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Cozinha Clássica Samara Fernandes DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho, Pró- Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva, Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi. NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Operacional de Ensino Kátia Coelho, Diretoria de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha, Direção de Operações Chrystiano Mincoff, Direção de Mercado Hilton Pereira, Direção de Polos Próprios James Prestes, Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida, Direção de Relacionamento Alessandra Baron, Head de Produção de Conteúdos Rodolfo Encinas de Encarnação Pinelli, Gerência de Produção de Contéudo Gabriel Araújo, Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de Almeida Toledo, Supervisão de Projetos Especiais Daniel F. Hey, Coordenador de Contéudo Alexandre Gimenes da Cruz, Projeto Gráfico e Editoração Jaime de Marchi Junior e José Jhonny Coelho, Designer Educacional Camila Zaguini, Revisão Textual Viviane Notari, Ilustração Shutterstock, Fotos Shutterstock e Istockphoto. NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jardim Aclimação - Cep 87050- 900 Maringá - Paraná | unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 “Promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, forman- do profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” Missão C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; FERNANDES, Samara. Cozinha Clássica. Samara Fernandes (Reimpressão revista e atualizada) Maringá-Pr.: UniCesumar, 2016. 132 p. “Graduação em Gastronomia - EaD”. 1. Gastronomia. 2. Cozinha Clássica. 3. EaD. I. Título. CDD - 22ª Ed. 641.5 CIP - NBR 12899 - AACR/2 3 Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualida- de, novas habilidades para liderança e solução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilida- de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nossos fará grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conheci- mento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhe- cimento, formando profissionais cidadãos que con- tribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universitário Cesumar busca a integração do ensino-pesquisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desen- volvimento da consciência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar almeja ser reconhecida como uma instituição uni- versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aqui- sição de competências institucionais para o desen- volvimento de linhas de pesquisa; consolidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satis- fação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrativa; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos, incentivando a educação continuada. pa la vr a do re it or Reitor Wilson de Matos Silva Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade do Conhecimento. Essa é a característica principal pela qual a UNICESUMAR tem sido conhecida pelos nossos alunos, professores e pela nossa sociedade. Porém, é importante destacar aqui que não estamos falan- do mais daquele conhecimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas de um conhecimento dinâ- mico, renovável em minutos, atemporal, global, democratizado, transformado pelas tecnologias digitais e virtuais. De fato, as tecnologias de informação e comuni- cação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, informações, da educação por meio da conec- tividade via internet, do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares. As redes sociais, os sites, blogs e os tablets acele- raram a informação e a produção do conhecimento, que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos. A apropriação dessa nova forma de conhecer transformou-se hoje em um dos principais fatores de agregação de valor, de superação das desigualdades, propagação de trabalho qualificado e de bem-estar. Logo, como agente social, convido você a saber cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível. Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipa- mentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós. Priorizar o conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o contato com ambientes cativantes, ricos em infor- mações e interatividade. É um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer. bo as -v in da s Pró-Reitor de EaD Willian V. K. de Matos Silva 5 bo as -v in da s Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabele- cendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transfor- mação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pe- dagógica, contribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desen- volvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de ma- neira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e par- ticipe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e se- gurança sua trajetória acadêmica. Diretora Pedagógica Kátia Solange Coelho C o z i n h a C l á s s i c a Ap re se nt aç ão d o Li vr o Professora Especialista Samara Fernandes Querido(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à disciplina de Cozinha Clássica. Sou a professora Samara Fernandes e devo contar a vocês um pouquinho de minha trajetória. Soupublicitária, por formação, atuação e paixão por artes – gráficas, até então, porém, atualmente, não praticante. Essa minha graduação foi concretizada no Centro Universitário de Maringá (UniCesumar), no ano de 2010. Ainda na sequência e na mesma instituição, especializei-me em Styling e Varejo de Moda – conclusão em 2013 – e, somente no meio desse caminho, percebi que as cores e texturas dos alimentos, a harmonia entre as inúmeras possíveis combinações eram a arte que eu realmente procurava. Aí, então, apaixonei-me pela gastronomia e, em 2014, finalizei mais essa gradu- ação, também no Centro Universitário de Maringá. Devo confessar que as memórias confortáveis de uma infância cheia de aromas dos fabulosos bolos de uma avó presente se fizeram cruciais na decisão a favor de uma carreira como gastrônoma. Desde o primeiro grau, fomos acostumados a estudar aquilo que é atuali- dade, mas sempre retomando de um ponto de partida. Por exemplo, quando você teve contato com a história do Brasil, seus professores te levaram às embarcações portuguesas e a Pedro Álvares Cabral? Com certeza, sim, e ele o fez para que você pudesse entender a situação atual do nosso país, como é que chegamos à economia e política atual, quais as necessidades nos trou- xeram a isso. 7G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Pois bem, na gastronomia não será diferente. Eu sei que você deve estar ansioso para ter contato com elementos contemporâneos da culinária, mas, primeiro, vamos formar uma base sólida de informações – que juntas transformaremos em conhecimento –, de modo que você entenda como se deu o surgimento de uma cultura precursora na arte gastronômica, que fez evoluir e organizar métodos de cocção e brigada de cozinha. Neste livro, você terá contato com a evolução da cozinha clássica e enten- derá por que a França teve e tem um papel tão importante para essa reputação gastronômica. Além disso, faremos novas amizades com alguns dos chefs mais renomados da história, pois bisbilhotaremos suas vidas para entender qual a contribuição de cada um para a culinária clássica. Não podemos nos esquecer das especialidades regionais. Assim como em nosso país a cultura alimentar é diferente de uma região para outra, temos essas características por todo o mundo, o que inclui França e Itália – os países céle- bres no marco da gastronomia clássica – e, por isso, faremos uma viagem por inúmeros territórios, desbravando ingredientes que marcam seus costumes. E se vamos conhecer os produtos, por que não os pratos provenientes? Sim, também serão apresentados a você os pratos mais marcantes da gastronomia clássica francesa e italiana. Agora, o que acha de não perdermos tempo e irmos direto para a primeira unidade do nosso livro? Aguardo você lá e desejo desde já uma caminhada brilhante de estudos por essas estradas europeias. SUMÁRIO UNIDADE 1 Evolução da Cozinha Clássica 15 O Nascimento da Gastronomia Clássica Francesa 25 Da Haute Cuisine à Nouvelle Cuisine 35 Grandes Chefs Especialidades Clássicas Regionais 51 Outras Culturas e a Regionalização de Ingredientes 61 Características Gastronômicas Regionais Italianas 73 Características Gastronômicas Regionais Francesas Especialidades Clássicas Regionais 91 Os Pratos Célebres 105 Queijos 113 Vinhos dica do chef habilidades Legendas de Ícones recapitulando saiba mais fatos e dados minicaso reflita Dica do Chef: dicas rápidas para complementar um conceito, detalhar procedimentos e proporcionar sugestões. Habilidades: elo entre as disciplinas do curso. Mão na massa: indicação de atividade prática. Fatos e Dados: complementação do conteúdo com informações relevantes ou acontecimentos. Minicaso: aplicação prática do conteúdo. Reflita: informações relevantes que proporcionam a reflexão de determinado conteúdo. . Recapitulando: síntese de determinado conteúdo, abordando principais conceitos. Saiba mais: Informações adicionais ao conteúdo. mão na massa Evolução da Cozinha Clássica SAMARA FERNANDES A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • O nascimento da Gastronomia Clássica Francesa. • Da haute cuisine à nouvelle