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PESQUISA EM EDUCAÇÃO Dr. Tássio Acosta GUIA DA DISCIPLINA 2020 1 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1. ESCOLA DE FORMAÇÃO A prática da observação e a análise da trama miúda do cotidiano escolar podem revelar um conjunto infinito de situações e procedi-mentos pedagógicos e curriculares, estreitamente vinculados a processos sociais por meio dos quais se desdobra e aprofunda a produção de diferenças, distinções e clivagens sociais que interferem, direta e indiretamente, na formação, no desempenho escolar de cada um/a, na desigualdade da distribuição de “sucesso” e “fracasso” escolares – atualmente, cada vez mais atribuídos aos indivíduos e menos aos dispositivos institucionais. (JUNQUEIRA, 2013: 2) A escola é um dos locais onde há uma intensa formação para a cidadania. É o local ao qual a sociedade encaminha os sujeitos, ainda em sua primeira infância, para que aprendam a lidar com e valorizar as pluralidades e diferenças. Por isso, necessitamos sempre nos perguntar qual o papel fundamental da escola e o que a sociedade espera dela - assim como o que espera de nós, professores. Ao optarmos por ser professores, nós assumimos uma responsabilidade. Esta responsabilidade está ancorada nos mais diversificados documentos oficiais - nacionais e internacionais -, do Ministério da Educação à Declaração de Direitos Humanos da ONU. A escola é, por si só, um pilar edificante de uma sociedade mais justa e equalitária, um local de construção dos valores e desconstrução das discriminações. Para tanto, precisamos estar atentos às mudanças sociais, à compreensão dos valores individuais e coletivos e, principalmente, precisamos deixar de lado nossas discriminações e preconceitos para uma educação plural. A valorização das diferenças e heterogeneidade precisam fazer parte de nossos cotidianos. O “olhar para o outro”, reconhecendo a especificidade do outro, é aquilo que se espera de uma escola que busca esta valorização. A Declaração Universal de Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, afirma em seu 2º artigo que: Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (ONU, 1948: 05) Este documento é referência para toda e qualquer pessoa que pretende tornar-se um educador e trabalhar na formação da cidadania de crianças, jovens e adultos. A docência é uma profissão capaz de mudar as referências já construídas e discutir os valores 2 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância impostos como os “corretos”. Nunca podemos nos esquecer que as realidades locais são diferentes independentemente de falarmos de países, estados, cidades ou bairros. Portanto, é necessário ter muito cuidado para não para não propagar o etnocentrismo. Entenda-se por “etnocentrismo” a ação de: […] privilegiar um universo de representações propondo-o como modelo e reduzindo à insignificância os demais universos e culturas “diferentes”. De fato, trata-se de uma violência que, historicamente, não só se concretizou por meio da violência física contida nas diversas formas de colonialismos, […] escolhendo-se, assim, o único tipo de cultura e educação com ele compatíveis (“cultura hegemônica” e “culturas subalternas”), declarando-se “outras” as culturas diferentes com orientações incompatíveis com o referencial escolhido; procura-se reduzi-las nas suas especificidades e diferenças tornando-as mais diferentes do que são e, a seguir, são exorcizadas, por meio de várias estratégias. (CARVALHO, 1997: 181) Sempre que utilizamos nossos valores culturais, nossas referências e nossas formações para julgar o outro, estamos incorrendo diretamente na prática etnocêntrica: “cultura pop é inferior à erudita”, “o funk é ruim e a MPB é boa”, “o rap é pior que o hip-hop”, “a Anitta não deveria participar da abertura das Olimpíadas ao lado de Caetano Veloso”, dentre outros, são discriminações onde referenciamos o nosso valor moral como o correto em detrimento daquele que acreditamos ser incorreto. O mesmo fazemos em nossos cotidianos dentro da sala de aula - não se culpem, não fazê-lo requer imensa dedicação às desconstruções de nossos próprios valores, que nos foram ensinados como corretos – e isso leva tempo, dedicação e criticidade! Ao entrarmos em uma sala de aula diferente da nossa realidade social (seja mais rica ou mais pobre) devemos reformular nossos valores. Para tanto, é necessário compreender as razões de aquela comunidade local (a sala de aula, por exemplo) acreditar na validade de seus valores (diferentes dos nossos) e buscar dialogar com estes valores. Obviamente que não podemos cair na falácia discursiva de aceitar práticas que atentem contra a liberdade de expressão e os direitos individuais, afinal de contas “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (ONU, 1948: 05) e, ao nos depararmos com uma sala de aula que valoriza o racismo, as discriminações por orientação sexual, identidade de gênero, machismo, feminicídio e diversas outras formas de discriminação, devemos discutir estes valores morais e como eles conflitam seriamente contra as liberdades individuais. Para isso, devemos reconhecer que as discriminações devem ser combatidas e analisadas individualmente. 3 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância […] hoje, razões humanitárias nos dizem que cada grupo humano tem o direito à autonomia e a desenvolver a sua cultura de acordo com os próprios princípios e tradições, sem sofrer interferências forçadas e pressões externas. Cada povo ou cultura tem direito de pensar e agir de forma autônoma e diferente dos demais. E seria uma grande injustiça e falta de respeito tentar interferir para mudar tais padrões. (OLIVEIRA, s/d: 08) Ao ver-se em uma sala de aula que atente contra os sujeitos por meio de violências diversas como, por exemplo, a própria violência simbólica (Bourdieu, 1983), o professor deve estar munido de todos os artifícios possíveis para coibir estas ações, que podem desencadear uma série de desigualdades altamente prejudiciais aos envolvidos como, por exemplo, a evasão escolar, o desinteresse pelos estudos e o aumento da violência física - em alguns casos, contra as sociedades minoritárias, também da violência sexual1. A escola é um espaço de formação e, por isto, precisa que as pluralidades e diferenças sejam valorizadas. Ela deve ser um local onde todas as formas de expressões humanas recebam respeito, solidariedade e carinho. Estes três pontos são estimulados por meio da empatia. Quando nos esforçamos para que as pessoas aprendam a se colocar no lugar das outras, somos capazes de estimular este outro olhar, esta outra perspectiva e este outro entendimento. O olhar do subalterno! BOURDIEU, Pierre. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. BRASIL. Diversidade Sexual na Educação: problematizaçÕes sobre a homofobia nas escolas. In: Coleção Educação para Todos. Brasília, 2009. CARVALHO, José Carlos de Paula. Etnocentrismo: inconsciente, imaginário e preconceito no universo das orgnizações educativas. In.: Palestra proferida nos Seminários de Cultura, Escola e Cotidiano Escola, da Faculdade de educação da Universidade De São Paulo, 1997. JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Pedagogia do armário e currículo em ação: heteronormatividade, heterossexismo e homofobia no cotidiano escolar. In.: MISKOLCI, Richard. (org.). Discursos fora de Ordem: descolocamentos, reinvenções e direitos. São Paulo: Annablume, 2012. (Série Sexualidades e Direitos Humanos). OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. O conceito antropológico de Cultura. In.:Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião, Universidade Católica de Brasília, s/d ONU. Declaração Universal de Direitos Humanos, 1948. 