Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Anemia é uma síndrome clínica e quadro laboratorial caracterizado por: diminuição do hematócrito, da concentração de hemoglobina no sangue, ou da concentração de hemácias por unidade de volume. Em indivíduos normais, os níveis de hemoglobina variam com a fase do desenvolvimento individual, a estimulação hormonal, a tensão de oxigênio no ambiente, a idade e o sexo. Considera-se portador de anemia o indivíduo cuja concentração de hemoglobina é inferior a 11 g/dL (em média). Os diferentes mecanismos conducentes à anemia podem ser agrupados em três causas básicas: 1. perdas sanguíneas agudas (hemorragia aguda); 2. menor produção de eritrócitos; 3. diminuição da sobrevida dos eritrócitos 1. Hemorragia aguda As causas mais frequentes são: acidentes, cirurgias, hemorragias no tubo gastrointestinal, especialmente por úlcera péptica ou ruptura de varizes esofagianas, e hemorragia genital. Emergência que exige intervenção imediata para cessá-la e repor, por meio de transfusões, o plasma e as hemácias perdidos, para evitar o choque hipovolêmico. Quando o volume perdido não é muito grande, o organismo dispõe de mecanismos fisiológicos que recompõe o sangue perdido em duas a três semanas após a hemorragia. Há aumento da eritropoetina, que estimula a medula óssea a aumentar sua produção nos dias subsequentes, até que a hemoglobina retorne aos níveis anteriores. No período de produção acelerada, a partir do 3o ao 5o dia, ocorre elevação do número de reticulócitos. 2. Menor produção de hemácias A maioria dos casos de anemia resulta da produção insuficiente de eritrócitos pela medula óssea. A porcentagem de reticulócitos pode estar diminuída ou normal. Pode ser resultante de um distúrbio: • da diferenciação eritroide (infiltração ou substituição da medula óssea por um tecido anormal, infecções, em especial as viroses, HIV, e as hepatites) • da proliferação dos eritroblastos na medula óssea (folatos e a vitamina B12 se deficientes retardam ou bloqueiam a síntese de DNA, levando a um defeito da multiplicação celular e maturação; ex: anemias megaloblásticas (hiperplasia eritroide da medula óssea, baixa liberação de reticulócitos, e hemácias de volume aumentado (macrocitose e hipercromia). • de sua maturação ou da hemoglobinização: quando a quantidade de hemoglobina sintetizada por célula (30 pg) é menor, formam-se hemácias com volume menor do que o normal. São, portanto, anemias microcíticas e hipocrômicas. Na carência de ferro os depósitos esgotam-se, e o ritmo de síntese de hemoglobina é comprometido. 3. Maior destruição das hemácias As hemácias humanas têm vida média de 120 dias a partir da saída do reticulócito da medula óssea para o sangue circulante A redução da vida das hemácias em circulação produz uma síndrome hemolítica que pode levar à anemia. Em condições normais, as hemácias são destruídas no interior de macrófagos, em órgãos como o fígado, o baço e a medula óssea. Nas anemias hemolíticas, a hemólise exacerbada pode ser intravascular (traumas diretos sobre as hemácias, fixação de complemento à membrana eritrocitária ou toxinas exógenas, ocorrendo liberação de hemoglobina no plasma) ou, mais frequentemente, hemólise extravascular (as células são captadas pelos macrófagos no baço, no fígado e na medula óssea, destruídas intracelularmente e digeridas). A produção de hemácias pela medula óssea está aumentada, mas o aumento não é suficiente para compensar a acentuada redução de sua sobrevida. Todas as manifestações clínicas da anemia decorrem da redução da capacidade de transporte de oxigênio do sangue e consequente menor oxigenação dos tecidos. Principais mecanismos compensatórios nas anemias: • Diminuição da afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, condicionando maior liberação de oxigênio por unidade de hemoglobina. • Aumento do volume minuto cardíaco e, consequentemente, aumento da velocidade de circulação do sangue, o que permite que cada unidade de hemoglobina seja utilizada mais vezes em cada intervalo de tempo. • Redistribuição do fluxo sanguíneo, procurando proteger áreas mais nobres e mais sensíveis à hipóxia. Ao avaliar um paciente com anemia, vários aspectos devem ser rigorosamente questionados e observados, incluindo: sinais ou sintomas que permitem identificar a presença de anemia (consequentes à hipóxia dos tecidos ou aos mecanismos compensatórios), que permitem identificar o tipo e a etiologia da anemia, antecedentes pessoais e familiares, hábitos (incluindo alimentação, uso de medicamentos e contato com substâncias químicas), e identificação de condições que provocam ou facilitam o aparecimento de anemia. • Principais Anemias: A. Anemias Megaloblásticas Resultantes de carências de vitamina B12 ou de folatos. Menos frequentes, em virtude da diminuição da ocorrência de carências nutricionais. No entanto, ainda são encontradas em especial entre grávidas de classes mais