, nomeia todas as letras. COM QUATRO ANOS Começa a aprender a escrever com um clérigo da capela. Pratica arco e flecha. Joga cartas. COM CINCO ANOS É levado para assistir aos jogos em que cães lutam com ursos e touros. COM SEIS ANOS Tem como professor para ensinar a escrever um escrevente profissional. Joga mímica com os adultos. Capítulo 1 Jogos, Recreação e Educação 13 COM SEIS ANOS Brinca com bonecas e miniaturas feitas de ma- deira. Ouve histórias junto com os adultos nas reuniões noturnas. Joga xadrez. COM SETE ANOS É entregue a um grupo de educadores homens; abandona o traje da infância para ter sua educa- ção formal desenvolvida. Perde contato afetivo com a mãe. Continua participando dos jogos e atividades culturais da comunidade, mas não pode mais brincar com seus brinquedos da in- fância, especialmente as bonecas. Aprende a montar, caçar e atirar, e joga jogos de azar. Fonte: adaptado de ARIÈS (1981, p. 81-87). Como podemos acompa- nhar, as atividades realizadas pelo menino Luis há mais de cinco séculos mostram que as crianças dessa época participa- vam como os adultos, não tendo consideradas suas necessidades diferenciadas em função da faixa etária. Não havia preocupação de que os brinquedos fossem próprios para sua idade (por exemplo: com cores para destacar e sem peças pequenas para que as crianças, que habitual- mente levam tudo à boca, pudessem estar seguras). Em alguns casos, como o citado no quadro explicitado anterior- mente, a criança (mesmo do sexo masculino) brincava de bonecas e, não raro, tais brinquedos eram de sua mãe; não do tempo em que elas eram crianças, mas, sim, da mesma época. Havia, portanto, brinquedos de adultos, em um exemplo de que as brincadeiras eram realizadas tanto por adultos como por crianças, mas não eram somente propostas para os pequenos. É preciso destacar que as crianças utilizavam as brincadei- ras de adultos e não os adultos que brincavam de jogos com as crianças. A diferença fundamental é que as propostas eram sempre realizadas do ponto de vista do adulto, não da ótica infantil. Sobre isso, leiamos a O quadro com o relato que aqui apresentamos poderá ser observado, caso seja de interesse do leitor, no quarto capítulo do livro História social da criança e da família, de Philippe Ariès, cuja referência utilizamos nesta obra. Saiba mais Jogos, Recreação e Educação FAEL 14 afirmação de Ariès (1981, p. 91), contando um fato interessante em que um adulto era presenteado com um brinquedo de criança: Em 1571, a duquesa de Lorraine, querendo dar um presente a uma amiga que havia dado à luz, encomenda “bonecas não muito grandes e em número de até quatro ou seis, e das mais bem-vestidas que possais encontrar, para enviá-las à filha da Duquesa de Bavière, que acabou de nascer”. O presente se destinava à mãe da criança. Em muitas pinturas da época, é possível perceber que tanto as crianças participavam dos jogos e atividades dos adultos, como vimos no exemplo anterior, quanto adultos eram presenteados com brinque- dos, algo impensado atualmente em nossa sociedade. Percebemos, ainda, que a maioria das atividades lúdicas propos- tas ao menino eram atividades culturais de sua comunidade, na qual a música e as dramatizações estavam presentes desde a mais tenra idade. Nesse caso, os jogos assumem um caráter de recreação de toda uma sociedade. Nessa época e por muito tempo depois, o jogo foi considerado uma atividade “não séria”, destinada exclusivamente à recreação, prin- cipalmente por causa de sua associação aos jogos de azar, que eram bastante divulgados na época. Alguns dos jogos que envolviam pa- gamento (portanto, considerados de azar) – e que são conhecidos até hoje – eram o “vinte e um”, “par ou ímpar”, “cara ou coroa” e “trunfo”. Outros jogos da época da Idade Média, também conhecidos atualmen- te, são: bilboquê, chicote queimado, quebra-cabeça, pular o carneiro (KISHIMOTO, 2006). Com o intuito de situar o leitor com relação às brincadeiras citadas anteriormente e, principalmente, porque elas ainda são utilizadas nas sociedades modernas, segue breve explicação acerca de cada uma delas. ● Bilboquê De um modo geral, o bilboquê é um brinquedo que consiste em uma esfera de madeira, com um orifício central, presa por uma corda em uma espécie de suporte. Com o movimento das mãos, essa bola deve ser encaixada no suporte. Em alguns modelos, no lugar da esfera tem-se uma forma semelhante. Capítulo 1 Jogos, Recreação e Educação 15 ● Chicote queimado Em um grupo de participantes, um é escolhido para esconder um objeto qualquer, previamente escolhido. O grupo deve tapar os olhos ou ausentar-se da sala. A seguir, o grupo deve localizar o objeto, de acordo com as seguintes pistas: quanto mais perto uma pessoa chegar, aquele escolhido (que é o chi- cotinho queimado) vai dando pistas, dizendo “está quente” (quanto mais próximo do objeto) ou “está frio” (à medidaem que distancia-se). ● Quebra-cabeça Jogo bastante conhecido nas sociedades contemporâneas, con- siste em montar uma imagem fragmentada em vários pedaços que se encaixam. Atualmente, há vários tipos de quebra-cabe- ças, até mesmo alguns que são montados pelo computador. O leitor pode acessar o site <http://www.abic.com.br/jogos/ qcabeca_25p.html> e divertir-se em uma brincadeira que agrada crianças e adultos. ● Pular o carneiro Consiste em um jogo de percurso, no qual várias crianças (na Idade Média eram adultos), abaixadas a uma curta distância uma da outra, representam as pedras que o “carneiro” (outro participante previamente escolhido) deve pular sem esbarrar, nem cair. Você também pode jogar uma versão on-line do “pula carneiro”. Acesse o site <http://www.superdownloads. com.br/jogos-online/sheepster.html> e divirta-se. Destacamos novamente o fato das atividades lúdicas aqui descritas serem, em sua grande maioria, realizadas pelos adultos durante a Idade Média. Não havia jogos destinados às crianças, elas somente participa- vam dessas atividades, como descrito no desenvolvimento do menino Luis, porque eram consideradas aptas e capazes, como seus pais e de- mais adultos. À medida que os anos passaram, os jogos deixaram de ser comuns a todas as idades e classes sociais, como acontecia na Idade Média. Os adultos das classes sociais mais abastadas abandonaram o hábito do jogo, que permaneceu somente nas crianças; porém, nas classes menos Jogos, Recreação e Educação FAEL 16 favorecidas, o ato de jogar e participar de brincadeiras e festas da co- munidade perpetuou-se. A burguesia, no século XIX, principalmente na Inglaterra, resgatou o ato de jogar, que passou a ser chamado de “esporte”, e, assim, sobreviveu ao longo dos tempos, até as sociedades contemporâneas (ARIÈS, 1981). Seguindo a linha do tem- po iniciada com a Idade Mé- dia, chegamos ao Renascimen- to, período no qual uma nova concepção de infância des- ponta e características, como o desenvolvimento da inteligência mediante o brincar, alteram a ideia anterior de que o jogo era somente uma distração. Foi durante o Re- nascimento que o jogo serviu para divulgar princípios de moral, ética e conteúdos de áreas como história e geografia, com a premissa de que o lúdico era uma conduta livre que favorecia o desenvolvimento da inteligência, facilitando o estudo. Assim, inicia-se um processo de entendimento, por parte das socie- dades, com relação a algumas especificidades infantis, caindo por terra a concepção de que as crianças são adultos em miniatura. Nesse contex- to, o jogo infantil torna-se a forma adequada para a aprendizagem dos conteúdos escolares, sendo contrário tanto à forma verbalista (somente falada) da educação vigente no ensino quanto à palmatória, que ainda vigorava. A partir dos estudos de que a criança poderia aprender me- lhor com o uso de atividades práticas, o pedagogo deveria dar forma lúdica aos conteúdos (KISHIMOTO, 2006). ReflitaReflita Com relação à palmatória, citada no parágrafo acima, convém explicar: é uma peça de madeira, com cabo, parecida com uma escova de cabelo, usada para bater nas mãos da pessoa a ser castigada. Existiam algumas com furos no meio, com elas o impacto (e a dor) eram muito maio- res, pois o ar não amortecia o impacto. A palmatória é um exemplo de agressão a qual muitos alunos eram submetidos no ambiente escolar. Conheça alguns jogos interessantes praticados na Idade Média, acessando o site <http://www. jogos.antigos.nom.br> Saiba mais Capítulo 1 Jogos, Recreação e Educação 17 Com relação à agressão permitida na