1 Para saber mais, ler: Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. In: Coleção Educação para Todos. Brasília, 2009 4 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 2. DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOS EDUCADORES O modo como experimentamos a realidade e nos percebemos como indivíduos modifica-se em suas dimensões cognitivas, perceptivas e emocionais: a representação do espaço e do tempo, a relação entre a possibilidade e a realidade entre os vínculos naturais e sua elaboração simbólica. A experiência torna-se, assim, uma construção artificial, um produto gerado mais por relações e representações do que por circunstâncias , leis naturais ou casualidades. (MELUCCI, 2004: 14) A pós-modernidade (Bauman, 2010) tem nos colocado num frenético ritmo de cobranças, onde nem acabamos o Ensino Médio e logo somos cobrados pela Graduação e, antes mesmo de nos formarmos na Graduação, já somos cobrados pelas Extensões, Especializações, MBA, Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado. Nem saímos de um sonho (ou, para alguns, um pesadelo) e já somos obrigados a lidar com a cobrança pelo próximo passo, pela próxima formação, pela próxima atualização – e assim por diante. Este frenesi tem nos colocado muito além do que podemos dar conta, tudo em nome do bom desempenho. Precisamos de tempo para entender tudo isso que vivemos e, assim, poder pensar sobre nosso desenvolvimento profissional como educadores. Afinal de contas, o que nós esperamos de nós mesmo e o que os outros esperam de nós? O nosso desenvolvimento profissional é importante para que sempre possamos estar atualizados frente às necessidades da sociedade e, desta forma, educar melhor nossos alunos, sempre visando à valorização das diferenças e pluralidade social. Para que isto ocorra, necessitamos buscar uma série de mecanismos que possam nos capacitar para desempenhar da melhor forma o nosso trabalho: o de professores. Desde a formação continuada até o olhar externo por uma equipe de gestores e/ou avaliadores - a avaliação externa é um tema extremamente polêmico e discutiremos em nosso 4º capítulo. Os cursos de extensão são extremamente necessários para a nossa formação, visto que costumam ter um tempo reduzido (normalmente de 40 a 200 horas totais) e são direcionados para os temas mais variados que possamos imaginar. Desde postura profissional até conteúdos curriculares específicos que nos auxiliam para que nossa prática docente seja melhor estruturada de acordo com aquilo que desejamos. A criação do Fórum Nacional [de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras] ocorre tendo como base algumas questões já consensuais entre seus membros participantes, […] são elas: o compromisso social da 5 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Universidade na busca da solução dos problemas mais urgentes da maioria da população; a indissociabilidade entre as atividades de Ensino, Extensão e Pesquisa; o caráter interdisciplinar da ação extensionista; a necessidade de institucionalização da Extensão no nível das instituições e no nível do MEC; o reconhecimento do saber popular e a consideração da importância da troca entre este e o saber acadêmico; e a necessidade de financiamento da Extensão como responsabilidade governamental. (NOGUEIRA, 2001:67) As mais variadas instituições de ensino, sejam elas públicas ou privadas, costumam disponibilizar estes cursos – que podem ser pagos ou gratuitos, variando de acordo com a instituição. A constante atualização faz com que possamos pensar fora da caixinha, onde aqueles conhecimentos, que adquirimos anos atrás como verdadeiros e corretos, possam ser revalorizados, desconstruídos ou ressignificados. Afinal de contas, da mesma forma que a sociedade está em constante mudança, a prática educativa também está. No entanto, muitas vezes precisamos do olhar de alguém que esteja mais inserido no mundo acadêmico, que conheça as teorias e possa nos apresentar cientistas sociais que nos auxiliem na análise da nossa prática docente. Não apenas de prática é feito o mundo, mas o mesmo também aplica-se à teoria. Para isso, a extensão universitária é extremamente necessária para a constante melhoria sobre o “fazer” docente e o “ser” docente. […] os docentes precisam além de organizar as suas aulas de maneira sequenciada, propor aos seus alunos variadas formas de obtenção do conhecimento, trabalhando com recursos diversos fazendo com as aulas tornem-se mais motivadoras e dinâmicas. Uma vez que é necessário desenvolver os alunos de maneira global, trabalhando com todas as suas potencialidades. O professor durante a sua formação acadêmica dispõe de uma ampla gama de conhecimentos teóricos e práticos, que os levam à construção de uma base para a atuação no seu campo de trabalho. (MILEO, KOGUT, 2009: 9497) A troca de conhecimentos existente na prática docente enriquece nossa didática, modifica nossa metodologia e nos insere na história da educação. Muitos cientistas sociais pesquisarão sobre a nossa História. De uma coisa nós temos que ter certeza: nunca podemos deixar de buscar a capacitação e estar preparados para aquilo que a sociedade espera da gente: seriedade, capacidade e qualidade na formação das crianças que os responsáveis confiam a nós. Estamos criando sólidas estruturas sociais e, para que tenhamos uma sociedade mais justa e com equidade, as diferenças merecem ser valorizadas – e não silenciadas. A escola que 6 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância censura, recrimina, cerceia e cala as diferenças é uma escola reprodutora das desigualdades, discriminações e discursos de ódio existentes na sociedade e na internet, e essa escola não é a que devemos construir. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Liquida. Cultura, 2010. MELUCCI, Alberto. O jogo do Eu. Rio de Janeiro: Ed. Unisinos, 2004. MILEO, Thaisa Rodbard; KOGUT, Maria Cristina. A importância da formação continuada do professor de educação física e a influência na prática pedagógica. In.: IX Congresso Nacional de Educação - EDUCERE. III Encontro Sul Brasileiro de Psicopedagogia, PUC-PR, 2009. NOGUEIRA, Maria das Dores Pimentel (org.). Extensão Universitária: diretrizes conceituais e políticas. Belo Horizonte: PROEX / UFMG, 2000. 7 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3. O PAPEL DA EQUIPE ESCOLAR NA EDUCAÇÃO Temos antes que admitir que o poder produz saber (e não simplesmente favorecendo-o porque o serve ou aplicando-o porque é útil); que poder e saber estão diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder. (FOUCAULT, 2013: 30) Dividiremos este artigo em três partes: docentes, gestores e supervisores. Assim, a leitura ficará mais simplificada e poderemos compreender o papel de cada um na prática docente e na formação dos jovens que estão sendo escolarizados. Como pudemos ver no artigo anterior, a pós-modernidade (ou modernidade líquida, como alguns teóricos chamam) passou a cobrar cada vez mais a capacitação profissional - isso sem entrarmos na discussão de como a individualidade tem se tornado regra e a competitividade obrigatória. Na escola não é diferente. Para que nossa prática docente possa estar mais bem estruturada e alcançar os resultados esperados, aquela escola formada apenas por familiares, sem formação universitária e sem diálogo/discussão com as teorias educacionais foi ficando de lado e cada vez mais se torna mais difícil vermos as chamada “escolinhas”de bairro. As existentes costumam sofrer frente às escolas de grande nome, que buscam aprovações, teorias pedagógicas contemporâneas e que buscam a socialização das crianças. Este novo dinamismo social trouxe para as escolas a realidade da necessidade da divisão e melhor aproveitamento dos espaços com resultados positivos. Esta divisão faz com que a escola esteja preparada para obter o melhor desempenho possível e, assim, adequar-se àquilo que se espera dela. 3.1. A Docência A prática docente está estruturada em diversos pilares que dão sustentação para que tudo ocorra dentro do planejado. Aliás, planejamento é fundamental para que os objetivos sejam cumpridos e para que possamos fazer com que nossa prática docente atinja aquilo que esperamos no início. O Planejamento não pode ser rígido e inflexível; muito pelo contrário: deve ser maleável e flexível para que possamos adaptá-lo àquilo que acreditamos ser necessário. Deve ser feito especificamente para cada sala de aula, cada turma e cada escola. 8 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Quando criamos um planejamento fixo e rígido, deixamos de estar preparados para as casualidades que surgem em nossos cotidianos docentes - afinal de contas, qual professor nunca se deparou com uma situação inesperada e teve que buscar as mais diversas formas para lidar com aquela questão em especial? Conhecer a turma e compreender suas necessidades faz parte de ser um professor que se preocupa com a qualidade educacional e, por isso, reformula e atualiza constantemente o seu planejamento durante as semanas de aulas até que tenha um planejamento plenamente adequado para aquela realidade da sala de aula. Não apenas a constante qualificação profissional é necessária para nossa boa atuação. Podemos ser a pessoa mais qualificada, mais titulada e mais prestigiada do país. Se não estivermos preparados a olhar o outro com humildade, analisar a sala de aula e compreender as suas necessidades, o nosso conhecimento não será transmitido em sua plenitude e não mudaremos aquela realidade local. A atenção à especificidade da sala de aula é primordial para que possamos transmitir o nosso conhecimento. Para isso, é necessário que estejamos em constante reformulação e precisamos sair da zona de conforto, olhar para a sala de aula, reconhecer as suas dificuldades, reconhecer as nossas dificuldades enquanto docentes e pensar em estratégias para que possamos solucionar todas as dificuldades que aparecem (e aparecerão!) durante toda a nossa docência. 