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EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR Autoria: Rejane Ramos Klein UNIASSELVI-PÓS Indaial - 2019 2ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2019 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. K64e Klein, Rejane Ramos Educação especial e inclusão escolar. / Rejane Ramos Klein. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 141 p.; il. ISBN 978-85-7141-392-4 ISBN Digital 978-85-7141-393-1 1. Educação especial. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 371.9 Impresso por: Sumário APRESENTAÇÃO ..........................................................................05 CAPÍTULO 1 Da Educação Especial à Educação Inclusiva ...........................09 CAPÍTULO 2 Políticas da Educação Inclusiva e Seus Pressupostos Teórico-Metodológicos na Educação ......................................43 CAPÍTULO 3 Práticas Pedagógicas Inclusivas e as Especificidades da Inclusão ...................................................................................91 APRESENTAÇÃO Este livro aborda questões relacionadas à Educação Especial e a Educação Inclusiva. Por que passamos a viver num tempo em que a diferença e a diversidade ganharam centralidade na vida em sociedade? Esta pergunta é fundamental que seja feita em todos os âmbitos, seja nas relações familiares, interpessoais, de trabalho e, principalmente, no caso a que se propõe este livro, nas educacionais. Se há bem pouco tempo víamos ou ouvíamos falar pouco nas pessoas com deficiência, hoje temos um cenário bem diferente. No entanto, isso não significa que todos os problemas que estas pessoas enfrentam estão solucionados. Muitas foram as formas como as nomeamos: como inválidos, defeituosos, incapacitados, defeituosos, deficientes, excepcionais, portadores de deficiências, com necessidades especiais, entre outras conotações pejorativas utilizadas nas relações cotidianas. No decorrer dos capítulos deste livro discutiremos que tais maneiras de nomearmos não são neutras e não existem por acaso. Elas são inventadas em um tempo e em um espaço cultural, social, político, que, ao nomear, também produz determinadas posições para estes sujeitos, permite-os fazer ou não determinadas coisas, ocupar ou não determinados espaços. Nesse sentido, não podemos fazer apenas uma defesa de uma forma de nomear em detrimento da outra. Exaltar essa época em que muito se fala nas diferenças, na diversidade e nas pessoas com deficiência, considerando seus direitos garantidos na lei, não é garantia de que a inclusão ocorra de fato. Não se trata de reduzirmos essa questão apenas visualizando a legislação como garantia dos direitos das pessoas e como garantia de uma melhor forma, politicamente correta, de chamá-las. O conteúdo deste livro abordará as razões históricas de chamar dessa ou de outra forma. Quais os fundamentos históricos e conceituais que nos levam a pensar e a escolher um melhor nome em detrimento de outro? E, ainda, como esses fundamentos passam a constituir-se como verdades inquestionáveis em nossas relações? Problematizar estas verdades pode nos ajudar a encontrar outras respostas, outras formas de nomear, outras possibilidades de escutas que não aquelas oficialmente vistas como as mais aceitáveis e verdadeiras. Como estes sujeitos que ocupam esta posição de “pessoas com deficiência” se veem? Quais nomes que eles mesmos se dão que permitem eles se reconhecerem como sujeitos pertencentes a essa sociedade? Portanto, quando pensamos na Educação Especial precisamos necessariamente mencionar as pessoas com deficiência. Porém, sabemos que para falar delas não basta mencionar sua deficiência como sendo a sua única identidade, ou seja, ser deficiente ou ter algum tipo de deficiência não identifica o que essa pessoa é totalmente ou somente. Não resume o que essa pessoa é e nem o que ela é capaz ou não de fazer, pois ela é várias outras coisas, faz ou não muitas outras coisas. Assim, a Educação Inclusiva através do conceito de inclusão tomado de forma mais ampliada, contribui para incluirmos outras categorias que podem identificar estas pessoas, tais como as de gênero, de sexo, de classe social, de raça, de etnia, de geração etc. Precisamos então incluir estas categorias não para discriminar e também encerrar como única forma de nomear, mas como possibilidade de ampliar o nosso olhar sobre as pessoas, sobre o que elas são, sobre o que elas podem vir a ser. Por isso, passamos a falar em diversidade e em diferença. O fundamento teórico que será utilizado nesse livro, que ancora essas discussões, permitindo problematizar essas nomeações é a perspectiva pós- estruturalista e dos Estudos Culturais. Tal perspectiva ajuda a ampliar o nosso olhar porque tensiona as verdades, permite examinar o status quo para desnaturalizar as formas como tais verdades foram construídas em diferentes tempos históricos. Essa perspectiva explora “[...]modos mais alternativos de pensar, falar e potencialmente fazer determinadas práticas sociais e, concomitantemente, remodelar as metodologias de pesquisa para que elas não se constituam como ferramentas de reprodução social” (GASTALDO, 2012, p. 10). Esse olhar que movimenta as pesquisas em educação pode também movimentar as práticas sociais e escolares, pois a pesquisa não se separa da prática. Uma decorre da outra, havendo uma correlação entre uma e outra, como dois lados da mesma moeda. Citando ainda essa autora que tem contribuído para as pesquisas em saúde na Espanha e na América Latina, discutindo as questões de gênero e migração, Gastaldo (2012) afirma que a produção cientifica em educação precisa produzir conhecimento contextualmente específico, considerando seus aspectos micro e macros, mostrando que as narrativas sobre esses sujeitos não são neutras. Portanto, este é o convite: inspirado em vários estudos, uns que se alinham a esse modo de pensar outros nem tanto - mas que trazem contribuições importantes para compreendermos de modo mais aprofundado como as coisas se tornaram o que são hoje - que esse livro se constitui em uma contribuição para estudantes interessados em saber mais sobre os sujeitos que são vistos como pertencentes a Educação Especial e a Educação Inclusiva, problematizando esse lugar, situando tais sujeitos a partir do que eles próprios pensam, do que as pesquisas mostram, o que as políticas e programas tem definido para regular e organizar suas vidas. Importa ressaltar ainda que os estudos do Grupo de estudos e pesquisas em inclusão – GEPI (disponível em: http://gepinclusao.blogspot. com/) tem estado na “[...] retaguarda de nossas afirmações, questionamentos, pesquisas e discussões sobre inclusão no que se refere a abordagem foucaultiana que faz sobre o tema” (LOPES; FABRIS, 2013, s.p.). Em alguns momentos estas pesquisas serão chamadas para a conversa para nos auxiliarem a tensionar a temática da inclusão, a qual muitas vezes tem sido entendida como um lugar de chegada dos alunos e dos professores, ou outras vezes como oposto de exclusão ou simplesmente como estar todos juntos ocupando o mesmo espaço físico, ou ainda como uma mudança de paradigma, entre outros entendimentos.No Capítulo 1 será fundamental apresentar alguns marcos históricos para que possamos compreender de que forma o processo de inclusão foi se desenvolvendo, se materializando no que chamamos de Educação Inclusiva e sobre quais condições esse processo foi consolidando essas mudanças entre a Educação Especial e a Educação inclusiva. Além dos marcos históricos, os marcos políticos estão neles imbricados sendo necessários de serem acionados para mostrar que as práticas inclusivas têm como base um contexto histórico e político que permite compreender a inclusão na atualidade e visualizar os sujeitos da educação especial de outras formas. Reconhecer que as políticas atuais visam garantir os direitos de todos, a educação, a uma vida digna, mas que elas não a garantem por si só. É preciso que todos nós estejamos junto numa espécie de luta que não tem fim, que não acaba nunca. De modo mais contextualizado, no Capítulo 2, analisaremos algumas Políticas da Educação Inclusiva atuais e seus pressupostos teórico-metodológicos na escola. Identificar quais são estas políticas que ancoram o que temos hoje chamado de Educação Inclusiva nos permite visualizar as diferentes lutas políticas travadas para que o direito a uma escola para todos seja garantido. Ainda, será importante apresentar a “inclusão como imperativo” desencadeando um “processo de in/ exclusão” como conceitos, como princípios organizadores das práticas educacionais, a fim de que possamos não culpabilizar a escola, ou os professores ou as famílias, pelas práticas que frequentemente não incluem todos os sujeitos. Olhar de modo mais amplo, considerando também a exclusão em determinados momentos na sala de aula, como possibilidade necessária em algumas práticas, pode nos ajudar a organizar de modo mais