escola, principalmente devido à indisciplina, sugerimos a leitura do artigo “Palmada educa?”, disponível no site <http://www.espacoacademico.com.br/042/42lima.htm>, que trata com propriedade do assunto, nos tempos atuais. Fonte: LIMA, R. de. Palmada educa? Disponível em: <http://www. espacoacademico.com.br/042/42lima.htm>. Acesso em: 3 ago. 2010. ReflitaReflita O lúdico nas propostas de educação de crianças: o início das ideias Após a Idade Média, a percepção acerca da infância começa a alte- rar-se para um tempo que possui características próprias e específicas (e que, portanto, não se assemelha à ideia de criança em miniatura) e que, por conseguinte, requer atitudes específicas dos adultos envolvidos. De um modo geral, a ludicidade começa a aparecer como proposta para o desenvolvimento das crianças em textos de pensadores da época que colocam o brincar, a vivência de jogos e outras atividades lúdicas no rol de ações sugeridas a pais e professores de crianças menores de sete anos. Vejamos a opinião de autores que validaram o ato lúdico como elemento pertencente ao universo das crianças, devendo, na sua opi- nião, fazer parte das propostas de educação. Observe, leitor, que esses pensadores posicionaram-se contra as ideias vigentes na sua época e, portanto, nem sempre foram compreendidos naqueles contextos. Men- cionamos como exemplo Comênio, Rousseau, Pestalozzi e Froebel. Comênio (Jan Amós Komensky, 1592-1670), famoso educador do século XVII, em seu livro Didática Magna, recomenda a utilização de jogos no processo educativo; com ele inicia-se uma revolução no pensamento pedagógico moderno. Rousseau, (Jean Jacques Rousseau, 1712-1778), em seu livro Émile, sugere a utilização de uma educação baseada nas necessidades das crian- ças, o que era inconcebível para uma época em que elas não eram consi- deradas seres diferentes dos adultos. Por conta de seus estudos, as ideias Jogos, Recreação e Educação FAEL 18 de Rousseau estão fortemente presentes na educação de crian- ças ao longo de todo o mundo até hoje. Pestalozzi (Johann Heinrich Pestalozzi, 1746-1827), pedago- go suíço, destacou, no século XVIII, que a educação deveria ser um processo natural, que levasse em conta as necessidades da criança. Fröebel (Friedrich Fröebel, 1782-1852), chamado “o pai da pré-escola” por sua proposta de educação infantil em que inaugu- ra o kindergarten (jardim de infân- cia alemão), destacava a ação (e, consequentemente, o jogo) como parte da educação das crianças pequenas. É dele a ideia de que as necessidades das crianças preci- sam ser levadas em conta para que elas possam aprender; o autor destaca as funções do brinquedo e dos jogos como elementos educativos. ReflitaReflita Em muitos casos, as propostas dos autores relacionados neste livro po- dem não causar surpresa ao leitor, visto que atualmente as suas ideias estão amplamente divulgadas e, portanto, presentes nas filosofias e métodos de muitas escolas de nossa sociedade. O que propomos, en- quanto reflexão, é o fato dessas pessoas terem tido as suas ideias, fruto de pesquisas e dedicação, em um tempo em que não havia material teó- rico que pudesse ajudá-las. Por esse motivo, refletimos acerca do inedi- tismo das ideias. Teria sido fácil propor o “diferente” naquela época? E nos dias atuais, como seria propor algo diferente no universo escolar? ReflitaReflita Quer conhecer um pouco mais sobre os escri- tos de Rousseau? Acesse o site <http://www. bancodeescola.com/emilio.htm> e leia um tex- to escrito por ele (com linguagem de época). É uma boa forma de conhecer o autor. Saiba mais Por sua relevância para a Educação Infantil, Froebel é um dos autores mais respeitados quando falamos em educação da primeira infância. Para conhecer mais sobre sua vida e obra, acesse o site <http://educarparacrescer. abril.com.br/aprendizagem/friedrich-froebel- 307910.shtml>. Saiba mais Capítulo 1 Jogos, Recreação e Educação 19 As ideias desses pensadores, divulgadas na sua época e difundidas em épocas posteriores, ajudaram a mudar a configuração daquilo que se conhecia como infância; consequentemente, o atendimento às crianças também foi alterado. É importante considerarmos dois dos maiores expoentes da psico- logia, autores de teorias acerca do desenvolvimento, com larga influên- cia sobre as escolas (incluindo asinstituições brasileiras). São eles Jean Piaget e Lev Semenovich Vygotsky. Sobre esses dois respeitados autores da psicologia, que possuem muito respaldo nos bancos acadêmicos, seus estudos e propostas com relação aos jogos presentes no ambiente escolar, estudaremos nos capítulos posteriores. Da teoria para a prática No site <http://www.topgameskids.com.br/video-view/188-aula+ de+como+fazer+umbilboque.html> é possível assistir a um vídeo que ensina a confeccionar um bilboquê, brinquedo apresentado neste ca- pítulo. Sugerimos que o professor realize esta atividade com os alunos, assistindo ao vídeo e fazendo o material em conjunto com eles, desta- cando a época em que tal brinquedo surgiu. TOP GAMES KIDS. Cambalhota reciclagem – fazendo um bilbo- quê com material reciclável. Disponível em: <http://www.topgameski- ds.com.br/video-view/188-aula+de+como+fazer+umbilboque.html>. Acesso em: 3 ago. 2010. Síntese Neste primeiro capítulo, pretendemos situar historicamente o lei- tor com relação às ideias pedagógicas acerca do uso de jogos na edu- cação. Por meio do histórico da ludicidade, contado a partir da Idade Média, percebemos que os jogos, inicialmente, faziam parte do contex- to familiar (não escolar) e destinavam-se a adultos, podendo as crianças Jogos, Recreação e Educação FAEL 20 dele participar, em grande parte por serem consideradas aptas como adultos, chamadas, por isso, de “adultos em miniatura”. À medida que a concepção da infância vai se alterando no senti- do de compreendê-la como um tempo da vida que requer cuidados e apresenta necessidades específicas, principalmente devido a trabalhos de autores da época, as atividades lúdicas começam a ser consideradas elementos importantes na educação de crianças. 21 Como destacamos no capítulo anterior, as atividades lúdicas (jogos e brincadeiras) foram, durante séculos, atividades adultas que contavam com a participação infantil. De certa forma, ao realizar as brincadeiras de seu tempo, os adultos e crianças de cada comunidade estavam aprofundando-se na cultura que permeava sua sociedade, um caminho para a compreensão do mundo em que viviam. Atualmente, as atividades lúdicas, mesmo não sendo exclusividade dos adultos, também correspondem ao papel de prática cultural e com- preensão do mundo. Este capítulo convida o leitor a aprofundar seus conhecimentos na forma lúdica de perpetuar saberes, crenças e rituais, e, assim, perceber o lúdico relacionado com a cultura, como elemento importante no processo de compreensão de mundo. Lúdico como prática cultural e compreensão de mundo O ato de jogar é reconhecido por muitos autores como tão antigo quanto o próprio homem e que, ao longo dos tempos, foi sendo concei- tuado e reconceituado, de acordo com a época e as concepções vigentes (BROUGÈRE, 2000). A cada tempo histórico, a construção social dos jogos e brinca- deiras foi se formando. Primeiro (possuindo como recorte histórico a Idade Média), como uma atividade unicamente adulta, depois, com a liberação dessas atividades também para outras crianças, posteriormen- te, pela divisão entre esporte (para adultos) e brincadeiras para crianças, Lúdico: prática cultural e compreensão do mundo 2 Jogos, Recreação e Educação FAEL 22 e, finalmente, nas sociedades mais contemporâneas, o brincar como um ato infantil. Independente do tempo histórico, o ato de brincar possibilita uma ordenação da realidade, uma oportunidade de lidar com regras e mani- festações culturais, além de lidar com o outro, seus anseios, experimen- tando sensações de perda e vitória. Winnicott (1975), Piaget (1978), Vygotsky (1991) e Huizinga (1992) caracterizaram as atividades lúdicas como experiências culturais que possibilitam maior compreensão do mundo. A seguir, explicitamos um pouco do pensamento de cada autor sobre esse assunto, de forma a oferecer ao leitor uma visão ampla a respeito. ● Winnicott (Donald Woods Winnicott, 1896-1971) O autor relaciona a experiência criativa com o brincar, colo- cando o elemento lúdico como facilitador de relacionamen- tos e forma de comunicação. Winnicott (1975, p. 79) afirma que “é a brincadeira que é universal e que é própria da saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação”. É fato que o autor, por ser psicote- rapeuta, muitas vezes usa seu argumento para justificar o uso do brincar nas diversas formas terapêuticas; contudo, fizemos questão de apresentá-lo ao leitor, como forma de percepção de que o ato de brincar não é somente parte do contexto educacional, é parte do universo das pessoas como um todo, especialmente das crianças, atuando, também, como destaca Winnicott, enquanto fortalecedor do próprio viver. O autor desvela a forma como as crianças pequenas brincam: É útil pensar na preocupação que caracteriza o brincar de uma criança pequena. O conteúdo não importa. O que importa é o estado quase de alheamento, aparentado à concentração das crianças mais velhas e dos adultos. A criança que brinca habita uma área que não pode ser facilmente abandonada, nem tampouco admite facilmente intrusões (WINNICOTT, 1975, p. 76). Capítulo 2 Jogos, Recreação e Educação 23 ReflitaReflita A consideração de Winnicott sobre a concentração da criança quan- do brinca, que se torna alheia a tudo que está à sua volta, é bastante conhecida dos profissionais que trabalham com a Educação Infantil. Muitas vezes, a criança está tão submersa na brincadeira que tem difi- culdade de desvincular-se dela ou de permitir que um coleguinha dela faça parte. Ao professor, cabe reconhecer que o brincar, nesse momento, é uma expressão do viver dessa criança. Ali, ela vivencia conflitos, alegrias e medos. Por isso, em algumas vezes, deixar uma criança brincando sozi- nha (não no sentido de estar só no ambiente, mas de estar brincando sem colegas) em algum espaço da sala de aula é fundamental para que ela exercite seu próprio viver. ReflitaReflita Winnicott, ao longo de toda sua obra, destaca o brincar como uma forma de experimentar vivências, de conhecer o mundo. Ele afirma que “a característica principal do brincar é a de uma experiên cia criativa, uma experiência na continuidade, uma for- ma básica de viver” (WINNICOTT, 1975, p. 75). O autor ain- da destaca que o brincar é, por si só, uma terapia e que, em mui- tos momentos, pode ser positiva ou não. Ele ainda orienta que as pessoas responsáveis por crianças estejam em alguns momentos disponíveis para brincar com elas, como parte do seu mundo, porém, é importante que os adultos não se intrometam sempre nas brincadeiras infantis, sob pena de que a expressão criativa do brinquedo seja parte do mundo adulto e não do infantil. ● Piaget (Jean Piaget, 1896-1980) Para Piaget, os jogos são essenciais no desenvolvimento da criança, pois permitem que ela se expresse livremente, pelo pra- zer que sente, e, assim, demonstra o estágio em que se encontra cognitivamente. Uma característica do brincar, para esse autor, é o fato de que o brinquedo e a experiência da brincadeira Jogos, Recreação e Educação FAEL 24 não dependem do brinquedo em si, mas, sim, da função que a criança atribuiu àquele elemento no contexto da brincadei- ra (KISHIMOTO, 2006). Piaget chama essa etapa, que será abordada no quarto capítulo deste livro, de jogo simbólico. O autor destaca que, ao brincar, a criança faz uma assimilação do mundo, de acordo com suas ideias, sem ter compromisso com a realidade. A interação da criança com o objeto, nesse contexto entendido por Piaget como o próprio brincar ou o brinquedo, é ressaltada como forma da criança elaborar seus conhecimentos. Para Piaget (1978), portanto, ao brincar, a criança utiliza suas estruturas cognitivas e coloca em prática ações que estimulam sua aquisição de conhecimentos. O jogo, para esse autor, não deve ser visto como divertimen- to ou brincadeira para umsimples desgaste de energia. Para Piaget, a seriedade do jogo (ou do brincar) reside no fato de que ele favorece o desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo, social e moral da criança, desde a mais tenra idade. Assim, o brincar possibilita que a criança compare, experimente, vi- vencie, estabeleça relações lógicas, faça estimativas e desenvol- va suas percepções. Jogo e brincadeira, para Jean Piaget, são excelentes formas de conhecer o mundo e entrar em contato com elementos de sua cultura. ● Vygotsky (Lev Semenovich Vygotsky, 1896 -1934) Vygotsky preconiza em sua teoria a importância das relações sociais para o desenvolvimento dos indivíduos e, nesse contex- to, destaca que a brincadeira pode ter caráter fundamental. Ao brincar, a criança elabora situações que vivencia na reali- dade, mas engana-se o leitor se imagina que o ato de brincar é, na visão desse autor, simples reedição da vida real. Vygotsky explica que, ao brincar, a criança interpreta as ações dos adul- tos, projetando-se no mundo deles, assumindo um comporta- mento e desempenhando papéis que nem sempre são infantis. O autor também destaca que, ao brincar, a criança altera a dinâmica da vida real, pois não reproduz o jogo da mesma f orma em que a situação foi vivenciada. Segundo o autor, o Capítulo 2 Jogos, Recreação e Educação 25 “jogo da criança não é uma recordação simples do vivido, mas sim a transformação criadora das impressões para a formação de uma nova realidade que responda às exigências e inclinações da própria criança” (VYGOTSKY, 1998, p. 12). Vygotsky destaca que a zona de desenvolvimento proximal (pon- to forte na sua teoria) pode ser formada pela brincadeira, levando em consideração que a criança, quando brinca, relaciona-se com a fun- ção que denota aquele objeto e não mais com ele propriamente. Por exemplo: se uma criança está brincando que determinada cai- xinha de papelão é um carro, está realmente considerando que é, deixando de “ver” a cai- xinha como elemento diferente de um carro. Tal objeto passa a ser um carro, pois teve esse valor atribuído, e assim será enquanto durar a brincadeira. Em uma análise sobre essa função atribuída, podemos conside- rar que a criança, pelo brincar, passou de ações concretas com objetos para destinar aos objetos outros significados, avançan- do em direção ao pensamento abstrato. Brincar, portanto, nas ideias e estudos de Vygotsky, auxilia a criança a amadurecer. Segundo o autor, a brincadeira é definida pela situação imaginária da criança e, por isso, altera-se de acordo com a sua idade. Como nem sempre os pequenos conseguem satisfazer todos os seus de- sejos no mundo real, utilizam a brincadeira como um mundo ilusório (quando a criança é a mãe na brincadeira, por exemplo). O brinquedo desempenha importante papel no desenvolvi- mento de habilidades verbais da criança, já que, por meio Vygotsky (1991) destaca que é preciso conside- rar dois níveis de desenvolvimento: o real e o potencial. O primeiro refere-se àquela aprendi- zagem que já se tornou conhecimento, aquilo que a pessoa já sabe (tocar piano, pentear o cabelo, andar de bicicleta). É aquilo que as crianças já sabem fazer sozinhas, de forma in- dependente (cortar com tesoura, por exemplo). O segundo nível refere-se ao que a criança ainda não consegue fazer sozinha, mas pode realizar com a mediação de outra pessoa (que pode ser adulto ou não). Saiba mais Jogos, Recreação e Educação FAEL 26 dele, ela tanto se comunica com os outros, como tenta se co- municar com seu próprio brinquedo, desenvolvendo peque- nos diálogos. Sobre a relação brinquedos e palavras, Vygotsky (1991) faz as seguintes recomendações: No brinquedo, espontaneamente a criança usa sua ca- pacidade de separar significado de objeto sem saber o que está fazendo, da mesma forma que ela não sabe estar falando prosa e, no entanto, fala, sem prestar atenção às palavras. Dessa forma, através do brinquedo a criança atinge uma definição funcional de conceitos de objetos, e as palavras passam a se tornar parte de algo concreto (VYGOTSKY, 1991, p. 92). O brinquedo, assim como o próprio ato de brincar, propor- ciona o aprender-fazendo, o desenvolvimento da linguagem, o senso de companheirismo e a criatividade. Cabe ainda considerar que, segundo esse importante autor, toda brincadeira infantil tem uma regra. Nem sempre uma regra muito clara, mas, sim, uma que a própria criança cria. Vygotsky destaca um momento muito peculiar do uso de re- gras nas brincadeiras por parte das crianças: em um primei- ro momento predominam as regras não muito explícitas (a criança vai brincando e as regras nem sempre ficam claras ou expostas). Porém, à medida que crescem, elas tendem a deixar as regras mais claras (KISHIMOTO, 2006). Com seus estudos, Vygotsky nos deixa uma importante con- sideração sobre a importância dos jogos