3.2. Os Gestores A gestão escolar é uma mescla entre questões docentes e burocráticas (nisso, leia- se documentação municipal, estadual e federal, atendimento a pais e questões diversas que possam surgir no cotidiano escolar) que mantém o funcionamento da escola para que tudo ocorra dentro do esperado. Ainda que muitas escolas mantenham o papel de tenente em suas coordenadoras e orientadoras, reconhece-se que esta manutenção é prejudicial à escola e coíbe a possibilidade de novos trabalhos a serem desenvolvidos. Por isso, há a necessidade de que os gestores mantenham-se atualizados com cursos diversos para que saibam liderar sua equipe de docentes e possam realizar o papel central da escola: formar cidadãos. 9 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O entendimento de que esta vigilância e punição são necessárias para a manutenção da ordem prejudica a liberdade de cátedra - prerrogativa legal para a docência - e impossibilita que temas tidos como “polêmicos e complicados” sejam abordados em sala de aula, prejudicando toda a prática docente. A gestão escolar tem que estar preparada e capacitada para ver o que há necessidade de ser discutido e fomentar meios para que a escola tenha condições de sua produção. Muitos gestores têm adotado a postura positiva de convidar professores externos e palestrantes para abordarem temas específicos sobre os quais a escola não tem muito domínio como, por exemplo, as questões voltadas ao racismo, discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, machismo, misoginia, dentre outros. Esta possibilidade tem encorajado um novo olhar para a escola e a compreensão de que a escola é sim o local ideal para que isso seja discutido e o mundo plural seja mais vivível para todas as pessoas, independente de seu credo, sexualidade, identidade de gênero, etc. Os gestores bem capacitados compreendem suas responsabilidades e ancoram seus trabalhos nos mais diversos documentos do MEC e da ONU para justificar suas práticas e fazer da escola aquilo que ela deve ser. Os documentos oficiais são necessários para que possamos estruturar toda a prática docente e gestora, onde não haverá possibilidade de qualquer intolerância ser mantida dentro da instituição de ensino. 3.3. Os supervisores Cabe a eles o papel de supervisionar a prática docente e gestora, também ancorados em documentos oficiais para que possam analisar as práticas escolares de acordo com a fundamentação teórico-jurídica existente. Reconhece-se a necessidade destes documentos para que toda e qualquer ocorrência possa estar justificada e embasada legalmente. Muitas vezes, os supervisores não são muito bem aceitos nas comunidades escolares pelo entendimento errôneo de que eles não vivenciam a realidade escolar local e, por isto, são incapazes de adotar qualquer prática ou recomendação de melhoria. Muitos supervisores já foram professores e gestores, e hoje ocupam um cargo que lhes possibilita olhar a escola com esta outra perspectiva, que se soma a toda sua vivência e prática profissional. 10 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância As avaliações externas servem para que as escolas busquem uma unidade na qualidade de ensino, onde todas desempenham o mesmo ensino e possibilitam oportunidades iguais para os estudantes - algo que há muito tempo é construído e está longe de chegar aos resultados esperados. Analisa-se a estrutura escolar, capacitação docente, diálogo entre escola- comunidade, escola-responsáveis e escola-alunos, possibilita-se a discussão de novas metodologias e formas para que os objetivos sejam mais facilmente superados e insere-se um novo olhar para aquela escola. Sendo assim, conclui-se que docência, gestão e supervisão são fundamentais para que a escola tenha um bom desempenho e obtenha os resultados esperados por toda a sociedade. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento das prisões. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2013. 11 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4. IMPORTÂNCIA DAS AVALIAÇÕES EXTERNAS A Pedagogia Crítica implica a clareza dos determinantes sociais da educação, a compreensão do grau em que as contradições da sociedade marcam a educação e, consequentemente como é preciso se posicionar diante dessas contradições e desenreda a educação das visões ambíguas, para perceber claramente qual é a direção que cabe imprimir a questão educacional. (SAVIANI, 1991: 103) Sempre que falamos em escolas, logo pensamos na qualidade delas - afinal de contas, já escutamos muitas vezes que “no nosso tempo a escola era melhor, não era esse desrespeito que é hoje em dia! ”, e este discurso tem sido combatido e comprovado como falacioso pelos mais diversos educadores que estudam a história da educação brasileira na contemporaneidade (KOUNIN, 1970; CURWIN, MENDLER, 1983; AMADO, 1991; GARCIA, 2002), em especial entre a década de 60 e a atual. Um dos mecanismos mais utilizados pelo MEC para a avaliação do desempenho escolar se dá por meio do IDEB: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado em 2007 como parte oficial do Plano de Metas e Compromisso Todos Pela Educação conjuntamente com o Instituto Nacional de Estudose Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Educadores diversos como o então Ministro Fernando Haddad (2008), assim como Saviani (2007) e Weber (2008), afirmaram que o IDEB era o melhor mecanismo para se obter os verdadeiros resultados da qualidade educacional brasileira e, por isso, precisaria de autonomia sem interferência política para a sua aplicação, o que ocorreu. Os indicadores são mensurados pela prova de língua portuguesa e matemática, ciências essas compreendidas como centrais pelo INEP. Seu principal objetivo é o de reconhecer deficiências em escolas para que possa ser realizada uma auditoria a fim de entender e melhorar estes índices. Para isso, busca-se compreender a região onde a escola está localizada e suas especificidades - não apenas mensurar por um índice nacional. Um sistema educacional que reprova sistematicamente seus estudantes, fazendo com que grande parte deles abandone a escola antes de completar a educação básica, não é desejável, mesmo que aqueles que concluem essa etapa de ensino atinjam elevadas pontuações nos exames padronizados. Por outro lado, um sistema em que todos os alunos concluem o ensino médio no período correto não é de interesse caso os alunos aprendam muito pouco na escola. Em suma, um sistema de ensino ideal seria aquele em que todas as crianças e adolescentes tivessem acesso à escola, não desperdiçassem tempo com repetências, não abandonassem a escola precocemente e, ao final de tudo, aprendessem. (FERNANDES, s/d: 01) 12 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Como pudemos ver durante a disciplina de História da Educação, o Brasil sofreu forte influência do modelo de educação estadunidense, fortemente voltado ao mercado, e que não se atentava às questões da realidade local. Durante a década de 1990, as avaliações padronizadas ganharam força com a criação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e se institucionalizaram com a criação do IDEB. Justifica-se a necessidade das avaliações externas para mensurar a sua qualidade e as mudanças necessárias para que haja melhoria. No entanto, educadores debatem se estas avaliações realmente mensuram o conhecimento do aluno, visto que é conteudista e não se atenta às diferentes formas de conhecimento que a escola pode incentivar como, por exemplo, a cidadania, a empatia, o respeito, etc. Será que a escola deve ser mensurada e avaliada apenas por indicadores sociais? Ou podemos pensar em uma escola para além do conteúdo? Deve-se destacar que essas avaliações externas têm como características, entre outras, a definição de uma matriz de avaliação – na qual são especificados os objetos de avaliação – e o emprego de provas padronizadas – condição para que se sejam obtidos resultados mais objetivos e efetuadas comparações entre redes e escolas, tanto transversal quanto longitudinalmente. (ALAVARSE, BRAVO, MACHADO, 2013: 17) Ainda que devamos problematizar todas as questões que