pobres, idosos e alcoólatras. A hematopoese normal compreende intensa proliferação celular, que por sua vez implica a síntese de numerosas substâncias como DNA, RNA e proteínas. Tanto os folatos como a vitamina B12 são indispensáveis para a síntese da timidina, um dos nucleotídeos que compõem o DNA, e a carência de um deles tem como consequência menor síntese de DNA. A vitamina B12 participa indiretamente nesta reação. O quadro morfológico do sangue periférico e da medula óssea é idêntico nas deficiências de folatos ou de vitamina B12: dissociação de maturação produzindo células de tamanho aumentado e com alterações morfológicas características. Como resultado, além da anemia macrocítica, com megaloblastos na medula óssea e número de reticulócitos normal ou baixo, pode também ocorrer neutropenia, com neutrófilos polissegmentados e moderada plaquetopenia. (Pancitopenia) A deficiência da síntese de DNA afeta a divisão celular em outros tecidos em que há rápida multiplicação, em especial os epitélios do tubo digestivo, originando queixas de diarreia, glossite, queilite e perda do apetite e discreta a moderada esplenomegalia. A vitamina B12, os depósitos são habitualmente suficientes para manter a eritropoese por dois a cinco anos após haver cessado a absorção, enquanto que as reservas de folatos são suficientes apenas para três ou quatro meses. Genericamente, as causas de carências podem ser classificadas em menor ingestão do nutriente; menor absorção intestinal; defeitos do transporte ou metabolismo; aumento da excreção ou das perdas; aumento das necessidades fisiológicas ou patológicas. Carência de Folatos: dieta inadequada, por vezes associada a uma condição em que aumentam as necessidades diárias, habitualmente a gravidez ou o crescimento Carência Vit. B12: existe primariamente em alimentos de origem animal, não sendo encontrada em frutas e vegetais. Ocorre em vegetarianos estritos após vários anos sem ingerir alimento de origem animal. • Avaliação laboratorial: Os principais achados são anemia macrocítica, leucopenia, trombocitopenia, leucopenia e granulócitos polissegmentados. A contagem de reticulócitos é normal ou baixa. Em resumo, tem- se como manifestação uma pancitopenia associada à macrocitose. Hiperplasia da medula óssea, com acentuada linhagem eritroide, que é composta por megaloblastos (eritroblastos mais volumosos que o normal, com núcleos com estrutura mais granular) • Tratamento: A mais importante medida no tratamento dessas anemias consiste em identificar a causa e removê- la, se possível. Reposição de Vit. B12, acido fólico, dieta alimentar com inclusão de alimentos ricos nesses nutrientes. Depende de cada caso. B. Anemia Ferropriva Responsável por 75% de todos os casos de anemia. É o distúrbio do ferro mais frequente em adultos e está associada à perda crônica de sangue,tanto por hipermenorreia ou menorragia, quanto pelo trato gastrointestinal. Bastante frequente em recém- nascidos, crianças, adolescentes e mulheres em idade fértil, gestantes e lactantes. • O Ferro: A deficiência de ferro surge a partir do desequilíbrio entre ingestão, absorção e situações de demanda aumentada ou perda crônica (anemia ferropriva), sendo multifatorial. Mais de dois terços do conteúdo de ferro do organismo encontra-se incorporado à molécula de hemoglobina. Assim, a hemoglobina é a principal forma funcional de ferro no organismo e também seu principal depósito, e por isso a anemia é a manifestação clínica mais proeminente da carência de ferro. Além da hemoglobina, o organismo armazena ferro em diferentes tecidos sob formas de ferritina (tem importante papel na estocagem do ferro, entretanto pequena quantidade é secretada e liberada no soro - ferritina sérica) e hemossiderina. Dosagem de ferro sérico (normal: 115 ± 50 µg/dL). Aumento: sobrecarga de ferro, eritropoese ineficaz. Diminuição: deficiência de ferro. Ferritina sérica (normal 40-160 µg/L). Aumento: hemocromatose, sobrecarga transfusional (talassemia maior, anemia falciforme, síndrome mielodisplásica). Diminuição: deficiência de ferro. As queixas costumam ser leves, pois, gera adaptação, e há pacientes completamente assintomáticos. Pode-se observar palidez cutaneomucosa, fadiga, baixa tolerância ao exercício, redução do desempenho muscular, perversão alimentar ou pica (desejo e consumo de substâncias não nutritivas como gelo, terra, sabão, argila), baqueteamento digital e coiloníquia (unhas em forma de colher), atrofia das papilas linguais, estomatite angular e disfagia. • Diagnóstico: O hemograma é um teste rápido, barato e amplamente disponível no rastreio de anemia ferropriva Frequentemente se observa hipocromia, microcitose, aumento do índice de RDW e plaquetose, além da presença de anisocitose, poiquilocitose, e reticulocitopenia ao exame microscópico. Deficiência de ferro é a única condição que gera ferritina sérica muito reduzida, o que torna a hipoferritinemia bastante específica deste