Baixe o app para aproveitar ainda mais
Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ECONOMIA E FINANÇAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS IMPACTOS ECONÔMICOS DA REFORMA DO SETOR DE MINERAÇÃO por Clarisse Cerqueira Borges Rio de Janeiro 2018 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ECONOMIA E FINANÇAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS IMPACTOS ECONÔMICOS DA REFORMA DO SETOR DE MINERAÇÃO "Declaro ser o único autor do presente trabalho de conclusão do curso, requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas e ressalto que não recorri a qualquer forma de colaboração ou auxílio de terceiros para realizá-lo a não ser nos casos e para os fins autorizados pelo professor orientador". ________________________ Clarisse Cerqueira Borges Orientador: Edson Daniel Lopes Gonçalves Rio de Janeiro 2018 CLARISSE CERQUEIRA BORGES IMPACTOS ECONÔMICOS DA REFORMA DO SETOR DE MINERAÇÃO Trabalho de conclusão de curso apresentado à Escola Brasileira de Economia e Finanças como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas. Aprovado em ______ de _______________ de ________ Grau atribuído ao trabalho de conclusão de curso: ____________ BANCA EXAMINADORA: ___________________________________________________________ Professor Orientador: Edson Daniel Lopes Gonçalves Escola Brasileira de Economia e Finanças Fundação Getúlio Vargas __________________________________________________________ Professor(a) Tutor(a): Maria Teresa Marins Duclos Escola Brasileira de Economia e Finanças Fundação Getúlio Vargas “As opiniões emitidas neste trabalho são de inteira responsabilidade do Autor e não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Fundação Getúlio Vargas.” A todos os que me acompanharam. AGRADECIMENTOS O ponto final carrega o peso de toda a história, e não fechamos o livro sem lembrar de todos os personagens decisivos de seu enredo. A meus pais que desde o início nunca falharam em me conduzir e amparar a despeito de quaisquer intempéries. Agradeço por nunca me deixarem vacilar ou perder o prumo, e por se desdobrarem de todas as maneiras possíveis para garantir que eu chegasse até aqui. Agradeço por desde muito cedo confiarem nas minhas escolhas e me permitir escrever meu caminho por conta própria, ainda que significasse estar distante de vocês. Sei que esta conquista os enche de orgulho, e todos os frutos dela serão de vocês também. Às minhas irmãs por compreenderem minhas partidas, sustentarem minhas ausências e me fazerem sempre tão feliz nos regressos. Este passo, como cada qual dos que o antecederam, e cada qual dos que o seguirão, é por vocês. Aos meus avós e tios, que sempre acreditaram. Aos amigos Filipe Fiedler e Pedro Henrique Chaves, que me acompanham desde o ensino médio, e nunca falharam em apoiar e prestar auxílio. A FGV não teria sido uma opção se não fosse pelo incentivo de vocês, e hoje sei que não poderia estar em lugar melhor. Tenho orgulho de quem estão se tornando, e mais orgulho em ter estado presente em suas próprias jornadas. Continuem grandes. Aos professores e funcionários da Fundação Getúlio Vargas, por todos os ensinamentos. Por todas as oportunidades, por acreditarem na minha capacidade, por apoiarem nos momentos de necessidade, e por abrirem meus olhos para um horizonte que eu não era capaz de enxergar. Sou muito grata pela oportunidade que me deram. Especialmente meu orientador, Edson, obrigada pelo voto de confiança, Aos colegas de trabalho, João e Ivan, por me orientarem, compreenderem, e me ajudarem a entender com clareza o sentido de ter percorrido todo esse caminho. A todos aqueles que me abriram a porta de suas casas e suas vidas sem pedir nada em troca, abrigando, amparando e fazendo o possível para me ajudar a dar conta do recado: Solano Guedes, Denise e Carlos Ricci, Joana Malta, Nancy e Dilma Dantas, Robson Lemos, Hélvio Dias, Manuela Lemos, Ramon Mathias. Finalmente, aos amigos, por me sustentarem (e surportarem) em todos os momentos. RESUMO: O setor de mineração é de suma importância para a economia brasileira, especialmente para a manutenção de saldos positivos na balança comercial, uma vez que é um dos principais fornecedores de minérios do mundo, sendo também detentor de uma das maiores reservas. Neste sentido, é de suma importância que a atividade neste setor seja amparada por uma estrutura regulatória e institucional que fomente seu crescimento e garanta que a renda gerada seja reinvestida de modo a garantir crescimento a longo prazo e aumentar o bem-estar da população. Em 2017 e 2018, entraram em vigor três novas Leis no setor, que surgiram com o propósito de atualizar o marco regulatório da mineração. Uma cria a Agência Nacional de Mineração (ANM), outra reformula os royalties do setor, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), e por fim, a terceira altera uma série de pontos do Código de Mineração. Esse trabalho se propões a fazer uma avaliação destas reformas, através de uma extensa análise bibliográfica, para tecer uma visão geral de quais serão os impactos dessas alterações no desempenho do setor. Palavras-Chave: Regulação do setor minerário, reforma do setor minerário, economia setorial, direito minerário, CFEM ABSTRACT: The mining sector is of the utmost importance to the Brazilian economy, especially in what concerns the balance of trade, since it is one of the main suppliers of ores in the world, besides of holding one of the largest mineral reserves. In this sense, it is imperative that to the mining sector to be supported by a regulatory and institutional scenario that fosters its growth and ensures that the income it creates is reinvested in order to guarantee long-term growth. In 2017 and 2018, three new laws in the sector came into force, with the purpose of updating the mining regulatory framework. One creates the National Mining Agency (ANM), another redesigns the royalties of the sector, the Financial Compensation for the Exploration of Mineral Resources (CFEM), and finally, the third changes several matters in the Mining Code. This paper intends to make an evaluation of these reforms, through an extensive bibliographical analysis, to provide an overview of what may be the impacts of these changes on the sector. Keywords: mining sector regulation, mining sectorreform, sectoral economy, mining law, mining royalties LISTA DE SIGLAS: ANM Agência Nacional de Mineração CETEM Centro de Tecnologia Mineral CFEM Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerários CM Código de Mineração CNPM Conselho Nacional de Política Mineral COFINS Contribuição Social CPRM Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais/ Serviço Geológico do Brasil CSLL Contribuição social sobre lucros DF Distrito Federal DNPM Departamento Nacional da Produção Mineral EIA/RIMA Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBRAM Instituto Brasileiro de Mineração ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IOF Imposto sobre transações financeiras IRPJ Imposto de renda corporativo ISS Taxa de serviço municipal MME Ministério de Minas e Energias MP Medida Provisória PAE Plano de Aproveitamento Econômico PIB Produto Interno Bruto PIS Plano de integração social RFP Relatório Final de Pesquisa TAH Taxa anual por hectare (TAH) TFAM Taxa de Fiscalização de Atividades Minerais TFRM Taxa Estadual Recursos Minerais LISTA DE FIGURAS Figura 1: Participação Mundial das Reservas Brasileiras de Minérios Figura 2: Participação Mundial das Exportações Brasileiras de Minérios Figura 3: Fluxograma Economia Mineral Brasileira Figura 4:Comparativo Saldos da Balança Comercial Setor Mineral x Brasil Figura 5:Fluxograma Renda Mineral Figura 6: Fluxograma de Licenciamento Minerário Figura 7: Arrecadação de Royalties da Mineração no Brasil LISTA DE TABELAS Tabela 1: Alíquotas da CFEM por substância no regime anterior Tabela 2: Distribuição da Arrecadação da CFEM SUMÁRIO 1. Introdução.................................................................................................................. 1 1.1 Objetivo .................................................................................................................. 3 1.2 Metodologia ............................................................................................................ 4 2. O Setor De Mineração No Brasil .............................................................................. 5 2.1. Relevância Econômica .......................................................................................... 5 2.2 O Processo Produtivo da Mineração e seus Custos de Transação ................... 12 2.3 Caracterização Jurídica e Institucional do Setor .............................................. 17 2.3.1 Concessões e Outorgas ............................................................................. 18 2.4 Arranjo Institucional .................................................................................... 21 2.4.1 Processo de Licenciamento ...................................................................... 22 2.5 Estrutura Tributária .......................................................................................... 27 3. A Reforma do Setor Minerário................................................................................ 29 3.1 Alterações no Código de Mineração ..................................................................... 32 3.2 Criação da Agência Nacional de Mineração (ANM) ....................................... 