buscam homogeneizar a escola, reconhece-se que as avaliações externas são necessárias para que todas as escolas tenham a qualidade necessária para formar cidadãos com conhecimentos sobre as mais diversas ciências - humanas, biológicas e exatas – para que tenhamos cidadãos críticos e embasados. Visto que para a formação da criticidade, é preciso ter conhecimento destas ciências. Uma das várias vantagens do IDEB é que ele não se centra no critério de aprovação ou reprovação, aprovação continuada e ensino sem qualidade existente durante a década de 1990, mas sim no critério do real conhecimento das ciências para que se possa criar mecanismos específicos para as escolas de baixo desempenho. Reconhecer as dificuldades e limitações é a melhor forma de incrementar políticas públicas específicas. A falta de consenso sobre o que é uma educação “de qualidade” é um dos pilares que geram a discussão sobre a avaliação externa pelo fato de que a escola não pode estar restrita à disciplinarização dor corpos por meio da ciência em detrimento da perda de 13 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância afetividade, empatia e cidadania. Enquanto, do outro lado da trincheira, há educadores que afirmam que quando a escola cumpre com os Programas Curriculares Nacionais, esta formação humana é uma simples consequência. É uma discussão que está longe de acabar e ainda haverá muito a ser debatido. O que não podemos nos esquecer é de que a escola é um local de formação de discursos, verdades e valores. Sem uma educação crítica e de qualidade, a escola estará longe de perpetuar estes objetivos e formaremos cidadãos sem o senso pleno de cidadania. A valorização salarial docente por meio dos indicadores (conhecida popularmente como “bônus”) é algo que gera muita discussão pois, além de mercantilizar a escola e a formação docente, ainda força professores a formarem alunos para que estes tenham bons resultados nas provas avaliativas governamentais, deixando de lado o papel formador social que a escola precisa exercer em plenitude. Esta visão empresarial e mercantilista da educação deixa de analisar as especificidades locais como a infraestrutura, a região em que a escola está localizada e a qualidade de vida docente e discente. É essencial que estas questões sejam analisadas e avaliadas, visto que escolas localizadas em centros urbanos e com boa infraestrutura têm maiores condições de obter resultados do que escolas localizadas em regiões afastas e com alta probabilidade de precariedades e vulnerabilidades diversas. Oliveira (2011) afirma que este tipo de avaliação serve mais para produzir conhecimento estatístico para os gestores educacionais do que para trazer melhorias para a prática docente pela ausência do foco nas questões relacionadas à pedagogia em si. Como podemos ver, a avaliação externa é um campo que ainda gera muita discussão e muito debate, cabendo a nós nos posicionarmos e defender o que compreendemos como uma educação de qualidade - entendimento este que é individual e varia de acordo com o que cada um entende por educação de qualidade e avaliações educacionais. 14 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância ALAVARSE, Ocimar M; BRAVO, Maria Helena; MACHADO, Cristiane; Avaliações externas e qualidade na educação básica: articulações e tendências. In.: Est. Aval. Educ., São Paulo, v. 24, n. 54, p. 12-31, jan./abr. 2013. AMADO, J. S. Indisciplina na sala de aula: algumas variáveis de contexto. In.: Revista Portuguesa de Pedagogia, Coimbra, v. 25, n. 1, p. 133-148, 1991. CURWIN, R. L.; MENDLER, A. N. La disciplina en clase: guía para la organización de la escuela y el aula. Madrid: Narcea, 1983. FERNANDES, Reynaldo. Índice de desenvolvimento da Educação Básica (IDEB): metas intermediárias para a sua trajetória no Brasil, Estados, Municípios e Escolas. In.: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais "Anísio Teixeira"- INEP. Ministério da Educação, s/d KOUNIN, J. Discipline and group management in classrooms. New York: Robert E. Krieger Publishing Company, 1970. GARCIA, J. A gestão da indisciplina na escola. In: COLÓQUIO DA SECÇÃO PORTUGUESA DA AFIRSE/AIPELF. 11., 2001, Lisboa. Atas. Lisboa: Estrela e Ferreira. 2002. p. 375-381. HADDAD, Fernando. O Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas. Brasília: Inep, 2008. 23 p. (Série Documental. Textos para Discussão, 30). SAVIANI, Dermeval. O Plano de Desenvolvimento da Educação: análise do projeto do MEC. Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, p. 1231-1255, out. 2007. Edição Especial. __________. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1991. WEBER, Silke. Relações entre esferas governamentais na educação e PDE: oque muda? Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 134, p. 305-318, maio/ago. 2008. 15 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 5. EDUCAÇÃO DE QUALIDADE - ASPECTOS Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem. (ANDRADE, Carlos Drumond de. apud HOFFMANN, 2010: 01). A todo instante escutamos a respeito da necessidade de uma “educação de qualidade”: das jornadas de junho, que eclodiram no Brasil e, em especial, no Estado de São Paulo, onde jovens foram às ruas pedindo maiores investimentos na saúde e educação, às manifestações durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas, o pedido de maiores investimentos na educação estava na boca de todo mundo. O que entendemos por uma educação de qualidade e o que devemos levar em conta para mensurar se a educação, de fato, é de qualidade? Será que a educação de qualidade é aquela que ensina o jovem a ser cidadão e exercer cidadania ou a que o ensina a resolver operações matemáticas? O que realmente costuma ser mensurado e avaliado quando falamos em uma educação de qualidade? O domínio da norma culta da língua portuguesa e escolaridade formal são padrões de análise? Caso sim, como fica Cora Coralina, que estudou até a 4ª série? E Cartola, que também estudou apenas até o primário? Antes de pensarmos sobre os aspectos da educação de qualidade, nós devemos pensar sobre o que entendemos por uma educação de qualidade. Os sistemas avaliativos levam em conta o conhecimento na língua portuguesa, matemática e outros conhecimentos escolares, e deixam de avaliar com tamanho empenho a formação dos jovens para a cidadania, o espaço de convivência no ambiente escolar, o relacionamento interpessoal e a valorização dos direitos humanos no respeito às diferenças. Percebe-se que falar sobre qualidade na educação é bastante amplo e complexo, visto que cada um tem um entendimento, um objetivo e uma compreensão sobre o que é uma educação com qualidade. Ainda assim, nos atentaremos ao tocante da junção destas duas perspectivas de formação na escola: para a cidadania e para o conhecimento conteudista. A educação, portanto, é perpassada pelos limites e possibilidades da dinâmica pedagógica, econômica, social, cultural e política de uma dada sociedade. […] Compreende-se então a qualidade com base em uma perspectiva polissêmica, em 16 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância que a concepção de mundo, de sociedade e de educação evidencia e define os elementos para qualificar, avaliar e precisar a natureza, as propriedades e os atributos desejáveis de um processo educativo de qualidade social. (DOURADO; OLIVEIRA, 2009: 202) Para além dos saberes acadêmicos disseminados na escola pelas disciplinas curriculares e avaliados pelos mais diversos indicadores governamentais, este ensaio partirá do entendimento de que a escola também é o local de socialização e da construção dos direitos humanos, o que será atentado e valorizado nos próximos parágrafos. O combate à violência no ambiente escolar é uma obrigação de todos os envolvidos no processo educativo discente, visto que a escola não deve normalizar o anormal ao permitir que episódios de violência diversos estejam inseridos em seu cotidiano por meio de precariedades e vulnerabilidades diversas àqueles jovens marginalizados e subalternizados pelos padrões e estereótipos hegemônicos. Valorizar as diferenças é uma forma de criarmos resistências aos padrões hegemônicos, onde aquelas pessoas2, que costumam ser marginalizadas e sofrer processos de violência diversos, sintam-se inseridas democraticamente no ambiente escolar. O bullying não foi inventado nos últimos anos, o que mudou foi nossa sensibilidade com relação às formas de violência que ele expressa. A escola era partícipe do assédio moral de tal forma que, normalmente, a educação era bullying; você entrava e se enquadrava. Havia um currículo oculto, um processo não dito, não explicitado, não colocado nos textos, mas que estava na própria estrutura do aprendizado, nas relações interpessoais e até mesmo na própria estrutura arquitetônica, que continua a ser normalizadora. (MISKOLCI, 2013: 41) Ressalta-se que há críticas à terminologia bullying (ACOSTA, 2016) por não explicitar o termo violência nas vivências sofridas pelas pessoas marginalizadas e estigmatizadas, e reconhece-se que escola mantém um currículo oculto para que ocorra a manutenção comportamental daquilo compreendido socialmente como “correto” - silenciando e invisibilizando qualquer pessoa que não esteja enquadrada dentro daquilo que se espera dela. Muitas vezes, o professor reitera comportamentos discriminatórios - sem nem mesmo se atentar de cometê-los por falta de conhecimento ou informação a este respeito 2 Leia-se: “pessoas à margem da heteronormatividade, feminilidades e masculinidades hegemônicas”. 