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1 Direito Aplicado ao Comércio Exterior e Legislação Aduaneira Unidade II Profa. Maisa E. Raele Rodrigues APRESENTAÇÃO DO PROFESSOR-AUTOR A autora do presente trabalho é advogada especialista e mestre em direito das relações sociais pela PUC-SP. Ex-juíza classista do trabalho do TRT da 2.ª região. Professora convidada do curso de direito da escola superior de advocacia – ESA. Professora dos cursos de pós-graduação da Universidade Paulista (UNIP). Professora convidada do curso de pós-graduação da fundação inaciana Pe. Sabóia – FEI. Palestrante da central prática de educação corporativa. Professora convidada do curso Certificate In Internacional Business & Foreign Trade da Business Scholl, em São Paulo. Foi integrante da Association Internacionale des Jeunes Avocats. Membro efetivo do comitê de direito empresarial do trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo. Ex-coordenadora do núcleo de legislação e direito internacional da comissão de direito empresarial do trabalho da OAB/SP. Integrante do grupo de excelência em relações internacionais e comércio exterior do conselho de administração do estado de São Paulo – CRA/SP. Autora de livros e artigos. SUMÁRIO 1. SISTEMA PORTUÁRIO BRASILEIRO 5 1.1 Breve escorço histórico 7 1.2 Portos: definição, classificação, categorias 9 1.3 Exploração dos portos 12 1.3.1 Lei n.º 8.630/93 13 1.3.2 Lei n.º 12.815/13 14 1.3.2.1 Exploração direta e indireta dos portos 15 1.3.2.2 Área do porto organizado 17 1.3.2.3 Mão de obra portuária 18 1.3.2.4 Administração portuária 19 1.3.3 Contratos administrativos 20 1.3.3.1 Concessão 21 1.3.3.2 Arrendamento 21 1.3.3.3 Autorização 23 1.4 O porto e o meio ambiente 24 2. DIREITO TRIBUTÁRIO 28 2.1 Da atividade financeira estatal 29 2.2 Do sistema tributário nacional 30 2.3 Princípios do direito tributário 34 2.3.1 Princípio da legalidade 34 2.3.2 Princípio da anterioridade da lei 34 2.3.3 Princípio da irretroatividade da lei 34 2.3.4 Princípio da igualdade ou isonomia 35 2.3.5 Princípio da capacidade contributiva 35 2.3.6 Princípio do direito à prestação jurisdicional 35 2.3.7 Princípio da uniformidade de tributação 35 2.3.8 Princípio do direito penal tributário 36 2.4 Competência tributária 36 2.4.1 Competência da união 37 2.4.2 Competência dos estados e do distrito federal 37 2.4.3 Competência dos municípios 37 2.5 Tributação no comércio exterior 38 2.5.1 Produtos: nacionais, estrangeiros, nacionalizados, desnacionalizados 39 2.5.2 Despacho de importação e despacho de exportação 40 2.5.3 Imposto de importação 41 2.5.3.1 Valor aduaneiro 42 2.5.4 Imposto de exportação 44 2.5.5 Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI 45 2.5.6 Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS 46 3. DIREITO ADUANEIRO 49 3.1 Legislação aduaneira 51 3.2 Jurisdição aduaneira 54 3.2.1 Território aduaneiro 54 3.2.1.1 Áreas de controle integrado 55 3.2.1.2 Zonas de vigilância aduaneira 56 3.3 Recintos alfandegados e alfandegamento 57 3.3.1 Portos secos 57 3.4 Infrações e penalidades aduaneiras 58 3.4.1 Crimes aduaneiros 59 4. DEFESA COMERCIAL 62 4.1 Embasamento legal 63 4.2 Dumping 64 4.2.1 Medidas ou direitos antidumping 65 4.2.1.1 Natureza jurídica das medidas antidumping 68 4.3 Subsídios 70 4.3.1 Medidas compensatórias 72 4.4 Salvaguarda 73 4.4.1 Medidas de salvaguarda 73 REFERÊNCIAS77 5 1. SISTEMA PORTUÁRIO BRASILEIRO A zona costeira brasileira, ou faixa litorânea, tem uma extensão de mais de oito mil quilômetros, estendendo-se do norte (Rio Oiapoque) ao sul (Arroio Chuí) do país. Essa extraordinária dimensão refletiu no desempenho da economia nacional relativamente aos portos, que têm destacado papel no desenvolvimento econômico, fato sempre reconhecido por nossos governantes mas, infelizmente, nem sempre dispendidos os esforços compatíveis com o tamanho da nossa costa. A espelhar tal relevância, atualmente, o setor portuário brasileiro apresenta um porcentual de volume de importação e exportação superior a 90%. Segundo dados da Antaq (2019), em 2018 foram movimentadas 1.117.311.386 toneladas de cargas nos portos brasileiros, distribuídas conforme os seguintes porcentuais: 64% granel sólido, 21% granel líquido, 10% contêineres e 5% carga g. solta. Figura 1: configuração de carga Fonte: Raele, 2019. As principais mercadorias movimentadas foram minério de ferro (36,4%), combustíveis (18,2%), contêineres (10,1%) e soja (9,1%). O ramo portuário é de grande importância para os processos logísticos e só se perfaz com ele. O transporte aquático, compreendido como a mobilidade de passageiros e mercadorias através de mares, lagos, rios ou canais, é largamente utilizado no Brasil, movimentando expressivo número de cargas. Segundo dados da Antaq (2019), a movimentação da navegação no Brasil, no ano de 2018, concentrou-se em longo curso (74%), cabotagem (20%) e interior (6%). Figura 2: movimento por navegação no Brasil Fonte: Raele, 2019. 64% granel sólido 21% granel líquido 10% contêin eres 5% carga g. Solta Longo curso 74% Cabotagem 20% Interior 6% 6 No último decênio do século XX, o Brasil passou por um relevante processo de abertura comercial e redução do intervencionismo do Estado, contudo, estava despreparado para se inserir em uma economia globalizada, e uma das razões era o estado obsoleto de seus portos, tanto pela concentração de poder nas mãos de sindicatos pouco ortodoxos, como em virtude do sucateamento de seus equipamentos. Clamava-se assim por urgentes medidas de modernização, as quais vieram ousadamente do governo ao editar a Lei n.º 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, denominada Lei de Modernização dos Portos, que implementou profundas e radicais mudanças na estrutura dos portos brasileiros, introduzindo o país na economia global constituindo, portanto, referido diploma legislativo o grande marco regulatório da modernização. Com o decorrer do tempo, a atividade portuária continuou a sofrer importantes alterações legislativas, merecendo destaque a criação da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), pela Lei n.º 10.233, de 05 de junho de 2001, e a SEP (Secretaria dos Portos), pela Lei n.º 11.518, de 05 de setembro de 2007. Em 2012 veio à luz a Medida Provisória 595, marcada por debates acalorados, mas que acabou sendo convertida na Lei n.º 12.815, de 05 de junho de 2013, que ficou conhecida como a nova Lei dos Portos, a qual revogou a primeira Lei de Modernização dos Portos – Lei n.º 8.630/1993. O novo diploma legal ampliou o papel do Estado, estabelecendo maior grau de regulação da atividade portuária. O sistema portuário brasileiro inspirou-se no modelo internacional denominado landlord port, no qual o poder público, desempenhado pela União, fornece a infraestrutura portuária, os acessos aquaviário e terrestre e o direito de exploração; e a iniciativa privada, a seu turno, responsabiliza-se pela superestrutura, manutenção dos terminais e fornecimento dos serviços portuários. Segundo dados da Secretaria Nacional dos Portos (2019), nosso sistema portuário é composto por trinta e sete portos públicos organizados, administrados diretamente pela União por meio da Companhia Docas, ou pelos estados e municípios por meio de empresas ou consórcios públicos; e 193 instalações portuárias autorizadas localizadas fora das áreas dos portos organizados. A administração das instalações privadas compete aos próprios autorizatários. 1.1 Breve escorço histórico De natureza incipiente, as primeiras instalações portuárias datam do período pós-descobrimento, com destaque, posteriormente, no século XIX, para a conhecida “abertura dos portos às nações amigas” realizada por D.João VI, que possibilitou a inserção do Brasil no comércio internacional. Na metade do século XIX, foi organizada por Visconde de Mauá (patrono da marinha mercante brasileira) a Companhia de Estabelecimento da Ponta da Areia, porto de Niterói, de onde partiam navios reservados à cabotagem, assim como navios para a Europa, América do Sul e América do Norte, produzindo reflexos bastante positivos no comércio brasileiro. Mais à frente, após a inauguração da ferrovia “São Paulo Railway” (próxima a Santos e facilitadora das exportações de café), elaborou-se, em 1869, a primeira lei de concessão à exploração de portos pela iniciativa privada. (KAPELL, 2019) 7 No início do período republicano foram privatizadas as administrações portuárias: Cândido Graffé, Eduardo Guinle e outros obtiveram a primeira autorização para explorar as operações do porto de Santos, no qual foram construídos 260 metros de cais (a obra foi concluída em 1892), permitindo-se a atracação de navios com maior calado. Criou-se também, em 1889, a Empresa das Obras de Melhoramentos do Porto de Santos e, em 1890, a Companhia Docas de Santos, substituída em 1980 pela Codesp – Companhia Docas do Estado de São Paulo. Desta forma, o primeiro trecho de porto organizado do país foi o de Santos, com a atracação do navio inglês Nasmith. Vale observar ainda que o período