cuisine. • Grandes Chefs • Compreender a evolução da cozinha no contexto histórico. • Identificar a importância da gastronomia francesa no mundo. • Entender a influência da Itália na gastronomia clássica. • Conceituar os movimentos haute cuisine e nouvelle cuisine. • Conhecer o perfil dos chefs renomados na gastronomia francesa. Plano de Estudo Objetivos de Aprendizagem Introdução Caro(a) aluno(a), Nesta primeira unidade, nosso assunto central será a evolução da cozinha clássica, de forma que buscaremos sua origem principalmente na França, de onde a cultura gastronômica se disseminou para o mundo – claro que influenciada por outros povos, os quais também serão abordados, destacando a importância da Itália. Você verá que os franceses pensavam e respira- vam comida e assim entenderá como obtiveram tamanho reconhecimento. No primeiro capítulo, será apresentado o contexto histórico desde a Idade Média, os cos- tumes alimentares que induziram à evolução e ao reconhecimento de uma gastronomia em si, os alimentos preferidos de cada época – a base alimentar de povos distintos –, como houve a miscigenação de culturas culinárias, preferências de palato, como as refeições se tornaram mais sofisticadas, o surgimento do restaurante e, também, o reconhecimento de figuras futuramente reconhecidas como mestres da arte culinária: os chefs. Em seguida, no segundo capítulo, trataremos de dois movimentos gastronômicos inseridos na culinária clássica: a haute cuisine e a nouvelle cuisine. Na verdade, percorreremos todo o processo de transição, quais características diferem uma tendência da outra, a época e costumes nos quais estão inseridas e quem foram seus precursores. E, para fechar com grandeza, no último capítulo desta unidade, você conhecerá um pouco dos feitos mais marcantes de grandes chefs franceses da história – tanto os chefs clássicos, como os chefs atuais (a partir do século XX). 13 C o z i n h a C l á s s i c a 15G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R O Nascimento da Gastronomia Clássica Francesa Querido(a) estudante, falar de gastronomia clássica é, em suma, falar de gastronomia francesa. E, para entender a importância dessa cultura culinária, precisamos buscar sua origem até che- garmos a relacionar as tendências atuais. A gastronomia clássica preza por qualidade de ingredientes, a melhor utilização destes e o esmero das minúcias. Faremos entender o caminho percorrido pela França desde a Idade Média para honrar a notoriedade no campo da gastronomia, e como o país obteve tal reconhecimento e as razões de tudo isso ter acontecido lá. Antes disso, a Itália, também de reconhecimento clássico, influenciou para que isso chegasse ao atual patamar. C o z i n h a C l á s s i c a N o entorno da gastronomia france- sa, não está apenas a comida em si ou a qualidade de um ingrediente, Steinberger (2010) diria que a ma- neira como pensavam e falavam sobre a comida é que tornava os franceses distintos do resto da humanidade. O que tomamos por gastrono- mia típica francesa é aquela que tomou força após a Revolução de 1789, pois muitos dos ingredientes que fazem parte dessa culinária vêm sendo utilizados desde a Idade Média (COELHO, 2008). Os romanos, precedentes a isso, tomaram a Gália em 58 a.C. e durante dois séculos perma- neceram em paz. No decorrer desse período, invasores e invadidos mantiveram permutas culinárias frequentes e, assim, o Império re- sultante da cozinha galo-romana pôde provar da charcuterie gaulesa, frios derivados do porco e sua fêmea, ostras, pães feitos da levedura da Figura 1. Um padeiro com seu assistente na Idade Média. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/00/Medieval_baker.jpg 17G A S T R O N OM I A • U N I C E S U M A R cerveja, escargots, gansos, champignons, peixes, caças e frutas. Já a diferença social era transpa- rente, os pobres consumiam legumes cozidos e mingaus, enquanto ricos tinham uma culinária favorecida – principalmente sob os ensina- mentos de Marcus Gavius Apicius, gastrônomo romano (DONEL, 1999). A paz não foi eterna e os “bárbaros” – como os romanos nomeavam os forasteiros – invadiram a Gália, disseminando terror, fome e desespero. Já é de se imaginar que as mesas deixaram de ser fartas e os métodos que haviam sido aprimorados, como instru- mentos agrícolas gauleses e as estradas roma- nas, desapareceram, bem como a utilização da moeda, retornando ao método de trocas. Em contrapartida, depois de muito tempo, tanto germânicos quanto os vikings deixa- ram alguma influência na alimentação, como a carne assada ou cozidas com alho e cebo- la,leite, queijo,salmão e o arenque. Apenas os hunos não tiveram peso em caracterizar a alimentação (DONEL, 1999). “Entre a mentalidade pagã dos romanos e a rudeza dos bárbaros, a aparição e disse- minação do cristianismo foi fator decisivo para a evolução das artes da cozinha” atesta Donel (1999, p.22). Ela explica que os monas- térios começaram a unir a população sofrida e doente por conta da guerra, originando as primeiras cidades, e alimentando, e ensinando e convertendo todos os miseráveis – inclusive os agricultores que estavam no campo. Com o tempo, a alimentação se restabeleceu e, assim, desenvolveram melhorias em técnicas na fa- bricação de queijos, vinhos e cervejas, abrindo sempre as portas aos famintos. Segundo Montanari (1998), na Alta Idade Média, o homem vive rodeado de florestas e cursos de água, tirando o máximo proveito do que encontra, expandindo terras cultiva- das e o pastoril. Os camponeses desse perí- odo se alimentavam com o que encontravam em abundância, ou seja, os cereais princi- palmente – o que levou o pão a se tornar a base alimentar do povo, além do vinho, que era a bebida mais presente em toda ceia (a cerveja, ainda densa, era mais consumida pelos germânicos e pelos pagãos, que a utili- zavam em rituais para demonstrar oposição ao vinho sagrado do cristão) –, raízes e ve- getais. Já a carne era tida como o alimento de consumo dos ricos, coloca Coelho (2008, p.219): “nos banquetes da Roma imperial só se comia carne, muita carne, dos mais varia- dos animais” – fossem elas assadas, cozidas e temperadas (as especiarias eram muito bem quistas). De modo geral, consumia-se também queijo de ovelha ou de cabra, peixes de água doce (enguia, esturjão, truta, lam- preia, carpa, dentre outros), carne de porco e de boi, legumes e leguminosas. C o z i n h a C l á s s i c a As especiarias eram extremamente apre- ciadas, mas esse costume foi adquirido na Antiguidade. “As cozinhas medievais giram em torno de três sabores fundamentais: o forte – devido às especiarias –, o doce – graças princi- palmente ao açúcar – e, por fim, o ácido”, alega Laurioux (1998, p.454). O autor nos mostra que a França no século XIV tinha preferência pelo sabor ácido, picante, decorrente da grande utilização do gengibre, com seu sabor acre imponente. A Itália já apreciava mais o sabor agridoce, resultante da utilização do açúcar para conter o ácido não muito apreciado – costume que é levado à França e acentuado apenas no século XVI. “A grande vedete medieval é, sem dúvida o porco. Abatido durante o inverno, quando alimentá-lo tornava-se problema, o animal era inteiramente preparado a domicílio. Comido fresco enquanto pos- sível, ou conservado no sal, o fato é que mais de 30 mil porcos eram devorados por ano, só em Paris!”. Fonte: Donel (1999, p.23) Do Oriente, a Europa já recebia, há vários séculos, condimentos como a pimenta-do-reino, o cravo-da-índia e o açúcar que, de tão fundamentais que eram para conservar os seus alimen- tos, estimularam os europeus a buscar o caminho marítimo para as Índias após a queda de Constantinopla, em 1453, quando os turcos interrompe- ram a rota comercial por terra. Mas foi da América, descoberta por acaso [...] que o Velho Mundo recebeu as maio- res contribuições alimentares que iriam modificar completamente a dieta dos europeus e, em seguida, dos habitantes de todo o resto do mundo, que então passaria a viver sob influência da Europa (COELHO, 2008, p.219). Foi dessa forma que os europeus, principalmen- te a França, tiveram acesso a feijões, abóboras, milho, tomate, mandioca, batatas, aves como o peru, pimentas e pimentões, ingredientes até então desconhecidos. Alguns desses alimentos – como a batata e o tomate – demoraram a ter aceitação do paladar francês e italiano (leia mais sobre o assunto na leitura complementar ao final desta unidade). Somente depois de introduzidos realmente à dieta europeia no século XVII é que tiveram notoriedade e se tornaram essenciais à culinária. Veremos adiante que temos aí um marco de mudanças, em que a França começa aparecer como uma cozinha mais inovadora, original, mostrando superioridade em sua ma- neira de comer e comprovando o domínio da cozinha e da mesa. 19G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Os gostos e hábitos ainda sofrerão altera- ções, mas pode-se dizer que, no final da Idade Média, já havia uma “gastronomia”, ainda que sem a utilização do termo. Em 1486, o primeiro livro de culinária é impresso na França, Viandier, um best seller da cozinha francesa, segundo Laurioux (1998). O autor afirma que a leitura desse tipo de manuscrito era uma combinação textual de heranças, pois até mesmo o nome de cada prato carregava em seu título a história por trás do ingrediente, a origem, a identificação daquele preparo – método que ainda vem sendo bastante utilizado para nomear