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Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental Unidade 1 - Ensinando a arte de questionar Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar Paola Lemes Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar Introdução Vivemos numa sociedade onde a influência da tecnologia, como fruto do desenvolvimento científico, aumenta a cada dia. A existência de cidadãos críticos depende essencialmente da inclusão do saber científico em sua formação. O ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental manifesta- se com o intuito de apresentar a Ciência como conhecimento que colabora na compreensão do mundo e suas transformações, colocando o ser humano como sujeito que busca compreender e atua no universo. Qual é, afinal, a importância dos conhecimentos científicos na vida dos educandos? Como introduzir “complexos” conhecimentos científicos para crianças em formação? São perguntas que não possuem uma resposta imediata. Como veremos, o conhecimento é uma construção. Nesta unidade serão apresentadas algumas reflexões que podem auxiliar na construção destas respostas. Inicialmente serão apresentados tópicos importantes sobre a didática do ensino de Ciências Naturais no ensino fundamental e a importância de uma abordagem histórica e interdisciplinar, com base na legislação educacional vigente. Em seguida faremos uma viagem pela revolução científica dos últimos cinco séculos, analisando a ciência moderna com base no método científico, sua história e importância na atualidade. Prosseguiremos fazendo uma reflexão sobre o que é ciência e qual seu papel na sociedade e encerraremos esta unidade com a apresentação do histórico do ensino de Ciências Naturais no Brasil. Ao longo do texto serão apresentadas sugestões de leitura, curiosidades e indicações de materiais que podem ser trabalhados em sala de aula com seus futuros alunos. Faça anotações, pense de maneira inovadora e não se limite ao material sugerido, sempre atentando-se à confiabilidade das fontes utilizadas. É fundamental o exercício do pensamento plural e crítico para incrementar seus conhecimentos. Vamos juntos? Bons estudos! Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar 1. Introdução à metodologia do ensino de Ciências Naturais na Educação Básica Compreender o processo de ensino-aprendizagem de Ciências Naturais, assim como em qualquer outra disciplina, é uma tarefa que exige a construção de uma estrutura que possibilite uma aprendizagem significativa para o aluno. Durante esta etapa da educação básica serão introduzidos os conhecimentos historicamente acumulados sobre a área, fundamentando a concepção pelo aluno do que é Ciência e quais são suas relações com a sociedade na qual está inserido. Assim, é necessário entender como se organiza a construção do conhecimento do aluno e, também, da própria ciência. É preciso considerar tanto o arcabouço de conhecimentos adquiridos pela vivência dos estudantes quanto a estrutura do conhecimento científico e seu processo histórico de construção. As diferentes áreas da Ciência moderna (Biologia, Física, Química, Astronomia e Geociências) são norteadas por rigorosos métodos, muito bem estruturados, e que fogem à alçada do raciocínio de um aluno em formação inicial. Considerar a mesma estrutura e complexidade das teorias científicas para direcionar o ensino e aprendizagem de Ciências Naturais no ensino fundamental é um equívoco. Processo ensino-aprendizagem é diferente de método científico. Pesquisas mostram que, muitas vezes, as intuições / percepções dos alunos sobre os fenômenos do meio ambiente que os circunda se assemelham às concepções antigas sobre o mundo, anteriores ao surgimento do método científico e da ciência moderna e que são também aprendidas na escola. Por exemplo, é comum que alunos dos anos iniciais do ensino fundamental possuam uma percepção geocentrista semelhante à de filósofos gregos como Platão (427 – 347 a.C.), ou seja, acreditem que a Terra encontra-se parada e que os demais corpos celestes movem-se ao seu redor. Esta percepção é compreensível, uma vez que é o que se deduz com a mera observação do céu. Você quer ler? Indicamos como sugestão de aprofundamento nesta temática o livro didático Fisicante, a Física atuante, de Guilherme Bondezan, Jean Galvani e Rafael Mancini. Você poderá acessá-lo no link a seguir: Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/324045/mod_resource/content/1/Mat erial%20Did%C3%A1tico%20-%20Guilherme%2C%20Jean%20e%20Rafael.pdf>. As concepções dos alunos acerca dos fenômenos naturais e dos modos de transformar o meio são carregadas de elementos de sua vivência e cultura e devem ser consideradas. Cabe ao professor o papel de auxiliar a ressignificar estas concepções, construindo um repertório de imagens, evidências e conceitos com os quais as ideias prévias dos alunos devem ser comparadas e articuladas. Os alunos são convidados a confrontar suas ideias com outras explicações, percebendo seus limites e a necessidade de extrapolar seu senso comum. Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar Figura 1. Cometographia de Heveliu, 1668. Um encontro mítico de mentes - Aristóteles, Hevelius e Kepler discutindo sobre órbitas de cometas. Fonte: MAA. Portanto, a apresentação de teorias científicas simplificadas aos alunos, como aquelas relacionadas à descrição e entendimento do universo (movimento dos corpos celestes, estações do ano, etc), claramente salvaguardando a Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar adaptação na linguagem a ser usada, é extremamente importante, pois estas teorias apresentam modelos lógicos e de raciocínio que funcionam como objetos de estudo. Considerando o seu próprio mundo comparado com as teorias de outrora, os alunos se apropriam do conhecimento científico e do seu caráter interdisciplinar, tornando-se sujeitos de sua aprendizagem. Outra abordagem extremamente importante e que deve direcionar o ensino é a História da Ciência. Uma análise historiográfica adequada auxilia no entendimento da Ciência como uma construção humana, contextualizando a história e a descoberta das relações entre o ser humano e o seu próprio corpo, o meio ambiente e o os recursos naturais. É importante que o professor internalize e reforce sempre que possível o caráter interdisciplinar do processo ensino- aprendizagem, uma vez que é comum o questionamento pelos alunos sobre a “utilidade” de determinadas disciplinas (como, por exemplo, a importância da História em uma aula de Ciências). Nos anos iniciais do ensino fundamental podem ser utilizadas, como estratégias de introdução da dimensão histórica, a apresentação de relatos sobre o surgimento de teorias, leis e invenções. A história da revolução trazida pela introdução do método científico é abordada com maior profundidade nas séries finais do ensino fundamental. Você quer ler? Alfabetização científica, literatura para crianças com introdução de conhecimentos científicos. Sugestão: Livro “Isaac Newton e sua Maçã”, autoria de Kjartan Poskitt,da série “Mortos de Fama”. Trechos disponíveis em: <https://www.companhiadasletras.com.br/trechos/11370.pdf>. Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar Figura 2 - Isaac Newton e sua maçã. Livro Infantil. A abordagem histórica é essencial para o estabelecimento de relações entre o que era senso comum ou de conhecimento popular até um determinado momento, e o impacto de novas descobertas e conceitos. A definição e a identificação de contrapontos entre os diferentes universos de conhecimento fundamentam a estruturação do pensamento, em especial do pensamento científico. 1.1. Ciência e Interdisciplinaridade A fluidez da sociedade atual, onde uma inovação tecnológica surge a cada minuto, exige de nós, cidadãos, um conhecimento plural e mutável. Uma das habilidades do futuro mais discutidas atualmente entre os estudiosos, além das tradicionais como criatividade, capacidade de negociação e inteligência emocional, é a flexibilidade cognitiva, ou seja, a capacidade de aprender, desconstruir e reaprender. Necessidade que colide com o fragmentado ensino tradicional, no qual as disciplinas são ensinadas de maneira isolada, sem estabelecer relações entre si mesmas e, muitas vezes, sem relações entre si e o mundo real fora dos muros da escola. Esta desconexão torna o ensino maçante Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar e provoca o desinteresse dos estudantes, dificultando o andamento do processo ensino-aprendizagem. Neste contexto, a interdisciplinaridade surge como alternativa promissora, sendo discutida no contexto educacional do Brasil desde a década de 70 (Japiassu, 1976) e intensificando seus debates na década de 90, com a publicação de documentos direcionadores pelo Ministério da Educação, como a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996) e os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental da Área de Ciências Naturais (Brasil, 1998). A interdisciplinaridade é considerada, na literatura, um conceito com muitos significados, porém há um consenso entre os estudiosos quanto à sua característica de desfragmentar o