de concessão para exploração do porto, a princípio era de 39 anos, mas foi elastecido para 90 anos sob a justificativa de que o necessário retorno do investimento efetuado ocorria de forma vagarosa. Apesar de a privatização ter funcionado bem nas primeiras décadas, faltou ao Estado políticas de investimentos: o resultado disso foi que os proprietários enriqueceram de maneira singular e as atividades portuárias restaram enfraquecidas. Por volta de 1934, sob a vigência da era Vargas, as questões portuárias foram potencializadas como fatores determinantes de avanço econômico, mas sob o controle do Estado (programa estatizante), de orientação centralizadora, dando lugar ao sistema portuário substanciado no Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis, mais tarde transformado na Empresa de Portos do Brasil S/A – PORTOBRÁS, durante o regime militar. Desta forma, toda a política nacional portuária foi articulada por esses organismos que estipulavam, entre o mais, investimentos e tarifas, entretanto, releva considerar que durante o regime militar, as questões portuárias não tinham primazia sobre os demais assuntos que envolviam o governo, consequentemente, faltaram esforços para a atualização das atividades portuárias e melhoria de sua eficiência. A mão de obra portuária era outro ponto de estrangulamento em razão do tratamento antiquíssimo que recebia: as relações de trabalho entre os tomadores de serviço e os prestadores avulsos eram muito complexas e o corporativismo dos sindicatos aumentava toda a sorte de dificuldades. Segadas Vianna (1999, p. 1065) relata que muitas vezes sequer era necessária a contratação de trabalhadores avulsos em razão da automoção ou racionalização produtiva, mas a contratação acabava sendo feita para atender ao modelo então vigente. Assim sendo, fatores trabalhistas, aliados à deficiência tecnológica e precariedade nos equipamentos, fizeram com que o Brasil ficasse de fora do cenário de portos eficazes, deixando de acompanhar a crescente atividade do comércio internacional. Impulsionadospelo fenômeno da globalização, na década de 1990, diversos países implementaram reformas estruturais em seus portos de modo a adequá-los às novas variantes comerciais internacionais. No Brasil, em razão da reforma administrativa empreendida durante o governo de Fernando Collor de Mello, a Portobrás foi extinta (de maneira quase repentina), sem indicação de qualquer outro organismo que lhe substituísse nas funções, provocando certo caos no setor. Silva e May (2006), discorrendo sobre o assunto, assim se manifestam: 8 Desta forma, determinados portos, que eram vinculados diretamente à Portobrás, ficaram sem organização formal até serem “encostados” em alguma Companhia Docas. A mão de obra avulsa, sem a presença de qualquer entidade reguladora, passou a ser presa fácil dos sindicatos. Estes se tornaram verdadeiros agenciadores de mão de obra e portadores do monopólio absoluto, determinando a seu bel prazer o tamanho das equipes, formas de remuneração, horários de trabalho. Objetivando inserir o Brasil nos ditames modernos do comércio internacional, o governo Collor de Mello apresentou o projeto de lei PL 8/91, inspirado na Convenção n.º 137, da OIT, que realizava profundas mudanças no sistema portuário, tendo sido intensamente debatido no Congresso Nacional, especialmente pelos Sindicatos de Trabalhadores Portuários Avulsos, que se opunham ferrenhamente a ele. Após longo período de discussão, o projeto foi convertido na Lei n.º 8.630, de 25 de fevereiro de 1993; Collor de Mello já havido sido destituído do cargo, motivo pelo qual a lei foi sancionada pelo então presidente Itamar Franco. Como já se afirmou, essa lei ficou conhecida como Lei de Modernização dos Portos. Quase vinte anos depois, a Lei n.º 8.630/93 foi revogada pela Lei n.º 12.815, de 05 de junho de 2013. 1.2 Portos: definição, classificação, categorias Singelamente, pode-se entender por porto a área situada à beira de um oceano, mar, lago ou rio. Trata-se de uma pequena baia abrigada natural ou artificialmente das grandes ondas e fortes correntes, destinada à proteção e ao ancoradouro de navios de modo a facilitar a entrada e saída de tripulantes e passageiros, assim como o carregamento ou descarregamento de mercadorias. Os portos são classificados em marítimos, fluviais e lacustres. Portos marítimos são aqueles que recebem linhas de navegação oceânicas, de longo curso (internacionais) ou navegação de cabotagem (domésticas). Portos fluviais são os que se localizam à beira de um rio ou estuário; e os portos lacustres os que estão localizados em contato com lagos e com o mar através de canais de navegação. Segundo dados do Centro Brasileiro de Infraestrutura – CBIE (2019), o Brasil possui um total de 175 instalações portuárias de carga, considerando-se portos e terminais marítimos, bem como instalações aquaviárias, distribuídos em 76 terminais no interior e 99 portos e terminais marítimos por toda a costa brasileira, consoante as figuras abaixo: Figura 3: Terminais no interior 9 Região Terminais no Interior Sul Centro- Oeste Norte 18 06 52 Total 76 Fonte: ANTAQ, 20191. Figura 4: Terminais marítimos Região Portos/Terminais Carga Movimentada em 2018 Sul Sudeste Nordeste Norte 14 46 28 11 108.995.978 512.233.658 335.353.427 34.974.268 Total 99 991.557.330 Fonte: ANTAQ, 20192. Conforme, ainda, dados do CBIE (2019), os portos mais expressivos em matéria de movimentação de carga, por tonelada, estão representados de acordo com a tabela abaixo: 1 Disponível em: http//www.portal.antaq.gov.br. Acesso em: 20 ago. 2019. 2 Ibidem. 10 Figura 5: Maiores portos em movimentação de carga Fonte: ANTAQ, 20193. Figura 6: Portos no Brasil Fonte: SEP, 20194. 3 Disponível em: http//www.portal.antaq.gov.br. Acesso em: 20 ago. 2019. 4 Disponível em: http//www.infraestrutura.gov.br. Acesso em: 21 ago. 2019. https://cbie.com.br/artigos/quantos-portos-temos-no-brasil/attachment/mkt_2019_tabela-3-portos/ 11 Quanto à categoria, os portos podem apresentar-se sob a forma de porto organizado, destinado ao público em geral, de terminal privativo, relativamente à movimentação de carga da própria empresa que faz a exploração, ou de terceiro, quando o uso é misto. (TEIXEIRA FILHO, 1999, p. 1067). 1.3 Exploração dos Portos A partir do final do século XX, os governos voltam a se engajar nas questões portuárias de modo a promover mais eficiência e celeridade nos procedimentos utilizados nos portos organizados, adequando-os às novas ferramentas de gestão e controle das atividades portuárias. Segundo a regra constitucional contida no artigo 21, item XII, f, da Constituição Federal de 1988, compete à União explorar os portos ou autorizar que se faça por terceiro, por meio de concessão ou permissão. Corolário lógico, igualmente, à União compete legislar sobre o assunto (artigo 22, item X, CF/88). Desta forma, a exploração dos terminais portuários no Brasil passou por profundas alterações, sendo as mais relevantes implementadas pelas Leis n.º 8.630/93 e n.º 12.815/13 que examinaremos a seguir. 1.3.1 Lei n.º 8.630/93 Com a extinção da Portobrás, o que já era ruim ficou ainda pior e o sistema portuário nacional passou a viver uma crise sem precedentes. A tentativa de colmatar esse caos veio com a edição da Lei n.º 8.630/93, de viés privatista, que deu origem à criação de organismos institucionais mais contemporâneos destinados a respaldar o setor. Conforme Teixeira Filho (1999, p. 1066), a reforma portuária, em linhas gerais, orientou-se pelas seguintes direções: a) desregulamentação do setor portuário; b) descentralização das decisões sobre a administração portuária, viabilizando a livre concorrência entre as partes; c) participação da iniciativa privada nos investimentos necessários à modernização dos portos; e e) estruturação das tarifas portuárias em consonância com as características de cada porto e conforme os serviços prestados. Fundamentalmente, dois aspectos inspiraram a reforma: a modernização das instalações e equipamentos, de modo a garantir mais efetividade e redução custos, assim como nova regulamentação para a esfera trabalhista. Criou-se o OGMO – Órgão Gestor de Mão de Obra, o qual passou a organizar o cadastro e registro dos trabalhadores portuários que, em sua maioria, era composta por trabalhadores avulsos, que são aqueles que prestam serviços sem vínculo empregatício a diversos tomadores de serviços. Com isso, eliminou-se o controle que anteriormente era feito pelo Sindicato dos Trabalhadores Portuários, que detinham o monopólio dessa tarefa e não raro praticavam muitos abusos. Não é demais afirmar que a Lei n.