receitas. Passada a Idade Média, temos o início da Renascença, trazida à França pela Itália, no século XVI, quando Catarina de Médici, italiana, casa-se com o rei Henrique II, francês, e, ao se mudar, leva consigo chefs florentinos para não sentir saudade da comida de sua terra (STEINBERGER, 2010). É nesse período que o doce se torna sabor pro- veniente na França e, com isso, nasce a pâtisserie e confiserie, com seus bombons, licores, geleias, macarrons, pâte à choux e os sorbets. Além disso, ela também levou em sua bagagem toalhas rendadas, porcelanas, copos e pratarias, além do primeiro garfo, que só foi utilizado com frequência a partir século XVIII (você vai aprender mais sobre esse assunto na matéria de Etiqueta e Serviço de Sala), influenciando fortemente os costumes e bons modos da atual corte francesa (DONEL, 1999). Na época, a cozinha da Idade Média ainda era de grande influência, porém, somada “A palavra ‘gastronomia’ aparece pela pri- meira vez em 1800, como título de um poema de Joseph de Berchoux e entraria no dicionário da Academia Francesa em 1835. Diferentemente da literatura culinária, que tradicionalmente se destina àqueles que, na cozinha, preparavam os alimentos, a literatura gastronômica iria se dirigir, so- bretudo, àqueles que se encontram à mesa. O novo termo viria designar a ciência e a arte de comer bem, recobrindo uma ampla gama de aspectos: da comida, composição dos pratos, sua sequência e harmonização com as bebidas às artes de mesa, como o modo de servir e dispor as porcelanas, cálices, talheres e guardanapos”. Fonte: Coelho (2008, p. 2016) à preocupação dietética, gerou aumento no consumo de legumes e diminuiu o de carnes. Também nesse período há disseminação do chocolate, do café e do chá, primeiro consu- midos apenas pela corte de Luiz XIV e, poste- riormente, acessível a todos, assegura Donel (1999). Agora, caro(a) aluno(a), estamos no século XVII, em que há uma evolução forte na cozinha da nobreza, que deixa de lado os sabores fortes da era medieval e tomam gradopelos sabores mais sutis e delicados. C o z i n h a C l á s s i c a No reinado de Luís XIV, o rei sol, há um refinamento da corte, envolvendo costumes, etiqueta, cerimonial e, também, a gastronomia. Os cozinheiros da corte reduziram a utilização exagerada de temperos para priorizar o sabor da carne, o que resultou em um alimento da mais alta qualidade. O mesmo processo foi adotado em outros ingredientes, como legumes e peixes, ou seja, de modo geral, a cozinha do século XVII tende a privilegiar o sabor natural dos alimentos. Graças ao rei sol, a primazia da corte francesa virou referência e toda a Europa passou a copiar a moda de Versalhes, a língua e cozinha da França. Em seguida, já sobre a evolução da cozinha da corte de Luís XIV, Donel (1999, p.26) explica que: [...] a “cozinha moderna” do século XVIII buscava ingredientes novos e requin- tados, combinações mais elaboradas, temperos insólitos. Era o resultado de uma depuração do gosto pela elimina- ção dos excessos de açúcar e gorduras e de reflexão sobre o que se comia: as carnes foram minuciosamente repar- tidas segundo seu modo de cozimento apropriado, os legumes tornaram-se in- dispensáveis, as ostras voltaram à moda, os molhos se diversificaram. Essa “cozinha moderna”, a qual se refere Donel (1999), também ficou conhecida como haute cuisine, ou alta gastronomia, e será retomada de modo mais aprofundado no próximo tópico desta unidade. Figura 2. Cozinha do Palácio Petit Trianon, cons- truído por Luiz XV para Madame de Pompadour (séc. XVIII) no antigo jardim do rei Luiz XIV, no Palácio de Versalhes. 21G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Foi nesse século também que os franceses, to- mados pela preocupação estética e artística, passaram a se preocupar mais com as mon- tagens dos pratos, utilizando legumes, vege- tais, os verdes e temperos para agregar cor. A união das preocupações com o alimento tida no século XVIII enalteceram os cozinheiros franceses, que já foram então considerados os melhores do mundo. Ainda antes da Revolução, surge o restau- rante em Paris. Pitte (1998) nos conta que data de 1765 quando Boulanger abre uma primeira butique, localizada próxima ao Louvre, com a fi- nalidade de vender caldos restauradores – caldos que restaurassem a força daqueles que estivessem se sentindo fracos por conta da crise econômica na qual a França já estava inserida. Ainda por conta disso, os grandes banquetes foram cessan- do e deram lugar àqueles menos teatrais, explica Donel (1999, p.26) que “a alta sociedade passou a se reunir em jantares elegantes à luz de velas, em que o serviço era feito à la française: os pratos se sucedem e são postos à mesa”. Com o advento da Revolução Francesa, a alta cozinha abandona a corte e vai para as ruas, refinando o serviço dos restaurantes. A população parisiense passa a ter acesso a uma gastronomia jamais antes provada e de uma centena de estabelecimentos existentes antes da revolução, conta Pitte (1998), passam para 500 ou 600 no período do império, sendo que a partir daí esse número só aumenta. [...] longe de suprimir a criatividade culi- nária e colocar em causa esse aspecto brilhante da cultura da elite do século XVIII, a Revolução Francesa permitiu a transferência dessa arte para a burgue- sia e até mesmo, parcialmente, para as classes populares, pelo viés de uma ins- tituição da decadência das corporações (PITTE, 1998, p.759). Donel (1999) justifica que esse tipo de local também se tornou popular aos filósofos, escritores e aristocratas que queriam discutir se a gastrono- mia seria ou não arte e o que seria gourmet. Ao final do século, havia mais de 600 cafés públicos (também cenário de discussões intelectuais) e apenas em 1786 que os restaurantes foram ofi- cializados em seu funcionamento. Como conse- quência, as qualidades dessa nova gastronomia popularizada adquiriu fama para além dos limites da França, tornando a cozinha francesa respeitada. O século seguinte, XIX, foi o marco da revolu- ção industrial em que invenções, como o forno a carvão, fogão a gás e novas técnicas de conserva, co- meçaram a tomar forma e os meios de comunicação sofreram grandes desenvolvimentos, permitindo que os produtos franceses fossem facilmente ex- portados. Nesse século, também surgiram os guias gastronômicos e, com eles, os primeiros críticos e uma burguesia sedenta por status social, que busca- va as melhores mesas para satisfazer a necessidade de aparecer. Foi nesse período que os restaurantes de gastronomia francesa foram associados a restau- rantes chiques, clássicos (DONEL, 1999). C o z i n h a C l á s s i c a N o século XX, em Paris, a diversi- dade de restaurantes é imensa e a industrialização fez transfor- mar os hábitos alimentares, é o que revela Donel (1999). O classicismo da cozinha francesa foi substituído por pratos de rápido preparo, sem preocupações com a sazonalidade dos ingredientes utilizados – as fronteiras se tornaram invisíveis à fa- cilidade dos transportes e da comunicação. Ao final desse século, um novo movimento surge na França para dar relevo às proprie- dades naturais do alimento: a nouvelle cuisi- ne. Assim, a soberania francesa permanece, mas outras culturas também são inseridas no mercado gastronômico e ganham espaço entre o gosto mundial. Figura 3. Coq au vin (frango ao vinho, livre tradução), tradicional prato da gastronomia clássica francesa 23G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R C o z i n h a C l á s s i c a 25G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Da Haute Cuisine à Nouvelle Cuisine No tópico anterior, você acompanhou o caminho percorrido pela França para chegar ao patamar de ter sua cozinha tida como clássica, como haute cuisine. Essa alta gastronomia não deixa de existir e de ter reconhecimento internacional, porém, a evolução histórica interfere também nas tendências gastronômicas, o que nos leva à nouvelle cuisine. Neste tópico, abordaremos os aspectos evolutivos dessas tendências, o que nos leva à nouvelle cuisine, identificando a relação com o tempo, com as pessoas e as histórias envolvidas nesse contexto. C o z i n h a C l á s s i c a Como dito anteriormente, antes mesmo da Revolução Francesa (1789-1799), o refinamen- to geral da corte de Luís XIV elevou a gastrono- mia a nível de reconhecimento internacional, caracterizada como a melhor do continente. Depois da revolução, com a queda do antigo regime, muitos chefs foram para as ruas de Paris para cozinhar para o povo – quando o número de restaurantes se alastrou. Nesse pe- ríodo, o cozinheiro dos reis e rei dos cozinhei- ros – como ficou conhecido – Marie-Antoine Carême foi o primeiro a ser legitimado como um chef, figura de grande importância para a história da gastronomia clássica. Em uma fase em que os cozinheiros estavam fornecendo comida ao povo e abrindo seus res- taurantes, Steinberger (2010, p. 22) ressalta que: Carême contrariou a tendência domi- nante e passou sua carreira trabalhando exclusivamente para patrões abastados. Cozinhou para o famoso diplomata Talleyrand e mais tarde trabalhou du- rante alguns períodos em Londres, como chef do príncipe regente, e em São Petersburgo, onde preparou refeições do czar Alexandre I. O chef era inovador para seu tempo e ansiava por modernizar e divulgar mais a alta cozinha francesa. Em pleno século XVIII, ele já tinha a ideia de que simplificar a comida utilizando