e brincadeiras no de- senvolvimento da criança, tanto para conhecimento do mun- do que a cerca, como prática cultural: brincar possibilita criar novas relações tanto entre situações do mundo real quanto nas imaginárias, que permitem conhecer a si mesmo e ao outro. ReflitaReflita O leitor já reparou como as crianças, por volta de quatro anos em diante, gostam de ficar combinando as regras da brincadeira? E ficam Capítulo 2 Jogos, Recreação e Educação 27 oralmente afirmando “eu sou esse”, “você falou isso” “daí eu fiz tal coi- sa”, etc. Muitas vezes, as crianças oralizam mais do que brincam. Esse é um bom exemplo do que Vygotsky afirma. Quando ficam mais velhas, as crianças precisam das regras mais claras e como muitas vezes brin- cam com outras crianças, deixam suas regras tão claras, que quase se tornam a própria brincadeira. ReflitaReflita ● Huizinga (Johan Huizinga, 1872-1945) Huizinga destaca com muita propriedade a relação entre cultura e ludicidade. Para ele, não há como considerar a ci- vilização sem perpassar a ideia de jogo, uma vez que jogar possibilita aos participantes a experimentação (das vivências), a criação (das regras, das ideias) e a transformação (do local onde se vive, do mundo). Nos estudos de Huizinga, é possível contextualizar o jogo como atividade adulta, exercida desde primórdios da humanidade. Para ele, todas as atividades humanas – e aqui estão incluídas a filosofia, as guerras, as artes, as leis e até mesmo a linguagem –, podem ser vistas como o resultado de um jogo que os homens, dentro de sua época, fizeram para ter poder, controlar e ganhar. Huizinga relaciona com muita propriedade jogo e cultura e destaca que o homem joga por sua vida toda, em parte para obter prazer. O autor conceitua jogo como: uma atividade livre, conscientemente tomada como “não sé- ria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras (HUIZINGA, 1992, p. 16). Embora sua teoria não tenha relação direta com as ativida- des escolares, é relevante o conhecimento a respeito delas Jogos, Recreação e Educação FAEL 28 para total entendimento que o ato de brincar das crianças é, em parte, sua forma de conhecer o mundo em que vive, e, em parte, é, como afirma o autor, uma representação da sua própria cultura. As ideias de Winnicott (1975), Piaget (1978), Vygotsky (1991) e Huizinga (1992) foram escolhidas para compor este capítulo de forma a situar o leitor acerca das ideias de diferentes autores sobre a re- lação do jogo (incluindo o ato de brincar) com a cultura e co- nhecimento do mundo. Como demonstrado, pela perspectiva de cada autor, o campo de estudos dessa área é ampla e mistura-se nas mais diferentes áreas do saber: psicolo- gia, sociologia, história, entre outras. Desafiamos o leitor a bus- car conhecer cada vez mais sobre esse assunto, considerandoa sua amplitude e importância no desenvolvimento das crianças que se pretende educar. Da teoria para a prática Propomos que um professor tente interromper a brincadeira de uma criança, com todo cuidado, como prega Winnicott. É necessá- rio levar em conta que ela está concentrada porque realmente acre- dita no que vive no mundo real. Por isso, o docente deve colocar-se aos poucos na brincadeira, pedindo permissão, perguntando sobre que papel deve desempenhar. Após ser aceito, deve participar da brincadeira e aos poucos penetrar no mundo infantil, sob a ótica das crianças. O professor deve ter cuidado quando desejar inserir uma crian- ça em uma brincadeira já estabelecida. Nem sempre ela é bem aceita, Merece destaque, também, o trabalho de Huizinga (1992). Mesmo escrito há tanto tem- po (sua primeira versão data de 1938), ainda é referenciado pela qualidade do estudo que fez sobre o lúdico e as manifestações culturais. O livro encontra-se citado nas referências. Saiba mais Capítulo 2 Jogos, Recreação e Educação 29 em função dos papéis já estarem definidos. Portanto, sugerimos que no momento de integração de uma criança na brincadeira de outra, o professor posicione-se com respeito, peça permissão e vá auxiliando a criança que chega a estabelecer-se nos grupos já formados. Síntese Procuramos, neste capítulo, oferecer fundamentação teórica para que o leitor familiarize-se com o ponto de vista de alguns autores acer- ca da ludicidade e seus elementos (brinquedos, jogos e brincadeiras). Winnicott (1975), Piaget (1978), Vygotsky (1991) e Huizinga (1992) foram os autores destacados, devido à sua enorme relevância para o tema, de forma a possibilitar a compreensão, por parte do leitor, de que o lúdico é tanto fruto de uma cultura, como elemento importante no processo de compreensão de mundo e construção de significados de cada pessoa. 31 São muitas as referências ao uso dos jogos e brincadeiras e à utilização de brinquedos nas salas de Educação Infantil brasileiras. Ao longo dos anos, as práticas na educação de crianças pequenas são cada vez mais permeadas de atividades lúdicas. Pretendemos destacar neste capítulo a necessidade do professor da Educação Infantil conhecer algumas classificações às quais pertencem as atividades lúdicas, de modo que possa utilizá-las com mais critério na sua docência. Brincadeiras, brinquedos e jogos Ao longo dos tempos, convencionou-se chamar os jogos, as brin- cadeiras e a utilização de brinquedos na educação como atividade lú- dica. Embora essa terminologia seja usada como sinônimo nos meios escolares, alguns autores estabelecem diferenciação entre cada um des- ses elementos. Brincadeiras Ao buscarmos o conceito de “brincadeira” no dicionário Michaelis, encontramos a definição “ação de brincar, brinquedo, folgança”. Com essas palavras, já é possível compreendermos a vinculação da brincadei- ra com o lúdico. A brincadeira desenvolve a motricidade, permite experiências de afe- to, além de funcionar como estímulo para a linguagem e outras funções cognitivas. Sob o ponto de vista do desenvolvimento infantil, o ato de Classificação dos jogos 3 Jogos, Recreação e Educação FAEL 32 brincar contribui para o processo de apropriação de conhecimentos. Ao brincar, a criança conhece propriedades dos objetos, ao mesmo tempo em que consegue se colocar na posição do outro (OLIVEIRA, 2007). Muito usada nos meios educativos, principalmente na Educação Infantil, a brincadeira não tem somente uma função didática. Muitos autores ressaltam que o ato de brincar é uma forma de a criança crescer, lidar com conflitos. Pode até mesmo ser considerada um meio de estu- dar a criança e perceber seus comportamentos (KISHIMOTO, 2006). Para Vygotsky (1991), que destaca a importância das relações en- tre as pessoas como elementos de aprendizagem e desenvolvimento da linguagem, a brincadeira tem um caráter importantíssimo. O autor destaca que o ato de brincar é especialmente relevante na faixa etária da Educação Infantil (0-5 anos), no que diz respeito à descoberta de regras, desenvolvimento da imaginação e da linguagem infantil. Winnicott (1975) também ressalta a importância do brincar no desenvolvimento da criança, especialmente com relação à habilidade de comunicação infantil. Ele afirma que: A brincadeira é a melhor maneira da criança comunicar-se, ou seja, um instrumento que ela possui para relacionar-se com outras crianças. Brincando, a criança aprende sobre o mundo que a cerca e tem a oportunidade de procurar a melhor forma de integrar-se a esse mundo que já encontra pronto ao nascer (WINNICOTT, 1975, p. 78). A brincadeira, como destaca o autor, é uma forma da criança en- trar em contato com o mundo, desde bem pequena; de criar, inventar e interagir com outras crianças e pessoas de seu relacionamento. A seguir, elencamos alguns tipos de brincadeiras presentes na Edu- cação Infantil: as tradicionais infantis, as que envolvem faz de conta e as de construção (KISHIMOTO, 2006). ● Brincadeiras tradicionais infantis Relacionadas ao folclore, uma das características dessas brin- cadeiras é a oralidade; são repassadas de geração em geração e, por esse motivo, nem sempre permanecem iguais. Como objetivos, podemos considerar a perpetuação da cultura, o de- senvolvimento de formas de convivência social e aquilo que é inerente a todas as crianças: o prazer de brincar. Capítulo 3 Jogos, Recreação e Educação 33 ● Brincadeiras de faz de conta É o tipo de brincadeira que mais evidencia a situação imagi- nária; surge com o aparecimento da linguagem, por volta dos 2 a 3 anos da criança. A criança retoma seus conhecimentos e vivências e, brincando, vai organizando seu pensamento