º 8.630/93 atingiu a “espinha dorsal” desses sindicatos, sepultando-lhes o monopólio sindical na intermediação de trabalhadores. Todas essas alterações contribuíram decisivamente para a liberação do setor, estimulando a concorrência. Releva considerar que por trabalho portuário podem ser compreendidas as atividades de movimentação de cargas nos portos, que se realizam em terra e/ou a 12 bordo das embarcações, abrangendo as seguintes modalidades: capatazia (recebimento de carga, transporte interno, abertura de volumes, manipulação, arrumação, conferência, carregamento e descarregamento por equipamentos etc.), executada ao costado do navio; estiva (arrumação de cargas nos conveses ou porões das embarcações, incluindo transbordo – transferência de cargas, peação – fixação de carga evitando deslocamento – e despeação; conferência de carga (contagem de volumes, verificação de características, procedência, estado de conservação, pesagem etc.; conserto de carga (reparo e restauração das embalagens de mercadorias),realizadas a bordo e em terra; vigilância das embarcações (fiscalização da movimentação de mercadorias e entrada e saída de pessoas a bordo das embarcações); bloco (limpeza e conservação de embarcações mercantes, incluindo-se batimento de ferrugem, pintura etc.). 1.3.2 Lei n.º 12.815/13 Como se viu, as principais atenções, quando da elaboração da Lei n.º 8.630/93, foram centradas na mão de obra, ensejando uma completa, pode-se dizer assim, “limpadura” neste setor, decorridos mais de vinte anos fazia-se necessário progredir quanto ao aspecto da exploração das instalações portuárias e foi o que efetivamente inspirou a edição da Lei n.º 12.815/13, regulamentada pelo Decreto n.º 8. 033, de 27 de junho de 2013, que revogou a lei anterior (n.º 8.630/93) e se concentrou na exploração dos terminais portuários, tratando também das atividades realizadas pelo operador portuário, que é a “pessoa jurídica pré-qualificada para exercer as atividades de movimentação de passageiros ou movimentação e armazenagem de mercadorias destinadas ou provenientes de transporte aquaviário, dentro da área do porto organizado”, de acordo com o artigo 2º, item XIII, da lei em referência. A atual regulamentação, como costuma acontecer com a maior parte dos diplomas legais, tem pontos positivos e outros negativos; quantos a estes, pode-se dizer que muitas questões importantes envolvendo o âmbito portuário ainda não foram suficientemente definidas, além de a lei possibilitar mais intervenção do Estado nos contratos; no que diz respeito aos aspectos positivos, sem dúvida destacam-se os denominados terminais portuários privados, que podem movimentar também cargas de terceiros, que antes da atual lei sofria restrições, e com isso aumentar a concorrência e, por extensão, a redução de preços e a melhora nos serviços. 1.3.2.1 Exploração direta e indireta dos portos Segundo a regra da Lei n.º 12.815/13, os portos organizados e as instalações portuárias poderão ser explorados direta ou indiretamente pela União. A exploração direta é feita pela própria União por meio das Companhias Docas, podendo também ser exercida por delegação, que é a transferência, mediante convênio, da administração e da exploração do porto organizado aos Estados, Municípios e consórcios públicos (item X, do artigo 2º, da Lei n.º 12.815/13). Já a exploração indireta ocorre quando a União transfere a uma pessoa jurídica a exploração dos portos e instalações portuárias. Os instrumentos jurídicos aptos a realizar as explorações acima referidas são a legação, concessão, arrendamento e autorização, 13 como se verá oportunamente quando forem estudados os contratos administrativos na área portuária. A exploração dos portos e instalações portuárias somente é permitida às pessoas jurídicas que tenham capacidade para “para seu desempenho, por sua conta e risco”, conforme dispõe o § 3º, do artigo 1º, da Lei n.º 12.815/13, ou seja, não é permitida a exploração por pessoas físicas. Como já afirmado, a nova lei não mais restringe o uso dos terminais privados (antes conhecidos como privativos) para a movimentação apenas de carga própria, mas permite igualmente que sejam escoadas cargas de terceiros. No que se refere aos Terminais de Uso Privado – TUP, o novo diploma legal estabelece que são instalações portuárias localizadas fora da área do porto organizado e sua utilização depende de autorização da SEP, que pode ser obtida por meio de requerimento dirigido à ANTAQ. Também podem ser explorados pelo mesmo procedimento (autorização) a estação de transbordo de carga, a instalação portuária pública de pequeno porte e a instalação portuária de turismo, conforme prevê o art. 8º da Lei 12.815/13. O artigo 2º da lei em comento traz definições imprescindíveis para a compreensão do tema, dispondo, com nossos grifos, in verbis: I – porto organizado: bem público construído e aparelhado para atender a necessidades de navegação, de movimentação de passageiros ou de movimentação e armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e operações portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária; II – área do porto organizado: área delimitada por ato do Poder Executivo que compreende as instalações portuárias e a infraestrutura de proteção e de acesso ao porto organizado; III – instalação portuária: instalação localizada dentro ou fora da área do porto organizado e utilizada em movimentação de passageiros, em movimentação ou armazenagem de mercadorias destinadas ou provenientes de transporte aquaviário; IV – terminal de uso privado: instalação portuária explorada mediante autorização e localizada fora da área do porto organizado; V – estação de transbordo de cargas: instalação portuária explorada mediante autorização, localizada fora da área do porto organizado e utilizada exclusivamente para operação de transbordo de mercadorias em embarcações de navegação interior ou cabotagem; VI -– instalação portuária pública de pequeno porte: instalação portuária explorada mediante autorização localizada fora do porto organizado e utilizada em movimentação de passageiros ou mercadorias em embarcações de navegação interior; VII – instalação portuária de turismo: instalação portuária explorada mediante arrendamento ou autorização e utilizada em embarque, desembarque e trânsito de passageiros, tripulantes e bagagens e de insumos para o provimento e abastecimento de embarcações de turismo. Postas assim as definições legais, é necessário considerar de início que, diferentemente da lei anterior, a nova lei qualifica o porto organizado como “bem público”. Debruçando-se sobre a questão, Pereira (2013) assevera que tal qualificação 14 da margem a duas interpretações, quais sejam a primeira, sob a ótica econômica: poderia-se sustentar que o porto representa um “conjunto de elementos que realizam uma finalidade de interesse público”, o que significa que qualquer forma de exploração no âmbito do porto organizado somente será admitida se tiver por objetivo interesses coletivos, sendo inadmissíveis a realização de interesses privados; a segunda, sob a ótica jurídica: o termo “bem público” tem reflexos mais abrangentes do que apenas a “finalidade pública”, mas se refere a sua integração ao patrimônio estatal, razão pela qual deve-se entender que o dispositivo legal tornou “públicos todos os bens existentes no âmbito do porto organizado destinados às finalidades previstas no dispositivo legal”, o que não existia no regime da lei anterior, que fazia menção expressa à existência de bens privados no porto organizado. Tendo a lei definido porto organizado como “bem público construído e aparelhado”, todo e qualquer porto que não atender a tais requisitos não será considerado como tal, mas sim como porto “não organizado”, cujas atividades realizam-se à margem do ordenamento legal, em regra, de inexpressivo tamanho e pequena movimentação. 1.3.2.2 Área do porto organizado A lei estabelece distinção entre “porto organizado”, que requer construção e aparelhamento, e “área do porto organizado”, que delimita as áreas das instalações portuárias e infraestrutura de proteção e acesso ao porto organizado. A área do porto organizado é definida como poligonal, que é um desenho geométrico elaborado em mapa, carta ou planta, indicando o limite geográfico da área do porto organizado, onde a autoridade portuária detém a administração do porto, sendo composta pelos acessos terrestres e aquáticos, pelas instalações portuárias e infraestrutura de proteção à atividade portuária. A definição das poligonais orienta-se pelas direções dadas pelo Plano de Desenvolvimento e Zoneamento – PDZ, Plano Diretores Estratégicos de cada porto, e pelo Plano de Nacional de Logística Portuária – (PNLP). A área do porto organizado não está circunscrita apenas aos berços de atracação e faixa do cais, mas é composto por toda a estrutura que respalda a movimentação de cargas, como,por exemplo, vias de acesso, armazéns, pátios etc. As instalações portuárias localizam-se tanto dentro como fora do porto organizado. Na área exterior do porto situam-se os terminais privativos, instalação portuária pública de pequeno porte, estação de transbordo de carga e instalação portuária de turismo (esta pode ficar tanto dentro como fora da área do porto). 