36 3.3 Atualização da CFEM ...................................................................................... 40 3.3.1 Base de Cálculo: ............................................................................................. 41 3.3.2 Alíquotas: ....................................................................................................... 43 3.3.3 Distribuição: ................................................................................................... 46 4. Conclusão ................................................................................................................ 49 5. Bibliografias Consultadas ....................................................................................... 52 1 1. INTRODUÇÃO A mineração é uma das principais atividades econômicas do setor primário brasileiro, sendo base articuladora de diversas setores industriais de expressiva relevância na indústria do Brasil, como siderurgia, metalurgia e atividades derivadas. Dessa forma, tem a capacidade de potencializar ciclos de expansão de maior grandiosidade para a geração de renda, de emprego, de tributos e de excedentes exportáveis no País (PAULO HADDAD). A exemplo, somente em 2017, o setor mineral contribuiu, diretamente, com mais de 20 bilhões de dólares para a formação do superávit comercial do País. Em geral, salvaguardados os pressupostos de boa gestão ambiental e administrativa, as consequências da atividade são positivas e, em grande medida, necessárias para o desenvolvimento econômico. Conforme destaca Willian Freire: (…) ao se tratar da mineração racional e responsavelmente conduzida, respeitando as normas técnicas regulamentares, obviamente se entende que mineração e meio ambiente podem coexistir, afortunadamente, pois esta convivência resulta de muita importância para a humanidade. Se por um lado, o homem precisa dispor de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, por outro, teria uma sobrevivência precária sem a mineração, posto que raras são as atividades humanas que não dependem dos recursos minerais. (FREIRE, 2011) Naturalmente, tal qual os demais setores, a mineração é muito vulnerável às variáveis institucionais, legislativas e tributárias do país. Sua sensibilidade a estímulos externos é, entretanto, intensificada por características intrínsecas a sua natureza de indústria de commodities, que tornam mais difícil a manipulação de variáveis mercadológicas como forma de se proteger dos riscos, especialmente para empresas de pequeno e médio porte. Com efeito, prejudica-se, nesse sentido, mais ainda em função de suas características específicas, tais como a rigidez geográfica das jazidas e, como será explorado ao longo do trabalho, o alto risco dos investimentos com retorno estimado de médio a longo prazos. Por conta deste cenário, quaisquer alterações nas supracitadas variáveis têm forte impacto na dinâmica do setor, influenciando diretamente os resultados das empresas, e por consequência, decisões de investimento, percepção de competitividade do país no setor e fluxo internacional de capitais. Este entendimento é necessário para a análise de 2 reformas no setor. No caso, desde o final de 2017, foram implementadas uma série de modificações regulatórias, institucionais e arrecadatórias na legislação minerária, cujos possíveis efeitos objetiva-se aqui avaliar. Desde o período da alta dos preços do minério de ferro na década passada, e mais especificamente a partir de 2011, existe o firme propósito de alterar a legislação minerária em vigor, tendo por objetivos principais promover alterações nos encargos e tributos a que o minerador está sujeito, na estrutura organizacional para as outorgas de pesquisa e lavra de minérios, isto é, criação da Agência Nacional de Mineração (ANM) e nos procedimentos administrativos para obtenção de tais outorgas. Ao longo das últimas décadas, a legislação do setor não sofreu nenhuma alteração significativa, a contrapasso do comportamento da atividade mineral e da conjuntura internacional. Entre essas mudanças esteve a privatização segmentos da mineração brasileira, em especial da Vale do Rio Doce, hoje Vale, atualmente é a maior produtora de minério de ferro do mundo. Além disso, houve alterações no cenário metalúrgico e industrial internacional, alterando o quadro valorização das commodities e o desenvolvimento de minerais usados em indústrias de ponta. Nesse contexto, segundo o Ministério de Minas e Energia, surge a necessidade de um modelo capaz de adequar a realidade da indústria nacional ao novo contexto mundial, caracterizado pela crescente dependência por insumos minerais. Assim, nasce a proposta de reforma da legislação minerária brasileira, que já vinha tramitando há anos no congresso, e, em 2017, começou a ser implantada através da sanção pelo Presidente Michel Temer dos Projetos de Lei de Conversão das Medidas Provisórias (MPs) nºs 789/17 e 791/17, convertidas nas leis nº 13.540/17 e nº 13.575/17, respectivamente, e da MP 790/17, que, embora tenha perdido sua eficácia, foi promovida em quase integralidade por meio do Decreto-Lei nº 9.406, de 12 de Junho de 2018. A primeira MP consistia na alteração do regime da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), atualizando as alíquotas dos royalties do setor, que é o valor pago pela exploração mineral no Brasil. A segunda cria a Agência Nacional de Mineração (ANM), que vai substituir o atual Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), autarquia ligada ao Ministério de Minas e Energia. A terceira 3 propunha uma série de alterações no Código de Mineração (CM), atualizando prazos e procedimentos referentes à obtenção de outorgas, pesquisas, compromissos, entre outros. 1.1 Objetivo Espera-se da reforma um ganho de eficiência e segurança jurídica no setor. Porém, as novas leis têm a desvantagem de elevar custos aplicáveis às atividades de mineração, e a indústria privada não se mostrou muito otimista com as mudanças. Há um receio de que os impactos para os investimentos na indústria sejam mais negativos do que positivos. O objetivo, deste trabalho, portanto, é investigar os impactos e potenciais desdobramentos destas modificações no desempenho do setor de mineração brasileiro, bem como os seus reflexos no bem-estar da sociedade afetada pela atividade. Espera-se determinar se a nova legislação se encaixa nas mudanças avaliadas como positivas pela literatura anterior a sua implementação, conjecturando sobre como a nova legislação irá impactar nas empresas e no desemprenho do setor, e por consequente, como esse impacto irá se refletir na economia brasileira, dada a importância que a atividade mineral carrega no cenário nacional. Por fim, espera-se concluir se a mudança foi, a médio e longo prazo, positiva ou negativa. Serão contempladas na análise as alterações implementadas pelas três MPs. A análise econômica será feita, primeiramente, através da avaliação dos os prejuízos ou incentivos de cada uma das alterações legais na competitividade do setor, que forneçam informações que permitam inferir como a mudança impactará o mercado e a sociedade. Entretanto, esse trabalho terá como foco principal as mudanças no arcabouço econômico dos royalties da mineração, isto é, a reforma da CFEM. O objetivo é realizar uma análise empírica do impacto das novas alíquotas no desempenho das empresas já estabelecidas e em seu comportamento em relação a novos investimentos no setor, avaliando se existe a possibilidade de inviabilização de futuros e atuais empreendimentos minerários. Em contrapartida, será avaliado também quais os impactos das alterações para a máquina estatal e para a sociedade civil, em termos de montante arrecadado, desenvolvimento e bem-estar. Espera-se concluir, portanto, em que medida a mudança foi benéfica ou não para a economia brasileira, bem como para os principais agentes envolvidos na atividade. 4 1.2 Metodologia Os métodos científicos de pesquisa possibilitam que se atinja um tipo de conhecimento sistemático, objetivo e preciso, que permitem a melhor compreensão de um determinado objeto de estudo. É, desta forma, necessário selecionar o método mais adequado para que se alcance o objetivo (ARANHA; MARTINS, 2003). Este trabalho procura ser uma pesquisa, que, conforme Vergara (2006), “tem como principal objetivo tornar algo inteligível, justificar-lhe os motivos. Visa, portanto, esclarecer quais fatores contribuem, de alguma forma, para a ocorrência de determinado fenômeno. ”. Para sua elaboração, o método selecionado foi o dedutivo, que, segundo Lakatos e Marconi (2011), permite apresentar aspectos gerais de determinada temática e que se encontra devidamente validada pela ciência, avançando-se depois para aspectos mais particulares e específicos do tema. Uma vez definido o método, é necessário que seja definido o tipo de pesquisa a ser utilizado, procurando se aproximar ao máximo do atingimento dos objetivos. Neste caso, em virtude da escassez de dados ex post facto que permitam análises quantitativas mais aprofundadas e inferências confiáveis a longo prazo, optou-se pela pesquisa exploratória, que permite obter uma maior familiaridade com o assunto, ficando a saber mais sobre o tema e poder apresentar uma explicação mais exata do que se pretende (GIL, 2008). Recorreu-se à metodologia de pesquisa bibliográfica, fundamental em todo o trabalho científico e que influencia todas as etapas de pesquisa, feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem, porém, pesquisas científicas