ingredientes sazonais melhoraria a qualidade do resultado final. La Varenne, também chef francês, deu início a essa prática e seu sucessor, Carême, continuou, trocando condimentos de sabor forte por ervas frescas de sabor sutil, de modo que a carne, por exemplo, tives- se seu sabor sobressalente, e não dominado (STEINBERGER, 2010). Um dos principais feitos de Carême para a haute cuisine foi a classificação dosmolhos. Os molhos em si já eram parte da gastronomia clássica francesa e utilizada por todos os chefs, porém, de modo livre, sem identificar a base de semelhante entre um e outro. O rei dos cozinhei- ros dividiu esses molhos em quatro categorias maiores, com a finalidade de organizá-los e dire- cionar a base de seu preparo. Cada categoria ficou conhecida por molho mãe e são fundamentais para a gastronomia até a atualidade, são eles: “al- lemande (gemas de ovo e suco de limão), béchamel (farinha e leite), espagnole (caldo de carne, roux escuro e mirepoix) e velouté (caldo leve de peixe “Duxelles é uma clássica combinação fran- cesa de cogumelos picados bem finos e cebolinha verde ou cebola sautée em man- teiga, até ficarem quase secos. Usado como recheio ou guarnição. Diz-se que foi criada por La Varenne, chef do marquês d’Uxelles”. Fonte: Wright (1997, p. 170) 27G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R ou de carne e roux claro)” (STEINBERGER, 2010, p. 23). Foi ele também quem instituiu o uso do uniforme padronizado dentro da cozinha, até os dias atuais utilizado com o mesmo padrão. Antes de morrer, aos 48 anos, Carême publi- cou um livro culinário dividido em cinco volumes, L’Art de la cuisine française au dix-neuvième siècle, com centenas de receitas à moda clássica. Em sua linguagem, o chef sempre exaltava – até com certa rudeza – a qualidade da cozinha francesa, dos chefs franceses e dos métodos utilizados. De certa forma, isso modificou a literatura do século XVIII, pois, a partir de então, comida também era assunto para livros (STEINBERGER, 2010). Carême demarca as primeiras insinuações que levam futuramente à nouvelle cuisine, à modificação do gosto forte pelo sabor sutil dos alimentos, à ordem de serviço de um menu – fazendo uso da sopa tão famosa em tempos de restaurar as forças – e indo além da utilidade de ingredientes como usufruto médico e nutri- cional, mas como fonte de prazer, de culinária. É importante ressaltar que, em meio aos acontecimentos, a Igreja teve um papel crucial para a liberação do gosto. Devemos entender que, na Idade Média, havia sacerdotes que não acreditavam na possibilidade de prazer em comer, aliás, tinham isso como pecado, pois o alimento era apenas fonte de vida, devia ser consumido apenas para sobrevivência. Em contrapartida, outros acreditavam, sim, que era aceitável se deleitar perante uma refeição. “O molho bechamel deve seu nome a Louis de Béchameil, assessor de Luís XIV. É improvável que o aristocrata o tenha in- ventado. O mais provável é que o molho tenha sido idealizado por um cozinheiro real e dedicado a Béchameil. O molho ori- ginal combina creme de leite com velouté grosso: a versão atual é feita acrescentan- do-se leite ao roux”. Fonte: Wright (1997, p. 222) Figura 4. Marie-Antoine Carême. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:M-A-Careme. jpg?uselang=pt-br C o z i n h a C l á s s i c a Vimos em nossos estudos na disciplina de Habilidades os molhos mãe e o modo de preparo de cada um deles. Depois da Reforma Protestante, a maioria dos franceses favoreceu o cristianismo que assen- tia à ideia de que o prazer na alimentação não era pecado e, a partir de então, foi possível desenvolver o “gosto francês” que chegou de- liberadamente ao patamar alta gastronomia (STEINBERGER, 2010). Quatro décadas depois da morte de Carême, outra figura inovadora toma conta dos holofo- tes gastronômicos: Georges Auguste Escoffier. Este não revolucionaria apenas a haute cuisine, mas também o setor hoteleiro, aplicando a ideia de serialização da alta cozinha francesa para possibilitar sua inserção em quesito nacional. Uma mudança progressiva se imporá, inexoravelmente, no regime alimentar humano. Admitindo que a mesma quan- tidade de nutrientes seja necessária [...] ela será procurada livre e desembara- çada de uma grande parte de matérias inertes e inúteis. Portanto, temos que considerar uma diminuição do volume das refeições, o que é mais um argumen- to em prol da nossa opinião a favor de cardápios curtos. Quando o tempo é ili- mitado, as ementas podem igualmente sê-lo. Nós temos o dever absoluto de trabalhar para manter a superioridade da cozinha francesa, atacada, de um lado, pela ameaça que resulta de uma vida febril, trepidante, cujos efeitos ne- fastos se fazem sentir nos princípios de higiene e saúde e nas regras essenciais da gastronomia, e, de outro lado, pela concorrência estrangeira. O que faz a força da cozinha francesa é o gosto certo e iluminado que a distingue; são os cuidados que cercam suas menores preparações, a minúcia com que opera para produzir nos convivas uma im- pressão sensorial plena. Suprimir ou negligenciar isso é pôr fim à nossa supre- macia (ESCOFFIER, 1912 apud JAMES, 2008, p.13, grifos nossos). Tome nota, caro(a) aluno(a), da perspectiva de Escoffier no início do século XX. Ele não tira a importância da nutrição, mas já considera que os pratos da haute cuisine, a clássica fran- cesa, estivessem ultrapassados, com tamanho exagerado, e que isso precisava ser revisto, diminuindo o volume da refeição, reduzindo a extensão do menu. Já que as pessoas es- tavam cada vez mais sem tempo, então que as refeições pudessem ser igualmente rápi- das – ou mais rápidas que o que era comum até então. Isso, é claro, sem deixar de lado os traços da gastronomia elevada em seus tantos aspectos. Outro tópico importante que 29G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Você já parou para refletir a respeito das razões e objetivos atuais que originam as novas tendências culinárias? O pensamen- to intrínseco sofreu grandes alterações? Fonte: O autor Escoffier exalta é a preocupação com a higiene e a saúde na cozinha, algo que até então não era discutido (você se lembra dos hábitos da Idade Média? Retome no capítulo anterior e no livro de Etiqueta). E, principalmente, afirmar que o gosto certo seja a distinção da cozinha francesa é a forma que o chef encontra de exaltar os ingredientes franceses de origem, sem troca, inversão ou substituição, de modo a garantir que a haute cuisine francesa é feita com ingredientes puramente franceses, chefs unicamente franceses. Mas então eu pergunto a você: como Escoffier conseguiu modernizar e sistematizar essa cozinha a ponto de atender às exigências do novo consumidor, cujo perfil não apontava ao desejo de ficar horas à mesa? C o z i n h a C l á s s i c a A comida é importante não apenas para seu produtor, mas também para o consumidor que paga caro, mas quer garantias do que está comprando e consumindo. Por conta disso, exige que o governo mostre quais produtores seguem as normas de higiene sanitá- ria, o que levou à criação do Instituto Nacional das Appelation d’Origine (INAO), em 1935, por pressão dos vinicultores e cuja finalidade é distribuir denomina- ções de garantia. A mais comum delas é a que conhecemos por DOC: denomi- nação de origem controlada, do original Appelation d’origine controlée. “Designa um produto típico de um ter- roir (uma região bem específica, com solo, clima e técnica de fabricação de particulares). Inicialmente, era uma denominação criada para controlar a produção vinícola [...]; em 1990, esten- deu-se para laticínios e produtos agríco- las. Na lista de 1997 dos produtos que se beneficiaram da AOC, figuram mais de 400 vinhos e destilados, 32 queijos, 5 de manteigas e cremes e 12 de outros produtos agrícolas”. Fonte: Donel (1999, p. 92) O trabalho foi árduo. Escoffier, enquanto chef no Hotel National em Lucerna, encontrou no jovem hoteleiro César Ritz um parceiro, ambos desejando ser donos de seu próprio negócio. Apesar de chef francês e da exaltação da gastronomia fran- cesa, foi em Londres onde Escoffier passou a maior parte de sua vida. De modo geral, para conquistar a clientela daalta sociedade, Ritz tomou consciência de que precisaria de uma cozinha de qualidade e disso Escoffier entendia e teve liberdade para fazer suas alterações nos padrões até então utilizados e deixados por seu antecessor Carême (JAMES, 2008). Para realmente sistematizar e agilizar as funções na cozinha, Escoffier modificou a forma como as brigadas trabalhavam até então, fazen- do-as trabalhar em série, comparando ao funcio- namento das linhas de montagem industriais. A seguir, Steinberger (2010, p.28) explica que: Até então as praças da cozinha funcio- navam essencialmente como feudos autônomos; cada uma delas era res- ponsável por certos pratos e havia em geral pouca interação. [...] esse arranjo era completamente impróprio para a culinária de grande volume e velocida- de requerida pelas cozinhas de hotel. Escoffier conservou as praças, mas em vez de atribuir-lhe preparações especí- ficas, dividiu-as por funções. 