e aprendendo sobre as coisas do seu mundo. ● Brincadeiras de construção As possibilidades de construção e reconstrução oferecidas por blocos de empilhar e encaixe oportunizam para a criança construir cenários para as brincadeiras de faz de conta. Cons- truindo, transformando e destruindo a criança vai exercitan- do sua imaginação. Brinquedos Das cinco definições para o verbete “brinquedo” no dicionário Mi- chaelis destacam-se “Objeto feito para divertimento de crianças. Diverti- mento entre crianças. Brincadeira”. Como o leitor pode perceber, quan- do a palavra brinquedo traz como significado a brincadeira, ressalta-se a proximidade dos conceitos que ilustram a ludicidade. Porém, segundo Kishimoto (2002, p. 7), brinquedo é o objeto, suporte de brincadeira. O brinquedo é de grande importância para o desenvolvimento infantil, uma vez que oferece a possibilidade de novas relações entre situações que podem estar no pensamento ou na realidade das crianças. Para muitos educadores, o brinquedo não é apenas um objeto, pois possibilita que a criança se transporte para um mundo imaginário, funcionando como um suporte para as brincadeiras. Podemos imagi- nar, por exemplo, uma criança brincando de casinha com uma casa de bonecas em que possa interagir com as peças e partes da residência. À medida que brinca, dá função para os objetos (brinquedos), que “su- portam” (no sentido de alicerçar) a brincadeira, pois ela gira em torno da casa de brinquedos. Um dos educadores que defende o uso do brinquedo como su- porte de brincadeira, é Vygotsky (1991, p. 92), que destaca, ainda, a relação do brinquedo com o desenvolvimento da linguagem. Jogos, Recreação e Educação FAEL 34 No brinquedo, espontaneamente a criança usa sua capacidade de separar significado de objeto sem saber o que está fazendo, da mesma forma que ela não sabe estar falando prosa e, no entanto, fala, sem prestar atenção às palavras. Dessa forma, através do brinquedo a criança atinge uma definição funcional de conceitos de objetos, e as palavras passam a se tornar parte de algo concreto. Jogos O conceito de “jogos” comumente encontrado no dicionário Michaelis e o que mais se relaciona com as atividades escolares, foco deste livro, é o queindica o jogo como “divertimento ou exercício de crianças, em que elas fazem prova da sua habilidade, destreza ou astúcia”. Também é possível encontrar a definição de jogo como “brincadeira, divertimento, folguedo”. Em uma análise do conceito de jogo, percebemos que ele está ligado à di- versão, a movimentos e, também, ao pensamento. Etimologicamente, a pala- vra jogo vem de jocu, substanti- vo que significa gracejo. Como percebido, denota divertimen- to, passatempo com regras que devem ser respeitadas. Pode ser considerada uma metáfora da vida, pois envolve manobras, os- cilação, balanço, entre outras si- tuações que se fazem presentes na vida real (ANTUNES, 2002). ReflitaReflita Celso Antunes, em seu livro Jogos para estimulação das múltiplas inteligências (nas referências deste livro), menciona o jogo uma me- táfora da vida. O autor toma o cuidado de ressaltar que, na escola, não devemos considerar o jogo como elemento de competição entre as pessoas, como muitas vezes acontece na vida real, mas, sim, como um desafio de viver, uma forma de utilizar a parte cognitiva, planejar estratégias e, consequentemente, desenvolver-se. Para conhecer a história de alguns brinque- dos e, talvez, rever alguns que fizeram parte da infância do leitor, sugerimos a leitura da obra A história do brinquedo para as crianças conhecerem e os adultos se lembrarem, de Cristina Von, e a visita ao site <http://www. arcadovelho.com.br/Brinquedos%20Antigos/ Brinquedos%20Antigos/Brinquedos%20de%20 outros%20Natais.htm>. Saiba mais Capítulo 3 Jogos, Recreação e Educação 35 Assim deve ser na Educação Infantil: o professor deve ter o máximo cuidado para não tornar a prática de jogo na escola uma competição. Embora saudável em outras faixas etárias, a competição não o é em crianças pequenas e, em alguns casos, pode ter efeito contrário. Ao competir com algum colega, a criança pode desestimular-se. Assim, jo- gos de competição devem ser usados com muita parcimônia na educa- ção de crianças de 0 a 5 anos. ReflitaReflita Segundo Araújo (1992, p. 64), “jogo é uma atividade espontânea e desinteressada, admitindo uma regra livremente escolhida, que deve ser observada, ou um obstáculo deliberadamente estabelecido, que deve ser superado”. Assim, o jogo, ao mesmo tempo em que pressupõe liberdade de ação, necessita ter finalidade para vencer os obstáculos que se interpõem no contexto. Para Vygotsky (1991), dois elementos são importantes na relação da criança com os jogos: as regras e a situação imaginária que eles represen- tam. Quanto às regras, o autor destaca, além da própria necessidade da criança seguir normas, adaptar-se a elas e ter encontros com sua própria cultura (pois o que é permitido em um jogo em algum local pode não ser permitido em outro), o respeito a algo que foi “combinado” antes do jogo começar (algo que não é muito fácil as crianças da Educação Infantil seguirem e, justamente por isso, fundamental na sua formação). A situação imaginária que os jogos proporcionam, segundo Vygotsky, força a criança a encontrar respostas para aquilo que vivencia. Nesse momento, ela utiliza o jogo não somente como uma representa- ção do que viveu, mas uma vivência única. Kishimoto (2006) colabora com essa reflexão quando destaca que o jogo, para as crianças, tem um fim em si mesmo, não visa a um re- sultado final. O que importa para a criança que brinca (joga) é o ato da diversão em si, não a aquisição de conhecimento nem o desenvolvi- mento de qualquer habilidade. Segundo Rizzi e Haydt (1994), seis aspectos caracterizam os diver- sos tipos de jogos: Jogos, Recreação e Educação FAEL 36 1. A capacidade de absorver o participante de maneira intensa e total. 2. A predominância da atmosfera da espontaneidade. 3. A limitação de tempo que destaca a necessidade dos participantes movimentarem-se rapidamente. 4. Possibilidade de repetição (outro aspecto temporal do jogo). 5. Limitação do espaço: todo jogo se realiza dentro de uma área pre- viamente delimitada. 6. Existência de regras. Como destacaram as autoras nos tópicos anteriores, os jogos pres- supõem espontaneidade, mas também técnica e dedicação dos parti- cipantes. Afinal, em um tempo preestabelecido, é preciso lançar mão de habilidades para que se possa chegar vitorioso ao final, e isso sem quebrar nenhuma regra previamente estabelecida. Com tantos atrati- vos, temos uma noção do porquê do jogo ser uma das atividades mais antigas realizadas pela humanidade, como vimos nos capítulos ante- riores. Jogar desafia o ser humano a romper com seus limites físicos e intelectuais, além de proporcionar uma grande diversão. Via de regra, como afirmamos no início do capítulo, as palavras jogo, brinquedo e brincadeira são usadas como sinônimos, por se apro- ximarem no quesito lúdico. Classificação dos jogos Os jogos podem ser classificados de diferentes formas, de acordo com o critério adotado pelos autores. Vários são os teóricos que se dedicaram ao estudo desses recursos lúdicos e à organização de uma classificação de jogos. Na sequência, serão apresentadas algumas clas- sificações para, posteriormente, realizarmos uma apresentação mais detalhada da classificação utilizada por Piaget, em face da sua ampla utilização na educação. Rizzi e Haydt (1994, p. 10) destacam a classificação de Claparède e Gross que dividem os jogos em duas partes, levando em conta a fun- ção de cada um. 1 Jogos e experimentação ou jogos de funções gerais: 1.1 jogos sensoriais (assobios, gritos, etc.); Capítulo 3 Jogos, Recreação e Educação 37 1.2 jogos motores (bolas, corridas, etc.); 1.3 jogos intelectuais (imaginação e curiosidade); 1.4 jogos afetivos (amor, sexo); 1.5 exercícios da vontade (sustentar uma posição difícil o máximo de tempo possível). 2 Jogos de funções especiais: jogos de luta, perseguição, cortesia, imitação, os jogos sociais e familiares Quérat (apud RIZZI; HAYDT, 1994, p. 11) é outro autor que classifica os jogos, dividindo-os em três categorias, usando como crité- rio a origem de cada um. 1 Jogos de hereditariedade (sob esta designação o autor inclui as lutas e perseguições). 2 Jogos de imitação. 