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Curitiba 2020 Alfabetizacao e multiletramentos (Letramento Literário) çã Faculdade Educacional da Lapa (Org.) FAEL Direção Acadêmica Fabio Heinzen Fonseca Coordenação Editorial Angela Krainski Dallabona Projeto Gráfico Sandro Niemicz Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo Sumário 1. Abordagem histórica da alfabetização | 5 2. A função social da escrita em uma sociedade letrada | 13 3. Alfabetização e letramento: embates e interfaces | 19 4. Alfabetização e letramento na sala de aula | 25 5. Métodos de alfabetização: alternativas | 31 6. A psicogênese da língua escrita | 37 7. Contextualização Histórica das Literaturas Infantil e Juvenil | 45 8. Conceituação e Principais Manifestações | 61 9. Autores Representativos e Funções das Literaturas Infantil e Juvenil | 87 10. Metodologia do Ensino de Literaturas Infantil e Juvenil | 101 11. Critérios para Análise e Seleção de Obras | 117 Referências | 129 1 Abordagem histórica da alfabetização Neste capítulo, por meio de dados históricos, o leitor refle- tirá sobre o conceito alfabetização e sobre o que esse processo envolve. Com base em tais dados, a discussão parte para o debate sobre os processos de insucesso ou fracasso na escola brasileira do século XX e sua relação com a exclusão social: como enfren- tar as dificuldades tanto das crianças em aprender a ler e a escre- ver quanto dos professores em lhes ensinar? Como enfrentar o grande problema do fracasso escolar e da educação no Brasil? Perguntas como essas são típicas de intelectuais de diferen- tes áreas de conhecimento, professores, educadores em processo de formação inicial e continuada, denotando a complexidade do problema brasileiro, cuja busca de respostas vem movendo a his- tória da alfabetização. Certamente, as novas descobertas da lin- guística, do letramento, da cibernética têm contribuído de modo importante para possíveis soluções. Contudo, como nos ensinou Paulo Freire (2005, p. 23), a alfabeti zação e a escolarização não são práticas neutras, não se alimentam exclusivamente das técni- cas – por melhores que sejam. São problemas estruturais, históri- cos, marcados pela exclusão continuada. Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 6 – 1.1 Perspectiva histórica De acordo com José Juvêncio Barbosa (1991, p. 44), uma nova pro- posta pedagógica para desenvolver a aprendizagem da leitura e da escrita não nasce do nada, de um dia para o outro. Ela é sempre resultado de uma tentativa de ruptura com o já estabelecido e, ao mesmo tempo, a procura de uma continuidade, de uma ligação com o passado. No entanto, é possível afirmar o fato de que muitas pessoas possuem tendência a acreditar que há alguns anos a educação era melhor, que as escolas alfabetizavam com sucesso, que os professores eram mais quali- ficados e os alunos eram mais dispostos a aprender. Grande engano, pois, com a evolução e o crescimento do mundo moderno, houve a necessidade da expansão do conceito de alfabetização e das expectativas da sociedade em relação a seus resultados. Ou seja, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001, p. 150), a palavra “alfabetização” significa algo como “ato ou efeito de alfabetizar; de ensinar as primeiras letras”. Assim, uma pessoa alfabe- tizada é entendida como aquela que domina as “primeiras letras”, que domina as habilidades básicas ou iniciais de ler e escrever. Ao longo do século passado, porém, esse conceito de alfabetização foi sendo progres- sivamente ampliado, em razão de necessidades sociais e políticas, a ponto de já não se considerar alfabetizado aquele que apenas domina as habili- dades de codificação e decodificação, “mas aquele que sabe usar a leitura e a escrita para exercer uma prática social em que a escrita é necessária” (SOARES, 2003, p. 10). Leia o texto a seguir, de Magda Soares (1991, p. 10), sobre como os censos foram progressivamente ampliando o conceito de alfabetização. Até os anos 40 do século passado, os questionários do censo indagavam, simplesmente, se a pessoa sabia ler e escrever, ser- vindo, como comprovação da resposta afirmativa ou negativa, a capacidade de assinatura do próprio nome. A partir dos anos 50 e até o último censo, os questionários passaram a indagar se a pessoa era capaz de “ler e escrever um bilhete simples”, o que já evidencia uma ampliação do conceito de alfabetização. Já não se considera alfabetizado aquele que apenas declara saber ler e escre- – 7 – Abordagem histórica da alfabetização ver, genericamente, mas aquele que sabe usar a leitura e a escrita para exercer uma prática social em que a escrita é necessária. Essa ampliação do conceito se revela mais claramente em estudos censitários desenvolvidos a partir da última década, em que são defi- nidos índices de alfabetizados funcionais (e a adoção dessa termino- logia já indica um novo conceito que se acrescenta ao de alfabeti- zado, simplesmente), tomando como critério o nível de escolaridade atingido ou a conclusão de um determinado número de anos de estudo ou de uma determinada série, o que traz implícita a ideia de que o acesso ao mundo da escrita exige habilidades para