1.3.2.3 Mão de obra portuária No que se refere às relações de trabalho, a nova lei manteve as atribuições do OGMO, criadas pela lei anterior, na gestão da mão de obra avulsa, acrescentando- lhe mais a responsabilidade solidária pelas indenizações resultantes de acidentes de 15 trabalho, além da responsabilidade solidária pela remuneração aos trabalhadores portuários avulsos, já prevista na Lei n.º 8.630/93. Outra alteração trazida pela lei, e talvez a mais significativa, está contida no § 2º, do artigo 40, da Lei n.º 12.815/13, o qual estende aos trabalhos de capatazia, bloco, estiva, conferência de carga, conserto de carga e vigilância de embarcações, a obrigatoriedade de, em caso de contratação de trabalhadores com vínculo de emprego, sejam elas realizadas exclusivamente entre os trabalhadores registrados no OGMO. Reconheceu-se também os trabalhadores portuários como categoria diferenciada (§ 4º, art. 40, da Lei n.º 12.815/13). 1.3.2.4 Administração portuária Segundo a regra disposta no artigo 17, caput, da Lei n.º 12.815/13, a administração do porto é executada “diretamente pela União, pela delegatária ou pela entidade concessionária do porto organizado”. O legislador da nova lei dos portos não deixou clara a definição de “autoridade portuária”, motivo pelo qual, não raro, as noções de administração portuária e autoridade portuária têm sido tratadas como equivalentes. Neste diapasão, o glossário do Ministério da Infraestrutura (2019) define administração portuária como: A entidade de direito público ou privado, denominada autoridade portuária, que exerce a exploração e a gestão do tráfego e da operação portuária na área do porto público, podendo essas atividades serem (sic) realizadas diretamente pela União ou mediante concessão. As atribuições da autoridade portuária (empresa que firmou contrato de concessão com a União para administrar e explorar o porto), exercidas no porto organizado, estão minuciosamente, e em rol taxativo, detalhadas no § 1º, itens I a XV, do artigo 17, da nova lei dos portos, podendo-se citar, por exemplo, pré-qualificar os operadores portuários, arrecadar valores de tarifas, fiscalizar obras, fiscalizar a operação portuária, promover a remoção de embarcações etc. A administração portuária tem atuação singular à medida que tanto exerce atos de gestão, equiparando-se ao particular, quanto atos dotados de prerrogativas de poder público, como Autoridade Pública Federal por delegação da União Federal e por imperativo legal (Lei n.º 12.815/13). De outra parte, objetivando alavancar a feitura de contratos entre a autoridade portuária e o setor privado, assinalada pelo excesso de formalidades, foi editada a Portaria 574, de 27 de dezembro de 2018, pelo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, a qual buscou descentralizar as competências relativas à exploração indireta das instalações dos portos organizados e das correspondentes administrações portuárias, além de criar o Índice de Gestão da Autoridade Portuária – Igap. Tarefas (elaboração de editais, formalização dos contratos etc.) que anteriormente competiam à Antaq passam a ser delegadas às administrações portuárias. 16 O artigo 36, do Decreto n.º 8.033, de 27 de junho de 2013, que regulamentou a nova lei dos portos, dispôs sobre a criação, em cada porto, de um Conselho de Autoridade Portuária – CPA, na qualidade de órgão consultivo da administração do porto, o que tem sido considerado bastante aceitável por se tratar de foro ideal para o debate das diretrizes e objetivos de cada porto organizado, além de se revestir em bom canal de interlocução entre as empresas, o Poder Público e os trabalhadores. Vale observar que o CAP já existia na anterior regulamentação portuária, detendo poderes inclusive para arbitrar eventuais conflitos no âmbito do porto organizado. A atual regulação limitou as atribuições do CAP, que passou a ter função tão somente consultiva, contudo, para Cabral Arlota (2019), nada obstante à modificação, “a primazia do Poder Público na formação dos CAPs foi reforçada: a Administração Pública indicará oito dos dezesseis membros que formarão o CAP, e a SEP apontará, necessariamente, o presidente de cada CAP”. 1.3.3 Contratos administrativos Segundo as disposições contidas na nova Lei dos Portos, a conclusão a que se chega é que o serviço portuário está longe de ser um serviço público, nada obstante a notável relevância pública que esta modalidade de serviço desperta. A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo 21, item XII, letra “f”, que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os portos marítimos, fluviais e lacustres. A seu turno, o § 1º, do artigo 1º, da Lei 12.815/13, determina que “a exploração indireta do porto organizado e das instalações portuárias nele localizadas ocorrerá mediante concessão e arrendamento de bem público”, ou seja, investimentos na exploração indireta ocorrerão mediante concessão ou arrendamento de bem público, sem olvidar a figura da autorização. Vejamos a seguir cada um desses institutos. 1.3.3.1 Concessão No que se refere à concessão, trata-se de cessão onerosa do porto organizado objetivando a administração e a exploração de sua infraestrutura por prazo determinado, ou seja, concede-se a administração de toda a área do porto organizado à iniciativa privada, sem perder, entretanto, a disposição de serviço público. O artigo 4º da lei em comento determina que a concessão, sempre precedida de licitação, seja instrumentalizada mediante a celebração do respectivo contrato de concessão. Dentre os requisitos necessários para a efetivação de investimentos em concessão de porto organizado, pode-se citar: decisão do poder concedente de licitar o porto, estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental elaborado pelo poder concedente, elaboração de edital de licitação, realização de procedimento licitatório e participação do investidor no procedimento licitatório. A licitação, que poderá ocorrer na modalidade de leilão, para concessão é regida pela Lei n.º 12.815/2013, Lei n.º 12.462/2011, Decreto n.º 8.033/2013 e Decreto n.º 7.581/2011. Dentre os critérios utilizados para julgamento, pode-se citar: mais capacidade de movimentação, menor tarifa, menor tempo de movimentação de carga, 17 maior valor de investimento etc. (MANUAL DO INVESTIDOR EM OUTORGAS PORTUÁRIAS, 2019). O prazo de exploração do porto organizado, segundo o artigo 19 do Decreto n.º 8.033/13, com redação dada pelo Decreto n.º 9.048/17, será determinado e de até “trinta e cinco anos, prorrogável por sucessivas vezes, a critério do poder concedente, até o limite máximo de setenta anos, incluídos o prazo de vigência original e todas as prorrogações”. Findo o prazo contratual, os bens reverterão ao poder concedente para nova licitação. 1.3.3.2 Arrendamento O arrendamento, segundo a regra inserta no item XI, do artigo 2º, da nova lei dos portos, refere-se à “cessão onerosa de área e infraestrutura públicas localizadas dentro do porto organizado, para exploração por prazo determinado”. Referida cessão instrumentaliza-se por meio do contrato de arrendamento, meio pelo qual é conferido ao particular o direito de explorar áreas e infraestruturas públicas para movimentação ou armazenagem de mercadorias, procedentes ou dirigidas ao transporte aquaviário, ou embarque e desembarque de passageiros (MANUAL DO INVESTIDOR EM OUTORGAS PORTUÁRIAS, 2019). Cuida-se da segunda modalidade de exploração das atividades portuáriaspelo particular. Muitos dos mecanismos de garantia do interesse público atinentes à categoria das concessões são também aplicados ao arrendamento, tais como realizações de consultas e audiências públicas, exigência de licitação, prazo determinado dos contratos, critérios de política tarifária, reversão dos bens vinculados ao arrendamento ao patrimônio da União ao final do contrato etc. Incide, como no contrato de concessão, a regra prevista no artigo 19, do Decreto n.º 8.033/13, com redação dada pelo Decreto n.º 9.048/17, que prevê o prazo determinado de trinta e cinco e anos para o contrato de arrendamento, prorrogável por sucessivas vezes, a critério do poder concedente, até o limite máximo de setenta anos. Neste ponto, vale destacar a edição da Portaria n.º 530, de 13 de agosto de 2019, do Ministério da Infraestrutura, que estabelece normas para alterações em contratos de arrendamento portuário, conforme a seguir. O artigo 6º da citada portaria considera alterações contratuais aptas a integrarem o contrato de arrendamento portuário, entre outras: a) obrigação de realização de novos investimentos; b) alteração do tipo de carga movimentada; c) expansão ou redução da área arrendada; d) substituição da área arrendada; e) unificação de contratos; f) revisão do cronograma de investimentos; e g) prorrogação do prazo de vigência. No que diz respeito à prorrogação do contrato de arrendamento, a lei exige os requisitos abaixo elencados e insertos no artigo 68, da portaria 530, de 13 de agosto de 2019, que dispõe in verbis: I – cláusula no contrato de arrendamento que autorize a prorrogação, respeitado o limite máximo de vigência previsto na legislação; II – justificativa da vantajosidade da prorrogação em relação a uma nova licitação; 18 III – aprovação do plano de investimentos pelo poder concedente, quando houver; e IV – a aprovação do EVTEA pela Antaq. Parágrafo único. A vantajosidade da prorrogação será avaliada sob a ótica qualitativa e será atestada mediante análise dos seguintes aspectos: I – eficiência e desempenho do arrendatário na prestação de serviços aos usuários do porto; II – cumprimento das obrigações contratuais do arrendatário ao longo da vigência do contrato de arrendamento; III – cumprimento pelo arrendatário das normas regulatórias da Antaq; IV – atratividade do plano de investimento, se houver; e V – outros fatores considerados relevantes pelo poder concedente. 