adequado, negociado, discutido com todos os envolvidos nesse espaço, não sendo apenas uma imposição de fora para dentro. Já no último capítulo deste livro será abordado, de forma mais específica, sobre as práticas pedagógicas voltadas às pessoas com determinados tipos de deficiência. Alguns pesquisadores da área foram convidados para responderem perguntas que nos ajudam a compreender mais o lugar que estas pessoas consideradas com eficiência ocupam ou o lugar que nós considerados eficientes atribuímos a eles. Com isso, podemos planejar de modo mais adequado no contexto educacional, considerando às necessidades destes sujeitos, as formas como eles se sentem mais contemplados nas práticas educativas. Discutiremos ainda sobre a deficiência intelectual, a deficiência visual, a síndrome do espectro autista, a surdez, retomando o conceito de deficiência, já abordado nos capítulos anteriores. Além disso, as consideraremos as dificuldades de aprendizagem que são de diferentes ordens: cognitivas, sociais, psicológicas etc., sem necessariamente ser atribuído à criança um diagnóstico, uma síndrome, uma deficiência, trataremos estas dificuldades como uma invenção da própria instituição escolar e da própria prática dos professores ou mesmo das práticas sociais e familiares vivenciadas pelas crianças. Nesse sentido, retomando o processo de normalização discutido nos capítulos anteriores, situaremos as diretrizes para o trabalho do Atendimento Educacional Especializado – AEE através de uma pesquisadora e professora atuante em sala de Recursos na escola. No decorrer dos capítulos e ao final deles serão apresentados questionamentos e ou atividades que nos levam a reflexão mais do que a responder de uma única forma. Serão estas reflexões que podem nos levar a organizar os processos de in/exclusão de forma mais justa, igualitária, sem discriminação, considerando todos como sujeitos históricos que vivem a sua experiência de vida com suas diferenças. CAPÍTULO 1 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Apresentar alguns marcos históricos sobre o processo de inclusão. Identifi car as condições históricas e políticas que consolidaram a mudança de Educação Especial para a Educação inclusiva. Reconhecer e refl etir sobre os estudos e pesquisas que evidenciam a escolarização dos sujeitos da Educação Especial e as práticas inclusivas. 10 Educação Especial e Inclusão Escolar 11 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Para compreendermos a inclusão, o que se tem dito atualmente sobre ela, como ela deve ser pensada e efetivada na sociedade e, no contexto escolar, de modo mais específi co, torna-se imprescindível uma aproximação com a história da Educação Especial. A ideia de Educação inclusiva na contemporaneidade só faz sentido se pensarmos no quanto a Educação Especial, produziu mudanças até chegar na forma como tem sido reconhecida hoje a partir do conceito de inclusão. A Educação especial hoje é considerada uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2001). Assim, enquanto modalidade de ensino, a Educação Especial tem uma história, um conjunto de conhecimentos e saberes, os quais podem aparecer de forma não tão relevante nos espaços educacionais, mas com certeza permitiu falar hoje em Educação Inclusiva, instituir políticas e práticas que consideram todos os sujeitos no contexto escolar. São esses subsídios históricos da Educação Especial que serão resgatados nesse capítulo, a fi m de subsidiar o olhar do professor na escola para a construção de práticas inclusivas. Esse processo é desafi ador quando se considera a sua complexidade histórica. Percebe-se que apenas as mudanças políticas produzidas na legislação não garantem por si só práticas mais includentes. Trata-se de uma luta constante em que todos nós somos convocados a refl etir de forma constante sobre a história da Educação Especial, considerando a emergência da Educação Inclusiva. Isso não signifi ca descartar uma em detrimento da outra, mas antes visualizá-las a partir de uma compreensão para além do campo da educação. Segundo Veiga-Neto e Lopes (2007, p. 948), “a inclusão é um tema que só recentemente entrou na agenda das políticas públicas”, colocando-se em jogo uma série de “[...] variáveis sociais e culturais que vão desde princípios e ideologias até interesses e disputas por signifi cação”. A partir desse olhar, que considera essa complexidade, é importante discutir a inclusão, pois com esses debates, abre-se a oportunidade de problematizar várias questões sociais, culturais, políticas e pedagógicas. No Capítulo 2, você poderá observar tais questões a partir de exemplos de práticas educativas, tornando possível refl etir sobre elas de modo mais centralizado no presente e nos aspectos pedagógicos. Portanto, o foco principal do estudo nesse capítulo está centrado nos aspectos históricos sobre o tema da inclusão a fi m de possibilitar aos profi ssionais envolvidos com a educação possam compreendê-la tanto no âmbito macro quanto na dimensão micro das práticas desenvolvidas no contexto educacional. Por isso, na primeira parte do capítulo, apresenta-se a história da Educação especial a partir de alguns estudiosos que pesquisam esse campo e tem nos auxiliado a avançar nas políticas 12 Educação Especial e Inclusão Escolar que são criadas atualmente. Em seguida iremos situar os desafi os implicados para o que temos chamado de Educação Inclusiva na contemporaneidade. E, para fi nalizar, traremos algumas considerações que problematizam o deslocamento conceitual e político entre a Educação Especial e a Educação Inclusiva. 2 FRAGMENTOS DEUMA HISTÓRIA SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL A opção que se fez aqui foi a de não mostrar uma história linear da Educação Especial. O uso da história que fi zemos aqui busca aproximar-se com os estudos de Foucault. De acordo com Pinto (2011, p. 152), a História não é uma fabricação artesanal de corte e costura dos acontecimentos. Os fatos não são retalhos dispersos esperando para serem ordenados na colcha do tempo que a todos cobre e lhes oferece lugares específi cos e cores previamente acertadas. Trata-se, portanto, de considerar os fatos narrados a partir de uma rede de relações defi nidas pelos imperativos da modernidade, a qual buscava a ideia de progresso. Segundo esse autor, precisamos tomar a história não para reconstruir o que os homens fi zeram ou pensaram pela simples transcrição documental e arrumação dos fatos cronológicos. A história tomada pela perspectiva Foucaultiana propõe tensionar uma verdade oculta a ser descoberta, pois não há busca “da verdade”. Não há uma verdade a ser ensinada. “Mais do que fatos verídicos o estudo da História deve se concentrar na produção da verdade, na trama das diversas “verdades” que desejam se impor no cotidiano confl itivo e caótico” (PINTO, 2011, p. 153). Se pensarmos linearmente nos fatos que ocorreram dentro desse campo chamado de Educação especial, todos eles serão importantes porque permitem visualizar avanços e retrocessos para essa área e para a Educação de modo geral. Como não se trata disso, mas antes de mostrar as relações entre os fatos para evidenciar as condições em que permitiu o fato ocorrer desse ou daquele modo. Por isso, iniciar não numa origem, num ponto inicial da Educação Especial, mas sob quais bases era pensada em determinada época torna-se mais produtivo para o que se pretende analisar nesse texto. A Educação Especial então, será mostrada a partir de uma concepção clínica terapêutica. Conforme os estudos de Mendes (2010, p. 94) na história da educação especial do Brasil podemos visualizar duas vertentes “uma médica- pedagógica e a outra psicopedagógica: a primeira sendo mais subordinada ao médico, não só na determinação do diagnóstico, mas também no âmbito das práticas escolares e a segunda vertente, a que não independe do médico, mas enfatiza os princípios psicológicos”. 