17 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância - contra as minorias socialmente excluídas como, por exemplo, ao recomendar que crianças de cabelo crespo mantenham seus cabelos presos ou cortados, não permitir que meninos brinquem com brinquedos de meninas3 (e vice-versa), exigir comportamentos diferenciados entre os discentes, dentre outros. Discriminação é a prática de ato de distinção contra pessoa do qual resulta desigualdade ou injustiça, sendo essa distinção baseada no fato de a pessoa pertencer, de fato ou de modo presumido, a determinado grupo. Discriminar é excluir, é negar cidadania e, via de consequência, a própria democracia. (MORENO, 2009: 144 - grifo do autor) Estes padrões eurocêntricos de “branquitude” silenciam e estigmatizam aquelas pessoas que não estão inseridas neles e, ao marginá-las, constroem os estereótipos de beleza como a pele branca, o cabelo loiro, o nariz fino, o corpo magro, etc., que subalterniza aqueles que não os têm. O mesmo ocorre quando criamos padrões heteronormativos, onde crianças e jovens que não estejam enquadrados dentro daquilo que se espera em “ser homem” e “ser mulher” acabam por ser marginalizadas e impedidas de vivenciar os processos educativos de forma benéfica para o seu desenvolvimento e sua socialização. Portanto, ao reivindicarmos uma educação de qualidade, devemos olhar para a nossa sala de aula, reconhecendo a sua pluralidade e nunca nos esquecendo de que, ao nos tornarmos educadores, o nosso dever é o de educar todos e para todos, valorizando as diferenças e coibindo as discriminações e processos de violência diversos. Ao nos silenciarmos perante os processos discriminatórios e violentos existentes no ambiente escolar, estamos optando por apoiá-los, uma vez que o silêncio opera a favor do opressor em detrimento do oprimido. 3 Ressalto a necessidade de repensarmos as práticas educativas que generificam as brincadeiras infantis entre meninos e meninos para uma que integre todas as crianças em todas as atividades. 18 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância ACOSTA, Tássio. Morrer para nascer travesti: performatividades, escolaridades e a pedagogia da intolerância. Dissertação de Mestrado, Ufscar. 2016 DOURADO, Luiz Fernandes; OLIVEIRA, João Ferreira de. A qualidade da educação: perspectivas e desafios. In.: Cad. Cedes, Campinas vol. 29, n. 78, p. 201-215, maio/ago. 2009 HOFFMANN, Taise GOnzato. O lúdico como forma de aprendizagem. In.: Revista de Educação do IDEAU (REI), Vol. 5, n. 11, jan-jun, 2010 MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pela diferença. Belo Horizonte: Autêntica Editora, UFOP, 2013. MORENO, Jamile Coelho. Conceito de minorias e discriminação. In.: RevistaUSCS. Direito, ano X, n. 17, jul./dez., 2009 19 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 6. EDUCAÇÃO NÃO FORMAL Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes. (FREIRE, 2000: 33) A educação não formal é uma realidade contemporânea que ainda se encontra em construção e em constante debate nos mais diversos círculos acadêmicos e sociais, porque tem como objetivo que o pensamento no processo educativo esteja além daquele existente no ambiente escolar, nos moldes tradicionais das escolas e na construção do conhecimento centrado nas disciplinas escolares. Presente nos espaços coletivos, a educação não formal está inserida nos movimentos sociais, associações de bairro e em espaços coletivos. Ainda que não exista um objetivo fixo e uma metodologia específica, a educação não formal se desenvolve por meio de uma constante construção, onde os agentes nela envolvidos fazem parte deste processo. A construção da cidadania e do respeito aos direitos humanos é o pilar sustentador da educação não formal, pelo entendimento de que esta construção é essencial para uma sociedade mais justa e equalitária, o que faz uma contraposição ao processo de ensino formal, cada vez mais individual, competitivo e voltado à valorização dos bens materiais em detrimento das relações afetivas e de empatia. A construção de relações sociais baseadas em princípios de igualdade e justiça social, quando presentes num dado grupo social, fortalece o exercício da cidadania. A transmissão de informação e formação política e sociocultural é uma meta na educação não formal. Ela prepara os cidadãos, educa o ser humano para a civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo, individualismo etc. (GOHN, 2006: 30) A coletividade está presente na educação não formal pelo entendimento de que as relações humanas são essenciais para o sentimento de cidadania e, sem ela, torna-se impossível passar os valores morais de empatia e solidariedade aos envolvidos neste processo. Como é uma educação que está em constante movimento e diferentes formas de aplicabilidade - visto que uma escola do MST é diferente da escola de um coletivo indígena, que é diferente de uma escola de coletivos sociais diversos - a educação não 20 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância formal tem as mais variadas metodologias, ainda que centradas no objetivo de formar os cidadãos para o mundo. Pode ser aplicada a todas as idades, pois cria dispositivos diversos para a sua efetivação. Assim, os conteúdos curriculares tradicionais podem estar inseridos no processo educativo nas comunidades que preferem este tipo de ensino em detrimento do tradicional. Esta pluralidade metodológica é uma das dificuldades encontradas em seu processo formativo, visto que muito docentes acabam por não saber como lidar com suas especificidades e se esforçam para enquadrá-la e normatizá-la no processo educativo formal. A educação não formal é aquela que se aprende "no mundo da vida", via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas. Nossa concepção de educação não formal articula-se ao campo da educação cidadã – a qual no contexto escolar pressupõe a democratização da gestão e do acesso à escola, assim como a democratização do conhecimento. Na educação não- formal, essa educação volta-se para a formação de cidadãos (ãs) livres, emancipados, portadores de um leque diversificado de direitos, assim como de deveres para com o(s) outro(s). (GOHN, 2014: 40) Este mundo da vida é adquirido via espaços coletivos de participação social pelo entendimento de que esta educação só é possível por meio da influência de todos os agentes que nela estão inseridos. Esta forma diferente de gestão educacional é extremamente positiva para que se construa a cidadania e o sentimento de coletividade entre seus participantes. Outro pilar existente na educação não formal é o de reivindicações diversas de direitos sociais de existência. O direito de existir consiste no direito de ocupar locais até então entendidos como não pertencentes a quem se interessa por ocupá-lo - exemplo das ocupações do MST, resistência indígena às demarcações de terras, favela de Pinheirinhos, etc. Nossa cidade, como toda grande cidade, é cada vez mais perigosa para as crianças. A cidade assusta as crianças, cada vez mais confinadas em suas casas. A criança têm o direito de sair de casa, têm o direito de reinventar seu espaço na cidade como seu território. A criança precisa sair de casa, tem o direito de sair de casa. Por isso, a cidade precisa mudar. A cidade de hoje foi construída só para os trabalhadores adultos. Não é para crianças e idosos. O maior poder das nossas cidades é o poder dos automóveis. Eles são os valores maiores da cidade. As máquinas venceram a cidade, tornaram as cidades seguras só para elas e para mais ninguém. A cidade é insegura porque a cidade também foi privatizada e mercantilizada. (GADOTTI, 2005: 4) 21 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Os valores