31G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R O chef também alterou as formas de prepara- ções – inclusive dos molhos mãe que Carême havia instituído –, mantendo duas formas de executar uma receita, uma com horas de fogo, outra com 15 minutos; ele também acrescentou o molho de tomate como molho mãe e modifi- cou o serviço, diminuindo o menu (não apenas quanto à complicação, mas considerando uma preocupação maior com a leveza dos preparos), até criar o menu à la carte, permitindo que o próprio cliente elaborasse a ordem de serviço que mais o agrada (JAMES, 2008). Mantendo a simplicidade nas preparações, sem perder o requinte e a qualidade dos ingre- dientes, Escoffier alcançou seu objetivo. Este, como Carême, deixava sempre bem claro a visão de grandeza sobre a cozinha francesa – tanto com relação aos cozinheiros quanto aos ingre- dientes tidos como superiores. O chef remo- delou a haute cuisine, criou novos padrões que seguem até a atualidade e levou esse modelo hoteleiro para o mundo, abrindo filiais junto de seu parceiro César Ritz. Mas a gastronomia francesa ainda ansiava por mudanças. Figura 5. Auguste Escoffier (à frente e à esquerda) em meio à sua briga- da de cozinha uniformizada, aperta a mão do Primeiro Ministro Édouard Herriot (a direita), 1928. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Auguste_Escoffier,_%C3%89douard_ Herriot,_1928.jpg C o z i n h a C l á s s i c a Em meio a esses grandes chefs, outras figuras re- nomadas fizeram história na haute cuisine, alguns dos quais você conhecerá no próximo tópico desta unidade. O que devemos salientar aqui é que, depois do grande marco deixado por Auguste Escoffier, já na década de 60 do nosso século, surge a tendência gastronômica conhecida por nouvelle cuisine, cujo princípio – não diferente do que sempre instiga aos grandes a irem em busca de melhorias – é a busca por pratos mais leves e menos gordurosos, para agradar um público que agora passara a enfrentar grandes problemas com colesterol e doenças cardíacas (DONEL, 1999). Depois de anos em silêncio, alguns jovens chefs – Raimond Oliver, Gaston Lenôtre, Roger Vergé, Alain Chapel, Alain Senderens, irmãos Troigrois – fundaram “um movimento chamado grande cuisine française, que pretendia desenvolver a cozinha aos cozinheiros” (DONEL, 1999, p.80). Essa nova revolução pretendia encontrar uma resposta aos desejos de Carême e Escoffier, buscando a simplicidade na cozinha. Esse movimento acabou ficando conhecido como nouvelle cuisine graças aos críticos Henri Gault e Christian Millau, que levaram o termo à mídia e, consequentemente, elevaram chefs e movi- mento ao estrelato. Os ingredientes passaram a ser mais respeitados: os legumes consumidos de forma mais natural, mais crocantes, com cores mais vivas; molhos ficaram mais leves e o suco do cozimento das carnes passaram a ser aproveitados para essa finalidade; novos sabores com utilização de métodos de cocção mais variados; e menos creme e açúcar nas sobremesas (DONEL, 1999). A lguns chefs mais tradicionais, como Paul Bocuse, acabaram por se desvincular do movimen- to, aceitando que o sabor não era mais como o da cozinha clássica francesa e a conta permanecia elevada (DONEL, 1999). Afinal, os pratos ficaram mais coloridos, menos gordurosos, mais atraentes visualmen- te, mas muito vazios. Essa é uma discussão que ainda vem sendo recorrente e não apenas na França, mas que também já sofreu modi- ficações. A nouvelle cuisine, vale a ressalva, foi importantíssima para aniquilar a cozinha em que os sabores fortes e exagerados confun- diam o palato e para salientar a arte estética da montagem dos pratos. 33G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Atualmente, utilizamos guias de orientação o tempo todo, como guias de viagens, em que há indicação de estradas, restaurantes, hotéis, bares, enfim, facilitações para nossa chegada e estadia em determinado local que não é de nosso conhecimento cotidiano. Alguns modelos diferenciados de guias surgiram no século XX e se tornaram referência no meio gastronômico, você conhecerá a seguir estes dois principais. Guia Michelin: “O sistema de estrelas para classificação dos restaurantes foi desenvolvido em 1926. Para um cozinheiro, a atribuição de duas ou três estrelas é a confirmação de sua capacidade, trazendo fama, honra e clientes” (DOMINÈ, 2001, p.40). Gault-Millau: “Primeiro veio a revista com o mesmo nome, criada em 1969 pelos críti- cos Henri Gault e Christian Millau, gastrônomos um tanto vanguardistas, padrinhos da poderosa corrente que batizaram de nouvelle cuisine. O guia nasceu em 1972 para estimular essa tendência mais moderna da culinária, sem dissimular a vontade de acabar com o monopólio da apreciação do Michelin. Sua fórmula é diferente: o foco são hotéis e restaurantes, sem menção aos pontos turísticos, os comentários são longos e detalhados [...]” (DONEL, 1999, p.166-167). C o z i n h a C l á s s i c a 35G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Grandes Chefs Nos capítulos anteriores, passamos pelo surgimento da culinária clássica e entendemos as razões de a França ser tão importante no contexto gastronômico mundial, além disso, caracterizamos a haute cuisine, acompanhamos as transições e chegamos ao conhe- cimento de uma tendência mais atual, a nouvelle cuisine. Agora falta você conhecer os chefs mais renomados da gastronomia francesa e, como embasamento teórico a respeito do legado de cada chef, utilizaremos alguns autores que podem contribuir com o estudo: André Dominé (2001), Elisa Donel (1999), Kenneth James (2008) e Michael Steinberger (2010). Vamos lá? C o z i n h a C l á s s i c a Os clássicos Primeiro, você conhecerá aqueles que inventa- ram ou até desmistificaram a cozinha clássica, os chefs mais tradicionais, que marcaram e ainda fazem toda diferença para a gastrono- mia do mundo. Marcus Gavius Apicius Como citado anteriormente, Apicius – por volta de 25 a.C. – foi um gastrônomo romano que deixou seus ensinamentos sobre truques de conservação e inúmeros modos de preparo em De re coquinaria1. A lição mais marcante foi a técnica de engordar gansos com figo, que precedeu o fois gras. Apesar de grande apre- ciador da boa comida, Apicius era um tanto desajuizado com relação às suas contas – ex- cedia em gastos com banquetes e viagens para degustar iguarias – e acabou por se suicidar ingerindo veneno. Guillaume Tirel No século XIV, Taillevent, como era conhecido, foi um dos cozinheiros de mais longa data da Idade Média, serviu aos reis Felipe VI e Carlos V. Foi ele quem escreveu Le viandier, o primeiro tratado profissional de cozinha em francês, no qual descreve métodos de utilização dos ingredientes nesse período medieval. 1 Do latim: sobre culinária. Livre tradução. François Vatel Fritz Karl Watel foi cozinheiro de Luís XIV, no século XVII. O marco de sua história foi prepa- rar o maiorbanquete de seu tempo realizado para o rei e seus mais de 3.000 convidados, para isso, trabalhou por doze dias e noites. Apesar de alguns imprevistos com fogos de artifício, o jantar foi um sucesso. No dia seguinte, Vatel não viu a quantidade de peixes esperada chegar. Desesperou-se, escondeu-se e atravessou seu próprio coração com uma espada. A história nos conta que nesse mesmo momento a quantia de peixes encomendada chegava às cozinhas do palácio Chantilly. François Pierre de la Varenne Responsável por escrever uma referência à cozi- nha clássica, Le cuisinier François foi o primeiro livro que tratava tanto a cozinha quanto os doces da forma como conhecemos um livro de gastro- nomia atualmente. Antecessor de Carême, foi La Varenne quem utilizou manteiga e farinha como uma das técnicas de sofisticação dos molhos. Grimond de la Reynière Para fomentar o progresso de Carême, Grimond de la Reynière – aristocrata nasci- do em Paris em 1758 – publicou, no início 37G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R do século XIX, um guia de restaurantes cha- mado de L’Almanach des gourmands, no qual direcionava a burguesia a bons lugares para realizarem suas refeições. Ele foi o primeiro crítico gastronômico do mundo e, além disso, suas próximas obras indicariam as melhores maneiras de se organizar um banquete parti- cular – foi a forma que encontrou para manter os bons hábitos da corte depois da revolução, popularizando a haute cuisine. Jean-Anthèlme Brillat-Savarin Nascido em 1755, Brillat-Savarin estudou di- reito em Dijon, fez carreira como advogado, presidente do tribunal, presidente da Câmara Municipal e comandante da Guarda Nacional. Por conta disso, precisou se afastar da França durante a Revolução, mas para lá retornou por volta de 1796. Um pouco gastrônomo, um pouco cientista, Jean-Anthèlme registrou de modo científico questões que relacionavam comida e bebida na clássica obra Physiologie du Gôut2. Não teve a possibilidade de escrever outra obra, pois, logo após essa publicação, Savarin faleceu. O livro, que tratava o gosto, dieta, obesidade, jejum, cansaço, entre outros temas, exerceu fortíssima influência para a gas- tronomia francesa. 2 Fisiologia do gosto (paladar). Livre tradução. Marie-Antoine Carême Antonin Carême, como ficou conhecido, nasceu em 1784 em família pobre. Aos 10 anos, foi posto para fora de casa e começou trabalhar em uma taberna, tendo, então, contato com a gastronomia. Aos 16 anos, passa a aprendiz do pasteleiro Bailly, que reconhece o talento do jovem Antonin. Conta a história que, pos- teriormente, ele foi contratado por Talleyrand, ministro dos negócios estrangeiros de Napoleão, homem de grandes banquetes. Para ele, Carême fez inúmeros menus e acabou sendo reconhecido como chef e embaixador da haute cuisine. O rei dos cozinheiros também cozinhou para o futuro rei Jorge IV, para o czar Alexandre I, para a corte Figura 6. Jean-Anthèlme Brillat-Savarin. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Jean_Anthelme_ Brillat-Savarin?uselang=es#mediaviewer/File:Jean-Anthelme_Brillat_ de_Savarin_(1755-1826).jpg C o z i n h a C l á s s i c a austríaca e até para o barão de Rotschild, ficando também reconhecido como o cozinheiro dos reis. Como já citado, deixou uma obra gastronômica dividida em cinco volumes, L’Art de la cuisine française au dix-neuvième siècle, relacionado to- talmente à exaltação da gastronomia francesa. Auguste Escoffier Escoffier (1846-1935) foi um forte representan- te da gastronomia francesa. Ele que reorganizou as brigadas de cozinha e sistematizou as praças, para funcionarem em suas especialidades, como temos até os dias atuais. Apesar de ter tamanho reconhecimento na França, foi na Inglaterra que passou a maior parte de sua vida e carreira. O chef começou cedo, aos 13 anos, passou por muitas cozinhas europeias e cozinhou até para o imperador alemão Guilherme II, que, então, atribuiu à Escoffier o título de Imperador dos Cozinheiros. Em Londres, teve contato com César Ritz, passando pelas cozinhas do hotel Savoy e, depois, o Carlton, onde criou um gelado de baunilha com pêssegos escalfados e creme de framboesas, sua sobremesa mais famosa. Antes de sua morte, Escoffier escreveu vários livros direcionados à gastronomia e, atualmente, sua casa é um museu de culinária. As irmãs Tatin Conta a história que a célebre Tarte Tatin foi criação da desajeitada irmã Tatin, que derrubou a torta caramelizada de maçãs e terminou de co- zinhá-la de ponta cabeça. Essas irmãs cuidavam de um hotel ao sul de Paris e, aparentemente, a receita da torta já era antiga, mas elas ficaram célebres por conta dessa história. Figura 7. Tarte tatin 39G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Os chefs atuais Agora, você terá contato com alguns dos chefs que são mais recentes à história da gastronomia francesa, aqueles que fazem parte do contexto histórico a partir do século XX e que são tão importantes a cunho de conhecimento quanto aqueles mais renomados que tiveram um marco representativo na evolução da cozinha. Joël Robuchon Com grandes títulos e prêmios, o autodidata Joël Robuchon foi considerado o melhor cozi- nheiro do século em 90. Ele não demorou a con- quistar notoriedade em Paris com o Le Jamim e, depois de vendê-lo, com o hotel particulier, já em 1994. O chef gosta mesmo de trabalhar e, além dos dez livros que escreveu, também dá consul- toria para a empresa Fleury-Michon, de comida semipronta. Quando se aposentou, deixou seu lugar para Ducasse e passou a apresentar um programa televisivo. Geleia de caviar com creme de couve-flor é uma das suas marcantes criações. Alain Ducasse Conhecido por utilizar ingredientes da dieta mediterrânea – alho, azeite, tomate – em com- binações refinadas, Ducasse é defensor da cozi- nha nacional, sempre favorável à utilização de ingredientes franceses e regionais. Atualmente, é chef do Alain Ducasse, restaurante que antes fora de Joël Robuchon. Michel Guérard Em sua caminhada brilhante, além de ser um dos ilustres representantes da nouvelle cuisine, Michel Guérard foi considerado o melhor pâtisserie francês em 1958 e, em menos de doze anos, seu restaurante já tinha duas estrelas pelo Guia Michelin. Em sequência, o chef e sua esposa Christine se aventuraram ao sudoeste da França para redecorar e repensar alguns empreendimen- tos recebidos por herança de sua mulher, obtendo todos com sucesso. Ainda, tor- naram-se vinicultores em 1983 e, além de tudo isso, Guérard escreveu inúmeros livros e oferece consultoria à Nestlé. Figura 8. Chef Alain Ducasse Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alain_Ducasse. jpg?uselang=pt-br C o z i n h a C l á s s i c a Paul Bocuse Bocuse é pioneiro da nouvelle cuisine e reconheci- do internacionalmente. Em sua família, já havia cozinheiros, porém nenhum tão deslumbrante. Depois de anos de estudo e de passar por cozi- nhas diferentes, o chef retorna a sua cidade natal para recomprar um restaurante que outrora fora de sua família. Em menos de cinco anos depois de ganhar sua primeira estrela no Michelan, Bocuse já ganhava a terceira. Ele desmitificou a ideia de que o cozinheiro devia ficar apenas na cozinha, verificando a satisfação de seus clientes no salão também, atitude tal que outros chefs adotaram e acabou por ser conhecida como uma das mudanças da nouvelle cuisine. Além dos inúmeros restaurantes, Bocuse criou uma escola de culinária que recebe alunos do mundo todo. Alguns hábitos corriqueiros atualmente foram criação de Bocuse, como a utilização do carrinho de sobremesas. No dia 03 de fevereiro de 2015, o Guia Michelin liberou a lista atualizada de classificações dos restaurantes franceses estrelados: Dois novos três estrelas: • Paris’s Pavillon Ledoyen (Paris), dirigido pelo chef Yannick Alléno.• La Bouitte (Saint Martin de Belleville). Novos duas estrelas: • Alain Ducasse no Plaza Athénée (Paris). • L’Atelier d’Edmond (Val-d’Isère). • Auberge du Cheval Blanc (Alsace). • Casadelmar (Porto-Vecchio). • La Grand’Vigne (Bordeaux). • Le Neuvième Art (Lyon). • La Table du Lancaster (Paris). Alguns novos uma estrela em Paris: • David Toutain, Les Climats. • Garance. • Helen. • Penati al Baretto. • La Table d’Eugène. Fonte: France Today. Revista online Figura 9. Chef Paul Bocuse Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Paul_Bocuse_2007_-2.jpg 41G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R É claro, querido(a) aluno(a), que, dentre esses, há inúmeros outros chefs franceses renomados que utilizam a base da gastronomia clássica e reinventam a cozinha a cada dia, reconheci- dos por estrelas, por criatividade, inovação e por uma cozinha extraordinária – como Alain Chapel, François Bise, Jean e Pierre Troigros, entre outros –, mas vamos nos limitar a citar alguns que marcaram severamente a constitui- ção da nossa atualidade. C o z i n h a C l á s s i c a co ns id er aç õe s fi na is A o final desta unidade, conseguimos entender como aconteceu a evolu- ção da gastronomia desde a Idade Média, quando a alimentação era baseada nos cultivos e pastoris rodeados por florestas e cursos de água – época em que o pão se tornou base alimentar, já que os cereais eram grande parte da agricultura. Também, ve- rificamos o uso corriqueiro de especiarias desde a Antiguidade e as diferenças nos paladares de povos distintos, enquanto a França preferia o picante, a Itália preferia o agridoce, por exem- plo, resultando em intercâmbio de gostos. E, principalmente, pôde compreender como a França teve acesso a inúmeros ingredientes que antes não eram consumidos em seu território, por serem de outras origens, mas que, graças aos caminhos marítimos, novas culturas foram des- cobertas e os europeus puderam agregar novos paladares a sua cozinha cotidiana e, utilizando de combinações e valorizando suas produções, começam a apresentar já no período medieval uma gastronomia. Vimos que a Itália teve grande importância para o desenvolvimento francês. Foram os ita- lianos, ou melhor, a italiana Catarina de Médici quem levou cozinheiros para a França junto de sua “bagagem”, além de suas comidas favo- ritas que, depois, os franceses se apoderaram e reformularam, usando como base para sua própria construção. Sem esquecer que os bons modos foram inseridos em uma cultura antes mais desordenada e de glutonaria. Entendemos as características da haute cuisine, uma cozinha mais apoderada de sabo- res fortes e preparações mais pesadas, e acom- panhamos o desenvolvimento para a nouvelle cuisine, já mais preocupada com as questões nutricionais dos alimentos. Ao final, você ainda teve contato com alguns dos mais renomados chefs de cozinha, como os clássicos Carême e Escoffier, e os mais contem- porâneos, como Ducasse e Bocuse. Todo esse contexto é a bagagem necessá- ria para você entender a gastronomia clássica. Agora, vamos seguir para itens mais específicos da gastronomia, como ingredientes regionais e as preparações clássicas. 43G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R at iv id ad es d e es tu do1. A Revolução Francesa (1789-1799) é tida como um marco para a gastronomia considerada clássica. Quais aspectos mudaram com relação à gastronomia, ou seja, como era a alimentação medieval e quais as novas preocupações para com o alimento após o advento da revolução? 2. A haute cuisine é tida como uma culinária de molhos pesados, com ingredientes e técnicas que exaltam a importância da cozinha francesa. Em meados dos anos 60, surge um novo movimento: a nouvelle cuisine, que procura mudar esses conceitos. O que difere a haute cuisine da nouvelle cuisine? Quais chefs tiveram ligação com esse movimento? 3. Agora que você conhece um pouco da história de grandes chefs, escolha um deles e explique qual foi o legado que deixou. C o z i n h a C l á s s i c a m at er ia l c om pl em en ta r Entre Les Bras – La cuisine en héritage Paul Lacoste Ano: 2012 Sinopse: O chef francês Michel Brás, com três estrelas no Michelin na região de Aubrac, na França, deixa seu restaurante para o filho Sebastian em 2009. O documentário mostra a trajetória do chef e sua família ao longo de três gerações, até o pai passar o patrimônio gastronômico a seu filho. Em entrevista para a revista Veja, em São Paulo, no ano de 2002, Robuchon conta como teve os primeiros contatos com a cozinha. Acesse a entrevista disponível em: <http://veja.abril.com.br/100702/entrevista.html>. 