1.3.3.3 Autorização O artigo 2º, item XII, da nova lei dos portos, define a autorização como “outorga de direito à exploração de instalação portuária localizada fora da área do porto organizado”, isto é, trata-se da prestação de serviços portuários em espaço localizado fora do porto organizado, alcançando os terminais de uso privativo, a estação de transbordo de carga, a instalação portuária pública de pequeno porte e a instalação portuária de turismo (artigo 8º, da Lei n.º 12.815/13). A autorização formaliza-se por meio do contrato de adesão, ou seja, contrato com cláusulas predeterminadas, firmado entre o poder concedente e o autorizatário, com interveniência da ANTAQ, sendo dispensada a licitação, mas se exigindo chamada ou anúncios públicos, ou até mesmo processo seletivo público, de modo a garantir a publicidade e transparência ao setor. A autorização de instalação portuária poderá viger por até vinte e cinco anos, prorrogável por sucessivos períodos, desde que a atividade portuária seja mantida e o autorizatário promova os investimentos necessários para a expansão e modernização das instalações portuárias (§ 2º, do artigo 8º, da Lei n.º 12.815/13). Quadro 1: Exploração indireta e direta do porto organizado e instalações portuárias EXPLORAÇÃO INDIRETA EXPLORAÇÃO DIRETA 19 Concessão Arrendamento Autorização Delegação . Cessão onerosa do porto organizado, com vistas à administração e à exploração de sua infraestrutura por prazo determinado (35 anos) . Contrato de Concessão . Licitação . Cessão onerosa de área e infraestrutura públicas localizadas dentro do porto organizado, para exploração por prazo determinado (35 anos) . Contrato de Arrendamento . Licitação . Outorga de direito à exploração de instalação portuária localizada fora da área do porto organizado e formalizada mediante contrato de adesão por prazo determinado (até 25 anos) . Contrato de Autorização . Chamada, anúncios públicos, processo seletivo público . Transferência, mediante convênio, da administração e da exploração do porto organizado para Municípios ou Estados, ou a consórcio público nos termos da Lei n.º 9.277/96 Fonte: Raele, 2019. 1.4 O porto e o meio ambiente Entre o homem e a natureza alicerçou-se uma relação dicotômica, transformada em uma das maiores questões éticas a partir do século XX, impulsionada, sobretudo, pelo avanço econômico. A proteção aos recursos naturais é fundamental à nossa sobrevivência: se no século passado nossos esforços estiveram voltados para a concretização dos direitos humanos, neste século, necessariamente, convergem para as questões ambientais. O desafio de suprir as necessidades da geração contemporânea de modo a não pôr em risco as demandas das gerações futuras fez nascer a ideia de desenvolvimento sustentável, o qual pode ser compreendido como a capacidade de utilização dos recursos naturais sem prejudicar sua disponibilidade para as gerações futuras, impondo-se assim uma nova forma de exploração das matérias em estado natural retiradas da natureza e um novo padrão de consumo. Vale lembrar que há matérias-primas que não se renovam de forma natural ou pela intervenção humana, como, por exemplo, o petróleo, e mesmo as renováveis poderão se esgotar em decorrência do mau uso. De forma limitada, tem-se associado o conceito de sustentabilidade às ações ambientalistas, mas sua definição é muito mais ampla envolvendo diversas variantes, como se verá adiante. Como é sabido, os portos desempenham importantíssimo papel no comércio mundial, refletindo no desenvolvimento econômico do país e contribuindo, entre o mais, para a edificação do setor de logística. O crescimento do comércio exterior tem 20 imposto um novo paradigma ao campo portuário, de modo a atender às exigências cada vez maiores dos que utilizam as atividades portuárias, especialmente, no que se refere à celeridade e eficiência, bem como para se adequar ao modelo mundial e tornar-se mais competitivo. Nada obstante o aspecto extremamente positivo, o sistema portuário também tem potencial para produzir impactos ambientais que fazem surgir expressivos passivos ambientais. Segundo Quintieri (2010, p. 403), conforme citado por Dias (2013), as modificações ambientais fomentadas por um porto prendem-se não só a sua construção, ampliação, reformas ou adequação a padrões mais modernos, mas, igualmente, à operação portuária em si mesma, tais como a manutenção da infraestrutura, serviços e sistemas de carga e descarga, estocagem e transporte. Há que se ressaltar também os prejuízos à vegetação natural, que cede espaço para a construção, por exemplo, do cais, degradando-se de forma inexorável, além das consequências decorrentes da utilização intensa de malhas viárias, que, não raro, exigem readequação do espaço urbano. Debruçando-se sobre o tema, Dias (2013) assim se manifesta: Dentre as alterações geradas pode-se relacionar algumas, como, por exemplo, dragagens e disposição dos materiais dragados, produção de resíduos sólidos e líquidos, derramamento de produtos, drenagens de áreas, inserção de espécies exóticas através das águas de lastro, processos erosivos e alterações da linha costeira, entre outros. A reestruturação e modernização do sistema portuário, cujo processo teve início com a edição da Lei n.º 8.630/93 e aperfeiçoou-se com apromulgação da Lei n.º 12.815/13, tratou de forma limitada a questão ambiental. A primeira lei de modernização dos portos, como já examinado, centralizou-se nas questões que giravam em torno dos altos custos, deficiência tecnológica, novas regras para o âmbito trabalhista e participação da iniciativa privada. A segunda e atual lei de modernização dos portos (Lei n.º 12.815/13), a seu turno, buscou, essencialmente, cuidar da exploração dos terminais portuários. Como se vê, em ambas as regulações procurou- se, primariamente, instituir normas capazes de adequar os portos brasileiros ao rápido desenvolvimento comercial entre países e blocos econômicos, e de forma secundária, dispôs limitadamente sobre as questões ambientais, isto em grande parte pode ser atribuído a uma visão estrábica de que a regulação ambiental constitui fator “que ameaça a competitividade das empresas”. (KITZMANN e ASMUS, 2006) As questões ambientais foram tratadas pela Lei n.º 12.815/13 (nova lei dos portos) de forma pouco detida e restringiram-se a aspectos pontuais como, por exemplo, o licenciamento ambiental por ocasião da celebração do contrato de concessão ou arrendamento (artigo 14, item III); ou o elenco de competências da administração portuária, o qual prevê a fiscalização da operação portuária para que se cumpra, entre o mais, os requisitos da segurança e respeito ao meio ambiente (artigo 17, § 1º, VI); ou, ainda, no diz respeito à implantação do Programa Nacional de Dragagem Portuária e Hidrovia II, que dentre outras atividades abrange o monitoramento ambiental (artigo 53, § 1º, III). De outra parte, em razão do vazio legislativo portuário no Brasil, competiu ao Ministério Público, por meio de demandas judiciais, a edificação complementar de amparo às questões ambientais portuárias. Apesar da ausência interna de um 21 regramento mais completo ao meio ambiente portuário, há vários instrumentos internacionais dispondo sobre o tema e ratificados pelo Brasil, tais como a Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida Humana no Mar (1974); Convenção da Basileia (1989) sobre controle e movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e sua eliminação (Decreto Legislativo 34/92); Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios (Decreto n.º 2.508/98); International Maritime Dangerous Goods Code – IMDG, da Organização Marítima Internacional – IMO, regulamentando o manuseio, estocagem, transporte, simbologia e cuidados especiais com produtos considerados perigosos pela ONU; Convenção Internacional para o Controle e Gestão da Água de Lastro e Sedimentos de Embarcações, elaborada pela IMO em 2004 (KITZMANN e ASMUS, 2006). A intricada problemática portuária impôs e tem imposto a necessidade de boas práticas de gestão. Segundo a Resolução Conama n.