morais e éticos são centrais em sua construção, visto que as relações sociais são extremamente valorizadas no que tange os direitos sociais. A partir do momento em que há o entendimento de que há direitos necessários para a existência, muito além do direito à escolarização, a educação não formal centra-se no processo de construção da cidadania. Reivindicar a cidade para ser ocupada pelas crianças e não pelos automóveis, as terras pelas pessoas e não pela monocultura e os índios ao invés da grilagem, é uma reordenação nos valores de importância que o sistema capitalista nos impõe: o capital em detrimento do social. Pesquisas junto ao público docente apontam que os espaços fora do ambiente escolar, mais comumente conhecidos como não-formais, são percebidos como recursos pedagógicos complementares às carências da escola, como, por exemplo, a falta de laboratório, que dificulta a possibilidade de ver, tocar e aprender fazendo. (BIANCONI; CARUSO, s.d: 01) Os saberes são valorizados em sua multiplicidade e os métodos são desenvolvidos conforme vão emergindo naquela comunidade específica. A sua pluralidade metodológica também é responsável para que o processo educativo não formal seja diferente nas mais diversas regiões do Brasil - inclusive, pode haver diferença metodológica dentro de uma mesma comunidade, onde cada docente compreende a educação não formal à sua maneira e aplica o melhor método que compreende como necessário para que ocorra o processo de ensino-aprendizagem. Para Gohn (2006), a educação não formal pode ser enumerada em 8 tópicos, são eles: a) Educação para cidadania; b) Educação para justiça social; c) Educação para direitos (humanos, sociais, políticos, culturais, etc.); d) Educação para liberdade; e) Educação para igualdade; f) Educação para democracia; g) Educação contra discriminação; h) Educação pelo exercício da cultura, e para a manifestação das diferenças culturais. (idem, ibidem: 33) 22 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância BIANCONI, Maria Lúcia; CARUSO, Francisco; Educação não-formal. In.: Ciência e cultura. s/d. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: Cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000. GADOTTI, Moacir. Droit à l’éducation: solution à tous les problèmes ou problème sans solution? In.: Institut Internacional des Droit de L'enfant. Sion (Suisse), 2005. GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal, participação da sociedadecivil e estruturas colegiadas nas escolas. In.: Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006 _________. Educação não-formal, aprendizagens e saberes em processos participativos. In.: Investir em Educação - II Série, n. 1, 2014 23 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 7. OS DESAFIOS DA INVESTIGAÇÃO NA EDUCAÇÃO Não se deve fazer divisão binária entre que se diz e o que não se diz; é preciso tentar determinar as diferentes maneiras de não fazer, como são distribuídos os que podem e os que não podem falar, que tipo de discurso é autorizado ou que forma de discrição é exigida a uns e outros. Não existe um só, mas muitos silêncios e são parte integrante das estratégias que apóiam os discursos. (FOUCAULT, 2012: 34) Muitas vezes nos perguntamos qual o nosso papel no processo de formação de nossos alunos enquanto docentes. Assim como questionamos o nosso papel enquanto profissionais da educação, uma área que está em constante atualização e longe de ser estática. Para que possamos ressignificar o nosso papel, devemos olhar para nós e ao nosso redor, e mais uma vez nos perguntar o que esperamos de nós mesmos e o que a sociedade espera de nós. Em tempos cada vez mais fluídos, onde o público e o privado se emaranham de tal forma onde o pessoal e o profissional ficam cada vez mais homogêneos, somos obrigados a acompanhar esse dinamismo e nos preparar sempre para o amanhã - visto que o ontem já foi, o hoje está no fim e o amanhã chegará logo menos. Para que possamos estar preparados para este dinamismo, devemos sempre olhar para o futuro e, antes mesmo que a sociedade afirme o que espera de nós, já termos a resposta antes que a pergunta seja feita: nós devemos esperar de nós mesmos aquilo que a sociedade almeja que sejamos e, para tanto, necessitamos acompanhar tudo o que está em evolução no campo educacional para melhor desempenharmos nossas funções em escolarizar as crianças e jovens. Atentar-nos-emos ao uso da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) como uma forma de melhorar a nossa qualidade de aula e fazer com ela seja mais interessante para nossos alunos. Como podemos fazer uso do computador e projetor (ou mesmo apenas do computador), e também dos smartphones, para fazer com que nossas aulas sejam mais lúdicas, interessantes e interativas? Será que fazermos o mesmo tipo de aula que tivemos em nossa infância é a melhor forma, principalmente perante uma geração que já nasceu conectada? Essas perguntas precisam ser respondidas para que possamos pensar na melhor forma de atingir nossos objetivos. 24 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância (Imagem 01 - BERGAMASCO; BERGAMASCO, 2013:333) De acordo com a pesquisa realizada por Bergamasco e Bergamasco (2013) sobre a utilização das tecnologias de informação e comunicação na educação infantil, foi percebido que há um limitado conhecimento sobre as múltiplas ferramentas disponíveis pelas TICs, assim como dificuldade em implementar metodologias específicas para o seu melhor aproveitamento. Não temos dúvidas de que as instituições escolares deixaram de acompanhar a evolução na qual a sociedade está inserida e ainda mantêm o padrão lousa, giz/canetão e carteiras enfileiradas. Por isso, devemos lembrar dos nossos tempos de estudantes escolares, lembrar do que era bom e o que era ruim para que hoje possamos ter uma visão mais crítica e ministrar aquela aula que gostaríamos de ter recebido. Para nós professores as TIC exigem uma linguagem contemporânea e um aprimoramento rápido e eficaz e devem despertar maior interesse. A forma tradicional e bancária de lecionar estão ultrapassadas e nesse sentido as tecnologias cumprem um papel fundamental nas escolas rumo a modernidade porque não há uma pós-modernidade. (LOPES; SANTOS; FERREIRA; BRITO, 2011:181) Independentemente de onde estejamos, sempre vemos uma criança com um celular na mão - seja para ouvir música, assistir desenho ou se entreter em algum aplicativo de jogos - sem dificuldade alguma em utilizá-lo. Portanto, precisamos pensar em mecanismos para o seu melhor aproveitamento, inserindo-o no processo de ensino-aprendizagem. Mas lembrem-se: deve-se ter uma proposta e um propósito, utilizá-lo sem um objetivo específico 25 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância pode não ser positivo e, para isso, devemos pensar em metodologias específicas para sua utilização. O processo de mediação precisa ser extremamente cuidadoso por meio da relação professor - aluno - TIC. Pensar em aplicativos que trabalhem o desenvolvimento motor fino como, por exemplo, jogos nos quais o jogador tem que selecionar algo na tela e arrastá-lo para algum outro lugar da própria tela são uma forma de nos dar subsídios para analisar a evolução e dificuldade daquele aluno em específico. Da informação recolhida, depreende-se que são inúmeras as práticas de motricidade realizadas em atividades implementadas nas áreas das expressões e que promovem o desenvolvimento motor geral e fino na criança. Estas práticas, implementadas pelo educador/ professor e, por vezes com o apoio de especialistas na expressão e educação físico-motora, assumem cada vez um maior papel na vida das crianças/alunos, nas primeiras idades escolares, sendo um dos principais promotores para o desenvolvimento de competências escolares, sociais e saúde/bem-estar. (BORGES, 2014: v) Precisamos olhar para o novo e pensar em formas de implementá-lo positivamente no contexto escolar, visto que negá-lo e criticá-lo não tem sido uma forma válida para as atualizações educacionais. Peguemos, por exemplo, a febre do Pokémon Go, que recentemente chegou ao Brasil e tem transformado o dinamismo social dos centros urbanos: um jovem inglês4 de 17 anos com autismo evitava sair à rua (quando saía, ficava no máximo 2 minutos e já queria voltar para casa) por conta do barulho, iluminação e contato com outras pessoas. Após instalar o aplicativo que requer que a pessoa ande pela cidade em busca dos Pokémon, Adam passou a ficar mais de 3 horas na rua e interagindo com as pessoas ao seu redor. Usado positivamente, um simples jogo pode estimular a socialização de crianças com (e sem) transtornos diversos e fazer com que ocupem os espaços públicos. Para que a escola esteja preparada para lidar com o novo, tanto o docente quanto os gestores, devem se despir de seus preconceitos e conservadorismos e pensar em mecanismos e subsídios para tirar proveito daquilo que as crianças e jovens estão usando no momento. Pois, assim, poderemos fazer com que a prática docente seja mais prazerosa e mais bem aproveitada por todos. 