que se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta (FONSECA, 2002, p. 32). Existe bibliografia considerável sobre os pontos específicos tratados, mas como todas as alterações foram muito recentes, ainda não houve tempo suficiente de maturação de seus resultados. A literatura específica de estudo dos efeitos é muito insipiente, quase inexistente. Portanto, no caso deste trabalho, procura-se entender como as reformas 5 atenderam ou não as recomendações e expectativas ex anti dos autores e estudiosos do tema. 2. O SETOR DE MINERAÇÃO NO BRASIL 2.1. Relevância Econômica Entende-se por mineração os processos e atividades industriais que tem por finalidade a extração de substâncias minerais do solo. Os fatores de produção surgidos pela “natureza” contribuíram com atingir um maior bem-estar comum e um estímulo dinâmico para o desenvolvimento dos grupos sociais (OSÓRIO, 2017, p.179). A mineração, portanto, tal qual agricultura e pecuária, é uma das atividades básicas que permitiram a evolução cultural e econômica do homem. Desde eletrônicos de tecnologia de ponta até estruturas de edificações, os minerais estão presentes em praticamente todos os bens duráveis produzidos. A atividades está na base da cadeia produtiva de quase toda as atividades industriais, e, portanto, sem ela não teriam sido possíveis as grandes revoluções que determinaram a trajetória econômica e tecnológica da humanidade até a atual conjuntura. Construção civil e melhoria das condições de vida nos centros urbanos são de suma importância para a população. Dessa forma, a mineração está na base de sustentação para um novo patamar de qualidade de vida da sociedade. Isso porque para realizar qualquer obra – estradas, aeroportos, hotéis, centros turísticos e de comunicações, escolas, saneamento etc. – é imprescindível que haja minerais em quantidade e qualidade compatíveis com a dimensão desses empreendimentos. Afinal, quase tudo o que se constrói leva cimento, areia, brita, cal, ferro, manganês, aço, petróleo e a própria água, entre tantos outros minerais. Sem falar na energia elétrica, cuja transmissão se faz por intermédio do cobre e do alumínio.1 Em seus mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados de extensão territorial, o Brasil possui uma grande diversidade de formações geológicas, o que lhe confere uma 1 Em: Instituto Brasileiro de Mineração. Eleições 2018: Políticas Públicas para a Indústria Mineral. Brasília: IBRAM, 2018. Pág.14 6 grande diversidade de minérios e minerais. O Brasil possui hoje algumas das maiores reservas minerais do mundo, conforme mostra a figura abaixo. Figura 1: Participação Mundial das Reservas Brasileiras de Minérios Embora isso já represente um dos maiores tesouros minerais do mundo, grande parte do Brasil não está devidamente mapeada. A Amazônia, por exemplo, cuja extensão corresponde a cerca de 50% do território nacional, em sua quase totalidade só foi mapeada na escala de 1:1.000.000. Além disso, o restante do País também não teve seu território mapeado em escala compatível ao reconhecimento geológico (1:250.000).2 O minério de maior destaque no Brasil atualmente é o minério de ferro, o recurso mineral não combustível mais relevante em termos mercadológicos do mundo, uma vez que é a principal matéria-prima para a produção do aço, a liga de metal mais consumida globalmente (6 bilhões de toneladas anuais). As reservas de minério de ferro são estimadas em S$ 6,8 trilhões, e o Brasil é o terceiro maior produtor e exportador mundial 2 Em: Instituto Brasileiro de Mineração. Eleições 2018: Políticas Públicas para a Indústria Mineral. Brasília: IBRAM, 2018. Pág.16 7 da commodity, além de possuir o segundo maior estoque de reservas, e as reservas consideradas de melhor qualidade, no distrito mineiro de Carajás, no Sul do Para. Atualmente, o país produz 72 substâncias minerais, incluindo minerais metálicos, não metálicos e energéticos. O minério de ferro, matéria prima mais importante da indústria metalúrgica, corresponde a três quartos da produção mineral brasileira, mas o Brasil também se destaca na produção de Nióbio, sendo responsável por cerca de 93% da oferta mundial, além de outros minérios de grande relevância econômica, como mostra a imagem abaixo. Figura 2: Participação Mundial das Exportações Brasileiras de Minérios A imagem a seguir mostra os principais momentos do processo produtivo mineral originadores de renda, ou seja, o funcionamento da geração de produto por parte do setor. 8 Figura 3: Fluxograma Economia Mineral Brasileira Fica claro que não apenas a indústria extrativa propriamente dita tem papel relevante no produto do setor de mineração, mas todas as atividades que a seguem acompanhando a trajetória da matéria prima na indústria. Além disso, extrapolando apenas a atividade “mineração” em si, o segmento da transformação mineral e o elo da cadeia mineral que faz a interface com o setor secundário da economia, agregando valor e gerando emprego. Engloba o segmento de metalurgia (siderurgia, não ferrosos, ferro- ligas, ferro-gusa e fundidos) e o de não metálicos (cimento, cerâmica vermelha, cerâmica de revestimento, vidro, cal, gesso, fertilizantes e outros)3. Dessa forma, fica evidente que o setor de exploração mineral exerce um papel fundamental para a economia brasileira. Em termos de contribuição à ocupação, no ano de 2013, a atividade minerária gerou 227.000 empregos diretos apenas na atividade de extração de minerais metálicos. Além disso, por pertencer ao setor primário, a atividade possui efeito multiplicador, gerando empregos também tanto nos setores que fornecem os insumos para a formação da indústria da mineração quanto pela a indústria de transformação. Além da geração de empregos, a atividade se torna a maior fonte de arrecadação em diversas cidades espalhadas pelo país e alguns estados, pelo fato de ser a principal atividade nessas áreas. 3 Em: Instituto Brasileiro de Mineração. Eleições 2018: Políticas Públicas para a Indústria Mineral. Brasília: IBRAM, 2018. Pág.15 9 Ao analisarmos dados macroeconômicos, constata-se que a indústria extrativa tem papel importante na economia do Brasil, tendo respondido por aproximadamente 3,7% do PIB brasileiro em 2017, segundo dados do IBGE, sendo a extrativa mineral responsável por 1,4% do PIB Brasil. Além disso, a atividade do setor é fundamental no processo de desenvolvimento regional e na interiorização da industrialização. Segundo o IBRAN, mesmo que por unidade do PIB haja uma menor intensidade de recursos naturais nas economias modernas, tende a crescer o volume da demanda global por bens e serviços direta e indiretamente relacionados com a base de recursos naturais. Este crescimento pode ocorrer de forma acelerada e sustentada, a partir de expressiva entrada de países como a China e a Índia no mercado mundial de bens e serviços; da persistência do longo ciclo de prosperidade nos países industrializados; da melhoria da distribuição da renda em muitos países em desenvolvimento. Neste caso, mesmo considerando a ocorrência de alguns anos de volatilidade nos seus mercados, com implicações adversas em seus preços relativos no curto prazo, e possível pensar até na atenuação da tradicional tendência de uma deterioração nas relações de troca destes bens e serviços, ao longo do próximo lustro4. Desde 2006, a atividade mineral tem aumentado significantemente no país, com o setor atingindo o pico de produção de US$ 53 bilhões em 2011. O crescimento setorial gera a possibilidade de alavancar a economia brasileira como um todo. O setor de mineração é responsável hoje por aproximadamente 13% das exportações do Brasil (das quais quase 90% minério de ferro), e, dessa forma, sua influência nos saldos da balança comercial é muito expressiva. Os dados mais recentes, de 2017, mostram o saldo da balança comercial brasileira não apenas superavitário, mas registrando novo recorde, totalizando US$ 66,989 bilhões frente aos US$ 47,683 bilhões do ano anterior (expansão de 40,5%), com as exportações alcançando US$ 217,739 bilhões (0,7% do PIB no período). Deste valor, cerca de 30% do saldo é oriundo do superávit comercial do setor minerário, que também atingiu valores recordes em 2017 (US$20,473 de dólares, em alta de 27% em comparação com 2016.). A imagem a seguir mostra que, inclusive, essa representatividade foi maior nos anos anteriores. O que se pode perceber a partir do gráfico é que, mesmo em períodos de 4 Em: Instituto Brasileiro de Mineração. Eleições 2018: Políticas Públicas para a Indústria Mineral. Brasília: IBRAM, 2018. Pág.84 10 recessão, como foram os anos de 2015 e 2016, a balança comercial da mineração tende a mantes saldos estáveis em comparação com períodos de retomada econômica. Figura 48: Comparativo Saldos da Balança Comercial Setor Mineral x Brasil Ainda assim, apesar da relevância do setor na economia, a base econômica brasileira, que é diversificada, garante que o país não seja dependente do segmento, o que dificulta a ocorrência de fenômenos tal qual a doença holandesa5. Figura 5: Fluxograma Renda Mineral A atividade mineradora pode gerar tanto impactos positivos quanto negativos ao desenvolvimento regional. Os benefícios que aportam para as regiões são fáceis de serem destacados: a modernização de sua infraestrutura econômica e social; a expressiva geração de renda e de emprego; o aumento da base tributável para os três níveis de 5 A doença holandesa é a sobreapreciação permanente da taxa de câmbio de um país resultante da existência de recursos naturais abundantes e baratos (ou de mão-de-obra barata combinada com um diferencial de salários elevado) que garantem rendas ricardianas aos países que os possuem e exportam as commodities com eles produzidos. Essa sobreapreciação decorre do fato que sua exportação dessas commodities é compatível com uma taxa de câmbio mais valorizada do que seria necessário para tornar competitivas empresas de outros setores de bens comercializáveis mesmo que elas utilizem tecnologia no estado da arte mundial. Os recursos naturais podem ser considerados “baratos” e geram rendas ricardianas para o país, porque seus custos de produção são menores do que os que os que são incorridos pelos produtores marginais menos eficientes admitidos nesse mercado mundial. Em: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; MARCONI, Nelson e OREIRO, José Luís Developmental Macroeconomics: New Developmentalism as a Growth Strategy, Londres: Routledge, 2014. Capítulo 7. 