conhecimento, fazer com que as diferentes disciplinas conversem entre si e que haja contextualização dos conteúdos. Facilita que os conteúdos sejam relacionados e aplicados a problemas reais, tornando o aprendizado mais significativo. Existe a demanda pela legislação, os debates sobre o tema são acalorados há anos. O que impede a sua implantação / popularização? Em primeiro lugar é necessária a mudança de um paradigma, a superação de uma prática de ensino conteudista já instaurada, em que se valoriza a quantidade em detrimento da qualidade. O professor é um mero transmissor e o aluno um receptor de informações. O modelo de ensino tradicional é baseado na repetição e memorização de conteúdos que não se articulam. Nossos alunos mudaram, assim como o mercado de trabalho para o qual estão sendo preparados. É papel do professor em conjunto com as instituições de ensino e as famílias, capacitar os alunos para as novas demandas do futuro. A interdisciplinaridade é uma das ferramentas para romper as barreiras do ensino tradicional. Você quer ver? Sugestão de filme / documentário: “Quando sinto que já sei”. Documentário explora dez iniciativas alternativas ao sistema de ensino convencional. Direção de Anderson Limas, Antonio Lovato e Raul Perez; 2014. Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar Porém, modernizar o sistema de ensino e adequá-lo às novas demandas não é uma tarefa fácil. Cursos de formação dos professores ainda estão se adaptando, a interdisciplinaridade está sendo inserida aos poucos também no sistema de ensino superior, consequentemente muitos educadores ainda carregam antigos paradigmas para a sala de aula. É importante ressaltar também que ainda há uma enorme cobrança por grande parte da população em manter o sistema tradicional de ensino, muitas vezes, partindo dos pais e dos próprios alunos. Especialmente nos ciclos finais da educação básica, quando já estão habituados ao modo de pensar tradicional, e suas preocupações se limitam a notas, provas e concursos vestibulares, os quais ironicamente cobram conteúdos interdisciplinares. Neste contexto fica clara a necessidade de abordar as disciplinas de maneira interdisciplinar desde os anos iniciais do ensino fundamental. Mas como fazer isso? Algumas alternativas são o uso de metodologias ativas (leia mais sobre o assunto no link sugerido abaixo!), como o desenvolvimento de projetos em conjunto com os professores de outras áreas. Para tanto, é necessário que a equipe de professores da instituição seja unida e esteja sincronizada a respeito dos conteúdos trabalhados. É perfeitamente possível que conteúdos da disciplina de Ciências Naturais, como por exemplo, ser humano e saúde, sejam trabalhados em conjunto com as disciplina de História, Geografia e até mesmo Português ou Literatura. Neste aspecto destaca-se a importância do papel dos gestores (coordenadores pedagógicos, diretores, etc.) no direcionamento do trabalho da equipe. Você quer ler? A seguir você poderá acessar um material a respeito de novas tendências na área educacional: Metodologias Ativas de Aprendizagem. Disponível em: <https://sambatech.com/blog/cat-ead/metodologias-ativas-de- aprendizagem/>. Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar 2. Revolução Científica Durante os últimos quinhentos anos, a humanidade presenciou um crescimento e um aumento de poder fenomenais. Desde o ano 1500, a população humana aumentou 14 vezes (de 500 milhões de Homo sapiens para cerca de 7 bilhões nos dias atuais), o valor total dos bens e serviços produzidos pela humanidade aumentou 240 vezes e o consumo de calorias consumidas diariamente aumentou 115 vezes. Estes números representam um crescimento sem precedentes na história da humanidade. Ao longo deste período tomamos a superfície terrestre com veículos cada vez mais velozes. Conquistamos o céu com aviões e jatos, podendo circum-navegar a Terra com segurança em cerca de 48 horas. Chegamos até a Lua. O processo histórico que levou a humanidade a adquirir tais capacidades é conhecido como Revolução Científica. A Revolução Científica representou a transformação do pensamento baseado nas tradições de conhecimento pré-modernas (islamismo, cristianismo, budismo, confucionismo; as quais asseguravam que todo o conhecimento sobre o mundo já estava revelado nos textos sagrados antigos) para a ciência moderna, devido a um aspecto crucial: o método científico. Embora a complexidade da Ciência não permita a utilização de um método único, a estruturação do conhecimento científico atende a algumas premissas cruciais: em primeiro lugar a capacidade de admitir que não há verdade absoluta, nenhum conceito, ideia ou teoria é sagrado e inquestionável; em segundo lugar, a importância de fazer observações e então usar de ferramentas matemáticas para relacioná-las em teorias; e em terceiro lugar, a usar as teorias para a aquisição de novas capacidades e geração de recursos (HARARI, 2016). 