13 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 Essa concepção clínica terapêutica da Educação Especial está inscrita como uma reação de inclusão. De acordo com Lopes (2011, p. 7) a inclusão é um conceito amplo que não se restringe ao que chamamos hoje de Educação Inclusiva. A inclusão está implicada com as formas de governar as coisas do Estado, podendo ser “[...] entendida como um conjunto de práticas que subjetivam os indivíduos a olharem para si e para o outro fundada em uma divisão platônica das relações”. Além disso, a autora defende a ideia de que a inclusão está implicada num conjunto de práticas sociais, culturais, educacionais, de saúde entre outras, voltadas para a população que ser disciplinar, acompanhar e regulamentar. A Educação Especial precisa ser tomada por dentro dessas possibilidades de entendermos a inclusão. Inclusão como uma invenção do nosso tempo, ela é uma das formas de alcançar o coletivo da população e os indivíduos em particular por meio de práticas e políticas que envolvem o Estado enquanto promotor de condições de vida para todos. Inclusão, nesse sentido macro, precisa ser contextualizada e relacionada às práticas de exclusão e de integração que foram sendo articuladas ao longo da história da humanidade. Pensemos em outras culturas e em outros tempos antes de situarmos a história no Brasil no século XIX e XX: O fi lme “300” mostra que os meninos espartanos desde a infância, são ensinados a serem fortes, corajosos e nunca se renderem. São ensinados a partir de uma cultura que cultua um treinamento pesado, primeiro com o pai e, mais tarde, pela iniciativa do governo. São transformados em grandes soldados para enfrentar os maiores perigos sem qualquer medo. Essa história se passou por volta do ano 1.200 a.C entre os Israelitas e os Midianitas e outros povos do Oriente, ou seja, muito antes da história contada no fi lme de Hollywood sobre os 300 espartanos que lutaram contra o rei persa Xerxes por volta do ano 480 a.C. (RACIOCÍNIO CRISTÃO, 2014). FIGURA 1 – CAPA DO FILME 300 FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/300_(fi lme)>. 14 Educação Especial e Inclusão Escolar 1 Analise a imagem que constitui a capa do fi lme “300” e assista ao fi lme como uma tarefa de estudos complementar. Com base na capa de abertura do fi lme, disserte sobre os elementos da narrativa fílmica, sobre o que há de emblemático e o que podemos relacionar com a história da educação especial. R.:____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Para aprofundar seus conhecimentos sobre a questão dos “anormais”, recomenda-se a leitura do texto “Aula de 22 de janeiro de 1975”, disponível no livro “Os anormais”. Disponível em: <https:// www.academia.edu/37089024/FOUCAULT_Michel._Os_Anormais>. Nesse texto, “o anormal é um monstro cotidiano, um monstro banalizado”. Foucault aborda o problema desses indivíduos considerados perigosos a partir de 3 fi guras: os monstros, os incorrigíveis e os onanistas. A partir de um estudo arqueológico de modo mais específi co nesta aula o autor mostra como essas três fi guras constituem o domínio desta anomalia embasado em uma noção jurídica de monstro. 15 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 Cada cultura e cada tempo histórico lidou de uma forma com aqueles que são considerados “os anormais”. O que importa aqui é compreendermos que houve sempre um estereótipo negativo, uma forma de intervenção seja da igreja, mais tarde, a do Estado em que instituíam práticas para lidar com essa população. Criava-se uma visão desses indivíduos a partir de estereótipos: aqueles que deveriam ser excluídos, morrer, ser castigados, ser humilhados, ser queimados etc. Mais tarde, passaram a ser aqueles que precisavam de práticas de ajuda, sendo aqueles que deveriam ter a intervenção das instituições, vivendo como tutelados pelo Estado. A história da Educação Especial, especialmente no Brasil, também apresenta variações quanto ao tipo de intervenção, seja da Igreja, seja do Estado ou, como iremos verifi car mais adiante, da própria sociedade privada, associações e a população de modo geral. Nesse sentido, torna-se produtivo olhar para a Educação Especial a partir das políticas públicas. O atendimento e a escolarização dos sujeitos com defi ciência não foram assumidos diretamente pelo Estado. O processo de escolarização, por exemplo, foi desenvolvido por instituições especializadas e assistenciais, sendo garantido pelo setor privado. De acordo com Mendes (2010) um marco histórico importante para situar a Educação Especial é no período fi nal doséculo XIX. Em 1854, com a criação do Instituto dos Meninos Cegos, sob a direção de Benjamim Constant e o Instituto dos Meninos Surdos. Esses institutos exemplifi cam quando a Educação Especial começa a surgir de forma institucionalizada. E, assim, a autora relata outros marcos, tais como em 1874, a criação do Hospital Juliano Moreira, na Bahia dando o início a assistência médica aos indivíduos com defi ciência intelectual. Em 1887, no Rio de Janeiro é criada a “Escola México”, para o atendimento de pessoas com defi ciências físicas e intelectuais. Nos estudos da autora fi ca evidente as vertentes médica- pedagógica e a psicopedagógica, pois foram os médicos os primeiros a estudar os casos de crianças com alguma defi ciência, aquelas sem prejuízos mais graves, crianças que apresentavam alguma situação vista como anormal eram casos psiquiátricos e analisadas através de instituições junto a sanatórios psiquiátricos. A partir desse período é importante destacar que os Congressos vinculados a área da medicina passaram a dar ênfase a estudos sobre as pessoas com defi ciência. Elas passaram a ter “[...] maior repercussão após a criação dos serviços de higiene mental e saúde pública, que em alguns estados deu origem ao serviço de Inspeção médico-escolar e à preocupação com a identifi cação e educação dos estados anormais de inteligência” (MENDES, 2010, p. 95). A concepção de defi ciência fi cava explicita, aparecia sempre associada às doenças 16 Educação Especial e Inclusão Escolar e, por isso, casos para a medicina tratar. Após a Primeira Guerra Mundial (1914- 1918) vários fatores vão produzir mudanças sociais e também no que diz respeito ao atendimento as pessoas com defi ciência. Com a expansão industrial, o movimento de nacionalização da economia, a exigência de mão de obra especializada, inicia-se o processo de popularização da escola pública. Como a escola no Brasil surge tardiamente, a instrução primária e gratuita a todos já era anunciada na constituição de 1824. Porém, desde então, já se observava a forma como os indivíduos eram diagnosticados: como defi cientes, sendo vistos como incapazes a partir deste tipo de instituição. Na charge a seguir fi ca explicito essa forma de identifi car aqueles que não se enquadravam no padrão normal de escola. Aqueles que não conseguiam passar por um processo de escolarização através de um currículo que ensinava tanto, um comportamento desejável, quanto determinados conhecimentos escolares, considerados científi cos. FIGURA 2 – A GRANDE MÁQUINA ESCOLAR FONTE: Tonucci (1997) A educação especial precisa ser analisada sempre a partir do surgimento da escola obrigatória. Conforme Varela (2000, p. 78), o processo de socialização dos 17 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 indivíduos a partir da Modernidade se deram a partir de três tipos de pedagogias: “[...] as pedagogias disciplinares que se generalizam a partir do século XVII; as pedagogias corretivas, que surgem em princípios do século XX e, enfi m as pedagogias psicológicas que estão em expansão na atualidade”. Trata-se, portanto, de três modelos pedagógicos quem implicam, segundo a autora, em diferentes formas de compreender o espaço e o tempo, constituindo os indivíduos de diversas formas. Não são modelos que seguem uma linearidade histórica, mas tiveram ênfase nesses períodos, ora se sobrepondo, ora ocorrendo de forma concomitante, dependendo da situação a qual se pretende analisar. Por Modernidade entende-se aqui a compreensão descrita por Veiga-Neto (2001, p. 112), como o tempo em que a ordem deixou de ser vista como natural e passou a ser entendida como simplesmente ordem “[...]um problema a ser resolvido, uma disposição que, por não estar desde sempre aí, deve ser imposta ao mundo natural e social”. Nesse sentido, em relação as pedagogias disciplinares, percebe-se a ênfase em práticas disciplinares, tanto no corpo dos indivíduos quanto dos saberes que circulavam na época a fi m de impor a ordem. Pode-se citar aqui a partir do século XVII a divisão dos colegiais no espaço escolar, a organização por fi las, por idades, por êxito ou fracasso nas provas e exames, entre outras. Toda uma organização pautada em uma norma para todos, ou seja, um processo de normalização que se instituía junto com a escolarização dos indivíduos. Tratava-se de “[...] decifrar, medir, comparar, hierarquizar e normalizar os colegiais” (VARELA, 2000, p. 85). Pode-se observar os diferentes modelos de organização escolar, os quais expressavam a ênfase na disciplina a fi m de ensinar a muitos como se fossem um só. FIGURA 3 – TRÊS MODELOS DE ORGANIZAÇÃO ESCOLAR 1.Ensino individual. “Le Maître d’école”, 1662, Adriaen Van Ostade. 18 Educação Especial e Inclusão Escolar 2.Ensino múto (Método Lancaster). Sala de aula, 1811. 