4 Recomendo assistirem ao vídeo de 2:30 minutos disponível em <http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas- noticias/bbc/2016/08/03/como-pokemon-go-transformou-vida-de-jovem-autista-que-nao-conseguia-sair-de-casa.htm> http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/bbc/2016/08/03/como-pokemon-go-transformou-vida-de-jovem-autista-que-nao-conseguia-sair-de-casa.htm http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/bbc/2016/08/03/como-pokemon-go-transformou-vida-de-jovem-autista-que-nao-conseguia-sair-de-casa.htm 26 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância BORGES, Carolina de Fátima Botelho. O desenvolvimento da motricidade na criança e as expressões: um estudo em contexto pré-escolar e 1’ciclo do ensino básico. Universidade dos Açores. Departamento de ciências da educação. 2014 FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade - A vontade do saber. Rio de Janeiro, Edições Graal: 2012, 22’ed. LOPES, Alzeni Ferreira; SANTOS, Édina Maria Batista Rangel dos; BRITO, Pollyana Valéria Gome; O desafio do uso das TIC na educação infantil. In.: Revista Pandora Brasil, número 34,Setembro, 2011 27 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 8. O PAPEL DO PROFESSOR NA EDUCAÇÃO [...] o ensino escolar participa e é um dos principais instrumentos de normalização, uma verdadeira tecnologia de criar pessoas “normais”, leia-se, disciplinadas, controladas e compulsoriamente levadas a serem como a sociedade as quer. Em outras palavras, a escola pune e persegue aqueles e aquelas que escapam ao controle, marca-os como estranhos, “anormais”, indesejáveis. (MISKOLCI, 2013: 19) Há muito tempo o professor deixou de ser um transmissor do conhecimento para se tornar um mediador no processo de ensino-aprendizagem por meio do conteúdo a ser ensinado em suas aulas – por isso, é necessário o planejamento diário de aula, assim como o semanal, mensal, bimestral e anual. Lembre-se que este planejamento pode (e deve!) ser ressignificado constantemente de acordo com as especificidades de sua sala de aula. Precisamos estar sempre dispostos a “aprender a aprender”. Por meio desta constante atualização é que poderemos criar mediações educacionais mais eficazes para o melhor resultado da nossa sala de aula. O aprender a aprender deve ser central em nossos cotidianos. Reconhece-se que na escola ocorrem as mais diversas práticas educativas, formais e não formais, curriculares e não curriculares, assim como a escola é um dispositivo disciplinar que tem como objetivo normatizar os sujeitos que ali estão inseridos por uma série de mecanismos extremamente específicos. A escola disciplinar desenvolve, então, uma engrenagem e um mecanismo constante de controle quase completo do tempo, no qual aos alunos mais velhos são confiadas as tarefas de fiscalização, controle e, por último, ensino. [...] Para o sucesso de toda essa maquinaria disciplinar, concorrem instrumentos relativamente simples, mas de grande eficiência no processo de transformação dos corpos em instrumento e objeto de seu exercício: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e o exame. (MOURA, 2010: 57) O professor deve estar atento a toda essa engrenagem – e também reconhecer seu papel enquanto não apenas um participante, mas também como uma dessas engrenagens que disciplinarizam e normatizam os corpos – para que possa buscar formas diversas de resistências e subversões com o intuito de disponibilizar maior autonomia para os alunos por meio de uma prática pedagógica libertária e crítica (FREIRE, 1982). A escola não é o único espaço educativo capaz de escolarizar as crianças e os jovens: televisão, celulares, tablets, mídias sociais, narrativas de pessoas mais velhas, 28 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância relacionamentos interpessoais entre amigos na infância, etc., todas estas são formas educativas que ajudam a escolarizar os sujeitos. Logo, pensarmos que a escola é o único local onde os sujeitos são escolarizados é um pensamento que precisa ser problematizado e descontruído, a escola é apenas mais um local onde a educação e escolarização acontecem. O processo educativo está inserido em todas as nossas relações cotidianas. Para tanto, o professor não pode se eximir e muito menos eximir a função social da escola perante a construção de sujeitos críticos e com capacidade de pensar a sociedade sob uma perspectiva crítica, por isso há a existência da liberdade de cátedra como princípio fundamental da Constituição Federal: Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) (BRASIL, 1988) Este fato faz com que o professor não seja um mero transmissor de conhecimento, mas um fomentador de discussões num intenso processo de ensino-aprendizado norteado por políticas públicas educacionais que delimitam suas funções e objetivos de acordo com o Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). A liberdade de cátedra não é uma forma de permitir que o professor aborde o que ele quiser, e sim permitir que ele tenha diretrizes sobre quais assuntos abordar de acordo com os PCNs e as mais diversas perspectivas epistemológicas e paradigmáticas como, por exemplo, as correntes de pensamentos. Considerar o conhecimento prévio do aluno, adquirido por meio de suas relações pessoais e familiares, é uma forma de fazer com que o processo de ensino-aprendizagem seja mais dinâmico e com significado para que possa compreender a importância em seu 29 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância cotidiano. Afinal de contas, quantas vezes nos perguntamos “para que estamos aprendendo isso?” ou afirmamos “nossa, eu nunca usarei isso em minha vida!”. Isso ocorreu porque não fomos apresentados aos conhecimentos científicos de maneira a inseri-los (ou reconhecer onde estão inseridos) em nossos cotidianos. A mediação do conteúdo curricular faz com que o aluno compreenda não apenas o seu significado, como também entenda onde se aplica, como se aplica e porquê se aplica. Esta mediação passa a dar um significado ao processo de ensino-aprendizagem onde o aluno se sentirá inserido e conhecedor dele. É necessário conhecer o aluno e suas especificidades para que se possa atingir e cumprir os objetivos propostos. Para tanto, devemos nos perguntar o que é ensinar bem e se as avaliações disponibilizadas realmente avaliam o aluno ou avaliam aquilo que consideramos correto. Não podemos nos esquecer de que o processo avaliativo deve ir além de uma simples resposta em uma prova e precisa estar inserido num constante processo avaliativo por meio da participação, da evolução diária frente às atividades desenvolvidas, interação com os demais, etc. No ensino presencial e no ensino à distância, estas avaliações cotidianas devem ser reiteradas de forma sistemática. Ensinar bem não significa repassar os conteúdos, mas levar o aluno a pensar, criticar. Percebe-se que o professor tem a responsabilidade de preparar o aluno para se tornar um cidadão ativo dentro da sociedade, apto a questionar, debater e romper paradigmas. [...] Numa sociedade que está sempre em transformação, o professor contribui com seu conhecimento e sua experiência, tornando o aluno crítico e criativo. Deve estar voltado ao ensino dialógico, uma vez que os seres humanos aprendem interagindo com os outros. É o processo aprender a aprender. O professor deve provocar o aluno passivo para que se torne num aluno sujeito da ação. (OLIVEIRA, 2014: 04) Precisamos, então, compreender que o papel do professor na educação é fomentar o pensamento crítico e ações que visem mudanças e melhorias sociais, visto que somos apenas uma parte (a docência) de várias partes (a família, a mídia, o cotidiano, etc) que estão no constante processo deeducativo dos sujeitos. 30 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância BRASIL. Ministério da Justiça. Constituição Federal Brasileira, 1988 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pela diferença. Belo Horizonte: Autêntica Editora, UFOP, 2013. MOURA, Thelma Maria de. Foucault e a escola: disciplinar, examinar e fabricar. Dissertação de Mestrado, Universidade federal de Goias, 2010 OLIVEIRA, Wilandia Mendes de. Uma abordagem sobre o papel do professor no processo ensino/aprendizagem. In.: INESUL, Londrina, 2014. 