diagnóstico. Ferro sérico é a fração do ferro corporal que circula primariamente ligado à transferrina, e encontra-se reduzido. • Tratamento: Consiste na reposição oral ou venosa. No entanto, é mandatória a investigação da causa e sua pronta correção; do contrário, a reposição é paliativa e tende a ser ineficaz no longo prazo. Oral: dose ideal de 180 a 200 mg de ferro elementar/dia para adultos e 1,5 a 2 mg de ferro elementar/dia para crianças, dividida em 3 a 4 tomadas, preferencialmente com o estômago vazio, ou 30 minutos antes das principais refeições (Para pacientes em uso de antiácidos e inibidores da bomba de prótons recomenda-se a reposição com doses maiores e por mais tempo) . Com doses adequadas de ferro suplementar observa-se recuperação rápida. O sinal mais precoce de resposta é o aumento na contagem de reticulócitos, que atinge seu pico entre o 5o e o 10o dias de tratamento. C. Anemia Falciforme A anemia falciforme é um exemplo clássico de uma alteração mínima na estrutura de hemoglobina capaz de provocar, sob determinadas circunstâncias, uma singular interação molecular e drástica redução na sua solubilidade. A alteração molecular primária é representada pela substituição de uma única base no códon 6 do gene da globina b, uma adenina (A) é substituída por uma timina (T) (GAG→GTC). Esta mutação tem como consequência final a polimerização das moléculas dessa hemoglobina anormal (HbS) quando desoxigenadas. Soluções concentradas de desoxi-hemoglobina S e desoxi-hemoglobina A diferem grandemente, e este fato fornece as bases físico-químicas da gelificação e falcização. A polimerização da hemoglobina S é o evento fundamental na patogenia da anemia falciforme, resultando na alteração da forma do eritrócito e na acentuada redução de sua deformabilidade. Em decorrência de sua acentuada rigidez, as células irreversivelmente falcizadas têm vida- média reduzida e contribuem significativamente para a anemia hemolítica dos pacientes. No entanto, o quadro clínico, não dependem substancialmente dos sintomas causados pela anemia propriamente, mas, sim, da ocorrência de lesões orgânicas causadas pela inflamação e obstrução vascular e das chamadas “crises de falcização”. A liberação intravascular de hemoglobina pelas hemácias fragilizadas, além da vaso-oclusão recorrente e dos processos de isquemia e reperfusão, leva a dano e ativação das células endoteliais da parede do vaso, ocorrendo indução de uma resposta inflamatória vascular e a adesão de células brancas e vermelhas à parede dos vasos sanguíneos. A anemia falciforme prevalece na raça negra, e sua maior incidência ocorre na África. • Diagnóstico: Depende fundamentalmente da comprovação da hemoglobina S pela eletroforese de hemoglobinas, utilizando conjuntos complementares de suportes e tampões que permitam a distinção das diferentes hemoglobinas anormais. Os níveis de hemoglobina em pacientes na fase estável da anemia falciforme variam entre 6 a 10 g/dL. Em geral, a anemia é normocrômica e normocítica, embora os níveis de reticulócitos sejam elevados (entre 5 e 20%). As clássicas hemácias em forma de foice são caracteristicamente observadas nas doenças falciformes, embora outras formas aberrantes possam também ser visualizadas. Frequentemente, há leucocitose, às vezes com desvio à esquerda, alteração que nem sempre está relacionada a processo infeccioso. A contagem de plaquetas está em geral elevada, podendo atingir até 1.000.000/µL. • Manifestações clínicas: São extremamente variáveis, mas são derivadas primariamente da oclusão vascular e, em menor grau, da anemia. Os pacientes com doença falciforme apresentam períodos sem manifestações clínicas correspondentes à fase estável da doença, que pode ser interrompida por manifestações agudas, denominadas crises de falcização: classificadas em crises vaso-oclusivas ou episódios dolorosos (mais comuns), crises aplásticas (queda acentuada nos níveis de hemoglobina, acompanhada de níveis de reticulócitos reduzidos, caracterizando insuficiência transitória da eritropoese, desencadeado pela infecção por parvovírus), hemolíticas (incremento brusco na taxa de hemólise) e de sequestro (episódio agudo caracterizado pelo acúmulo rápido de sangue no baço). • Tratamento: Pacientes com doenças falciformes devem, sempre que possível, ser acompanhados regularmente em serviços especializados com a presença de equipes multidisciplinares. Consiste no tratamento das complicações específicas e em cuidados gerais da saúde, acompanhamento do crescimento, desenvolvimento somático e psicológico, e tratamento específico de lesões orgânica. A longo prazo apoia-se em suplementação com ácido fólico (5 mg/dia), deve ser sempre realizada devido à hiperplasia eritropoética; uso de medicamentos que promovem o aumento da hemoglobina fetal em pacientes selecionados; profilaxia de infecções; tratamento das crises dolorosas vaso-oclusivas; tratamento das demais crises agudas.
Compartilhar