11 governo; a melhoria da acessibilidade aos mercados externos à região; a expansão da oferta de fatores locacionais especializados, principalmente de mão-de-obra qualificada e empreendedora, que irão facilitar a dinamização das economias locais no médio e no longo prazo etc.6. Porém, esses benefícios só serão atingidos se houver uma gestão eficiente do empreendimento e dor recursos que advirão para a localidade em que estiver inserido. O grande deslocamento populacional para regiões em que há atividade de mineração, muito embora seja positivo no sentido de contribuir para a interiorização demográfica e trazer crescimento econômico para as regiões em questão, se não for bem amparado por um planejamento aprofundado e políticas públicas, pode resultar em uma urbanização descontrolada, na qual os ganhos de renda gerados pela atividade produtiva não se traduzirão em ganhos de bem-estar para a população local. Conforme aponta Thamiris Ferreira em um estudo acerca da gestão das rendas provenientes da mineração: No entanto, a falta de comunicação prévia à exploração mineral, entre a mineradora e o poder público municipal, pode acarretar falhas no planejamento municipal e sobrecargas para o aparelho público. Dessa forma, verifica-se que a dificuldade em prever os aumentos das demandas da população, em face do boom populacional gerado no município a partir da mineração, é um grande limitador para os municípios. Tendo em vista que não há uma precaução em avaliar os impactos gerados pela vinda de uma mineradora para uma localidade e de que não há aporte de verba prévio ao impacto, a maior dificuldade enfrentada pelos municípios é que, em muitos casos, não se tem elaborado um planejamento que se aplique à realidade. (FERREIRA, 2013, pág.102) Ademais, a despeito da geração de empregos e renda, a atividade apresenta riscos ambientais, que devem ser mitigados por legislação firme e fiscalização eficiente. Existem também os riscos de segurança do trabalho e saúde ocupacional, como em toda outra indústria. Ainda assim, conforme o exposto acima, o desenvolvimento sustentável, uma vez desencadeado, facilitará processos produtivos e critérios de consumo adequados à composição dos legítimos interesses da coletividade humana e 6 Em: Instituto Brasileiro de Mineração. Eleições 2018: Políticas Públicas para a Indústria Mineral. Brasília: IBRAM, 2018. Pág.46 12 do ecossistema planetário (MILARÉ, 2007. p. 81.). Por outro lado, se mal gerida, a mineração atua em sentido oposto, reduzindo o crescimento econômico, acentuando diferenças inter-regionais, aumentando a disparidade de renda entre os cidadãos, acentuando a corrupção da Administração Pública, isso sem falar na potencial degradação do meio ambiente – modificação dos regimes hídricos, principalmente das águas subterrâneas; impactos sobre a fauna e a flora; poluição das águas superficiais e subterrâneas; alteração das qualidades do solo agrícola e geotécnico; poluição do ar; poluição sonora; poluição visual; etc. (CASTRO, 2011, p.37). Desta forma, para o funcionamento eficiente da atividade e maximização de suas externalidades positivas, é necessário que haja ampla articulação entre as partes envolvidas na produção. Não basta apenas uma performance bem orientada socioeconomicamente por parta das empresas, como também é necessário que os órgãos e instituições governamentais relacionados façam bom reinvestimento dos recursos arrecadados e fiscalizem a atividade de forma a evitar maiores danos. Para formular e implementar políticas públicas que visem ao desenvolvimento econômico e social da população, os gestores municipais precisam dispor de instrumentos de gestão e medição que evidenciem o progresso em direção a objetivos previamente definidos. Dessa forma, poderão ser tomadas decisões que otimizem a alocação dos recursos públicos. (Regressão, pág. 14) Na próxima sessão, será discutido como funciona na prática o processo produtivo da mineração pela ótica das empresas envolvidas, desde o início do interesse pela área que a presenta o recurso mineral de interesse. Serão mostrados os principais custos de transação e custos de oportunidade que podem reduzir a atratividade de investimentos no setor. 2.2 O PROCESSO PRODUTIVO DA MINERAÇÃO E SEUS CUSTOS DE TRANSAÇÃO O processo de desenvolvimento de um empreendimento mineral pode ser resumido em três principais etapas: prospecção e pesquisa mineral; desenvolvimento de mina; e descomissionamento ou fechamento da mina. É importante notar, nesse sentido, que, por ser um setor no qual há diversos entraves, por exemplo, à dificuldade de obtenção de licenças e permissões, o grande risco de prospecção, além dos investimentos iniciais 13 altíssimos necessários para iniciar uma operação, e da vulnerabilidade a preços internacionais, a atividade mineral é muito sensível a questões estruturais, uma vez que a viabilidade econômica dos projetos é muito frágil, e as despesas e custos dispendidos em sua execução são muito grandes. Dessa forma, um dos principais obstáculos de se empreender no setor são seus custos de transação. Assim, entende-se por custos de transação “todos os encargos que impedem que uma troca (no sentido econômico) aparentemente desejável, seja feita. Incluem as despensas de organização, de pesquisa, de negociação, de fiscalização, incerteza, de precauções contra o potencial oportunismo da outra parte contratante, que aparece sob forma de desperdício, risco moral, baluarte)” (MACKAAY, 2015. p. 662). A fase de pesquisa inicial já representa uma barreira de entrada no setor por ser um grande custo para do empreendimento mineral, uma vez que são necessários diversos profissionais - geólogos, advogados, executivos - para avaliar os recursos e proceder de acordo com a enorme exigência burocrática da fase de licenciamento7. A licença exigida neste momento é a Autorização de Pesquisa8. Na fase de pesquisa mineral são realizados estudos geológicos, químicos e metalúrgicos para determinar a qualidade e quantidade do mineral na jazida. Com base nesta pesquisa, realiza-se o estudo econômico financeiro para a definição da viabilidade do projeto. Um mineral in situ só é definido minério quando está presente em concentração suficiente e localização de modo que seja economicamente possível sua extração e aproveitamento. Embora pareça simples, esta é uma fase do empreendimento que demanda grandes investimentos por conta da empresa envolvida, além de ser um processo que demanda alguns anos para se desenvolver, já que para cada fase de pesquisa é necessário algum tipo de licenciamento. 7 No próximo subcapítulo serão examinados em mais detalhes os tramites necessários para os requerimentos e outorga de pesquisa bem como suas consequências para a percepção das empresas. 8 DNPM, Orientativo de Requerimento de Pesquisa: “A autorização de pesquisa é um regime de aproveitamento mineral em que são executados os trabalhos voltados à definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exequibilidade de seu aproveitamento econômico. De acordo com o Código de Mineração, a pesquisa mineral compreende, entre outros, os seguintes trabalhos de campo e de laboratório: levantamentos geológicos pormenorizados da área a pesquisar, em escala conveniente, estudos dos afloramentos e suas correlações, levantamentos geofísicos e geoquímicos; abertura de escavações visitáveis e execução de sondagens no corpo mineral; amostragens sistemáticas; análises físicas e químicas das amostras e dos testemunhos de sondagens; e ensaios de beneficiamento dos minérios ou das substâncias minerais úteis, para obtenção de concentrados de acordo com as especificações do mercado ou aproveitamento industrial.” 