º 306/2002, por Gestão Ambiental pode-se entender “a condução, direção e controle do uso dos recursos naturais, dos riscos ambientais e das emissões para o meio ambiente, por intermédio da implementação de um Sistema de Gestão Ambiental” (ANTAQ, 2019). Trata-se, portanto, consoante observa Kitzmann e Asmus (2006), de um grupo de práticas administrativas e operacionais destinadas “à proteção do ambiente e à saúde e segurança dos trabalhadores, usuários e comunidade”, as quais ainda não encontraram a aplicação ideal no sistema portuário brasileiro, apesar de sua relevância e abrangência. 2. DIREITO TRIBUTÁRIO O direito tributário está presente de modo pleno na vida cotidiana das empresas. Pode-se definir direito tributário como um ramo do direito público, substanciado em um conjunto de normas jurídicas dispostas a regular a ação estatal de tributar e de fiscalizar. Sua finalidade primordial é regular a relação obrigacional que se estabelece entre o Estado e o particular, o qual figura como contribuinte (sujeito 22 passivo que se situa no polo negativo da relação jurídica tributária) e obriga-se a uma prestação pecuniária para o Estado (sujeito ativo no polo positivo da relação jurídica tributária). Clássica e sempre atual é a observação de Becker (1972, p. 234), para quem: A regra jurídica especificamente (sic) tributária é a que, incidindo sobre fato lícito, assegura a continuidade e a realização da relação constitucional do estado-realidade natural, porque faz uma pessoa querer assumir posição no polo negativo da relação constitucional, impondo-lhe um dever jurídico. Direito Tributário é o sistema formado pelas regras jurídicas que disciplinam o nascimento, a vida e a extinção daquele dever. O direito é um fenômeno por excelência humano, disposto a atender às necessidades do homem socialmente considerado. Por essa razão, o direito só se verifica no interior da sociedade, sendo inconcebível fora dela (REALE, 2005, p. 4): em outras palavras, o fenômeno jurídico está condicionado ao fenômeno social, daí o brocardo jurídico ubi societas, ibi jus (onde está a sociedade está o direito). Sociedade alguma subsiste sem lineamentos mínimos de ordem, segurança, justiça e solidariedade. Como ciência, o direito cinde-se em mais de uma forma, sendo a mais elementar a que estabelece a separação entre direito público e direito privado, que se ocupa das relações entre os particulares (pessoas físicas e jurídicas), enquanto aquele trata das relações entre particulares e o Estado, e/ou relações entre entes estatais. Nada obstante, modernamente, a doutrina repudiar a dicotomia do direito em público e privado; certo é que o direito tributário tem natureza jurídica (ajustar um instituto de direito ao ramo ao qual pertence) de direito público à medida que o Estado, na relação tributária que estabelece com o particular, desfruta de posição superior, como ente supremo, dotado de soberania e poder de império. Mesmo sendo de discutível aceitação a independência entre os diversos ramos do direito, certo é que o direito tributário goza de autonomia tanto didática, haja vista seu ensino individualizado, como científica, uma vez que é dotado de princípios próprios e institutos específicos, os quais serão analisados mais à frente deste estudo. O direito tributário relaciona-se com diversos outros ramos do direito, como, por exemplo, o direito privado, no ponto em que importa e utiliza, sobretudo, o conceito e aplicação do direito das obrigações; com o direito constitucional estabelece especial relação, uma vez que o direito de tributar vincula-se a questões por excelência de natureza constitucional; e com o direito administrativo, uma vez que este ramo do direito cuida, entre o mais, da atuação da administração pública no que se refere à arrecadação dos tributos e à fiscalização. Em linha de arremate, o direito tributário foi codificado, vindo à luz o Código Tributário Nacional (CTN) por meio da Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966, contendo duzentos e dezoito (218) artigos, o qual foi recepcionado pela Constituição Federal/88 com o status de lei complementar, muito embora formalmente se trate de uma lei ordinária. 2.1 Da atividade financeira estatal 23 A Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, logo em sua abertura, elenca no artigo 3º os objetivos basilares da República Federativa do Brasil, entre os quais o de promover o bem de todos (item IV). A realização do bem comum, sem dúvida, é própria razão de ser do Estado, mas para que tal aconteça é necessária a obtenção de recursos financeiros, que serão arrecadados e administrados por meio da atividade financeira estatal. Discorrendo sobre a atividade financeira do Estado, Souza (1975, p. 32) citado por Ichihara (1999, p. 71), assim se manifesta: [...] essa atividade se desenvolve fundamentalmente em três campos: a receita, isto é, a obtenção de recursos patrimoniais; a gestão, que é a administração e conservação do patrimônio público; e finalmente a despesa, ou seja, o emprego de recursos patrimoniais para realização dos finsvisados pelo Estado. Ainda nas lições de Ichihara (1999, p. 72), as receitas são de duas ordens, quais sejam a originária, decorrente do próprio patrimônio do Estado, e a derivada, na qual se incluem as provenientes de arrecadação de tributos. Desta forma, a tributação destina-se à realização dos objetivos fundamentais da sociedade, constituindo um dever, e não uma imolação, de todos os cidadãos em prol da preservação e continuidade da sociedade que integram. 2.2 Do sistema tributário nacional A cobrança de tributos reveste-se em um dos principais meios do Estado de arrecadar recursos financeiros para executar seus indispensáveis propósitos. O texto constitucional destina o Título VI para tratar “Da Tributação e Orçamento” e no Capítulo I, artigos 145 a 162, dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional, destacando a estrutura orgânica dos tributos arrecadados pela União, Distrito Federal, Estados e Municípios, além de fixar os sujeitos de cada tributo, assim como delimitar o poder tributário (incidência e não incidência) e suas respectivas competências e tratar da divisão das receitas. A definição de tributo está contida no artigo 3º do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) que dispõe in verbis Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. A redação do artigo em referência deixa clara que somente será considerado tributo se forem apresentadas cumulativamente todas as particularidades descritas no texto, tais como, por exemplo, prestação pecuniária, instituída em lei, sem caráter de sanção etc. Tributo é gênero do qual são espécies: o imposto, as taxas e as contribuições de melhorias segundo a maior parte da doutrina, mas há também quem 24 defenda a inclusão do empréstimo compulsório e das contribuições sociais como espécies tributárias. A natureza específica de um tributo, segundo o artigo 4º do CTN, é indicada pelo fato gerador, que nada mais é do que um fato ou conjunto de fatos que dão origem à incidência de um imposto. Veja-se a seguir cada uma das três espécies usuais de tributos. O artigo 16 do Código Tributário Nacional define imposto como “o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. Vale destacar que o fato gerador não tem origem a partir de uma atividade da autoridade pública. Para melhor elucidação, tome- se como exemplo o Imposto sobre Propriedade de Veículos automotores – IPVA, cuja exigência não depende de nenhuma atividade do Estado, mas sim da condição de alguém ser proprietário de um veículo automotor, consoante esclarece Ichihara (1999, p. 76). No que se refere às taxas, o artigo 77 do CTN dispõe in verbis: As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Como se vê, a taxa tem como fato gerador a prestação de um serviço público ou o exercício do poder de polícia, cuja razão de ser situa-se no interesse público. O poder de polícia, conforme Hely Lopes Meirelles (1989, p. 110), é a “faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”. O artigo 78 do CT, em detido texto explicativo, relata o que se considera poder de polícia, afastando o abuso ou desvio de poder; como exemplo de taxa proveniente do poder de polícia, segundo Ichiahara (1999, p. 76), pode-se citar a “taxa de publicidade”, a “taxa de instalação e funcionamento” etc. A base de cálculo da taxa não pode ser idêntica à reservada pela lei para o imposto, tampouco se pode determinar a base de cálculo em função do capital da empresa; desta forma, conforme explicita Ichihara (1999, p. 77), fica proibido, por exemplo, a prefeitura cobrar taxa de licença com base no valor venal do imóvel, ou a taxa da junta comercial ser calculada com base no capital das empresas. Instituída pelo artigo 81 do CTN, a contribuição de melhoria pode ser cobrada pela União, Distrito Federal, Estados e Municípios, em decorrência dos custos de obras públicas que acarretarem valorização imobiliária, tendo como baliza o limite total da despesa realizada e como limite individual a adição da importância que da obra resultar para cada imóvel favorecido. Tal exação é vista como meio capaz de atenuar ou até mesmo extinguir a especulação imobiliária. Quanto ao empréstimo compulsório, trata-se igualmente de tributo, porém, não incluído no rol do artigo 145 da Constituição Federal/88 tampouco no artigo 5º do Código Tributário Nacional. O fato gerador é o estabelecimento pela União de obrigação de prestação destinada a satisfazer despesas extraordinárias ou investimento urgentes. O artigo 15 do CTN dispõe in verbis: 25 Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir empréstimos compulsórios: I – guerra externa, ou sua iminência; II – calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os recursos orçamentários disponíveis; III – conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo. Parágrafo único. A lei fixará obrigatoriamente o prazo do empréstimo e as condições de seu resgate, observando, no que for aplicável, o disposto nesta Lei. A Constituição Federal/88 elasteceu as hipóteses de cobrança de empréstimos compulsórios, conforme seu artigo 148, que dispõe in verbis: A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b". Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição. No que diz respeito às contribuições sociais, segundo Ichihara (1999, p. 83/84), trata-se, indiscutivelmente, de uma contribuição de natureza tributária, também conhecida por “contribuições parafiscais” ou “contribuições especiais”, assinaladas pelo fato de que os sujeitos ativos (pessoa jurídica estatal) da obrigação tributária, neste caso, não são os entes da administração pública direta tais como a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, mas sim as autarquias ou “outros entes menores”, por expressa delegação da União, que lhes confere também a apropriação do produto de sua arrecadação, de modo a atender a finalidade do interesse público. As contribuições sociais estão previstas no artigo 149, da Constituição Federal/88, e são identificadas por sua destinação, à medida que constituem ingressos voltados à atuação da União no âmbito da ordem social. Apresentam-se em três subespécies, a saber: a) contribuições sociais em sentido estrito, que são aquelas direcionadas ao custeio da seguridade social; b) contribuições de intervenção no domínio econômico – CIDE, que são criadas com a finalidade de regular certo mercado para corrigir distorções ; e c) contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, dispostas para financiar as categorias econômicas e profissionais, tais como OAB, CRA, SENAI, SEBRAE etc. Quadro 2: Tributos ESPÉCIES DE TRIBUTOS IMPOSTO TAXAS CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS: . sentido estrito 26 . intervenção . interesses Fonte: Raele, 2019. 2.3. Princípiosdo direito tributário Como ciência jurídica, o direito tributário é dotado de princípios próprios, admitidos, no mais das vezes, como limitações constitucionais ao poder de tributar e como modo de proteção aos direitos e garantias individuais. No presente estudo, destacamos os mais relevantes princípios do direito tributário consoante abaixo arrolados: 2.3.1 Princípio da legalidade: nenhum tributo pode ser exigido se não houver uma lei que o defina especificando, por exemplo, a hipótese de incidência, a base de cálculo, os sujeitos ativos e passivos etc. Assim, todo tributo tem como causa uma lei. Trata-se do mais importante princípio do sistema tributário, e está contido genericamente no artigo 5º, II, da CF/88, que dispõe “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; bem como previsto no artigo 150, I, da CF/88, que prevê “Sem prejuízo de outras garantias ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça” . 2.3.2 Princípio da anterioridade da lei: específico do direito tributário e corolário da segurança jurídica. Significa que os tributos não poderão ser exigidos no mesmo exercício em que forem criados ou alterados, mas sim cobrados somente a partir do exercício seguinte. O artigo 150, III, da CF/88 determina que “[...] é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III – cobrar tributos. b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou alterou.” 2.3.3 Princípio da irretroatividade da lei: por este princípio fica vedada a instituição de tributos no mesmo exercício financeiro ou regressivo à data da promulgação da lei que o criou, em prestígio ao princípio vedativo da irretroatividade da lei e aos ditames constitucionais de que a lei “não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (artigo, 5º, XXXVI, da CF/88). Contudo, excepcionalmente, a aplicação do tributo poderá retroagir na hipótese de beneficiar o contribuinte, desde que não macule direitos de terceiro. O princípio da irretroatividade da lei tem referência expressa no artigo 150, III, alínea a, da CF/88, segundo o qual “[...] é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III – cobrar tributos: a) em relação a fotos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”. 2.3.4 Princípio da igualdade ou da isonomia: por este princípio os contribuintes em situação de igualdade jurídica (no sentido aristotélico: tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais) deverão ter o mesmo tratamento, 27 isto é, a lei tributária deve incidir de modo idêntico, respeitada a capacidade contributiva inserta no § 1º, do artigo 145, da CF/88, que prevê que os impostos, sempre que cabível, terão caráter pessoal e serão aferidos de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. O princípio da igualdade ou isonomia tributária decorre do princípio constitucional de igualdade jurídica previsto no artigo 5º, caput, da CF/88, e está contido no artigo 150, II, da CF/88, segundo o qual é proibido aos entes com capacidade de tributar “instituir tratamentos desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”. 2.3.5 Princípio da capacidade contributiva: cravado no princípio da igualdade ou isonomia, este princípio está inserto no § 1º, do artigo 145, da CF/88, que prevê que os impostos, sendo possível, terão caráter pessoal e serão aferidos de acordo com a capacidade econômica do contribuinte, implicando na máxima de que, em termos econômicos, seja justo que aquele que tem muito pague, de forma paritária, mais imposto do que o que tem pouco. Não há dúvida que se trata de expediente com vistas à adequada distribuição de renda e diminuição da desigualdade social. 2.3.6 Princípio do direito à proteção jurisdicional: corolário do preceito constitucional, inserto no artigo 5º, XXXV, da CF/88, de que a “lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de direito”, este princípio se traduz no direito do contribuinte submeter ao poder judiciário lesão de direito individual decorrente de tributação ilegal ou indevida. 2.3.7 Princípio da uniformidade da tributação: consiste na obrigatoriedade de tributar uniformemente em todo território nacional, proibindo-se qualquer “distinção ou preferência” em relação aos Estados, Distrito Federal ou aos Municípios, exceto na hipótese de incentivos fiscais; assim como fica vedado à União tributar renda proveniente das obrigações da dívida pública estadual ou municipal e proventos dos agentes dos Estados e Municípios, em grau mais elevado ao que fixar para suas obrigações e para seus agentes; vedando-se, ainda, a instituição de isenções de tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios. O princípio da uniformidade da tributação está respaldado no artigo 150, I, II e III, da CF/88. 2.3.8 Princípio do direito penal tributário: o descumprimento da obrigação tributária, decorrente de condutas tipificadas como crime na legislação penal, atrai o direito que o Estado tem de punir. Assim, por exemplo, havendo crimes de apropriação indébita de tributos ou, mais comumente, de sonegação fiscal, serão aplicadas normas do direito penal tributário substanciadas em penas privativas de liberdade, multas etc., valendo ressaltar que, mesmo com a incidência dessas penas, a obrigação tributária subsiste até que seja cumprida com os acréscimos legais ou venha a ser extinta na forma da lei. 2.4. Competência tributária Trata-se do poder de tributar outorgado pela Constituição Federal de 1988 aos entes políticos, isto é, a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, 28 poder esse que só poderá ser exercido pelo ente político que tiver competência constitucional. A competência tributária é revestida de vários atributos, sendo indelegável, irrenunciável, inalterável, incaducável (mesmo não exercida, continua válida), facultativa e exclusiva (cada ente federado detém sua faixa de competência privativa). Além das competências privativas, há também a competência cumulativa e comum, que prevê a possibilidade de todos os entes políticos fixarem o tributo, tais como “impostos, taxas e contribuição de melhoria” (artigo 145, II e III, da CF/88), assim como a competência concorrente prevista no artigo 24 da CF/88, na qual, nada obstante todos os entes federados possuírem competência para legislar sobre direito tributário, a União edita normas gerais, que poderão ser suplantadas pelos Estados. Veja-se a seguir as competências privativas respeitantes a cada um dos entes políticos. 