3. Ensino simultâneo. Classe. Escola Caetano Campos, 1901. Acervo Arquivo Público de São Paulo. FONTE: <https://historiadaeducacaobrasileira.wordpress. com/modelos-de-organizacao-escolar/>. Não se trata de analisar em detalhe cada um desses modelos, o que importa é registrar que esse período entre os séculos XVIII e XIX, a ênfase era a disciplina como dispositivo de organização escolar, as quais centravam-se ora no professor, ora na organização do espaço escolar, ora no aluno individual, ora nos grupos de alunos e no monitor, ora nos conteúdos, enfi m; importa reforçar que a disciplina seja do corpo seja do espaço estava presente como dispositivo de poder que ensinava modos de ser e de viver nessa época, colocando a ordem como princípio organizador em tudo. Outro tipo de pedagogia que deve ser considerada para representar a maneira como alguns indivíduos que não se encaixavam nesse modelo disciplinar foram se constituindo, são as pedagogias corretivas. Segundo Varela (2000) em princípios do século XX, a escola obrigatória tornava-se um dispositivo fundamental de integração das classes trabalhadoras e, além disso, fazia parte de um programa de regeneração e profi laxia social. A escola precisava civilizar e domesticar especialmente as crianças das classes populares. 19 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 Por que você acha que algumas crianças resistiam a esse modelo de escola disciplinar? O que era possível fazer com essas crianças que não se encaixavam nesse padrão escolar? Considerando tanto um padrão de comportamento quanto um padrão de nível intelectual, ou seja, o que fazer com aquelas crianças que não conseguiam aprender no tempo adequado tal como as demais? Não há uma resposta única, mas a partir destas perguntas é possível refl etirmos sobre como lidar com as diferenças dos alunos. Precisaríamos olhar para esses alunos que não se encaixam, de outras formas, principalmente, questionando o padrão normalizado que aprendemos a ver todos. Não buscar um padrão intelectual e/ou de comportamento desejável e igual para todos nos ajuda, enquanto professores, a entender que esse aluno é muitas coisas para além do que dizem sobre ele, nunca teremos uma única versão sobre quem é esse aluno, desde que possamos ouvir as diferentes vozes que narram esse aluno. A partir destas diferentes vozes suspeitar delas sempre, jamais considerar apenas uma, como sendo a mais verdadeira. A partir dessa perspectiva corretiva, surge a necessidade de descobrir as causas desse não acompanhamento das crianças a fi m de tratá-las, ou seja, corrigi-las. As crianças que resistiam eram consideradas como “[...] abúlicos, desconfi ados, frios, desmemoriados, memoriosos, visionários, terroristas, surdos-mudos, cegos, de gostos grosseiros, inexpressivos, imbecis, histéricos, hiperestésicos, passionais e masturbadores” (VARELA, 2000, p. 89). A autora cita os estudos médicoscomo os do Dr. Binet e do Dr. Simon que se utilizavam de medidas padrões para classifi car essas crianças. As primeiras medições apareceram ligadas a psiquiatria e, mais tarde, vão surgir os primeiros psicólogos interessados na educação das crianças chamadas “inadaptadas”. Principalmente, dentro do Movimento da Escola Nova é que novos tratamentos, métodos e técnicas foram utilizadas sob o discurso de avançar em relação aos métodos disciplinares e de ensino, aqueles considerados “tradicionais”. A medicina então começa a consolidar-se, conforme havíamos mostrado através do estudo de Mendes (2010). Essa autora cita também os estudos da doutora Helena Antipof (1892-1974), que constitui um Laboratório de Psicologia Aplicada na Escola de Aperfeiçoamento de Professores, em Minas Gerais, em 1929. O trabalho desta profi ssional chegou a ser considerado uma proposta de organização da educação primária na rede comum de ensino baseado 20 Educação Especial e Inclusão Escolar na composição de classes homogêneas. “Helena Antipoff foi também responsável pela criação de serviços de diagnósticos, classes e escolas especiais. Em 1932 criou a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais, que a partir de 1945, iria se expandir no país” (MENDES, 2010, p. 96). Nesse sentido, pode-se observar a Educação Especial se constituindo a partir das pedagogias corretivas, que “ao colocar em ação as novas técnicas pedagógicas destinadas a condicionar o meio à medida das necessidades e interesses infantis, supõem uma transformação das categorias espaço-temporais nas quais irá se desenvolver a atividade escolar” (VARELA, 2000, p. 94). Estas necessidades passaram a ser consideradas quando determinados sujeitos passaram a ser identifi cados como defi cientes no Brasil. De acordo com Garcia e Michels (2018), localiza-se registros de um enfoque assistencial, clínico e reabilitatório da Educação Especial. Se por um lado muitas ações contribuíram para se considerar essas pessoas com defi ciência sem bani-las da sociedade, por outro lado, constitui um tipo de educação que segrega e exclui do acesso ao ensino. A constituição de uma perspectiva de educação especial segregada, que permanece na oferta de educação especial de enfoque educacional, mas não escolar, nas instituições mantidas pela Sociedade Pestallozzi e pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE (GARCIA; MICHELS, 2018, p. 55). Esse enfoque da Educação Especial que antes víamos um acento no discurso religioso, posteriormente no discurso médico, parece atualizar-se e fundir-se nessa ênfase apontada pelas autoras acima: assistencial, clínica e reabilitatória. É importante ressaltar que tal enfoque se sustenta nos fundamentos da Escola obrigatória, ou seja, os chamados centro de interesses que pautavam as mudanças na escola tradicional. Tais fundamentos, propõem o ensino relacionado as necessidades fundamentais da vida da criança. Um tipo de ensino que fosse considerado mais atrativo, com a utilização de materiais também mais atraentes, tratando-se, portanto, de um modelo experimentalista, vinculado aos postulados de Rosseau e à educação das crianças anormais. Assim, passa a se constituir o que Varela (2000, p. 96) mostrou como as Pedagogias psicológicas pautados num sujeito psicológico. Trata-se de um 21 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 [...] processo de separação do mundo infantil e do mundo adulto [...] no qual a manipulação, a observação e a experimentação passam a um primeiro plano. Pode-se identifi car aqui uma ênfase no saber do campo da psicologia, a qual teve diversas perspectivas ao longo da história da escolarização: “psicologia genética, da aprendizagem, infantil, evolutiva, da instrução, cognitiva, de educação especial etc. E converteu-se no fundamento de toda ação educativa que aspirasse a ser científi ca (VARELA, 2000, p. 97). Dentro desse parâmetro científi co, a infância anormal passa a ser uma preocupação para o governo da população. Se antes víamos o acento em práticas disciplinares, passaremos a identifi car nas pedagogias corretivas e psicológicas o contrário: um controle frágil, fl exível e adaptável as necessidades de desenvolvimento dos alunos. Esse desenvolvimento visto a partir de uma criança natural e universal, pois as leis e os estágios do desenvolvimento é que terão que substituir as “velhas pedagogias”. O discurso considerado válido nas instituições escolares passou a ser aquele que deveria respeitar o ritmo próprio da criança, pois ela começa a ocupar o centro do processo. Veremos no capítulo seguinte, de modo mais aprofundado como o sistema neoliberal em curso na contemporaneidade se utilizou e continua se utilizando desse discurso da fl exibilização e adaptação conforme as necessidades e interesses das crianças. Como fi ca a Educação Especial a partir desse modelo atual que tem ênfase nas pedagogias psicológicas? De que forma vai ocorrendo um apagamento dos conhecimentos a serem ensinados na escola? Essa refl exão é fundamental de ser feita para situarmos o modelo de escola especial que se constituía a partir de 1950. Esse modelo tem efeitos até hoje no que chamamos de Escola Inclusiva. Ficará mais evidente no próximo subtítulo quando abordarmos os desafi os da Escola Inclusiva na contemporaneidade, quando mostraremos a relação desse modelo com o sistema neoliberal. Os mecanismos de controle nessa lógica neoliberal têm estimulado a constituição de um tipo de sujeito adaptável, com capacidade de mover-se, pensar e interagir com o mundo de modo mais fl exível possível. Nesse sentido, os saberes de diferentes campos se sobrepõem no contexto educacional: médicos, psicológicos, neurológicos, psiquiátricos, entre outros, se sobrepondo ao saber pedagógico, o qual deveria ter maior ênfase nos processos educativos. Ensina-se então esse sujeito a se reconhecer como sujeito e a movimentar-se nessa lógica, mais do que pensar sobre tal lógica, problematizar as verdades que a constitui, aprender conhecimentos para que ele possa se ver de outras formas e escapar de tal lógica. 