14 A fase de sondagem, por exemplo, que consiste na perfuração do solo e retirada de amostra para testes geológicos e é a mais importante da fase de pesquisa, requer uma série de licenças ambientais e minerárias para que seja autorizada a extração da amostra, a supressão vegetal na área dos furos e acessos, entre outros. Além disso, uma única campanha de sondagem (para conclusão de pesquisa de um projeto são realizadas diversas), tem um custo na casa dos milhões de reais. Mais crítico é o fato de que, comumente, os resultados da pesquisa não são positivos. A estatística do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) aponta que dentre 100 requerimentos de pesquisa protocolados apenas 1,1 chega à etapa de lavra, o que demonstra o grande risco do setor. Com a necessidade de investimentos iniciais tão elevados e com tão pouco potencial de retorno, o empreendimento mineral torna-se pouco acessível, passando a ser dominado por empresas e entidades financeiras que tenham capacidade de incorrer neste risco, ou que possuam informação privilegiada sobre o potencial geológico da área. Quando a pesquisa é finalizada, um relatório de pesquisa e um plano de aproveitamento econômico precisam ser remetidos ao órgão regulador responsável para que a mina possa entrar em operação. Se o depósito mineral é considerado viável, inicia- se a fase de desenvolvimento de mina. Nesta fase, são feitos os processos de obtenção dos licenciamentos ambientais e autorizações e é quando ocorre o maior investimento pelas empresas, pois contempla também a abertura da mina, construção de plantas de beneficiamento, infraestrutura, além das despesas com tramites burocráticos. Alguns dos maiores custos estão no cumprimento dos condicionantes e compensações ambientais. Se lograr superar todos os obstáculos, só então pode adotar-se uma decisão definitiva a respeito da preparação posta em marcha da mina, e da quantidade de investimento que ele exigirá. Se essa decisão é positiva, são feitas as instalações, as plantas e habitações, são construídos os caminhos, aporta-se a energia e contrata-se o pessoal. Desta maneira, após um processo de certa forma aleatório, muito custoso e prolongado (entre quatro a doze anos) como o descrito, a mina entra em exploração (OSSA, 2007. p. 15). Portanto, o custo de oportunidade das firmas mineradoras é muito grande, principalmente em vista do fato de que os anos de prospecção do projeto podem não resultar em uma operação economicamente viável. Guillermo Montúfar pontua: [...] na mineração, o fato de descobrir uma jazida, ou seja, de comprovar que um espaço determinado contém recursos minerais, não 15 constitui informação suficiente para decidir explorá-lo. Das jazidas conhecidas só alguns são aproveitadas, são aquelas que reúnem minerais úteis em proporção suficiente (concentração ou acumulação de minerais), a um ponto tal que constitua riqueza mineral, ou seja, que tenha alguma significação econômica. Para a avaliação de uma jazida, em termos gerais, é preciso determinar a quantidade de mineral que contêm as jazidas, a qualidade mineral (lei do mineral), dados que devem relacionar-se com o preço do mineral no mercado mundial, dentre outros fatores. De outro lado, será necessário estabelecer o método de exploração que se aplica e o custo da extração. Igualmente o custo do tratamento ou purificação do mineral, o impacto ambiental e os custos de transporte. (MONTÚFAR, 2001) Dessa forma, além da não garantia de existência de recursos, nem todo depósito mineral é lavrável economicamente falando, pois sua qualidade, localização ou volume, pode inviabilizar uma operação comercial. Em seguida, a mina vive sua fase de operação e atividade comercial. Os custos relativos à operação são também significativos, pois, apesar de se tratar de uma atividade do setor primário, a mineração requer avançadas tecnologias e equipamentos, além de ser sempre amparada pela indústria de beneficiamento mineral. Em geral, o tratamento inicial dos minérios é realizado em plantas no próprio projeto. Uma vez em operação, os custos de investimento em capital para infraestrutura e beneficiamento do minério, os custos logísticos, de compensação ambiental e de comercialização, também serão fatores de ponderação por parte das mineradoras em sua decisão de empreender ou não na atividade. A obtenção da concessão para exploração não assegura produtividade e eficiência econômica. Em suma, a economia dos custos de transação no setor minerário surge desde a assunção do risco, da operabilidade e das responsabilidades ex post da organização mineral. Por fim, é realizado o fechamento de mina, quando chega esta chega ao final de sua vida útil, ou quando empresa decide concluir as operações por outras razões. Neste momento, são realizados investimentos para garantir que a saúde e segurança da população não seja comprometida, que os recursos minerais não serão expostos a deterioração, além de ser feita a recuperação ambiental das áreas impactadas. Assim, é 16 fundamental trabalhar estratégias de diversificação econômica das regiões mineradoras, preparando-as para o final do ciclo da mineração, com a exaustão dos depósitos minerais. Desta forma, a empresa deve envolver as partes interessadas e adotar iniciativas que visem o fortalecimento das capacidades da comunidade, de forma articulada ao poder público local. Idealmente, esses princípios deveriam estar presentes desde as etapas iniciais de um projeto de mineração, mas devem ser cuidadosamente considerados na etapa de desativação9 . Dessa forma, em toda a cadeia de operação do empreendimento mineral, encontram-se grandes custos de oportunidade e de produção a serem transpostos. A iniciativa privada exerce, portanto, o papel de assumir estes custos e os riscos do empreendimento e desenvolvê-los, de modo a exercer, por meio das práticas de mercado e em adequação a seus interesses próprios, a maximização da rentabilidade da atividade econômica e, por consequência, se bem gerida a atividade, do bem-estar social como consequência. Destaca-se que os sistemas originários de domínio sempre contêm e estão imersas sobre a atuação dos institutos jurídicos- econômicos, seja através do vínculo estatal que relaciona a atividade econômica do Estado e o Minerador/investidor ou sobre as relações estritamente privadas como consequência da atividade da organização empresarial mineral. [...] o exercício da atividade econômica privada transcendente significativamente por assumir o risco na exploração, operação e comercialização dos bens minerários colocados no mercado. Dessa forma, conforme ao sistema originário de domínio dos recursos minerários, o agente econômico avaliará os custos de transação que assumirá, assim como também os incentivos que irá capitalizar e os desperdícios jurídico-econômicos que terá que internalizar ao longo do seu processo de produção. (OSÓRIO, 2017, pág. 24) Isto é, a assunção dos riscos de investimento na forma de organização institucional como empresa e unidade jurídica-econômica de produção encontram-se definida como o 9 Em: Instituto Brasileiro de Mineração. Eleições 2018: Políticas Públicas para a Indústria Mineral. Brasília: IBRAM, 2018. Pág.68 17 principal meio para articular a maximização da rentabilidade da atividade econômica e do bem-estar social como consequência da colocação dos bens. Na próxima sessão serão exploradas as características regulatórias que justifica boa parte dos custos acima descritos, no que se refere à parte de licenças e relação com as instituições responsáveis. Será descrito em detalhes o processo de licenciamento, além de serem apresentadas os órgãos envolvidos. 2.3 CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA E INSTITUCIONAL DO SETOR Conforme a Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 177, inciso V, constituem-se como monopólio da União a pesquisa, lavra, enriquecimento, reprocessamento, industrialização e o comércio de minérios. A Constituição Federal determina, nos termos do artigo 20, inciso IX, que a União (isto é, o estado federal brasileiro) detém a propriedade de todos os recursos minerais no solo, inclusive minerais metálicos. Portanto, o direito minerário encontra sua máxima expressão na Constituição Federal, a qual delimita o que é de quem, normaliza e regula com suas especificidades inerentes e obrigações acompanhadas das explorações (SANTOS, 2015). Além disso, é ponto nevrálgico desta análise a compreensão de que, segundo o artigo 176, §1º, as atividades minerárias devem ser realizadas conforme o interesse nacional. Esse interesse pode ser compreendido como qualidade inerente à atividade mineradora, mas também como finalidade que deve ser alcançada pelo minerador. Embora a atividade se dê em regime de monopólio público, entes privados têm o direito de explorar os minerais através da concessão de autorização pelo governo federal. De fato, a dinâmica do setor no Brasil atualmente se vê dominada pela inciativa privada. Este cenário se consolidou com a privatização da companhia Vale do Rio Doce, em 1997, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Quando ainda era de propriedade do governo, a Vale já era predominante no setor minerário nacional. Atualmente, a Vale, companhia multinacional privada, é uma das maiores empresas de mineração do mundo, sendo a maior produtora de minério de ferro do mundo, responsável por 24% da produção mundial em 2017.10 10 Cálculo com base nos dados de: Mineral Commodity Summaries, USGS, 2017. Disponível em: http://minerals.usgs.gov.; e relatórios de produção Vale. 18 A titularidade dos bens minerais pela União só foi estabelecida através da Constituição de 1891, na qual foram implementados os primeiros regimes de outorga, ou seja, de “compartilhamento” desta titularidade com entes privados. Antes disso, o minério pertencia ao proprietário do solo, pelo conhecido regime de acessão. Os regimes de outorga foram estipulados em leis infraconstitucionais, sendo a primeira, o Códigos de Minas, criado em 1940 e elaborado durante a Era Vargas. Em 1967 o Código foi revogado e a regulação passou a ser conferida pelo Decreto-lei no 227 de 1967. O Código de 67 em si prevê cinco regimes regulatórios a depender do recurso mineral pleiteado, mais ou menos rigoroso dependendo do valor representado pelo minério, de sua dificuldade de exploração e, principalmente do interesse público que lhe é atribuído. E são eles: (I) concessão; (II) autorização; (III) licenciamento; (IV) permissão e (V) monopólio. Destes, o regime mais brando é a permissão, que é o regime aplicado às lavras garimpeiras. O regime de (III) licenciamento é utilizado para a exploração de minerais que possuem aplicação na construção civil no caso do: seixo, areia, brita entre outros determinados pela lei no 6.567/78. Em relação ao regime do (V) monopólio, a União só possui o monopólio exploratório do petróleo, gás natural e minerais nucleares, de acordo com o art 177 e 21, XXIII, respectivamente. Qualquer outro monopólio exploratório que venha a existir deve ser implementado por meio de emenda constitucional, uma vez que não poderia existir limitação à livre iniciativa sem que fosse por norma da mesma hierarquia. A (I) concessão e (II) autorização, por sua vez, constituem a regra geral, utilizada principalmente para os bens metálicos. Isso porque a exploração de tais minérios exige uma pesquisa inicial para identificar a viabilidade técnica e econômica da jazida. O foco do trabalho será, portanto, o de concessão e autorização, para analisar apenas os modelos de outorga para a exploração dos minerais metálicos. 