45G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R le it ur a co m pl em en ta r O Traiteur Estamos no ano de 1889, e em França co- memora-se o centenário da Revolução. Em Paris tem lugar a exposição mundial, em cuja abertura é inaugurada a Torre Eiffel. O presi- dente Sadi Carnot organiza um lauto jantar na Câmara Municipal. O menu desta noite, memorável, começa com creme de caranguejos do rio à Saint-Germain e empada Pantagruel. Seguem-se tortilhas Conti, Salmão com molho à indiana, rodovalho com molho à moda da Normandia, javalis jovens cortados aos quartos a moda de Moscovo, frangos perigord, lava- gante à La Bordelaise, assado frio de pardais e granité de Grande Champagne. O prato seguin- te oferece sorbet de Roederer, pavão trufado e pavê de aves. Por fim o programa apresenta salada russa, espargos com molho mousselin, cassata Eiffel e gelado do Centenário. E quem depois ainda consegue pode-se com barqui- lhos, massa folhada e bolos napolitanos. Este jantar foi organizado pela Potel & Chabot, uma empresa de traiteurs, que em 1900 organizou também o banquete do presidente da Câmara Municipal, no Jardim das Tulheiras, o maior jamais realizado em França. A Potel & Chabot cozinha pra 22.000 clientes. Por isso conta com 6.000 ajudantes. Precisa de 95.000 copos, 66.000 talheres, 250.000 pratos e 5 km de toalhas. Entre outros produtos, confecciona 1800 patos jovens, 2000kg de salmão e 1500kg de batata. E os clientes plenamente satisfeitos fumam 30.000 cigarros no fim das refeições. A Potel & Chabot trabalha ainda hoje para o governo francês mas também a nível internacional com filiais nos Estados Unidos e na Rússia. Já antes da revolução, quando os restaurantes ainda não existiam, as pessoas dirigiam-se ao traiteur quando se tratava de preparar um copo d´água ou um jantar de festa. O primeiro traiteur no sentido moderno da expressão, não era um cozinheiro, mas sim um jardineiro. Antes da data fatal de 1789, Germain Chevet fornecia rosas à Rainha e à Corte. Obrigado pelo tribunal da Revolução a arrancar as roseiras e a substituí-las por batatas <para alimentar o povo>, Chevet e a sua mulher decidiram fazer das batatas pequenos pastéis, para as valorizar. Abriram um negócio no Palais-Royal onde passado pouco tempo, podiam encontrar-se muitos nomes sonantes. Entre eles contava-se o primeiro crítico gastronômico. Grimod de La Reynière, que no seu almanaque de 1812 referia: <<Este estabelecimento continua a oferecer tudo o que pode estimular o apetite de um verdadeiro “bom garfo”, sobretudo caça, peixe, crustáceos e legumes temporãos. A paleta inclui ainda empadas ou enchidos de Troyte ou de Reim, que se encontram aqui sempre da melhor qualidade, bem como uma série de outros pro- dutos não menos apetitosos.>> C o z i n h a C l á s s i c a le it ur a co m pl em en ta r A ideia de <oferecer> doses de comida previa- mente preparada não é nova. Há mais de 500 anos que existem em França especialistas que fazem assados ou cozinham carne, os rôtisseurs e os chair-cuitiers. A estes juntou-se ainda a corporação dos pâtissiers, que enrolavam em massa tudo o que fosse comestível. E ainda hoje,em Paris, e noutras cidades da França, recor- re-se com frequência ao serviço dos traiteurs, quando não há tempo ou vontade de cozinhar, ou mesmo quando pretende-se <mimar> a fa- mília ou eventuais convidados. Muitas vezes se encontra nas charcutarias uma oferta de traiteur, que organiza um menu completo, desde acepipes, bors-d´ceuvres, passando por refeições prontas de peixe e de carne, até caranguejos e sobremesas, incluindo as bebidas. Paralelamente a esta prestação de serviços culinários diários, que precisamente devido à correria dos tempos actuais é mais procurada do que nunca, os traiteurs mantiveram-se fiéis à sua tarefa histórica de fazer o acompanhamento em ocasiões especiais, ainda que sua clientela tenha mudado com o tempo. Na segunda metade do século XIX, marcada pelo êxito da revolução industrial, a alta burguesia substitui a aristocra- cia. Continua a comer-se pantagruelicamente como dantes, mas os traiteurs tiveram de tor- nar-se mais flexíveis, na medida em que tinham de ser capazes de preparar tanto um sofisticado jantar íntimo para dois como um perfeito ban- quete de luxo para vários milhares de pessoas. Cabe-lhes não só a preparação do menu, como também a responsabilidades pelos apetrechos e pela decoração. São eles que colocam os jogos de mesa, a louça, os copos, os talheres, as deco- rações de flores e a iluminação. Pois a tarefa do traiteur não é apenas a de alimentar os convivas, mas muito mais a fazê-los sonhar. Por isso, os bufetes são um verdadeiro prazer para os olhos e para o paladar, o que exige a Mão de espe- cialistas. Para tal, são necessários não apenas talhantes e pasteleiros, sauciers e rôtisseurs, mas também cozinheiros que demonstrem talento como decoradores e estilistas, floristas e escul- tores (em gelo e manteiga). Assim, o traiteur pode adaptar sua decoração tematicamente de acordo com evento, e apresentá-la grandiosa, surpreendente, grotesca, exótica, ou clássica. O sucesso do banquete, ou até mesmo da festa, está nas suas mãos, ao passo que continua a fornecer os grandes eventos luculianamente. Actualmente, o traiteur é ambas as coisas: por um lado o rei das refeições improvisadas, que se comem em casa e que qualquer um pode pagar, por outro, o fornecedor de um serviço de festas altamente especializado. Fonte: texto extraído na íntegra de Dominé (2001, p.37). Especialidades Clássicas Regionais SAMARA FERNANDES A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Outras culturas e a regionalização de ingredientes • Características gastronômicas regionais italianas • Características gastronômicas regionais francesas • Compreender a influência de outras culturas na cozinha clássica. • Assimilar como os produtos regionais adquiriram importância. • Entender as características gastronômicas das regiões italianas. • Explorar os aspectos gastronômicos das regiões francesas. Plano de Estudo Objetivos de Aprendizagem IntroduçãoIntrodução Querido(a) aluno(a), Nesta unidade, nosso foco de estudo será as especialidades regionais. Mas de que regiões você está falando, professora? – é o que você deve estar se perguntando. Estou me referindo às regiões que dividem a França e a Itália, pois são os países que constituem a base mais forte da gastronomia clássica e por isso as estudaremos com mais apreço. No primeiro tópico, conversaremos um pouco sobre alguns povos que exerceram influência sobre a gastronomia francesa, seja inserindo algum costume ou ingrediente à culinária. Dessa forma, será possível entender a razão de termos ingredientes com característica alimentar de uma região e não de outra, dentro do mesmo país. Ademais, os próximos tópicos constituirão realmente a divisão de regiões, os costumes de cada uma delas, bem como os ingredientes mais utilizados e consumidos na gastronomia – tanto da Itália quanto da França. O que comem os italianos e os franceses? Vamos descobrir? 49 C o z i n h a C l á s s i c a 51G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Outras Culturas e a Regionalização de Ingredientes Nesta unidade, abordaremos os principais aspectos das gastro- nomias que originam a gastronomia clássica: italiana e francesa. Apesar disso, devemos ter consciência de que a culinária clássica, principalmente na França, passou por diversas transições e foi influenciada por diversos povos. Sendo assim, antes de entrarmos diretamente nas regiões de cada país para entender a gastronomia, vamos, primeiro, entender um pouco sobre esses acontecimentos. De acordo com o Instituto Americano de Culinária (2011), a história aponta inúmeras invasões no território francês com ob- jetivo de exploração. Pode-se, com isso, notar a atuação de alguns povos na origem da culinária local. C o z i n h a C l á s s i c a Datamos de 1500 a.C. a 500 a.C., em média, quando os gauleses celtas invadiram as terras que hoje conhecemos por França e ali instalaram métodos de plantação, técnicas agrícolas eficien- tes, dividindo o território em pequenas regiões, as províncias ainda conhecidas atualmente. Em 56 a.C. foi a vez dos romanos, que se instalaram no local e começaram a produzir uma vasta va- riedade de queijos (os queijos na França ficaram tão famosos que teremos um tópico exclusivo para eles na próxima unidade), também tinham hábito de pescar e caçar, o que se popularizou por todas as regiões: “nas lareiras, as carnes eram assadas no espeto ou fervidas em grandes panelas suspensas com ganchos” (INSTITUTO AMERICANO DE CULINÁRIA, 2011, p.132). Passado mais tempo, já em 718 d.C. os mouros é que invadiram a França, passando pela Espanha, e trouxeram a cultura da criação de cabras, bem como uma série de novos ingre- dientes e até introduziram novos métodos de cocção no local, métodos esses que, a partir de então, fizeram parte da cultura do país e ainda fazem, afinal, até então os métodos de assar e ferver eram ainda rudimentares. O Instituto Americano de Culinária (2011, p.132) segue mostrando como os árabes influenciaram a gas- tronomia francesa: Na Idade Média, eram comuns especiarias como pimenta do reino, cominho, anis, gengibre, galanga, canela e alcaravia, consequência de o comércio de especiarias fazer paradas nos muitos portos franceses. As influências árabes eram evidentes no uso de amêndoas e arroz como espessante, resultado das viagens dos cavaleiros franceses ao Oriente Médio. Depois do casamento de Catarina de Médici, ita- liana, com o rei Henrique II, como já citado com mais detalhes na Unidade I, a gastronomia apre- sentou mudanças mais drásticas, mais modernas para a época, tornando-a também mais luxuosa, já se falava de uma haute cuisine. Foi por conta dessa união que a França teve um salto grande na culinária, até ficar tão conhecida e abastada como é. Nesse período, por volta dos séculos XVI e XVII, junto dessa culinária mais moderna, descobriram que, fazendo rotação nas lavouras, o rendimento era maior e melhor, ou seja, tanto a quantidade quanto a qualidade dos vegetais aumentavam. Por consequência, passam a utilizar menos es- peciarias nos pratos, pois a função do excesso dos condimentos nas preparações era, inicial- mente, mascarar o sabor dos ingredientes crus, bem como alguns eram reconhecidos por funções farmacêuticas ou dietéticas, e, apresentando mais qualidade, é possível estimar o sabor natural de cada elemento (FLANDRIN, 1998; INSTITUTO AMERICANO DE CULINÁRIA, 2011). 