22 Educação Especial e Inclusão Escolar Importante destacar ainda que se a ênfase da educação escolarizada na atualidade tem sido psicológica, as pedagogias corretivas não deixaram de existir, pois ela tem orientado o modelo de Educação Especial que temos hoje. De acordo com Sardanha (2013) podemos ver essa imbricação dos dois modelos de educação especial e o regular. Para a autora, foram dois movimentos que ocorreram paulatinamente: um deles que institucionalizou os sujeitos considerados anormais e o outro que buscou e ainda hoje preconiza, a inclusão de todos na escola regular, hoje chamada de escola inclusiva. As políticas educacionais, as quais serão mais detalhadas no capítulo seguinte, voltam-se para os sujeitos da Educação Especial, principalmente nas décadas de 1950 e 1960, e pautam-se na ideia de correção e de terapêutica desses sujeitos. Nada diferente do movimento mundial, no Brasil, e de modo mais específi co, a mesma autora cita alguns serviços de apoio criados no Estado do RS, por exemplo, foram criados para que os sujeitos tivessem um olhar específi co, tais como o Serviço de Orientação e Educação Especial (SOEE), em 1954, e o Centro de Pesquisas e Orientação Educacionais (CPOE). Nesses períodos, instituem- se, portanto, práticas que vão narrar o sujeito da Educação Especial a partir da ideia de “criança problema”, “desajustada”, “que não aprende”. “É uma prática que avalia, compara e classifi ca, posicionando o indivíduo em relação à norma como o ‘aluno excepcional’, o ‘aluno defi ciente’, a ‘criança retardada’, a ‘criança subdotada’” (SARDAGNA, 2013, p. 50). Na charge a seguir é possível observar como estes estereótipos sobre os alunos instituíamdeterminadas posições a eles na escola, seja na regular por meio das avaliações escolares, ou mesmo nas escolas especiais, através das práticas pautadas nos saberes da psicologia comportamental. FIGURA 4 - AVALIAÇÃO 23 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 FONTE: Tonucci (1997) Pesquise sobre fatos da história geral buscando por acontecimentos que marcaram o contexto econômico no período da Segunda República no Brasil. Você poderá consultar o texto “Breve histórico da educação especial no Brasil” da autora Mendes (2010), disponível em: <https://aprendeenlinea.udea.edu.co/revistas/index. php/revistaeyp/article/viewFile/9842/9041>. Alguns dos principais acontecimentos são: a economia que passava a ser afetada pelo capital estrangeiro das multinacionais; o agravamento da pobreza para a população; mudanças no sistema educacional da época, produzindo mudanças em sua forma de organização. Esse período que Mendes (2010) chama de “Segunda República”, foi marcado por um processo da internacionalização da economia, onde o capital estrangeiro através das multinacionais, implantavam uma visão norte-americana que acabava por agravar ainda mais a pobreza da população. E somente com o fi m do Estado Novo, é que a autora pontua que a obrigatoriedade do ensino primário, era de competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Começa a surgir a partir daí a ideia de educação como direito de todos. A luta pela escola pública ganhava ênfase nesse período, “principalmente em função da elaboração do anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que demorou 13 anos para ser transformado em lei (de 1948 a 1961)” (MENDES, 2010, p. 98). Nesse período, o Ministério da Educação começou a prestar assistência técnica-fi nanceira às secretarias de educação e instituições especializadas e, 24 Educação Especial e Inclusão Escolar além disso, passou a lançar campanhas nacionais para a educação de pessoas com defi ciências. Com a Lei 4.024 de Diretrizes e Bases, de em 20 de dezembro de 1961, instituindo Conselho Federal de Educação, a “educação de excepcionais” passa a fi car mais evidente. Tratou-se de um marco inicial de muitas “[...] ações ofi ciais do poder público na área de educação especial, que antes se restringiam a iniciativas regionalizadas e isoladas no contexto da política educacional nacional” (MENDES, 2010, p. 99). Nesse sentido, o fortalecimento da iniciativa Privada e de natureza fi lantrópica sem fi ns lucrativos, só ganhou espaço no Brasil diante da omissão do setor da educação pública que forçou uma mobilização comunitária para preencher a lacuna do sistema escolar brasileiro. Foi somente com a Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, no Artigo 9°, conforme citado por Mendes (2010) é que se defi niu a clientela de educação especial como: aqueles que apresentassem defi ciências físicas ou mentais, os que se encontrassem em atraso em relação à idade regular de matrícula, além dos considerados superdotados. Pode-se perceber que ao mesmo tempo em que a educação especial passa a ganhar espaço na legislação, por outro lado, passa a ser identifi cada com os problemas do fracasso escolar evidenciados com a expansão da rede pública nos anos sessenta. Os saberes que constituem o campo da Educação Especial começam a ganhar corpo quando são associados a necessidade de diagnosticar quem é o público da Educação Especial. Em 1977, de acordo com Mendes (2010), foi formalizado diretrizes para a ação no campo do atendimento aos “excepcionais” que dispunha sobre atendimento integrado com ações complementares de assistência médico-psico-social e de educação especial. Reforçava-se, portanto, o caráter assistencial mais do que educacional do atendimento. Assista ao fi lme “O fi lho eterno”. Você pode assistir primeiramente ao trailer, disponível em <http://globofi lmes.globo.com/noticia/o-fi lho- eterno-trailer/>. Após assistir ao fi lme, responda: 1 Como a notícia que o fi lho teria Síndrome de Down foi dada à família pelo médico após o nascimento da criança? R.:____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________ ____________________________________________________ 25 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2 Considerando a fala do médico, disserte sobre que ênfase você percebe com relação a essa criança com Síndrome de Down e como ela passaria a ser considerada na sociedade atual. R.:____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________ 3 Por que a mãe não aceita essa representação médica do fi lho e o que ela faz que evidencia outra forma de visualizar o fi lho e a própria síndrome de down? R.:____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Portanto, a educação especial se desenvolve com muitas críticas pelo acento na defi ciência, na segregação dos alunos em locais específi cos vistos como “Especiais”. Destaca-se ainda a falta de acessibilidade nessas escolas com forte ênfase na correção e na compensação. De acordo com Lopes e Fabris (2013), o foco na assistência e na tolerância ao público da Educação Especial é que determinava as práticas desenvolvidas nesse contexto. Com base em apenas alguns fragmentos da legislação, foram discutidos aqui para contextualizar os acontecimentos da época. Na primeira legislação 26 Educação Especial e Inclusão Escolar Educacional em 1941, o termo “Excepcional” marca a forma como esses sujeitos passam a ser vistos na educação. No segundo documento em 1971 esses sujeitos passam a ser agrupados dentro de uma política do especial, visto como defi cientes, mantendo-se nessa época a forma segregada dessa modalidade de ensino. Pode-se dizer que a partir dos anos 1990 passamos a identifi car as nuances do que temos chamado de Educação Inclusiva no Brasil. É sobre esse período atual e esse modelo de educação que passaremos a seguir a discutir. Serão trazidos alguns elementos que contribuem nesse mapeamento de elementos históricos mais contemporâneos que constituem a educação especial vista a partir de um movimento, ou seja, de uma passagem para a educação inclusiva. 3 EDUCAÇÃO INCLUSIVA E OS DESAFIOS PARA A ESCOLA NA CONTEMPORANEIDADE Conforme anunciado no início desse capítulo, não podemos defender a Educação Inclusiva exaltando-a como se todos os problemas da Educação Especial estivessem resolvidos. Conforme veremos, na base dessas mudanças está uma promessa de modernidade, de democratização da educação e uma preocupação com a permanência de todos na escola. A partir da Constituição Federal Brasileira de 1988, os princípios de democratização da educação brasileira, pretendia “erradicar o analfabetismo,universalizar o atendimento escolar, melhorar a qualidade do ensino, implementar a formação para o trabalho e a formação humanística, científi ca e tecnológica do país”. Pretendia ainda assegurar “a educação de pessoas com defi ciência deveria ocorrer, preferencialmente na rede regular de ensino e garantiu ainda o direito ao atendimento educacional especializado (MENDES, 2010, p. 101). No capítulo seguinte, veremos em detalhe de que forma essas políticas foram se consolidando e as promessas que subsidiaram a Educação Inclusiva. Por ora é importante ressaltar que as práticas educacionais e curriculares se pautavam na ideia de infantilização do aluno com defi ciência, orientando os profi ssionais da educação a partir da concepção de que as crianças deveriam aprender habilidades típicas do nível pré-escolar, para adquirir “prontidão” para a alfabetização a fi m de acompanhar as classes regulares. Assim, as Classes e escolas especiais, passam a ser muito criticadas, pois encontravam-se baseadas no princípio da segregação educacional, o qual “permitiram dessa forma transformar o ensino especial num espaço onde era legitimada a exclusão e discriminação social, o 27 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 que transformava a educação