3 Jogos de imaginação: 3.1 as metamorfoses de objetos; 3.2 as vivificações de brinquedos; 3.3 as criações de brinquedos imaginários; 3.4 as transformações de personagens; 3.5 a representação de histórias e contos. Observemos como as classificações sempre levam em conta a rela- ção dos jogos com o desenvolvimento do imaginário. Chamados de in- telectuais ou de imaginação, os jogos são ferramentas que possibilitam o desencadear da imaginação e do raciocínio. Os autores Stern e Bühler realizam classificações estruturais. Stern (apud RIZZI, HAYDT, 1994, p. 13) divide os jogos em indi- viduais e sociais. ● Individuais: aqueles jogos que possibilitam a conquista do corpo e das coisas, além da oferta de metamorfose, nos jogos de interpretação. ● Sociais: os jogos que abrangem imitação simples, papéis com- plementares e papéis combativos. Jogos, Recreação e Educação FAEL 38 A partir dos estudos de Stern (1993, p. 67), os jogos podem ser divididos em três categorias diferentes: 1 Jogos solitários: são aqueles em que a criança brinca sozinha, escolhe seus equipamentos e/ou brinque- dos, de acordo com critérios de utilização que lhe serão próprios. 2 Jogos paralelos: representam o conjunto de jogos com que a criança brinca à sua volta, sem, contudo, interagir. 3 Jogos cooperativos: são aqueles nos quais a criança interage com outras, trocando ideias e/ou estabele- cendo novos critérios de utilização dos brinquedos. Para Bühler (apud RIZZI; HAYDT, 1994, p. 11), os jogos são divididos em cinco classes: 1 Jogos funcionais 2 Jogos de ficção/ilusão 3 Jogos receptivos (audição de histórias, observação de imagens) 4 Jogos de construção 5 Jogos coletivos Como explicamos no início do capítulo, procuramos trazer mais de uma classificação de forma a instruir o leitor nas propostasde vá- rios autores. Existe, porém, a classificação de Jean Piaget (1978), que é comumente utilizada nos meios educacionais, sobre a qual tecemos os comentários a seguir. Piaget ressalta a importância do jogo, argumentando que a criança não tem percepção das regras, atitudes e conceitos da mesma forma que os adultos e, por isso, precisa satisfazer suas necessidades afetivas e intelectuais, assimilando o real à sua própria necessidade (e vontade). Para isso, ela utiliza o jogo. O autor classifica os jogos de acordo com o desenvolvimento cognitivo das crianças. São essas as classificações propostas por Piaget (1978): jogos de exercício, sim- bólico e de regras. Capítulo 3 Jogos, Recreação e Educação 39 ● Jogos de exercício (crianças de aproximadamente 0-1 ano): vão do nascimento até o início da linguagem. Caracterizam-se por exercícios simples de repetição (como o movimento da criança de retirar uma meia do pé, mesmo após um adulto recolocá-la. O jogo consiste justamente em retirar a meia tantas vezes quanto der prazer à criança). Outros jogos que envolvem as percep- ções (táctil, gustativa, visual ou sonora) também fazem parte dessa etapa, embora muitos deles persistam nas etapas seguin- tes. É importante considerar que, nessa etapa, as crianças não só participam do jogo de exercício para a pura diversão. ● Jogos simbólicos (2 a 7 anos): a partir dos dois anos a criança já é capaz de comunicar-se e manifesta uma grande capaci- dade de brincar de jogos simbólicos. Em linhas gerais, jogos simbólicos são aqueles que possibilitam a imitação, a imagi- nação e a ficção. Nessa etapa, o faz de conta é predominante e objetos perdem sua função habitual para ganharem con- tornos de imaginação nas mãos das crianças. Assim, escovas de cabelo viram “microfones” e as crianças cantam; cabos de vassouras viram cavalos para alguns cowboys, além do desem- penho de papéis conhecidos, como brincar de ser cantora, de ser professor, de exercer papéis familiares, como mãe, pai. O importante é considerar que o jogo simbólico possibilita que a criança satisfaça seus desejos e, muita vezes, transforme a realidade à sua maneira. ● Jogos de regras: a partir dos sete anos, até os doze aproximada- mente, as crianças sentem necessidade de que os jogos tenham regulamentação. De certa forma, o jogo de regras pressupõe que a criança deseja saber como funciona a vida em grupo, como são as relações sociais. Piaget (1978) e os demais autores citados neste capítulo ofere- cem um grande subsídio à educação de crianças quando apresentam uma classificação dos jogos; não pela característica didática, mas, sim, pelas especificidades descritas e consequente possibilidade de realização de um excelente trabalho pedagógico na utilização de jo- gos na escola. Jogos, Recreação e Educação FAEL 40 Da teoria para a prática Nas escolas, um dos momentos mais esperados por parte das crian- ças (principalmente para as menores) e de grande valia pedagógica, para os professores, é o da brincadeira. Em todas as escolas do país, a brinca- deira, em algum contexto, faz parte da realidade das crianças em sala de aula. Muitas escolas também incentivam os pais a exercitarem o brincar infantil junto com seus filhos, destacando os benefícios que a prática pode trazer, tanto ao desenvolvimento infantil, quanto para o relacio- namento entre pais e filhos. Brincar, porém, requer uma série de cuidados para garantir bem-estar e segurança aos pequenos. Acompanhe o texto a ser apresentado e verifi- que a importância da atenção dos responsáveis pelas crianças, tanto na escolha dos brinquedos, como no desenvolvimento da brincadeira. O texto a seguir é parte de um documento escrito pela Abrinq (As- sociação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos) sobre a importância do brincar. Traduz-se em dicas importantes a serem levadas em conta quando no oferecimento de brinquedos para crianças. O texto com- pleto pode ser lido no site <http://www.abrinq.com.br/documentos/ public_guia_brinquedos_brincar.pdf>. Os pais e pessoas encarregadas pelo bem-estar das crianças devem ser “experts” em segurança. Leia sempre cuidadosamente as instruções, pois assim chegará, junto com a criança, a uma brincadeira sem perigos e a uma maior durabilidade do brinquedo. Não esqueça de tirar e desfazer todas as embalagens de um brinquedo antes de dá-lo a um bebê ou a uma criança bem pequena. Observe que brinquedos para crianças de menos de 36 meses devem ser formados por peças grandes, pois podem ser levadas à boca. Assegure-se que o meio ambiente de um bebê esteja isento de perigos. Brinquedos para o berço e móbiles devem ser retirados do berço quando o bebê atinge cinco meses ou começa a se apoiar nas mãozinhas ou nos joelhos. Animais de pelúcia, chocalhos, colares de contas nunca devem ser suspensos no berço, no quadrado ou no carrinho, com cordas ou tiras. Não importa que pareçam inofensivos: sempre existe a possibilidade de se enroscarem num botão ou numa fivela da roupa ou de se enrolarem em torno das mão- zinhas, dos pés ou do pescoço. Para ter certeza de que a brincadeira vai ser Capítulo 3 Jogos, Recreação e Educação 41 divertida e sem perigo, aos pais cabe não apenas preocupar-se em escolher corretamente os brinquedos e vigiar a criança que brinca, como estimulá-la a ser responsável e, uma vez que são sua primeira propriedade, ensinar-lhe a usá-los e cuidar deles. Síntese Neste capítulo, procuramos conceituar e diferenciar os termos brinquedo, brincadeira e jogos, apresentando, também, diferentes clas- sificações, sob a ótica de autores variados, incluindo Jean Piaget, cuja teoria muito colabora para a educação de crianças de nosso país. 43 O tema desenvolvimento social é amplo e percorre etapas que se iniciam no nascimento e duram a vida toda, considerando a necessi- dade humana de socializar-se. O homem é um ser social e, ao longo de sua vida, vai estabelecendo relacionamentos e desenvolvendo-se, tam- bém, por conta da relação com outras pessoas. Este capítulo pretende enfocar o aspecto social, pela ótica dos jogos e brincadeiras, de forma a caracterizá-los não somente como elementos de recreação e educação, mas como auxiliares na formação social da criança. Jogos e brincadeiras como elementos socializadores Uma das responsabilidades da educação básica é promover a socialização entre os alunos, au- xiliando-os, dentro da sua faixa etária e potencialidades, a convi- ver com seus grupos, enfatizando aqui o grupo escolar. Indepen- dente do nível de educação, as ações pedagógicas visam, de certa maneira, promover a boa convivência social, o conhecimento do outro e o respeito pela diferença. As atividades lúdicas escolhidas pelos professores, além de oportu- nizarem diversão e aprendizado como própria função pedagógica, de- vem considerar, também, o relacionamento das