2.1. Metodologia Científica e Método Científico Faz parte do senso comum crer que o conhecimento fornecido pela Ciência é superior, ou mais confiável que os demais tipos de conhecimento, como alguns saberes tradicionais, por exemplo. Dessa afirmação podemos extrair algumas indagações: Para você, o que é conhecimento confiável? Como obter conhecimento confiável? O método científico é garantia suficiente? Sãoquestionamentos bastante complexos. Sabemos que o conhecimento científico, como construção humana, não é neutro e está sujeito às suas subjetividades. O estabelecimento do método é uma forma de retirar a subjetividade das teorias científicas e conferi-las certo grau de confiabilidade (Vicente, 2008). Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar Como veremos mais adiante, considera-se o nascimento do pensamento científico na Grécia Antiga, mesmo que o nome “Ciência” ainda não fosse utilizado. Entretanto, apenas após mais de um milênio, por volta do século XVII, os filósofos começaram a se preocupar em aplicar um método à Ciência, em um novo ramo da filosofia denominado Filosofia da Ciência. Podemos dizer que os filósofos somente chegaram a conclusões minimamente satisfatórias sobre o método científico no século XX. Aristóteles (384 a.C. a 322 a.C.) pode ser considerado um dos primeiros filósofos naturais, organizando o conhecimento em três categorias (para saber mais, pesquise sobre a tripartição aristotélica do conhecimento), que podem ser representadas simplificadamente e com adaptações da seguinte maneira: (i) o conhecimento pela experiência sensorial direta, informa apenas acerca do que é; (ii) o conhecimento técnico dos objetos e fenômenos, engloba a questão do como é; e (iii) o conhecimento teórico, busca responder a questão do por que é, investigando as causas dos fenômenos. Desde então, a Ciência passou por muitas revoluções, as quais não fazem parte do escopo da nossa discussão neste momento. Em meados do século XVII, preocupados com a fundamentação das teorias científicas alguns filósofos como René Descartes (1596 – 1650), Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 – 1716) e Immanuel Kant (1724 – 1804) dedicaram-se ao que hoje conhecemos como Filosofia Racionalista, a qual buscava uma fundamentação da Ciência exclusivamente no âmbito do pensamento. Contrapondo-se a um outro movimento bastante importante, o empirismo que teve defensores filósofos como John Locke (1632 – 1704), George Berkeley (1685 – 1753) e David Hume (1711 – 1776). 2.2. Método Científico na Modernidade Na concepção aristotélica, somente o terceiro tipo de conhecimento era considerado científico. Atualmente, o segundo tipo de conhecimento também integra parte da Ciência, o que fica bastante claro na explanação de dois tipos de teorias científicas. As teorias que têm por objetivo exclusivamente a descrição de um fenômeno que pode ser observado empiricamente, ou seja, através de algum dos nossos sentidos, são chamadas de teorias fenomenológicas. Teorias fenomenológicas permitem fazer a predição de um fenômeno baseada na observação de outros. Por outro lado, as teorias que buscam explicações para os fenômenos, apontando suas causas, são chamadas de teorias explicativas ou Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar construtivas. As teorias explicativas fazem proposições acerca de fenômenos que não podem ser observados diretamente por meio dos nossos sentidos (Chibeni, 2006). Estes dois tipos de teorias enfrentam um problema científico clássico, conhecido como o problema da indução. Como as teorias científicas podem ser fundamentadas e justificadas, uma vez que fazem proposições universais (às vezes até classificando-se como leis, que se referem a um universo inteiro de objetos), baseadas na experiência particular de um objeto individual? Em outras palavras, como generalizar uma suposição a partir de determinada observação particular? Que tipo de evidência pode assegurar a veracidade de tal suposição / afirmação? Figura 3. Método científico indutivo - dedutivo. Chalmers, 1993. A resposta, caro leitor, pode parecer decepcionante a princípio: simplesmente não há meios racionais ou empíricos de assegurar, com certeza absoluta, a verdade do