especial, em um forte mecanismo de seletividade social na escola pública de primeiro grau” (MENDES, 2010, p. 104). Nesse sentido é que a ênfase da Educação Especial passa a perseguir os objetivos muito próximos aos da educação comum. Conforme as autoras analisam, o enfoque das políticas passou a ser o de: [...] proporcionar aos excepcionais condições que favoreçam a sua integração na sociedade, desenvolvendo alternativas de atendimento diferenciado, metodologias especiais, promovendo e utilizando recursos humanos especializados (BRASIL, 1984 apud GARCIA; MICHELS, 2018, p. 56). Assim, a partir da década de 1990 o Brasil passou a adotar políticas de “educação para todos” e de “educação inclusiva”, conforme veremos mais adiante. Alimentado pelas orientações internacionais em torno do princípio da educação inclusiva, o que se pretendia era modifi car esse quadro descrito pelas autoras como tendo: [...] o acento na defi ciência, a segregação dos alunos em salas de aula e escolas especiais; a falta de acessibilidade nas próprias escolas, a forte ênfase na correção e na compensação, o foco assistencialista e muitas vezes de tolerância que, muitas vezes, parecia determinar as práticas profi ssionais (LOPES; FABRIS, 2013, p. 96). A ideia de Educação Inclusiva, nessa perspectiva, nasce com essa promes- sa e, por isso, passa a ser tão exaltada, dando a Educação Especial outro status, tal como aponta o Decreto nº 3.298 de 1999, que regulamenta a Lei nº 7.853/89, ao dispor sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Defi ciência, defi ne a educação especial como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino, enfatizando a atuação complementar da ed- ucação especial ao ensino regular. Alguns pesquisadores têm procurado analisar as práticas inclusivas para além da política de educação inclusiva em vigor, bus- cando problematizar determinadas práticas que ganham status de verdade. A fi m de problematizar tal status, alguns estudos produzidos no GEPI, tem procurado compreender a inclusão “[...] como uma invenção que entra no jogo do verdadeiro, necessário e legítimo, e a constituem como um conjunto de práticas que a tornam um objeto passível de ser pensado” (LOPES, 2011, P. 10). Cabe então problema- tizarmos o seu caráter universal. De acordo com Provin (2011, p. 101), pode-se visualizar essa problema- tização relativa à inclusão. Segundo a autora é preferível pensar a inclusão a partir da ideia de uma atitude de inclusão. Segundo o mesmo autor, “a atitude como 28 Educação Especial e Inclusão Escolar uma escolha, uma tomada de posição a respeito de algo e que refl ete o compro- metimento de alguém consigo mesmo e com o outro. Partindo dessa escola, a maneira de estar no mundo será coerente com ela. É importante frisar que atitude nesse sentido não é algo universal, individualista, mas uma ação que envolve a relação de alguém consigo mesmo e com o outro. Esse êthos, esse modo de ser comprometido consigo e com o outro imprimiria outra dimensão para a experiência de inclusão (PROVIN, 2011, p. 101) Colocar todos para dentro do mesmo espaço não é garantia de inclusão! Essa ideia de êthos defendida pela autora signifi ca desenvolver certa postura, ati- tude e ação que não apenas insere os sujeitos nas instituições cumprindo a legis- lação. Não basta aceitar a inclusão com o objetivo de apenas tolerar as diferenças das pessoas que antes estavam excluídas. Trata-se de uma luta constante, que problematiza o entendimento binário de inclusão e exclusão, pois conforme os estudos do GEPI, o conceito de “in/exclusão” traduz a impossibilidade de a in- clusão ser vista como um lugar de chegada para todos. O processo de in/exclusão refere-se a um movimento relacional que exige negociação, discussão, disputa, refl exão, enfi m, uma busca constante, uma construção de um olhar que trabalhe com as diferenças e não apenas a tolere. Aprofundaremos esse conceito no capítulo seguinte, quando situarmos o cenário de Educação Inclusiva a partir de 1994 com a Declaração de Salamanca, onde todos passarão a ser mobilizados pelas políticas de Educação Inclusiva. Perceberemos que se trata então de um movimento de inclusão que envolve lutas diárias, cotidianas que nunca vão estar garantidas para todo e sempre. Mas antes, vão depender de olhares sensíveis de todos, buscando identifi car as potenciali- dades dos sujeitos que não são pautadas em uma norma, num padrão escolar, seja de comportamento, seja de cognição. Veiga-Neto (2001) em seu texto “Incluir para excluir” mostra as ambigui- dades que as políticas que pretendem fazer a inclusão enfrentam devido à própria construção Moderna de normalidade. O autor inicia suas refl exões a partir do con- ceito de anormal na esteira das contribuição de Michel Foucault, ou seja, o termo “anormal”, conforme citado no subtítulo anterior, é utilizado para nomear determi- nados grupos que a Modernidade vem inventando e multiplicando: os sindrômi- cos, defi cientes, monstros, psicopatas (em todas as suas variadas tipologias), os surdos, os cegos, os aleijados, os rebeldes, os pouco inteligentes, os estranhos, os GLs, os “outros”, os miseráveis, o refugo enfi m (VEIGA-NETO, 2001, p. 105). A partir dessa ideia de invenção Moderna é possível examinar os signifi ca- dos de anormal a partir dos usos que se faz dessa expressão, ou seja, não se trata de defi nir quem é o anormal, mas antes como ele passa a ser visto como parte dessas categorizações. 29 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 Historicamente essa ideia foi se consolidando, de forma separada, os normais dos anormais, em lugar específi co para os anormais, atributos defi nidos para uns e para outros. Importa agora mapearmos as práticas atuais onde nas classes inclusivas essas categorias são misturadas. E o problema disso não se coloca porque os níveis cognitivos são diferentes, mas sim porque a própria lógica de dividir os estudantes em classes, seja por níveis cognitivos, por aptidões, por gênero, por idades, por classes sociais, conforme vimos antes, é “[...] um arranjo inventado para, justamente, colocar em ação a norma, através de um crescente e persistente movimento de, separando o normal do anormal, marcar a distinção entre normalidade e anormalidade” (VEIGA-NETO, 2001, p. 111) Esse é um dos grandes desafi os da atualidade: lidar com as diferenças a partir de uma organização pautada nos princípios da Modernidade que é marcada como um tempo de vontade e de buscapela ordem, sendo, portanto, intolerante às diferenças. A inclusão nesse sentido, passou a ser vista como um primeiro passo de ordenamento, de aproximação do outro. Porém, não há simetria nessa proxim- idade. Trata-se de oposições binárias que supõe sempre que o primeiro termo de- fi ne a norma que localiza o segundo, por exemplo: homem/mulher, branco/negro, heterossexual/homossexual, ouvinte/surdo, vidente/cego etc., o desafi o, portanto, para a Educação Inclusiva, conforme esse autor é ético: não pode girar apenas em relação as vantagens e desvantagens das políticas de inclusão, mas antes que tais princípios de inclusão poderiam se tornar um dispositivo de equalização da norma, diferente do que temos hoje (VEIGA, NETO, 2001). Como poderíamos avançar nessa questão? Atentando para as marcas culturais de cada grupo e não assumir os saberes que explicam essa variedade de tipos que se abrigam nessa denominação genérica dos anormais. Nesse sentido, seria possível situar as práticas educacionais hoje não apenas a partir dos saberes psi, como a grande e única forma de explicação que nos leva a perceber esse movimento de in/exclusão? Muitos são os desafi os que se colocam para o atendimento dos sujeitos da Educação Especial, nessa lógica da Educação Inclusiva. Muitas foram as formas de organização escolar: classe comum, classe especial, sala de recursos, escola especial, atendimento itinerante. Será a partir dos anos 90 que a preocupação com a ampliação do acesso à educação, particularmente nas redes estaduais de ensino vão intensifi car ainda mais a infl uência da psicologia nos encaminhamen- tos pedagógicos e de adaptação curricular como central para uma abordagem individualizada na classe comum. Diferentes saberes vão pautando as práticas inclusivas no contexto esco- lar. Conforme a discussão apontada sobre as pedagogias disciplinares, corretivas e psicológicas, torna-se possível perceber a imbricação desses sabres produzindo 30 Educação Especial e Inclusão Escolar efeitos para o campo da inclusão escolar, tanto para as políticas quanto para as práticas escolares. Vamos mostrar no capítulo seguinte que a política nacional da Educação Especial (BRASIL, 1994), e, posteriormente, a política da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (2008) pautam-se por diferentes saberes – Psicologia, Medicina, Pedagogia – os quais além de descrever os su- jeitos da inclusão, eles instituem e consolidam praticas educacionais, modos de fazer a inclusão na contemporaneidade. Diferentes discursos – compostos por conhecimentos e saberes de diferentes áreas – que circulam nas escolas contemporâneas, a partir dos quais se descrevem (e, com isso, se produzem) tanto os alunos quanto as práticas pedagógicas desenvolvidas para atendê-los (LOCKMANN; TRAVERSINI, 2011, p. 35). As autoras analisaram as fi chas de encaminhamentos dos alunos para algum tipo de apoio especializado. Elas identifi caram quatro conjuntos de efeitos que pautavam as intervenções realizadas no contexto escolar em relação aos sujeitos ditos incluídos na escola regular. São eles: 1. Moralização dos infantis: narravam o comportamento dos alunos e ao mesmo tempo, orientavam como estes deveriam ser e se comportar; 2. Fortalecimento dos discursos psi (Psicologia, Psicopedagogia, Psicomotricidade relacional, Dançaterapia, Arteterapia, Equoterapia): utilizam técnicas de expressão para desvendar a subjetividade infantil e produzir a autotransformação de cada um pautado no modelo ideal para todos; 3. Medicalização da conduta: produziam diagnósticos para colocar em funcionamento técnicas de normalização que funcionam pelo uso de medicamentos e de atendimentos para regular a conduta. 