pessoas envolvidas. Jogos e brincadeiras na formação da criança 4 De acordo com a Lei n. 9.394/96 (TÍTULO V “Dos níveis e das modalidades de educação e ensino”, CAPÍTULO I “Da composição dos níveis escolares”), a educação básica é formada pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Verifique a Lei no site <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Saiba mais Jogos, Recreação e Educação FAEL 44 São chamadas de agentes de socialização as pessoas ou instituições que influenciam as crianças e atuam no seu desenvolvimento. Como principais exemplos desses agentes, podemos citar: família, escola, so- ciedade em geral, meios de comunicação. Muitas vezes, a qualidade da relação familiar (primeiro grupo social a que a criança pertence) é um fator que influencia a socialização da criança na escola (quase sempre o segundo grupo social desta relação) (ARRIBAS, 2004). ReflitaReflita É necessário considerar que uma boa relação afetiva com a família é determinante e imprescindível no desenvolvimento infantil, porém, há que se conceber que a escola de Educação Infantilassume um ca- ráter bastante relevante nesse desenvolvimento, uma vez que atende crianças a partir dos quatro meses de idade (quando acaba a licença maternidade) e, não raro, passa mais tempo com elas do que seus fa- miliares. Daí a relevância de considerar também fundamentais para o desenvolvimento infantil o bom relacionamento com as pessoas da instituição escolar. ReflitaReflita Vygotsky (1998) aponta a família como o primeiro grupo social ao qual a criança pertence e ressalta que é na família que ela adquire a lin- guagem. Para o autor, a linguagem é a condição básica para o processo de socialização e, consequentemente, aquisição de cultura. A interação com o outro é a chave fundamental da teoria de Vygotsky. Ele descreve a abor- dagem sociointeracionista como aquela que considera que as interações da criança com seu meio possibilitam seu desenvolvimento intelectual. Escola e família são grupos sociais distintos e têm diferentes formas de atuação no desenvolvimento das crianças: observamos uma diferen- ça nas relações afetivas e nas relações sociais, a julgar pela quantidade de pessoas adultas e outras crianças com as quais se relacionam em cada um desses meios. Pelas diferenças que possui em relação ao grupo social família, a escola permite que a criança realize diversas aquisições sociais, como afirma Jersild (apud ARRIBAS, 2004, p. 50): Capítulo 4 Jogos, Recreação e Educação 45 1. Aumento da participação em atividades em grupo. 2. Diversificação do tipo de contatos sociais. 3. Aumento da quantidade de contatos sociais. 4. Diminuição das formas de comportamento em que são expectadores. 5. Diminuição do temor diante de estranhos. 6. Melhora nos seus hábitos sociais (escovar os dentes, arru- mar-se). [...] Destacam-se na listagem anterior dois pontos que merecem um olhar mais apurado: o item n. 4 elenca como aquisição social o fato da criança ter diminuídas as vezes em que é expectadora; esse é um fato de bastante relevância. Em casa, muitas vezes a criança torna-se expectadora das ações dos pais. Por inúmeras razões (entre as quais, a segurança da criança) as crianças nem sempre podem opinar, decidir e acabam recebendo as coisas prontas. Pode-se dizer que, da roupa que vestem à comida que comem, as crianças ficam à mercê das decisões dos pais. Isso não é ruim, pois é dever dos pais zelar pelos filhos, mas, em alguns momentos, estar na escola, socializar-se com os outros, disputar um brinquedo, escolher o tipo de suco que deseja beber, solicitar um pouquinho do lanche do coleguinha, dividir brinquedos e até mesmo chorar quando não consegue as coisas que deseja, são vivências propor- cionadas pela escola nas quais a criança precisa ser protagonista. O segundo ponto de reflexão diz respeito ao item n. 6, quando a criança apresenta uma melhora nos seus hábitos sociais. Explicamos a partir de um exemplo. O exemplo de Nicole Nicole é uma saudável garotinha de um ano e cinco meses. Filha única, muito amada e paparicada pelos pais, acaba de iniciar suas atividades escolares, du- rante meio período, em uma escola de Educação Infantil. Ocorre que Nicole sempre teve seus desejos atendidos pelos pais. Não precisava falar, nem expres- sar-se verbalmente, era como se a mãe já adivinhasse seus desejos; para o pai, o choro da pequena representava sofrimento do qual ele queria poupá-la. Jogos, Recreação e Educação FAEL 46 Nicole cresceu e agora está sendo protagonista de seu desenvolvimento, pois lhe é dada determinada autonomia na escola. Ela pode, por exemplo, iniciar suas tentativas de comer sozinha e pentear o cabelo. Também é solicitado a ela que experimente usar o guardanapo sozinha após a refeição, bem como que exercite a habilidade de escovar os dentes. Não está sendo fácil (em parte pelo hábito de ser sempre dependente), mas a pequena está gostando de arriscar mais. As ações de autonomia da escola melhoraram os hábitos de Nicole também em casa e isso está proporcionando uma revolução nos conceitos de seus pais. Quer comer sozinha e insiste em segurar as escovas de dente e de cabelo. Nicole agora está ensinando a eles as muitas coisas que uma criança aprende na escola e pode reproduzir em casa. É fundamental, nesse raciocínio, compreender que o processo de so- cialização não é unidirecional (a pessoa sofre influência de quem está à sua volta). Na verdade, é bilateral, pois envolve influências múltiplas na integração entre o participante e as demais pessoas à sua volta. Crianças influenciam-se com outras crianças e com os adultos de sua convivência. Faz-se necessário, nesse momento, destacarmos as interações de crianças com outras crianças, o que Arribas (2004) chamou de grupo de iguais. Para a autora, esse tipo de interação é um dos aspectos essen- ciais na socialização de crianças. Tais contatos são observados a partir de um ano de idade; anteriormente, as limitações motoras que impedem os deslocamentos da criança causam restrição nas interações com outras crianças e as limitam a contatos esporádicos. Contatos mais prolonga- dos (e, mesmo assim, curtos, pelo grau de interesse) ocorrem somente a partir dos três anos. A presença de adultos no grupo de crianças, bem como a de determinados objetos, pode modificar a interação da turmi- nha (ARRIBAS, 2004). Outro tópico que merece destaque é o fato de que os professo- res não só influenciam a formação social e emocional de seus alunos, como também são influenciados por eles, em uma interação dinâmica (ARRIBAS, 2004). Os professores de crianças, via de regra, conseguem contar exemplos de alunos que marcaram sua trajetória profissional, muitas vezes porque determinaram mudanças nas suas condutas. Capítulo 4 Jogos, Recreação e Educação 47 Nesse contexto de interação apresentam-se as propostas de jogos e brincadeiras que desafiam a criança, pois pressupõem uma relação social que pode ajudar na formação de atitudes sociais, como: respeito, solida- riedade, cooperação, obediência a regras, senso de responsabilidade, ini- ciativa pessoal e grupal. O jogo, portanto, possibilita que a criança apren- da o valor do grupo como força integradora (RIZZI; HAYDT, 1994). Como colocado no capítulo anterior, as idades infantis e suas ca- racterísticas devem ser levadas em conta quando o professor vai esco- lher jogos para a educação de suas crianças. Via de regra, a criança de até seis anos (principalmente a partir dos quatro) só consegue seguir regras simples e não é incomum que não consiga lembrar de todas as regras de um jogo. Geralmente, a criança dessa faixa etária joga pelo prazer de jogar, pois ainda não tem consciência do que seja ganhar ou perder (RIZZI; HAYDT, 1994). Dos 7 aos 12 anos, impera a coletividade em detrimento do indi- vidualismo. A criança gosta de jogos coletivos com regras estabelecidas e, não raro, controla seus colegas e professores para ver se as regras estão sendo seguidas. Quando se depara com o não seguimento das regras, surgem acaloradas discussões. Nesse momento, o professor precisa aju- dar a criança a compreender e aceitar derrotas e vitórias, sem que isso envolva ridicularização. É fundamental que o docente assuma seu papel e prepare a criança para que respeite e considere seu adversário (RIZZI; HAYDT, 1994). Cooperar para conviver melhor Entre os muitos tipos de jogos que podem auxiliar na interação social dos alunos, destacamos os jogos cooperativos. Conhecidos como os jogos cujo objetivo principal é “criar oportunidades para o aprendizado coope- rativo e a interação cooperativa prazerosa” (ORLICK, 1989, p. 123), eles partem da ideia de que a ajuda mútua é necessária para o alcance do êxito. Podem ser divididos em quatro categorias (ORLICK, 1989): 1. sem perdedores – são aqueles jogos em que não há ganhadores e todos jogam juntos. 