conhecimento científico a partir de experimentos ou do raciocínio lógico. Aí está a grande magia da Ciência: a capacidade de admitir que “nós não sabemos”, e que todas as afirmações universais a respeito da natureza são falíveis. Portanto, as teorias científicas explicativas, como falado anteriormente, não podem ser observadas diretamente sendo então denominadas hipóteses, um conceito bastante importante na Ciência. Outro ponto relevante é que não há, por meio da investigação, maneiras de transformar uma hipótese científica em algo provado. Pois uma vez que fosse provada, deixaria de ser uma hipótese. Esta reflexão é extremamente importante, uma vez que juntamente com o problema da indução, fortalece a premissa de que conhecimento científico não é conhecimento provado, mas sim provável. Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar Ora, se não pode ser provado, no que então o conhecimento científico difere dos demais? Por que o método científico é considerado mais confiável? Apesar de não poder ser empiricamente provadas, todas as hipóteses precisam ser submetidas a um teste, o teste de hipótese. O teste de hipótese tem por finalidade verificar a sua falseabilidade. Isso significa que se as proposições da hipótese forem verificadas falsas por meio da experimentação, esta hipótese será obrigatoriamente descartada. Por outro lado, conjuntos de hipóteses ou teorias que possuam uma conexão lógica entre si, que possam ser comparados, e que têm suas proposições demonstradas prováveis por meios empíricos, tendem a ser consideradas aproximadamente verdadeiras, apesar de não poderem ser comprovadas. Você quer ler? No portal que te sugerimos a seguir você poderá ler a respeito de Karl Popper e Thomas Kuhn. Ler Reportagens da Revista Questão de Ciência, disponíveis em: <http://revistaquestaodeciencia.com.br/>. Por fim, alguns elementos do método científico que precisam ser atendidos para que uma teoria científica moderna seja considerada robusta incluem (i) a integração teórica, a qual diz respeito à conexão lógica entre as hipóteses envolvidas; (ii) a capacidade de predição de novos fenômenos; e (iii) a quantidade, a variedade e a precisão de evidências experimentais. Deste modo, ainda que não possa ser considerada verdade absoluta, pode ser considerada altamente provável, o que nos basta até o surgimento da próxima teoria. 3. O que é a Ciência? O ser humano busca compreender e explicar o universo e os objetos ao seu redor pelo menos desde a Revolução Cognitiva (surgimento de novas formas de pensar e se comunicar dos Homo sapiens, entre 70 mil e 30 mil anos atrás). Podemos dizer que, inicialmente, este conhecimento primitivo foi motivado pela necessidade de controle dos fenômenos naturais visando apenas a sobrevivência biológica da espécie. Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar Você quer ver? Para saber mais a respeito da Revolução Cognitiva, sugerimos o seguinte filme documentário: A Caverna dos Sonhos Esquecidos (Cave of Forgotten Dreams), de direção de Werner Herzog (2010). Outra fonte que lhe poderá ser muito útil é o livro de Richard Dawkins, A grande história da evolução. Porém, na Grécia Antiga (aproximadamente entre 400 a.C. e 300 a.C.), surgiu uma perspectiva cognitiva nova: a busca do conhecimento pelo conhecimento, não visando uma aplicação ou causa evidente e imediata, mas sim a mera curiosidade intelectual. Os adeptos a essa busca do saber puramente pelo saber foram chamados de filósofos. O que hoje conhecemos como “Ciência”, até o século XIX era conhecido como “Filosofia Natural”. No significado original, o termo “Ciência” indica o modelo de excelência máxima do conhecimentohumano, o entendimento completo da realidade de um determinado assunto ou objeto, que é, diga-se de passagem, um ideal tremendamente desafiador. Você sabia? A etimologia das palavras Filosofia / Philosophia vem do grego, em que: philos ou philia, que significa amor; e sophia, que significa conhecimento ou sabedoria, ou seja, amor ao conhecimento. Já as palavras Ciência / Scientia vem do latim, derivada do verbo scire, que significa saber, conhecimento. Entretanto, este ideal de entendimento pleno sobre os objetos que foi aceito pelos filósofos por centenas de anos, somente começou a ser questionado e considerado alto demais em meados do século XVII, em parte devido às discussões sobre o método científico, conforme falado no capítulo anterior. Nesta época, os avanços no conhecimento levaram a uma grande especialização e a uma consequente fragmentação do tronco comum da filosofia (que englobava praticamente todas as áreas do saber) no aglomerado de campos que hoje conhecemos como Ciência (Física, Química, Biologia, Astronomia e Geociências). Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar 3.1. Impactos da fragmentação da Ciência na sociedade moderna A fragmentação da Ciência sofreu influência da filosofia racionalista e mecanicista de Descartes, que, ao propor o problema do conhecimento, determinou dois campos de conhecimento separados: o sujeito e o objeto. Descartes também baseou sua concepção da natureza na divisão de dois domínios distintos, o da mente e o da matéria. Esta separação teve consequências diretas nos processos de aquisição, construção e disseminação do conhecimento. Segundo Maria Cândida Moraes (2000, s/p): A fantasia da separatividade corpo-mente teve profundas influências na educação e no desenvolvimento das disciplinas curriculares, e a estruturação do currículo escolar em disciplinas decorre da influência que o pensamento cartesiano teve no desenvolvimento do conhecimento científico. A formação de um currículo separado em disciplinas foi impulsionada também pela política de fragmentação do processo de produção industrial ocorrida no final do século XIX. A industrialização ocorrida nos países europeus no século XIX, como um dos resultados dos avanços científicos, gerou a necessidade de especialização dos saberes atrelados à separação do processo de produção, o que também influenciou a fragmentação do conhecimento escolar. Manifestando-se na separação das disciplinas, um modelo de currículo que frequentemente gera dificuldades de aprendizagem. 4. Metodologia de Ciências Naturais Como já foi discutido nos capítulos anteriores, o percurso das Ciências Naturais tem rupturas e revoluções e delas depende. Estas revoluções permitem que concepções e teorias obsoletas ou incorretas sejam abandonadas em favor de novas convicções. São traços gerais da metodologia das Ciências Naturais buscar compreender a natureza, gerar representações do mundo — como se entende o universo, o espaço, o tempo, a matéria, o ser humano, a vida —, descobrir e explicar novos fenômenos naturais, organizar e sintetizar o conhecimento em teorias, trabalhadas e debatidas pela comunidade científica, que também se ocupa da difusão social do conhecimento produzido. Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar 4.1. Histórico do Ensino de Ciências Naturais O histórico do ensino de Ciências Naturais no Brasil, ainda que curto, pode ser dividido em duas etapas. A primeira etapa vai até o ano de 1961, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024/61). Até então, as aulas de Ciências Naturais eram ministradas apenas para as duas últimas séries do extinto curso ginasial. A promulgação da LDBN estendeu a obrigatoriedade do ensino da disciplina a todas as séries ginasiais e somente dez anos depois, em 1971, com a promulgação de uma nova lei que fixava as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus o ensino de Ciências Naturais passou a ter caráter obrigatório nas oito séries do primeiro grau. A partir da promulgação da LDBN houve uma preocupação na adequação do currículo para atendimento das demandas geradas pelo avanço do conhecimento científico, que até então ainda era considerado neutro e inquestionável. Esta tendência iniciou uma mudança de eixo, valorizando a participação ativa do aluno no processo ensino aprendizagem. A partir dos anos 70 questionou-se tanto a abordagem quanto a organização dos conteúdos. Começou-se a valorizar o papel das atividades práticas na compreensão dos conceitos, as quais chegaram a ser consideradas como elemento potencialmente solucionador do ensino de Ciências. Era clara a ênfase na redescoberta, pelos alunos, do método científico. Isto levou a confusão de definições entre metodologia científica e metodologia do ensino de Ciências. Somente na década de 80 pesquisadores começaram a fazer questionamentos sobre a eficácia deste modelo empiricista de ensino, mudança de paradigma que foi, de certa forma, auxiliada pela crise econômica mundial que ocorreu nos 70. Apareceram então nos currículos pela primeira vez a preocupação com a saúde e com o meio ambiente. Também na década de 80 surgiu o movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), que é importante até os dias atuais. A produção de programas pela justaposição de conteúdos de Biologia, Física, Química e Geociências começou a dar lugar a um ensino que integrasse os diferentes conteúdos, buscando-se um caráter interdisciplinar, o que tem representado importante desafio para a didática da área. Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar Nos anos 90, iniciaram-se as discussões sobre a implantação da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e intensificaram-se as discussões sobre interdisciplinaridade com a publicação da Nova Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996) e os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental da Área de Ciências Naturais (1998). Conforme definido na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a BNCC deve nortear os currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, em todo o Brasil. A Base estabelece conhecimentos, competências e habilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade básica. Orientada pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, a Base soma-se aos propósitos que direcionam a educação brasileira para a formação humana integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 4.2. Prática de Ensino de Ciências Naturais O tema da Prática de Ensino e da experimentação em Ciências Naturais é discutido há bastante tempo. Há vantagens e críticas sendo apontadas. Vantagens que enfatizam o papel crucial da experiência na aprendizagem de ciências e críticas a ênfase empírica que dominou a concepção do ensino de Ciências no Brasil desde os anos 70. Pontos como o confronto de hipóteses dos alunos com as evidências experimentais bem como a presença ou ausência de laboratório nos estabelecimentos de ensino têm sido levantados pelos estudiosos. Porém é necessário ressaltar a importância da inclusão de elementos da vivência cotidiana dos alunos também nas práticas de ensino. Envolver os alunos em projetos ligados à sua realidade auxilia na resolução de problemas concretos, trazendo propósito a aula prática. Você quer ler? Sugerimos para oaprofundamento nestes conhecimentos a leitura do seguinte artigo: A prática de ensino nas licenciaturas e a pesquisa Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar em ensino de ciências: questões atuais. Martha Marandino, 2003. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/download/6544/6034>. Síntese Nesta unidade foram apresentados os conceitos básicos que direcionam o ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Ademais, trouxe conteúdos que possibilitam uma introdução ao conhecimento de questões importantes da Natureza e Filosofia da Ciência. Ao final desta unidade você deverá ser capaz de: ● Entender a importância de uma visão sistêmica e holística da Ciência baseada na interdisciplinaridade; ● Conhecer o nascimento do pensamento científico; ● Discutir as consequências do pensamento científico fragmentado para a sociedade; ● Discutir o significado da ciência e do pensamento científico; ● Analisar o método científico; ● Compreender as mudanças do ensino de ciências conforme o contexto social; ● Discutir a importância de ensino de ciências para a construção da sociedade. Na próxima unidade trabalharemos aspectos referentes ao ensino da Natureza e Sociedade na Educação Infantil e Ensino Fundamental. Até lá! Metodologia e prática de ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental - Unidade Nº 1 - Ensinando a arte de questionar Referências Bibliográficas BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: ciências naturais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1997. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro04.pdf>. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília. MEC/SEF, 1998. v.3. p.163-204. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume3.pdf>. CHALMERS, A. F. O que é Ciência afinal?. Editora Brasiliense, 1993. p.23-187. Disponível em: <http://www.nelsonreyes.com.br/A.F.Chalmers_- _O_que_e_ciencia_afinal.pdf>. PHILLIPI JUNIOR, Arlindo. Educação ambiental e sustentabilidade. Barueri, SP: Manole, 2014. MARANDINO, Martha. A prática de ensino nas licenciaturas e a pesquisa em ensino de ciências: questões atuais. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 20, n. 2, p. 168-193, 2003. MORAES, M. C. O paradigma educacional emergente. 5. ed. Campinas: Papirus, 2000. Referências imagéticas: Figura 1 - MAA. Mathematical Treasure: Astronomy of Hevelius. Disponível em: <https://www.maa.org/press/periodicals/convergence/mathematical-treasure- astronomy-of-hevelius-and-hevelius>. Acesso em: 10 jul. 2019. Figura 2 - AMAZON. Isaac Newton e sua maçã - Mortos de Fama. Disponível em: <https://images-na.ssl-images-amazon.com/images/I/51YW- KMZhhL._SX323_BO1,204,203,200_.jpg>. Acesso em: 10 jul. 2019.
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