4. Pulverização das intervenções educativas: visavam atender as especifi cidades dos sujeitos anormais muitas vezes secundarizando a aprendizagem dos alunos. Considerando tais efeitos Lockmann e Traversini (2011) mostram uma rede de poderes e saberes que vão agindo sobre os sujeitos ditos de inclusão, os anormais, consolidando práticas que normalizam suas condutas. E, por isso, problematizar determinadas práticas que vem ocorrendo no contexto da escola faz-se necessário para não perdermos de vista o foco que deveria ter as propostas pedagógicas desenvolvidas. 31 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 1 Quais são os saberes que estão defi nindo as práticas pedagógicas no contexto escolar? Qual o lugar que está ocupando o conhecimento escolar nestas práticas? R.:____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Klein (2015) destaca essa questão é uma preocupação pedagógica, necessária e pertinente, que não pode ser analisada de forma desconectada de outros elementos que estão envolvidos no planejamento docente. Elementos de ordem política e econômica, principalmente, são extremamente importantes porque permitirão ampliarmos nosso olhar e problematizarmos questões, as quais, muitas vezes, não são ditas e que acabam por recair apenas na escola ou nas práticas dos professores. Decorrentes dessas mudanças, os efeitos irão consolidar-se em termos curriculares, conforme mostrou as autoras Garcia e Michels (2018). Nos anos 1990, as orientações políticas descritas, por exemplo, no documento Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1994) indicava o seguinte: “currículos adaptados às necessidades dos alunos”, “implantação de programas diversifi cados” e “enriquecimento e aprofundamento curricular para os alunos com altas habilidades” (BRASIL, 1994). Segundo as autoras, a educação especial mante-se de forma inicialmente como segregada, posteriormente como integrada e, mais recentemente, como inclusiva. A proposta é manter o mesmo currículo, embora os objetivos educacionais recomendados aos estudantes da educação especial na classe comum poderiam ser diferenciados mediante a previsão de eliminação de objetivos e conteúdos básicos. Assim, Garcia e Michels (2018) 32 Educação Especial e Inclusão Escolar mostram que a ênfase da individualização nos currículos sofre modifi cações, pois passam a se pautar menos nas defi ciências e mais nas diferenças individuais. Se por um lado as metodologias e recursos diferençados ampliavam as possibilidades de desenvolvimento do currículo escolar, por outro as fl exibilizações e adaptações curriculares que levassem em conta o “signifi cado prático e instrumental dos conteúdos básicos” podem ter norteado o processo ensino e aprendizagem para um empobrecimento curricular e um rebaixamento das exigências escolares em contexto escolar de universalização da Educação Básica (GARCIA; MICHELS, 2018, p. 59). Essa discussão mais específi ca sobre a forma de organização das práticas e do currículo escolar a partir desse modelo de Educação inclusiva é outro grande desafi o para a educação e para as políticas educacionais. No próximo capítulo, trataremos sobre as políticas atuais e o que temos chamado hoje de Atendimento Educacional Especializado – AEE. Quais as orientações que pautam esse tipo de atendimento é uma pergunta fundamental a ser feita. Assim, cabe tambémnos questionar sobre como tem sido desenvolvido o trabalho deste profi ssional voltado a esse tipo de atendimento no contexto escolar. Mas antes, vale a pena nos determos na análise das bases que pautam o olhar desses profi ssionais da educação, tanto para planejar as práticas pedagógicas, quanto para avaliá-las. 1 Com base na charge a seguir, descreva o que você vê e, posteriormente analise o que você viu a partir do que vimos sobre o normal e o anormal, sobre a inclusão e a exclusão e sobre os diferentes saberes que podem estar envolvidos nesse processo de avaliação. FIGURA 5 – AVALIAÇÃO: BOLETIM PARA SUBSTITUIR AS NOTAS FONTE: Tonucci (1997) Na frase do número oito, sestá escrito: “esta criança é aplicada e obtém bons resultados tanto na escrita como no oral”. 33 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 R.:____________________________________________________ ___________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________ Que bases deveriam pautar o olhar do profi ssional da sala de aula ou da sala de recursos? Se pautados em uma norma escolar, a qual como explica Ewald (2000, p.111),” [...] torna visível sempre os desvios, diferenças, aquilo pelo qual nos distinguimos dos outros, ou até de nós mesmos”. A norma, portanto, sempre nos permitirá igualizar os indivíduos, nos fornecendo uma medida padrão e, assim, mediremos os desvios. O desempenho escolar e mesmo os comportamentos dos alunos, estão constantemente sendo signifi cados a partir de um processo e normatização que institui uma média, uma medida comum. O que temos observado e alguns estudos também evidenciam é que as práticas ditas inclusivas na escola regular têm sido entendidas a partir dessa normatização, dessa média escolar. Trata-se de mais um dos desafi os da Educação Inclusiva: os processos inclusivos não podem ser tomados de forma isolada no contexto educacional, seja na sala de aula, seja na sala de recursos, tendo os profi ssionais agindo sozinhos com o aluno isoladamente do trabalho pedagógico realizado com os demais alunos. Além disso, tem sido urgente, questionar sobre a relação que esse tipo de atendimento precisa estabelecer com a sala de aula regular. Torna-se assim, necessária esse tipo de análise das práticas desenvolvidas, tendo em vista a organização do trabalho pedagógico que se pretende desenvolver com o aluno com algum tipo de defi ciência ou difi culdade de aprendizagem. É importante ainda destacar que precisamos considerar sempre todos no contexto educacional. Quando falamos de inclusão é sobre todos os alunos que precisamos nos referir. Porém, cabe ressaltar quem é considerado o público alvo da Educação Inclusiva, de acordo com a Política de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva: 34 Educação Especial e Inclusão Escolar Consideram-se alunos com defi ciência aqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. Dentre os transtornos funcionais específi cos estão: dislexia, disortografi a, discalculia, transtorno de atenção e hiperatividade, entre outros (BRASIL, 2008, p. 15). Veremos em maior detalhamento no último capítulo deste livro sobre os tipos de defi ciências ou algumas síndromes. No entanto, cabe alertar a questão já abordada anteriormente sobre as identidades dos sujeitos, sempre devem ser vistas no plural. Portanto, todos nós estamos incluídos ou excluídos, dependerá sempre das condições em que se estará sendo analisado e das práticas desenvolvidas. Essas diferentes formas de nomear não podem ser tomadas a priori, de forma isolada, a fi m de pautar o trabalho pedagógico a ser realizado. Esse torna-se mais um dos desafi os para a Educação inclusiva. Cada vez mais esses tipos de defi ciência, esses diagnósticos se intensifi cam na medida em que eles vão ganhando centralidade na contemporaneidade. A exemplo dessa proliferação de formas de nomear os sujeitos podemos visualizar através da reportagem de Brum (2019) que está cada vez mais difícil não se encaixar em uma ou várias doenças do manual DSM-5 (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). A autora afi rma que, se antes, já tínhamos nos deparado com uma pesquisa que mostrava que quase metade dos adultos americanos tiveram pelo menos um transtorno psiquiátrico durante a vida, hoje alguns críticos desta quinta edição do manual DSM-5, afi rmam que o número de pessoas com doenças mentais está sendo multiplicados. E