2.3.1 Concessões e Outorgas Conforme supracitado, concessões de exploração minerárias são o eixo central que movimenta todos os institutos jurídicos do direito minerário, uma vez que definem que, embora o solo seja passível de exploração por parte privada, não será passível de posse, garantindo, portanto, esse direito exclusivamente à União. 19 Muitos autores defendem que cabe à Administração Pública o ato vinculado da concessão de títulos minerários. Para FREIRE: A mineração é atividade econômica industrial e extrativa. Não é serviço público, porque não deve ser executado pela Administração, mas por empresa brasileira, conforme preceitua a Constituição. Com a publicação da Portaria, a União não delega a execução da lavra, mas cria um direito de lavra em favor do minerador. É o ato administrativo vinculado e definitivo. Uma vez obtido o Direito de Propriedade, e cumpridas as obrigações do Código, o minerador tem direito à obtenção do Consentimento para Lavra. (...) O Consentimento para Pesquisa Mineral é ato administrativo vinculado, para o qual não está reservada à Administração qualquer discricionariedade. Em razão disso, a utilização do termo autorização tem sido causa de equívocos tanto na doutrina quanto nos tribunais. E a Administração aproveita para tentar atuar segundo uma discricionariedade que não existe. (FREIRE, 2012,.p.84 ). Já outros autores defendem que o ato administrativo não necessariamente seja vinculado à Administração Pública. Segundo CASTRO: O posicionamento doutrinário, por um ato administrativo vinculado, não leva em consideração, contudo, que, o averiguar de existência de requisitos formais não pode ser o cerne da ordenação do setor mineral, principalmente porque estamos tratando de uma atividade que deve ser exercida de acordo com o interesse nacional, que é um conceito necessariamente aberto e material. Assim sendo caracterizar o ato administrativo, que possibilita a atividade de mineração como um ato administrativo vinculado, significa impedir os órgãos reguladores de verificarem, no caso concreto, as exigências constitucionais. (CASTRO, 2011.p. 50) . Um ato administrativo é aquele no qual a Administração Pública não possui qualquer margem de liberdade de decisão, visto que a legislação pré-definiu a única possibilidade de conduta para o administrador. Isto é, neste caso, a Administração Pública fica presa à legislação mineradora, sem que haja espaço para análises jurídicas particulares de atividades de mineração. Portanto, a defesa do ato vinculado à Administração Pública busca evitar ao máximo que a administração disponha de liberdade no processo de tomada de decisão, cabendo apenas fidelidade à legislação já 20 prevista, de modo a evitar ao máximo decisões equivocadas e que fujam ao princípio do interesse nacional em relação à decisão de concessão. Estreitamente vinculado ao tema das exigências aos concessionários, encontra-se o da extinção das concessões de exploração. Nesse aspecto, o ideal seria que as concessões se extinguissem unicamente por causas objetivas, impessoais e automáticas. Embora, o regime dos investimentos e produção mínima dificulte esse ideal, tanto porque a eficiência do regime requer causas de extinções relacionadas ao descumprimento das exigências de investimentos ou produção, como porque quase sempre há algum grau de discricionariedade no funcionamento público que examina as atividades do concessionário e as qualifica como suficientes ou como insuficientes para conservar sua concessão (OSSA, 2007. p. 701). Por outro lado, a crítica ao ato vinculado surge da defesa de uma maior liberdade da Administração, para que seja capaz de atuar conforme for o problema, buscando uma maior eficiência nas decisões. Esse debate sobre a questão da vinculação do ato administrativo é antigo no meio, e cabe ao marco regulatório decidir sobre as limitações das decisões da Administração Pública na regulação do setor mineral brasileiro. Embora seja necessário que se cumpram as exigências constitucionais, quando se trata de uma atividade tão heterogênea, não é possível dispensar a observância às particularidades de cada requerimento. A maximização do aproveitamento dos recursos bem como dos benefícios socioeconômico inerentes requer que haja um determinado nível de diálogo com a parte privada que se propõe a implantar o empreendimento minerário. Ainda assim, a jornada burocrática enfrentada no processo de licenciamento por si só é um grande obstáculo para tal, e existência de possibilidade de discricionariedade no processo, além de abrir margem para subjetividade e favorecimentos na avaliação por parte dos órgãos públicos, ainda torna mais longo e custoso o processo. Nos subcapítulos seguintes será discutido como os princípios que guiam a cessão de outorgas no Brasil tem como objetivo agir contra a possibilidade de discricionariedade. Será desenhado o funcionamento no processo de pesquisa, requerimento e concessão de lavra. Antes, porém, serão apresentados os principais órgãos envolvidos nos tramites em questão. 21 2.4 Arranjo Institucional São as principais instituições que regulam o setor minerário no Brasil: Ministério de Minas e Energia É responsável por implementar a política geológica nacional, estabelecer políticas e procedimentos de concessão para o setor, coordenar o processo de concessão dos direitos minerários e supervisionar o controle e a fiscalização da exploração e produção dos bens minerais, coordenar os estudos de planejamento setorial, monitorar e avaliar o desempenho do setor, organizar medidas que compatibilizem a atividade mineral com o meio ambiente e programas que objetivem o desenvolvimento sustentável, monitorar a evolução do suprimento do bem mineral, propor políticas para o incremento da participação da indústria nacional no setor Agência Nacional de Mineração (ANM) Antigo Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM). Uma autarquia federal, com autonomia patrimonial, administrativa e financeira, vinculada ao Ministério de Minas e Energia e tem como finalidade planejar e fomentar a exploração mineral no território nacional, além de fiscalizar e sancionar os detentores de qualquer direito minerário. Serviço Geológico do Brasil (CPRM) O instituto é vinculado ao Ministério de Minas e Energia e possui a atribuição de realizar o mapeamento geológico, concretizar o Programa Geológico do Brasil, realizar o levantamento hidrogeológico, disponibilizar banco de dados dos recursos minerais do país, dentre outras atividades. Centro de Tecnologia Mineral (CETEM) CETEM é um órgão vinculado ao Ministério de Ciências e Tecnologias. Foi criado para promover o desenvolvimento da tecnologia mineral e a sua assimilação pela indústria nacional. 22 2.4.1 Processo de Licenciamento O fluxograma abaixo ilustra o processo completo de licenciamento: Figura 6: Fluxograma de Licenciamento Minerário Fonte: FREIRE, 2017 A primeira fase para obtenção da concessão é a obtenção da Autorização de Pesquisa. A ANM, antigo DNPM, recebe por parte da empresa interessada na área11 o requerimento de pesquisa, que deve delimitar a área pretendida, fazendo indicação de seu potencial econômico. A norma orientativa do DNPM, publicada antes da reforma do Código de Mineração, de 2018, indica os prazos e limitações da Autorização: O título autorizativo é o Alvará de Pesquisa, outorgado pelo Diretor Geral do DNPM e publicado no DOU - Diário Oficial da União. O prazo para efetuar a pesquisa será de 02 ou 03 anos, dependendo das características especiais de localização da área e a natureza da substância mineral. As áreas máximas concedidas variam de 50 a 2.000 hectares, dependendo da substância mineral e seu uso, onde se incluem todas as substâncias. Somente na Amazônia legal, cuja 11 DNPM, Orientativo para Autorização de Pesquisa: “A pesquisa e a lavra de recursos minerais somente poderão ser efetuadas por brasileiros, pessoa natural, firma individual ou empresas legalmente habilitadas. Os mesmos devem estar devidamente cadastrados no CTDM.” 23 área é considerada de difícil acesso, que a área máxima é de 10.000 hectares. As substâncias classificadas como monopólio (petróleo, gás e elementos radioativos, como urânio) não podem ser requeridas no DNPM. Neste regime o