53G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Figura 10. Especiarias: canela, cardamomo, cúrcuma, anis, cominho, pimenta-do-reino, açafrão, entre outras. O absolutismo, em Paris, acabou por favorecer o surgimento da haute cuisine, já que essa cozinha ostensiva, a boa mesa, era vista pelo rei como meio de poder, de mostrar ao povo seu prestígio e superioridade. Enquanto isso, o povo – seja da cidade ou da zona rural– precisava recorrer àquilo que a geografia local lhe favorecesse, de- leitando-se dos alimentos que eram produzidos nas redondezas (CSERGO, 1998). Ainda antes de a gastronomia francesa se elevar ao patamar de grandeza, de tamanho re- conhecimento mundial, alguns laudos deixados “A partir do século XVII, os cozinhei- ros e os comilões esquecem, progres- sivamente, essas funções dietéticas e limitam-se a levar em consideração a harmonia dos sabores”. Fonte: Flandrin (1998, p.675). C o z i n h a C l á s s i c a na Idade Média apontam que já havia certa tendência a respeito das cozinhas regionais. Csergo (1998) apresenta como exemplo dessa perspectiva a torta de brie, nome no qual pode- mos notar a citação do local onde é produzido o queijo que dá a características principal à torta. Além desse, a autora explica que nos séculos XVII e XVIII são encontrados vários livros di- vulgando a região de produção dos pratos, a la provençale, a la bourguignonne, a la flamande etc. E, antes mesmo disso, consta que já no século XVI inúmeras produções – dentre elas queijos, manteiga, óleos, vinagres – eram vendidas com a reputação de seu local de produção. Apesar dessa grande evolução, com o ad- vento da Revolução Francesa (1789-1799), que gerou crise econômica por conta dos elevados preços dos gêneros alimentícios e queda na pro- dução de cereais, os agricultores, que eram a parte maior da sociedade francesa, empobreciam e ficavam sem emprego. Enquanto isso, os bur- gueses glorificavam a haute cuisine (INSTITUTO AMERICANO DE CULINÁRIA, 2011) Versão culinária dessa nova formu- lação das diversidades culturais que marca a década revolucionária, as cozi- nhas e as especialidades alimentares da “terra” ou das “províncias” – que, por comodidade, designaremos por “re- gionais”, embora ainda não existam as regiões oficiais – encontraram, desde então, sua inscrição nessa redefinição da complementaridade das diversida- des que fundamenta a nação histórica, essa coletividade de homens unidos por uma continuidade, um passado e um futuro (CSERGO, 1998. p.806). A queda da Bastilha acaba elucidando a impor- tância que as particularidades de cada região têm, não apenas no contexto privado social, mas sim em âmbito geral, que esses ingredien- tes são parte de uma nação, que as particula- ridades são a representação daquela cultura local, que essas províncias apresentam uma riquíssima diversidade, tornando aquela gas- tronomia um elemento notável. A partir daí, as características geográficas tornam-se mania aos parisienses e todos aqueles aspectos que diferenciam um local do outro – não apenas no quesito gastronômico, como também na arquitetura e na flora, por exemplo – começam a surgir na literatura para definir as especiali- dades regionais (CSERGO, 1998). Como é essa visão hoje? Consideramos sabor, dietética ou a combinação? Queremos enganar o gosto dos alimen- tos? Reflita! Fonte: O autor. 55G A S T R O N O M I A • U N I C E S U M A R Em meio a isso, pouco antes do marco da Revolução, deu-se o surgimento do restaurante (lembra do caso Boulanger, em 1765? Você pode retomar essas informações no tópico “O nasci- mento da gastronomia clássica”, na Unidade I) e, posteriormente, a divisão de serviços de ali- mentação mudou sua concepção. Passado o perí- odo de maior agitação, o governo revolucionário aboliu as confrarias – fornecedores de refeições especializados em preparos específicos estabele- cidos pelo rei –, o que fez aumentar o número de restaurantes e passou a refletir a criatividade dos chefs ali presentes (GISSLEN, 2012). Outra invenção importante que mudou a organização das cozinhas no século XVIII foi o fogão, potager em francês, que proporcionou aos cozinheiros uma fonte de aquecimento mais prática e controlá- vel que o fogo aberto. Logo as cozinhas comerciais se dividiram em três setores: a rotisseria, sob comando do cozinhei- ro de assados e grelhados ou rôtissieur; o forno, sob comando do cozinheiro confeiteiro ou pâtissier; e o fogão, sob o comando do cozinheiro ou cuisinier. O cozinheiro de assados e grelhados e o confeiteiro reportavam ao cuisinier, que também era conhecido como chef de cuisine, que significa “chefe de cozinha” (GISSLEN, 2012, p.4). Ainda que fortemente baseado na cozinha corte – marcada pela forte presença de Tayllerand e Carême –, as primeiras escritas a respeito de uma culinária regional começam a tomar forma, de modo que apresentavam uma mistura entre as culturas da cozinha burguesa, de maior requinte, e a da cozinha camponesa, mais simples e rústica. Csergo (1998) afirma que, próximo ao século XIX, os primeiros livros de receitas “regionais” são publicados na França, sendo eles escritos tanto por cozinheiros profissionais quanto por donas de casa. Podemos citar a cozinha de Genebra, de Mulhouse e da Alsácia como exemplos de regiões que tiveram suas receitas coletadas e se tornaram livros. O gênero literário se alastra e até mesmo ícones internacionais são cita- dos – os burgueses começaram acrescentar pratos de outras nações, afirmando que, de tão bons, po- deriam ser encontrados em sua própria terra. A autora explica que, ao final do século, a evolução dessas obras chegou ao mais próximo do que temos hoje, livros culinários com as principais receitas da região, além da listagem de ingredientes, produ- tos e histórias locais, apresentando até mesmo os modos de se comer à mesa, quando se tratavam de aspectos distintivos. Essas obras apresentam componentes idênticos: publicadas por editores locais, destinadas a uma difusão local, elas or- ganizam-se em torno do tema do solo regional, submetido a uma divisão não administrativa, mas histórica [...] Em todos os casos o autor é um representan- te da terra, notável ou erudito, depositá- rio da “alma das gerações” que recolhe e transmite uma herança através da qual se expressa a pertença e a identidade do grupo (CSERGO, 1998, p.812). C o z i n h a C l á s s i c a Com o reconhecimento da gastronomia francesa em geral, no início do século XX, são escritas muitas obras parisienses, todas elas enfatizando a importância da cozinha clássica, da cozinha de tamanha riqueza que é a da França. Csergo (1998) explica que essas obras, inclusive, le- gitimam os pratos considerados autênticos: diferenciam a cozinha realmente regional, que representa uma das províncias francesas, da “(Muitos hotéis e restaurantes ofereciam uma simples table d’hôte (ou refeição com- pleta), o que não permitia grandes escolhas. A Grande Cuisine*, um código cuidadoso estabelecido por Marie-Antoine Carême (1784-1833), que detalhava numerosos pratos e os respectivos molhos, era um estilo culinário muito adequado para casas reais e nobres, mas difícil de se manter em cozinhas de hotel que, geralmente, conta- vam apenas com um equipamento culiná- rio rudimentar). Quando foi aberto o Hotel Savoy em Londres, em 1898, sob a direção de César Ritz e Geroges-Auguste Escoffier, a Grande Cuisine foi substituída por uma abordagem simplificada mais refinada, a que se chamou de Cuisine Classique (co- zinha clássica)”. Fonte: Instituto Americano de Culinária (2011, p.132). *Grande cuisine: haute cuisine. cozinha camponesa, cujos preparos são im- provisados; e também os pratos que o paladar nacional aceita (como o confit e o foie gras, da região de Périgord) de pratos de difícil absorção (como o garbure e crucharde). Hoje, entendemos que a alta gastronomia faz parte da cozinha francesa, mas, como po- demos notar, ela foi influenciada por inúmeros povos, bem como tem dominação em cultu- ras variadas ao redor do mundo. Sendo assim, devemos ser conscientes que cada região do país tem características culinárias específicas. Não apenas a França, mas também a Itália, que é tida como forte ícone para a gastrono- mia clássica.
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