assim, poderemos chegar a um impasse muito interessante em que a autora mostra que “a psiquiatria conseguiria a façanha de transformar a “normalidade” em “anormalidade”. O “normal” seria ser “anormal” (BRUM, 2019, s.p.). Essa questão nos remete a pensar sobre a necessidade de problematizar antes de buscar por esta ou aquela forma correta de nomear os sujeitos para enquadrá-los como sujeitos da Educação Inclusiva. O que Veiga-Neto (2001) nos ensina é que precisamos de uma hipercrítica que nos desafi a a pensarmos nos 35 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 travestismos discursivos, ou seja, disfarçar com véus democráticos pensamentos naturalizados sobre as diferenças. Trata-se, segundo esse autor, de uma proteção linguística que busca todas as formas de nomear o outro com o objetivo de manter o discurso “politicamente” correto. O autor se refere aqui as mudanças na legislação quanto ao nome que devemos chamar as pessoas com defi ciência: Anormais? Excepcionais? Pessoas defi cientes? Pessoas especiais? Dentre outras maneiras já utilizadas como sendo a mais correta, nunca vamos estar livres de discriminação quando não mudarmos a nossa forma de olhar. Por fi m, precisamos trilhar por caminhos que vão nos exigir um exercício constante de crítica seja para investigar, analisar, refl etir ou construir nossas práticas pedagógicas em relação a todos os sujeitos da Educação. Não podemos naturalizar nosso olhar sobre aquilo que ouvimos sobre a inclusão, simplesmente para tolerar esses sujeitos que são incluídos na educação regular. O exercício constante de colocarmos sob suspeita o que pensamos sobre a inclusão pode nos ajudar a construirmos outros modos de ver. Isso torna-se mais um dos desafi os a enfrentarmos. Considerar que quando estamos envolvidos nesses processos inclusivos, nunca podemos olhar de forma binária para as situações: um sujeito incluído e outro excluído, um normal e outro anormal e, assim, por diante.Quando falamos em inclusão seria oportuno pensarmos em processos de in/exclusão. Tal processo, de acordo com as autoras Lopes e Fabris (2013) é visualizar a inclusão e a exclusão como duas dimensões que se alimentam e convivem em situações de trocas recíprocas, pois uma depende da outra para existir e para cambiar posições. [...] estamos incluídos, pelo imperativo legal e moral da inclusão pela ação do Estado governamentalizado, mobilizado pela racionalidade neoliberal, mas que ocupamos diferentes gradientes de inclusão, nas quais é sempre possível experimentar relações de in/exclusão. (LOPES; FABRIS, 2013, p. 105). Para fi nalizar esse capítulo, cabe retomar alguns pontos que se procurou analisar a partir de alguns marcos históricos para compreender de que forma o processo de inclusão foi se desenvolvendo para chegar no que identifi camos hoje na contemporaneidade: nessa passagem de Educação Especial para a Educação inclusiva. Consideramos as condições políticas, econômicas e culturais para que esse deslocamento histórico ocorresse. Mostramos que ele não é bom nem ruim, pois justamente o que abordamos foi a complexidade das relações de poder e de saber que estiveram envolvidas nesse processo histórico. Além disso, esse capítulo, cumpre um de seus objetivos que foi o de subsidiar a construção de práticas inclusivas tendo como base o contexto histórico e político de compreensão da Educação Inclusiva para visualizar os sujeitos da educação especial de outras formas. Acreditamos que foi possível deixar o leitor/estudante curioso para saber mais sobre como a Educação Inclusiva se organiza atualmente no contexto educacional. Tal organização será mostrada através de marcadores 36 Educação Especial e Inclusão Escolar políticos internacionais e nacionais bem como alguns conceitos que subsidiam as práticas pedagógicas de forma teórica e metodológica. Nesse sentido, pode-se retomar alguns elementos abordados nesse capítulo a fi m de problematizar as orientações que as práticas pedagógicas têm recebido. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Recapitulando o que se pretendeu com esses marcos históricos sobre a Educação Especial, importa ressaltar novamente que não se pretendeu demonizar ou exaltar a Educação Especial ou a Educação Inclusiva. Mas, apresentar esses elementos da história do que entendemos por Educação Especial, a fi m de evidenciarmos um cenário de lutas políticas, culturais e econômicas que embasam nossas formas de compreender os sujeitos na contemporaneidade. A forma como entendemos esses sujeitos e que tipo de práticas devem ensiná-los estão ligados a esse contexto mais amplo. Exploramos com maior profundidade sobre os aspectos relacionados ao sistema neoliberal, pois ele tem orientado a lógica contemporânea, incluindo os processos educacionais. Quem é normal e anormal e, mais, porque fi zemos historicamente essa divisão em nossa forma de ver, pautada em saberes da Modernidade, são questões de fundo desse capítulo e que seriam interessantes serem retomadas no capítulo seguinte a fi m de fundamentar os estudos sobre as práticas inclusivas que serão apresentadas. Todos esses subsídios históricos podem contribuir para entendermos de que forma a inclusão não é algo de hoje, não se restringe apenas aos aspectos políticos. Ao mesmo tempo em que vimos que a Educação Especial nem sempre existiu e teve a sua importância antes mesmo do que chamamos hoje de Educação Inclusiva. Podemos identifi car que a escola inclusiva foi sendo desenhada nesse contexto, considerando algumas condições políticas e econômicas para que ocorresse essa passagem da Educação Especial para a Educação inclusiva. Não se tratou, portanto, de uma mudança natural, mas de uma composição de acontecimentos que permitiram pensá-la dessa forma. Tudo isso foi mostrado para que pudéssemos compreender que a Educação Especial e a Inclusiva tiveram uma base histórica, que permitiu compreendê-las e visualizá-las a partir das relações de poder e de saberes envolvidos, constituindo os sujeitos da educação de múltiplas formas. O capítulo se encerra marcando esses desafi os voltados a forma de organizar os processos educacionais dos sujeitos. Desafi os relacionados ao currículo escolar, a formação de professores, principalmente. Serão eles que serão retomados, enfatizados e aprofundados no próximo capítulo em que seguiremos avançando na análise dos processos Educacionais. Sabendo que 37 DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA Capítulo 1 para aprofundar essas questões não podemos perder de vista o panorama mais amplo que considera aspectos econômicos, políticos e culturais que tem constituído o que chamamos hoje de contemporaneidade. Situaremos de forma mais detalhada e apropriada as políticas de inclusão que podem ser pensadas a partir de conceitos que subsidiam as práticas pedagógicas de forma teórica e metodológica. Conceitos de in/exclusão, docência, prática pedagógica, currículo, diferença, identidade, entre outros, serão abordados para tratar sobre algumas polêmicas que se colocam para a Educação na contemporaneidade. Pensar na aprendizagem dos sujeitos, de todos os sujeitos e na função da escola hoje é fundamental. Como fazer com que a escola não perca de vista a sua função com a construção dos conhecimentos? Como ensinar a todos, considerando as especifi cidades, as diferenças de todos? A docência nesse sentido, ganhará centralidade no próximo capítulo. Ao longo do capítulo você já foi incentivado a realizar algumas atividades que podem contribuir para materializar os conhecimentos discutidos. Responder perguntas refl exivas, assistir aos fi lmes indicados, realizar pesquisas; estas atividades podem contribuir nesse processo refl exivo e de construção de aprendizagens mais signifi cativas sobre o tema em que estamos tratando e que daremos continuidade nos capítulos que seguem. A seguir, você terá a oportunidade de elaborar mais duas atividades, as quais darão maior subsídios para compreender o capítulo seguinte que tratará sobre as políticas atuais e como elas produzem efeitos para a organização das práticas escolares. 1 Após a leitura do capítulo, retire do texto alguns destaques sobre o período histórico que compreende o período de 1900 a 2018. Ao mapear alguns desses elementos você poderá compreender a relação entre os principais acontecimentos relacionados a Educação Especial que permitiram pensar ela hoje de forma atrelada à Educação Inclusiva. R.:____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 38 Educação Especial e Inclusão Escolar ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2 Faça a leitura do case a seguir, que retrata uma situação de inclusão de um aluno que apresenta questões em relação a aprendizagem e acompanhamento da turma. Disserte sobre como você se posicionaria, considerando os marcos históricos da Educação Especial e o contexto atual da Educação Inclusiva. Quando Pedro chegou à educação infantil da Escola Municipal de Educação Básica,