requerente não precisa ser proprietário do solo, mas ter a sua autorização para adentrar na propriedade e cumprir com o plano de pesquisa estabelecido no requerimento. Para áreas situadas na chamada “faixa de fronteira” (150 km ao longo da mesma), as pessoas físicas e jurídicas necessitarão do assentimento do CDN.12 A área objetivada pode sofrer interferência total ou parcial por parte da ANM a depender de sua localização e características ambientais e antropológicas. Por exemplo, áreas de interesse que possuam parte de sua poligonal sobre reservas, cavernas, unidades de conservação, entre outros, terão dado procedimento de retirada de interferência, caso contrário, o requerimento será indeferido. Para a obtenção dessa autorização, a área em questão precisa estar livre ou em disponibilidade. A área em disponibilidade, que por algum motivo legal tenha sido devolvida pela parte privada, será alvo de um procedimento licitatório, em que é aberto um prazo para a apresentação de novas propostas de pesquisa por outros interessados. No caso, da área livre, ou seja, aquela que não tenha sido solicitada previamente para fins de pesquisa por outrem, ou aplica-se o direito de prioridade13, específico do direito minerário. O direito decorre do princípio de prioridade, e determina que a área será concedida à empresa que primeiro requerer a autorização, desde que o pedido esteja dentro das normas exigidas. Dessa forma, o que se tem é uma preferência definida de acordo com a ordem de chegada (COSTA, 2015, pag.43). Autores como FEIGEISON apontam que o objetivo inicial do princípio é a garantia do tratamento isonômico das empresas interessadas na área em questão, em vista da ausência de informação geológica do Brasil suficiente para garantir grau de certeza sobre o potencial da área que justifique a abertura de concorrência. O interesse da empresa por determinada área surgiria a partir de informações próprias da empresa. Dessa forma, 12 DNPM, Orientativo Requerimento de Pesquisa Disponível em: http://outorga.dnpm.gov.br/SitePages/Regimes%20Autorizacao%20de%20pesquisa.aspx. Acesso em 5/12/2018. 13 Decreto-lei nº 227/67. Art. 11. Serão respeitados na aplicação dos regimes de Autorização, Licenciamento e Concessão: a) o direito de prioridade à obtenção da autorização de pesquisa ou de registro de licença, atribuído ao interessado cujo requerimento tenha por objeto área considerada livre, para a finalidade pretendida, à data da protocolização do pedido no Departamento Nacional da Produção Mineral (D.N.P.M), atendidos os demais requisitos cabíveis, estabelecidos neste Código. 24 em vista da impossibilidade de concorrência, seria necessário o estabelecimento de um processo de outorga objetivo que haja de forma a impedir atos discricionários e favorecimentos por parte da administração. A solução aventada, portanto, seria o direito de prioridade. Do ponto de vista econômico, o princípio pode ser visto, no primeiro momento, como uma barreira à entrada, uma vez que confere a um único interessado, aquele que primeiro protocolar a solicitação de autorização de pesquisa, o direito de pesquisar a área em busca de riquezas geológicas. No entanto, ao analisar o contexto mais a fundo, percebe-se que se trata de um incentivo criado para minorar outras barreiras à entrada inerentes à atividade mineralógica. Seriam elas: (i) barreira financeira ou sunk costs - elevados custos de prospecção em nível de profundidade suficiente para determinar a viabilidade da exploração técnica e econômica da jazida e (ii) elevada incerteza quanto à descoberta da jazida com potencial exploratório (em média apenas 3% das minas pesquisadas demonstram possuírem viabilidade técnica e econômica). (COSTA, 2015, pag. 44) No capítulo seguinte será revisitada a discussão acerca do direito de prioridade, quando forem discutidas as reformas do Código de Mineração. De antemão, é necessário observar que o direito de prioridade aprofunda as consequências da assimetria de informação no setor. Entretanto, como aponta o trecho acima, dado que a informação geológica de conhecimento público fornecida pelo CPRM não é suficiente para gerar incentivos à pesquisa que sejam equânimes ao mercado, a prioridade por ordenamento gera algum nível de eficiência, no sentido de estimular a atividade econômica, já que a empresa é capaz de se beneficiar de informações próprias sem correr o risco de que outras empresas hajam como free riders14 e acabem se tornando potenciais concorrentes para a obtenção da Autorização de Pesquisa. Uma vez emitida a Autorização de Pesquisa, o titular terá um prazo, como mostrado acima, de até três anos para realizar as pesquisas, a depender da situação da área 14 Mankiw, 2011: “Free rider: a person who receives the benefit of a good but avoids paying for it.” A microeconomia define o comportamento free rider como sendo aquele em que um ou mais agentes econômicos acabam usufruindo de um determinado benefício proveniente de um bem, sem que tenha havido uma contribuição para a obtenção de tal. 25 e da pesquisa mineral objetivada, podendo esse ser prorrogado por prazo igual ao da autorização desde que seja apresentado um relatório, o Relatório Final de Pesquisa (RFP) com os trabalhos já realizados e a justificativa do prosseguimento da pesquisa. O relatório pode apontar para a (i) exequibilidade técnico-econômica da jazida; (ii) inexistência de jazida da substância pesquisada; ou (iii) inexequibilidade técnico-econômica da lavra em face da presença de fatore conjunturais adversos, como (iii.a) inexistência de tecnologia; ou (iii.b) inexistência de mercado (COSTA, 2015, pag. 47). Somente se o RFP for positivo, isso é, comprovar que na área pesquisada há minerais com precificação viável no mercado internacional, em quantidade necessária para suprir os custos de implementação e cujas condições geológicas são adequadas para a exploração com a tecnologia existente, poderá ser concedida a lavra. Caso o relatório não seja aprovado ou haja renúncia ao título minerário, a área será colocada em disponibilidade15, e caso seja apresentado sem as exigências do DNPM ou não ser apresentado quando findo o prazo do título, a área é considerada livre16. Dessa forma, as mineradoras possuem incentivos para não realizarem as pesquisas necessárias, ou o fazer em um nível muito superficial, para se enquadrarem nas hipóteses de área livre e obterem nova autorização de pesquisa, uma vez que serão as primeiras a solicitar novamente a área de pesquisa (COSTA, 2015, pág.48). Dessa forma, os minerais metálicos possuem duas fases primordiais: pesquisa e lavra, sendo a autorização o regime de outorga da pesquisa e a concessão de lavra. Em caso de aprovação do RFP, o titular da autorização de pesquisa possui o prazo de um ano para protocolar junto à ANM o requerimento de concessão de lavra (art. 31 do CM), que será dirigido ao Ministro de Minas e Energia. Esse requerimento deverá conter, além do relatório final de pesquisa aprovado pela ANM, o plano de aproveitamento econômico (PAE) (art. 39 do CM). 15 Art. 26 do Código de Minas: A área desonerada por publicação de despacho no Diário Oficial da União ficará disponível pelo prazo de sessenta dias, para fins de pesquisa ou lavra, conforme dispuser portaria do Ministro de Estado de Minas e Energia. (Redação dada pela Lei nº 9.314, de 1996) 16 Código de Mineração. Art. 25 (...) Parágrafo único. O DNPM dará baixa na transcrição do título de autorização de pesquisa, ficando livre a área, nos seguintes casos: I - Se, findo o prazo de vigência da autorização e desde que não tenha sido requerida sua renovação, deixar o titular de apresentar o Relatório referido no item VIII dêste artigo e no art. 26 dêste Regulamento; II - Se, findo o prazo de vigência da remoção da autorização, deixar o titular de apresentar o Relatório de que trata o item anterior; III - Se, embora apresentado no prazo previsto, não forem satisfeitas as exigências do DNPM: para complementação do Relatório de que tratam os itens anteriores. 26 O PAE deverá detalhar o planejamento de operação do projeto, especificando, dentre outras coisas o método de mineração que será adotado (lavra subterrânea ou a céu aberto, por exemplo); a escala de produção prevista; como será realizado o transporte do minério na superfície (logística interna), sua estocagem e seu beneficiamento; as instalações de energia, de abastecimento de água; as condições de higiene da mina e dos trabalhadores; e os destinos de moradias e as condições de habitabilidade de todos que residem no local na qual se pretende instalar o projeto. O Ministro de Minas e Energia, único capaz de outorgar a Concessão de Lavra, poderá aceitar ou recusar a concessão nos termos do artigo 42 do CM. Este determina que “autorização será recusada, se a lavra for considerada prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a utilidade da exploração industrial, a juízo do Governo”. Isto é, mesmo que sejam encontrados todos os requisitos técnicos, a concessão poderá ser recusada caso operação de lavra possa ser considerada por parte do avaliador como “prejudicial ao bem público” ou capaz de “comprometer interesses que superem a utilidade da exploração industrial”. Neste caso, é evidente que ambos estes conceitos se apresentam passíveis de ampla interpretação, o que atribui um grande grau de discricionariedade ao executivo. Em relação à discussão iniciada sobre a adequação da natureza do ato vinculado, conforme destaca COSTA: Não obstante a nomenclatura