31 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 9. A IMPORTÂNCIA DA PESQUISA NA EDUCAÇÃO DE BASE Dizer que o cotidiano escolar e as diferentes formas de expressão curricular são atravessados por manifestações de valores, crenças e preconceitos não significa que fatores curriculares, (re)produtores de alienação, desapossamento e hierarquias opressivas, devam ser banalizados, naturalizados e aceitos. Se assim fosse, nós profissionais da educação estaríamos eticamente autorizados a fazer de nossos ofícios meios propícios à livre manifestação de preconceitos e discriminações. (JUNQUEIRA, 2012: 3) Todo professor está inserido num intenso processo de docência e, muitas vezes, não percebe que este processo está intimamente ligado à pesquisa. Afinal de contas, a prática docente não se faz apenas pelo cotidiano da sala de aula, sim por todo um embasamento e um referencial teórico que o mantém enquanto professor a partir de um conhecimento adquirido em seus anos de graduação e experiência. A partir do momento em que o professor passa a criticar sua forma de atuação e/ou desacreditar em como a prática de ensino está estruturada, ele acaba de ter o pontapé inicial para assumir o seu papel como pesquisador. Afinal de contas, ninguém tem mais domínio da sala de aula do que o próprio docente dela e, com isso, ele se torna capaz de repensar suas práticas para atingir os melhores objetivos de uma docência crítica. Observações realizadas no cotidiano escolar de uma escola pública na qual atua como professora de ensino fundamental, bem como a experiência em diversas situações deste cotidiano e alguns relatos de professores levaram-nos à constatação de que os professores e a equipe pedagógica, apesar de reconhecer que um dos principais papéis da escola é o de promover a autonomia intelectual, o pensamento crítico e investigativo dos estudantes, revelaram que esse processo parece não ocorrer de modo suficiente. (FREIBERGER; BERBEL, 2012: 7891) A sala de aula é um locus extremamente importante para que a pesquisa docente possa se desenvolver amparada nos teóricos que há anos a analisam e a pensam de acordo com seus paradigmas. Quando nos deparamos com uma sala de aula de periferia, devemos usar teóricos que pensam salas de aula deste perfil, assim como salas de aula de bairros de classe alta, e assim por diante. Isso porque cada sala de aula e cada região onde elas estão inseridas tem as suas especificidades, que precisam ser levadas em conta de forma a não homogeneizarmos, e nem generalizarmos, como se todas as salas de aula fossem iguais, independentemente das regiões em que estão inseridas e suas especificidades locais. 32 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Devemos nos atentar à disparidade que há entre a prática docente e a prática de pesquisa, onde muitos teóricos atuais, que pensam sobre o cotidiano do ensino infantil, deixaram de entrar nas salas de aula deste tipo de ensino há anos. Não podemos negar que seus conhecimentos são necessários para pensarmos a escola, mas também temos que ter a nossa criticidade para pensarmos até que ponto eles estão desenvolvendo conhecimentos que, de fato, podem ser inseridos e colocados em prática. Precisamos que cada vez mais professores do ensino básico desempenhem suas pesquisas e publiquem seus resultados em simpósios, congressos e revistas (indexadas ou não) para que possam trazer um conhecimento empírico de acordo com o olhar de quem está todos os dias na sala de aula e tem maiores conhecimentos acerca das especificidades. Todavia, não podemos esperar a reestruturação do currículo para assumir a pesquisa como parte de nossas atividades de ensino. Trazer a pesquisa para a formação inicial e continuada de professores é uma discussão e uma necessidade que se faz urgente. Ademais, é preciso pensar em como a pesquisa pode aproximar a relação teoria e prática, e favorecer a investigação da prática cotidiana dos professores de modo a identificar instrumentos de pesquisa que atendam tanto as necessidades dos professores quanto as necessidades das escolas em que atuam. (PENITENTE, 2012: 29) O fato de estarmos inseridos no cotidiano escolar facilita para que seja feita uma pesquisa participante, onde estamos imersos na prática de ensino e podemos analisar as especificidades locais, ancorados nos teóricos que estudam aquela realidade específica. Para tanto, a junção do conteúdo teórico à prática docente em escolas de ensino básico favorece para que possamos enriquecer nossa produção bibliográfica e tenhamos mais condições de pensar em melhorias para o sistema educacional contemporâneo. Há algumas situações que acontecem em nossas escolas e nossas salas de aula que são específicas dela e, se não nos atentarmos para analisá-las, pesquisá-las e consequentemente publicarmos artigos a respeito, isto fará com que essas situações “nasçam e morram” na escola. Sendo que esta vivência propiciaria uma leitura da situação e, a partir de um referencial teórico muito bem delimitado, haveria a possibilidade de publicar os resultados e, assim, trazer novos olhares para que outros professores possam ter contato e aproximação com aquela realidade e estar mais bem preparados para lidar com ela futuramente, quando vier a acontecer com eles. 33 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O trabalho docente visa, grosso modo, atualizar culturalmente as novas gerações transmitindo, ou levando-as a descoberta, do conhecimento que o homem produziu ao longo da sua história e do qual ele se utiliza para suas produções atuais. Então, o professor trabalha com o conhecimento científico como matéria prima que deve ser incorporada à personalidade viva do aluno, sujeito em formação. Este, ao incorporar o conhecimento científico, os valores humanos e as habilidades terá, a partir deles, uma nova capacidade de interpretar a realidade mediata e imediata e, conscientemente, optar pela forma que considera mais conveniente de inserção social. (RUSSO, 2007: 6) A escola não é uma instituição isolada do mundo e, por isto, é muito provável que ela tenha as características da comunidade local, principalmente aquela escola que reúne alunos do próprio bairro e região. Por isso, o conhecimento do professor daquela escola é necessário para a produção de novas publicações que facilitem e propaguem as realidades locais de cada região. A especificidade da escola precisa ser levada em conta para que o docente possa aplicar o conhecimento teórico naquele cotidiano específico – afinal de contas, não apenas uma escola de Santos é diferente de uma de São Vicente, como também é de uma escola em Minas Gerais. O próprio embasamento teórico deve ser problematizado conforme utilizado em sala de aula e em pesquisa visto que, quando ele foi produzido, ele estava inserido em uma realidade e em um contexto local extremamente específico. A escola francesa é diferente da brasileira e a própria produção teórica sobre a prática docente e escolar da década de 80 e 90 já são diferentes da prática docente e escolar da década atual. A tecnologia mudousignificativamente a prática docente e, muitas vezes, em um toque na tela, o aluno tem possibilidade de obter mais informações que as disponíveis em sala de aula e no material didático – não à toa vem aumentando a quantidade de youtubers jovens que gravam seus vídeos ensinando conteúdos escolares (seja como método próprio de estudo para avaliações e vestibulares ou para fazer dessa atividade uma prática rentável financeiramente). 34 Pesquisa em Educação Universidade Santa Cecília - Educação a Distância FREIBERGER, Regiane Muller; BERBEL, Neusi Aparecida Navas. Princípios educativos da pesquisa na formação e atuação de professores de educação infantil. In.: Semana da Educação, Universidade de Londrina, 2012 JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Pedagogia do armário e currículo em ação: heteronormatividade, heterossexismo e homofobia no cotidiano escolar. In.: MISKOLCI, Richard. (org.). Discursos fora de Ordem: descolocamentos, reinvenções e direitos. São Paulo: Annablume, 2012. (Série Sexualidades e Direitos Humanos) PENITENTE, Luciana Aparecida de Araujo. Professores e pesquisa: da formação ao trabalho docente, uma tessitura possível. In.: Formação Docente. Revista brasileira de pesquisa sobre formação de professores. Vol. 04, n. 07, jul. dez. 2012 RUSSO, Miguel Henrique. Trabalho e gestão na escola: especificidades do processo de produção pedagógico. In.: Anpae, 2007
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