2.4.1 Competência da União A União, privativamente, poderá instituir impostos, segundo o artigo 153 da CF/88, sobre importação e exportação; renda e proventos de qualquer natureza; produtos industrializados; operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; propriedade territorial rural; grandes fortunas, nos termos de lei complementar e, ainda, sobre ouro (definido como ativo financeiro ou instrumento cambial), além de outros não previstos no rol acima citado (desde que não cumulativos), assim como impostos extraordinários em caso de guerra externa, mesmo não incluídos em sua competência tributária. 2.4.2 Competência dos Estados e do Distrito Federal De acordo com o artigo 155 da CF/88, foram atribuídos aos Estados e ao Distrito Federal os seguintes impostos: transmissão causa mortis e doação de bens e direitos; operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (transmissão e recepção de mensagens escritas, visuais e faladas, por meio de veículos de comunicação, tais como, rádio, televisão etc.). 2.4.3 Competência dos MunicípiosNo que se refere aos Municípios, o artigo 156 da CF/88 determina que estes entes poderão instituir impostos sobre: propriedade predial e territorial urbana; transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis (compra, venda, permuta etc.); sobre serviços de qualquer natureza definidos em lei complementar, desde que não compreendidos no artigo 155, II, da CF/88 (circulação de mercadorias, serviços de transporte e de comunicação). 2.5 Tributação no comércio exterior 29 A tributação que recai sobre o comércio exterior de bens é repleta de especificidades que a diferenciam de outras esferas do sistema constitucional tributário, mormente por envolver “o domínio das relações comerciais mantidas pelo Brasil no concerto das nações”, consoante assinala Carvalho (2012, p.19). Para o autor, até os equívocos singelos nesta seara podem macular decisões de política internacional, comprometendo a gestão governamental. Os tributos incidentes sobre as atividades de comércio exterior estão regulados no Decreto n.º 6.759, de 05 de fevereiro de 2009 (regulamento aduaneiro), com destaque para os impostos de importação (artigo 69 do Decreto citado) e exportação (artigo 212 do mesmo Decreto), além deles outros tributos em cascata. Assim sendo, as operações de comércio exterior, no sistema vigente, atraem a incidência dos seguintes tributos: a) imposto sobre importação; b) imposto de exportação; c) impostos sobre circulação de mercadorias – ICMS; d) imposto sobre serviços – ISS (no que couber); e) imposto sobre produtos industrializados – IPI, na importação; f) contribuição ao PIS/PASEP – importação e Cofins – importação; g) Contribuição sobre Domínio Econômico – CIDE, combustíveis; h) adicional do frete para renovação da marinha mercante – AFRMM; além de taxas. A despeito de reinar a ideia corrente de que a tributação no comércio exterior tenha contorno extrafiscal, pois se volta a fins públicos mais depurados, cujo ápice é a proteção da soberania nacional, certo é que também nesse âmbito o interesse arrecadatório tem papel basilar. Ainda no que se refere à natureza extrafiscal dos impostos de importação e exportação, vale observar que a CF/88, adotando tal direção, exclui (§ 1º, artigo 150) essas duas modalidades de impostos dos efeitos de alguns princípios de índole tributária, como, por exemplo, o da anterioridade tributária, já examinado, e que adia a cobrança do tributo para o exercício financeiro seguinte à publicação da lei que o tenha criado ou majorado de modo a não causar surpresas aos contribuintes e conferir tempo para a devida programação; além de facultar ao Poder Executivo singelamente majorar as alíquotas dos impostos de importação e exportação (§ 1º, artigo 153). Como se vê, tais privilégios estatais, que se destinam, no mais das vezes, à proteção da economia e da soberania nacionais, reforçam a tese do caráter extrafiscal dos impostos de importação e exportação. 2.5.1 Produtos: nacionais, estrangeiros, nacionalizados, desnacionalizados Para melhor compreensão do tema, necessário se faz estabelecer a definição das seguintes terminologias: a) produtos nacionais, b) produtos estrangeiros, c) produtos nacionalizados e d) produtos desnacionalizados. Por produtos nacionais entende-se os produtos fabricados no Brasil ou que, entre nós, passem por uma modificação significativa. Os produtos estrangeiros são todos aqueles provenientes do exterior, respeitadas as regras de origem, ou seja, são produtos que não são produzidos no Brasil. 30 Já os produtos nacionalizados dizem respeito aos produtos importados de forma definitiva que, obedecidas as regras de entrada no país, transformam-se em produtos nacionais. Segundo Gueiros (2016), a Portaria MF 300/88 trouxe a seguinte definição: “Nacionalização de mercadoria importada é a sequência de atos (procedimento) que transferem a mercadoria da economia estrangeira para a economia nacional”. Os produtos desnacionalizados são aqueles nacionais ou nacionalizados que, por uma sequência de procedimentos, tornam-se estrangeiros. Conforme o disposto no artigo 70 do regulamento aduaneiro, a mercadoria nacional ou nacionalizada exportada que regresse ao país é considerada estrangeira, exceto nas seguintes hipóteses: a) remetida em consignação e não vendida no prazo autorizado; b) devolvida por motivo técnico, para reparo ou substituição; c) em razão de alteração na sistemática de importação por parte do país importador; d) por causa de guerra ou calamidade pública; ou ainda e) outros eventos alheios à vontade do exportador. 2.5.2 Despacho de importação e despacho de exportação De outra parte, vale destacar que, consoante dispõe o artigo 76 do Decreto n.º 6.759/09, qualquer “mercadoria submetida a despacho de importação está sujeita ao controle do correspondente valor aduaneiro”. O despacho de importação diz respeito ao mecanismo que possibilita processar o desembaraço aduaneiro de uma mercadoria importada e permitir seu ingresso regular no território nacional. Segundo o artigo 542 do Regulamento Aduaneiro: “Despacho de importação é o procedimento mediante o qual é verificada a exatidão dos dados declarados pelo importador em relação à mercadoria importada, aos documentos apresentados e à legislação específica”. Trata-se de procedimento de fiscalização no qual o fiscal certifica a correspondência da mercadoria descrita na declaração e a que está sendo concretamente analisada, além de verificar a exatidão dos tributos recolhidos. O despacho de importação compõe-se de uma série de documentos que ordenam a importação, destinando-se também ao lançamento de eventuais diferenças encontradas, bem como à aplicação de multas cabíveis. Poderá ocorrer, indistintamente, na zona primaria ou na zona secundária (art. 544 do regulamento aduaneiro). Qualquer mercadoria vinda do exterior, independentemente de a importação ser definitiva ou não e sujeita ou não ao pagamento do imposto de importação, será submetida a despacho de importação (art. 543 do RA), exceção feita à mala diplomática (somente a que contenha documentos diplomáticos e objetos para uso oficial) e a mala consular. O despacho de importação poderá ser realizado com ou sem registro no SISCOMEX. Quanto ao Despacho de Exportação, diz respeito também a um procedimento fiscal em moldes semelhantes ao Despacho de Importação, mas relativo à exportação. O artigo 580 do Regulamento Aduaneiro dispõe in verbis: Despacho de exportação é o procedimento mediante o qual é verificada a exatidão dos dados declarados pelo exportador em relação à mercadoria, aos documentos apresentados e à legislação específica, com vistas a seu desembaraço aduaneiro e a sua saída para o exterior. 31 Submetem-se ao despacho de exportação toda mercadoria com destino ao exterior, mesmo a que está sendo reexportada, salvo a mala diplomática ou consular (art. 582 do Regulamento Aduaneiro), bem como outras situações previstas em legislação específica. O despacho de exportação poderá ocorrer, indistintamente, em zona primária, zona secundária, outro local não alfandegado de zona secundária, incluindo-se o estabelecimento do exportador. 2.5.3 Imposto de importação Como a própria denominação, cuida-se de um imposto que incide na entrada de produtos estrangeiros no território nacional – importação, cuja responsabilidade pelo recolhimento é atribuída ao importador ou equiparado a ele pela lei e ao arrematante de produtos apreendidos ou abandonados. Destaca Ichiahara (1999, p. 208) que a ideia de produtos é mais abrangente que o de mercadorias e que a tributação da importação não deve ser entendida tão somente no sentido legal e estrito, mas que sua incidência deve ocorrer na entrada de produtos estrangeiros tais como bagagens turísticas, seja o turista brasileiro ou estrangeiro, assim como produtos estrangeiros que ingressam ilegal ou clandestinamente, uma vez apreendidos
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