2. de resultado coletivo – mesmo com uma divisão de equipes, os jogos só chegam ao seu final e têm objetivo cumprido com a par- ticipação de todos jogando juntos. Jogos, Recreação e EducaçãoFAEL 48 3. de inversão – nesse caso, até existem equipes e competição, mas as formações dessas equipes não são fixas, de forma que, ao cir- cular os participantes, todos tornam-se parte dos times vencedo- res e perdedores. 4. semicooperativos – as regras dos jogos são alteradas para auxiliar pessoas que quase nunca participam das atividades por falta de habilidade no próprio jogo ou inabilidade social/emocional. A categorização proposta pelo autor pode funcionar como guia para novas ideias nas escolas brasileiras. Muitos professores criam jogos e brincadeiras para seus alunos e podem otimizar seu trabalho, levando em conta as questões propostas anteriormente. Observemos que, em alguns momentos, os jogos cooperativos podem estar relacionados a alguma competição (considerando uma competição saudável, que pro- mova a motivação), mas sempre na perspectiva de colaboração de várias partes envolvidas para se chegar a algum fim. Na visão de Soler (2002), a utilização dos jogos cooperativos na es- cola deve ser considerada uma semente de ética que vai florescer transcen- dendo os muros da escola (e também dando resultado dentro dela). Para ele, o ambiente criado pela cooperação desenvolve muitas habilidades nos participantes, dentre as quais: imaginar, perguntar, concentrar, decidir e adivinhar (habilidades intelectuais); encorajar, explicar, entender, retribuir e ajudar (habilidades interpessoais); respeito, apreciação, paciência, positi- vismo e apoio (habilidades na relação com os outros); falar, ouvir, observar, coordenar e escrever (habilidades físicas) e algumas habilidades pessoais, como alegria, compreensão, discriminação, entusiasmo e sinceridade. Para que as habilidades sejam desenvolvidas e os jogos cooperati- vos possam realmente oportunizar uma cooperação mútua, talvez seja necessário que o professor altere sua conduta em determinadas situa- ções. Ao ter consciência do valor educativo das situações coletivas, os professores (ARRIBAS, 2002, p. 143) • Devem promover a máxima participação de seus alunos, excluindo as atividades nas quais uma criança realiza um determinado movimento e as outras observam, esperando (não tão pacientemente) sua vez. • Não devem contentar-se com propostas que levem as crianças a atuar uma ao lado da outra, mas uma com a outra, em interação [...]. Capítulo 4 Jogos, Recreação e Educação 49 ReflitaReflita Quando Arribas (2002, p. 143) orienta que as atividades lúdicas de- vem comportar a máxima participação dos alunos, destaca-se um fato bastante corriqueiro em muitas escolas brasileiras: o professor oferece atividades para as crianças e, ao organizá-las em fila para a a sua rea- lização, faz com que permaneçam por muito tempo ociosas (e baru- lhentas). Não estamos, nesse momento, propondo que os professores deixem de oferecer atividades lúdicas, mas que ofereçam algumas que possam ser realizadas em grupo, cooperativamente, ou, ainda, que di- vidam os alunos em dois ou mais grupos, para diminuir o tempo de espera da criança na atividade. ReflitaReflita Ao propor na escola o trabalho com jogos cooperativos, como forma de socialização das crianças, é preciso que o professor retome alguns procedimentos, como sugere Arribas (2002, p. 144). O leitor encontrará quatro sugestões numeradas e, logo após cada uma delas, um comentário que julgamos pertinente. 1. “Não será tão importante organizar muito bem as crianças e dis- tribuí-las perfeitamente no espaço para que todas possam traba- lhar ao mesmo tempo, como propor-lhes tarefas nas quais tenham de analisar a situação, refletir sobre ela, tomar decisões que afetam o conjunto.” Nessa sugestão a autora esbarra em uma situação muito comum no cotidiano de professores quando no trabalho com jogos: a ne- cessidade de “arrumar” os alunos, valorizando a distribuição espa- cial em detrimento da própria participação nos jogos. Muitas ve- zes, o professor altera-se emocionalmente quando os alunos estão desarrumados (fora da fila ou do espaço predestinado); o que se propõe não é a anarquia, mas uma revisão de pensamento. Mais importante que as filas estarem arrumadas ou seus alunos correta- mente dispostos, é o fato do jogo desencadear reflexões, análises Jogos, Recreação e Educação FAEL 50 e práticas em conjunto, mesmo que não de forma organizada, na visão do professor. 2. “Será necessário respeitar a comunicação verbal entre as crianças, de forma que possam estabelecer acordos, mesmo que isso tome tempo da prática.” Crianças querem conversar. E, em algumas vezes, precisam da lin- guagem para organizar suas ações. Portanto, cabe aos professores proporcionarem um ambiente em que as próprias crianças possam discutir suas regras. Nessa ponderação, a autora chama a atenção para a necessidade do professor respeitar as comunicações entre as crianças, e isso começa com a permissão para que elas mesmas elen- quem as regras naquele momento. 3. “As tarefas apresentadas devem ter uma certa dificuldade, o que levará as crianças a valorizar o trabalho conjunto.” Há uma máxima na educação que aponta que as atividades infantis não devem ser tão fáceis que a criança realize muito rapidamente, nem tão difíceis que a criança se sinta desmotivada e desista depois de tempo de tentativa. Nesse caso, ela se aplica perfeitamente. Ao incluir certo grau de dificuldade nas propostas de jogos e brinca- deiras oferecidas aos seus alunos, o professor estará desafiando-os a buscarem seus limites (e por que não dizer ultrapassarem-no?), além de deixar a atividade bem mais atrativa. 4. “Os jogos coletivos talvez representem o instrumento mais espe- cífico da educação da cooperação. Contudo, ao propormos jogos para crianças da Educação Infantil, temos de levar em conta as características de organização espacial dessa faixa etária, assim como a dificuldade que podem encontrar em estabelecer estraté- gias de jogos.” Aqui, a autora faz uma recomendação para professores sobre a im- portância das ações envolvendo a coletividade, para que se trabalhe com a cooperação. Destaca, porém, a importância de se levar em conta a idade das crianças, bem como suas características, para que possa conhecer de antemão quais as possíveis dificuldades dos pe- quenos na resolução das atividades propostas e, assim, decidir por alterar as propostas ou desafiar seus alunos. Capítulo 4 Jogos, Recreação e Educação 51 A utilização de jogos como elementos que ajudam na socializa- ção da criança é uma excelente possibilidade de aprender brincando. A aprendizagem aqui citada não está nos conteúdos escolares (embo- ra isso também possa acontecer) e, sim, no aprender a ser. Tomando por base os quatro pilares da educação para o século XXI, propostos no relatório de Jacques Delors à Unesco (United Nations Education Science and Culture Organization – União das Nações para a Educa- ção, Ciência e Cultura), que são “Aprender a ser”, “Aprender a con- viver”, “Aprender a fazer”, “Aprender a aprender”, percebemos pelo discorrido nesse capítulo que os jogos são ferramentas únicas com po- tencial para essas aprendizagens. Cabe a cada professor, muito mais do que acreditar, realizar. Da teoria para a prática Sugerimos uma atividade de jogos cooperativos para ser desenvolvi- da com crianças do 3º ano em diante. A atividade chama-se “Estamos to- dos no mesmo saco” e foi adaptada da revista Jogos cooperativos (2001). Objetivo do jogo Todos os participantes deverão percorrer um determinado cami- nho juntos, dentro de um saco gigante. Propósito Este jogo facilita a vivência de valores e o surgimento de questões interessantes, como: ● desafio comum – percepção clara de interdependência na busca do sucesso; ● trabalho em equipe – a importância de equilibrarmos nossas ações e harmonizarmos o ritmo do grupo; ● comunicação – importância do diálogo na escolha da melhor estratégia para continuar jogando; Jogos, Recreação e Educação FAEL 52 ● respeito – pelas diferenças possíveis de encontrarmos