dada pelo Código, a doutrina de direito minerário entende que não são autorizações e concessões clássicas do direito administrativo. Isso porque se argumenta que a concessão de lavra é ato vinculado desde que preenchidos os critérios para a obtenção da concessão previstos no art. 37 do Código de Minas, e independe de licitação. Argumenta-se que devido aos elevados custos empreendidos pelo minerador na fase de pesquisa, esse passa a ter um direito adquirido à concessão de lavra caso encontre uma mina com potencial técnico e econômico. Ademais, a atividade minerária seria de utilidade pública, logo deve se sobrepor aos demais direitos, como o de propriedade. (COSTA, 2015, pag. 49) Desta forma, segundo a doutrina legislativa do direito minerário, tanto a autorização de pesquisa quanto a concessão de lavra seriam atos vinculados. Isto significaria que, sempre que todos os requisitos técnicos e formais forem cumpridos, 27 deveriam ser emitidas as licenças. Assim, seria possível evitar que o processo de outorga das autorizações e concessões fosse alvo de pressões políticas. Caso emblemático desta situação ocorreu em 2012 quando o Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, foi a público declarar que as concessões de lavra estariam suspensas como medida de pressão para apreciação e aprovação das propostas de alteração na legislação minerária.17 O setor mineral, de importância fundamental na matriz produtiva nacional, não pode ficar à mercê de processos ou interesses políticos. É importante ressaltar, também, que não há prazo legal estabelecido para a apreciação do pleito de concessão pelo executivo. Naturalmente, esse é um dos fatores que gera insegurança jurídica e econômica no processo de licenciamento. Em primeiro lugar, não ficam transparentes os critérios utilizados para definição do ordenamento dos requerimentos analisados. Dessa forma, há ampla margem para que a influência pessoal seja utilizada para pressionar uma apreciação mais ágil de determinado protocolo. Além disso, a ausência de um prazo final prejudica o planejamento das empresas, que precisam tomar a decisão de investimento na pesquisa não apenas sem ter certeza do potencial de recursos da área, mas também sem saber, em caso de resultado positivo, quando poderão dar prosseguimento no negócio. Entretanto, há dispositivo (artigo 42) que prevê que “o pesquisador terá direito de receber do Governo a indenização das despesas feitas com os trabalhos de pesquisa, uma vez que haja sido aprovado o Relatório”. Dessa forma, há pressão para que os relatórios sejam aprovados, já que, caso a autorização seja negada pelo governo sem que haja justificativa técnica referendada pela não aprovação do relatório, esse deverá reembolsar a empresa pelos altos custos despendidos com a pesquisa mineral. Na próxima sessão, será feita uma breve descrição dos principais impostos e encargos nos quais incorre o minerador no Brasil. 2.5 Estrutura Tributária Uma questão importante que vale destacar sobre o sistema minerador no Brasil é a estrutura tributária, ou seja, os principais impostos, taxas e contribuições cobrados sobre 17 Espera de novo Código bloqueia mineração. Disponível em: http://www.valor.com.br/empresas/3069130/espera-de-novo-codigo-bloqueia-mineracao. Acessado em 23 de novembro de 2018. 28 as empresas de mineração que operam no Brasil como condição para obter ou manter a concessão de mineração. Alguns dos impostos que compõe a estrutura tributária são: a) Taxa anual por hectare (TAH); b) Compensação financeira pela exploração de recursos minerais (CFEM); c) Pagamento devido a superficiários (proprietários da superfície da terra); d) Impostos de inspeção sobre recursos de mineração; e) Imposto de renda corporativo (IRPJ); f) Contribuição social sobre lucros (CSLL); g) Imposto de importação; h) Imposto sobre consumo; i) Plano de integração social (PIS) e contribuição social (COFINS); j) IVA estadual (ICMS); k) Contribuição predial; l) Taxa de serviço municipal (ISS); m) Imposto sobre transações financeiras (IOF); n) Impostos sobre os salários; o) Outros impostos locais. Ex.: Taxa Estadual Recursos Minerais (TRFM). Estes impostos, taxas e contribuições devem ser pagos em momentos diferentes durante o desenvolvimento da atividade de mineração e incidem sobre diferentes bases de cálculo, dependendo da fase das obras de exploração ou durante todo o período da concessão. É evidente que, além de todos os custos intrínsecos a operação, como descrito acima, o empreendimento mineral ainda sofre com as altas cargas tributárias características do arranjo fiscal brasileiro. Ainda assim, há estudos que indicam que mesmo apesar da quantidade de impostos, em termos comparativos com outras estruturas tributárias internacionais de mineração, o Brasil possui níveis menores de arrecadação. Desta forma, a grandeza das alíquotas em si não seria um grande problema para a competitividade. Mas, de novo, estudos sintetizados na publicação já citada, mostram que mesmo considerando a totalidade da carga tributária que incide sobre a mineração, o Brasil aparece como um país com tributação competitiva. [...] E vale lembrar que muitas das pesquisas sobre a carga tributária brasileira e 29 especificamente sobre a carga incidente na mineração fazem o cálculo por cima, subestimando a carga, porque têm dificuldade de estimar quanto se deixa de pagar em função das isenções fiscais e tributárias. O exemplo mais notório é a Lei Kandir que isenta os minérios do imposto de exportação.18 A maior dificuldade pode estar, portanto, mais na dificuldade de se adequar às regras tributárias extremamente complexas e na falta de contrapartida da contribuição na forma de investimentos públicos em infraestrutura que sustente o crescimento da indústria. 3. A REFORMA DO SETOR MINERÁRIO No que tange à agenda de reformas brasileiras, já haviam sido reformulados os marcos regulatórios de segmentos de grande importância econômica estratégica para o país, como os setores elétrico e de petróleo e gás. Tal qual estes setores, o mineral, como exposto acima, é estratégico para a economia nacional, principalmente para a balança comercial brasileira. Em meados 2017 o Governo Federal editou as MPs n.o 789, 790 e 791, tratando, respectivamente, das novas regras para a Compensação Financeira sobre Exploração Mineral – CFEM, das alterações do Código de Mineração e da criação da Agência Nacional de Mineração. Enquanto as MPs 789 e 791, ainda que com alterações, foram promulgadas, a MP 790 caducou pelo decurso do prazo constitucional de vigência. Muito embora a MP 790/17, que pretendia alterar o Código de Mineração (Decreto-Lei 227/67) tenha perdido sua eficácia, o Governo promoveu quase sua integralidade das alterações que propunha por meio de um Decreto-Lei que substituirá o atual regulamento do Código de Mineração, incluindo também adaptações em razão da criação da Agência Nacional de Mineração, além de outras medidas complementares. A primeira medida provisória, convertida na Lei nº 13.540/17, alterou o regime da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), atualizando as alíquotas dos royalties do setor, que é o valor pago pela exploração mineral no Brasil. Isso se traduz em maior arrecadação de tributos. 18 INESC e Observatório de Investimentos da Amazônia. Royalties da Mineração: reduzido, mal distribuído e mal aproveitado Nota Técnica nº181. 2013. Pág. 7 30 A segunda, convertida na Lei nº 13.575/17, cria a Agência Nacional de Mineração (ANM), que vai substituir o atual Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), autarquia ligada ao Ministério de Minas e Energia. Ela terá o papel de regular a fiscalizar o setor. Uma cobrança anual, que varia de R$ 500 a R$ 5 mil, das empresas irá garantir esses serviços. A MP nº 790/17, que propôs alterar disposições do Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração), não foi votada a tempo pelo Congresso Nacional e perdeu a eficácia desde sua edição. O Governo então, agiu em reformar o Código vigente não através de um Projeto de Lei, mas de seu regulamento cinquentenário (Decreto nº 62.934/1968), modificando-o pelo Decreto Federal nº 9.406/2018. Por sua vez, altera uma série de pontos do atual Código de Mineração. Apesar de tamanha importância, raras vezes a mineração brasileira foi contemplada com políticas públicas que efetivamente reconhecessem o alto nível de sua contribuição à sociedade19. Como dito acima, embora recente, uma reforma no marco regulatório já era esperada pelo setor há muito tempo. Projetos de lei já circulavam na câmara há anos, e, portanto, diversas análises de quais seriam os impactos dessas inovações já haviam sido realizadas. Mais do que isso, estudos e propostas sobre quais deveriam ser os principais aspectos contemplados no bojo da regulação. A conclusão, em geral, ficava na necessidade de a reforma contribuir para a eficiência do mercado: “Entendemos que algumas ações são urgentes para o desenvolvimento das atividades de pesquisa mineral: estabelecimento de uma política pública objetiva; disponibilização de recursos para investimentos públicos; fortalecimento do Serviço Geológico do Brasil; melhoria da disponibilidade de informação geológica básica [...] É fundamental, ainda, que o DNPM seja transformado em uma moderna agência reguladora e que seja criado o Conselho Nacional de Política Mineral. Não adianta alterar as formas de outorga, de regulação e de fiscalização sem que ocorra o aperfeiçoamento institucional.”
Compartilhar