além do apenas aprender a ler e a escrever. Ou seja, a definição de índices de analfabetismo funcional utilizando-se como critério, anos de esco- laridade, evidencia o reconhecimento dos limites de uma avaliação censitária baseada apenas no conceito de alfabetização como “saber ler e escrever” ou “saber ler um bilhete simples”, e a emergência de um novo conceito, que incorpora habilidades de uso da leitura e da escrita desenvolvidas durante alguns anos de escolarização. Dessa forma, percebe-se que há alguns anos bastava que o indivíduo desenvolvesse apenas as habilidades de codificação e decodificação para ser considerado alfabetizado. Devido às transformações na sociedade e exigências impostas por ela, desde a década de 80 do século passado, con- cepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita vêm mostrando que se o aprendizado das relações entre as letras e os sons da língua é uma condição do uso da língua escrita esse uso também é uma condição de alfabetização ou do aprendizado das relações entre as letras e os sons da língua. Esse modelo tradicional do ensino do código escrito, centrado na mecânica da leitura e da escrita, foi, em parte, responsável pelo surgi- mento do chamado analfabeto funcional, aqueles indivíduos incapazes de utilizar a língua escrita em práticas sociais, particularmente naquelas que se dão na própria escola, no ensino e no aprendizado de diferentes conte- údos e habilidades. Assim, esse modelo tradicional passa a ser crescentemente criticado em função das mudanças ocorridas nas relações sociais, nas relações de trabalho, que passaram a exigir novos e mais complexos padrões para o exercício da cidadania, o que também envolveu os usos sociais da leitura Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 8 – e da escrita centrados na questão do significado subjacente ao texto lido ou produzido. Pode-se afirmar, dessa forma, que o modelo tradicional sobreviveu durante vários anos porque demonstrava sua utilidade em uma socie- dade em que as relações eram menos complexas, com grau inferior de grafocentrismo, não sendo exigido, principalmente dos trabalhadores, muito mais que o domínio mecânico do código escrito. Esse fato implica a consta- tação dos avanços realizados envolvendo a utilização da língua escrita nas situações em que é necessária, lendo e produzindo textos. É para essa nova dimensão da entrada no mundo da escrita que se cunhou uma nova pala- vra: letramento. Ela serve para designar o conjunto necessário de conheci- mentos, atitudes e capacidades para usar a língua em práticas sociais. 1.2 Herança do analfabetismo Outro aspecto que caracteriza as dificuldades atuais na alfabetização, além da ampliação do seu conceito, está na herança do analfabetismo e das desigualdades sociais. Sabe-seque para a classe dominante sempre foram garantidas as condições para o desenvolvimento de níveis mais complexos de letramento. E, agora, estamos em meio a um processo de democrati- zação efetiva das oportunidades educacionais, no qual “o país se propõe não só a oferecer o acesso à escola a todas as crianças em idade escolar, mas também acena para a possibilidade de uma educação prolongada para todos” (BARBOSA, 1991, p. 44). Contudo, foi somente no final da década passada que o país conseguiu universalizar o acesso à escola, embora em muitos estados persistam percentuais expressivos de crianças fora dela. Como ler e escrever eram privilégios das elites, estima-se que em 1872, quando é realizado o primeiro censo nacional, o índice de alfabeti- zados é de apenas de 17,7% entre pessoas de cinco anos ou mais. A partir do século XX, esse índice vai sempre progredir, embora permaneça, até 1960, inferior ao índice de analfabetos, que constituem 71,2% em 1920, 61,1% em 1940 e 57,1% em 1950. Em 1960, pela primeira vez, a propor- ção é invertida: conta-se com 46,7% de analfabetos. A partir de então, as taxas caem gradativamente. De 1970 a 2000, os índices registram 38,7%, 31,9%, 24,2% e 16,7%. – 9 – Abordagem histórica da alfabetização Apesar de os dados registrarem um avanço, ainda estão longe de ser satisfatórios. Os dados do SAEB (Sistema de Avaliação da Educa- ção Básica) exemplificam: o fracasso na alfabetização é maior entre as crianças que vivem em regiões que possuem piores indicadores sociais e econômicos e entre as crianças que trabalham. Trata-se de um problema maior e de natureza política. É a desigualdade social, a injustiça social, a exclusão social. Um dos resultados de pesquisa mais desagradáveis a respeito da edu- cação brasileira foi comunicado em 2007, com a divulgação do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF). Na pesquisa, apenas 28% da população são plenamente alfabetizados. A taxa de analfabetismo absoluto é de 7%, e os níveis rudimentar e básico estão em 25% e 40%, respectivamente. Saiba mais Analfabetismo absoluto: o indivíduo não sabe ler, nem escrever nada, ou seja, não consegue realizar tarefas simples que envolvem decodifica- ção e codificação de palavras. Nível rudimentar: o indivíduo localiza informações simples em enun- ciados de uma só frase. Por exemplo, identifica o título de uma revista ou, em um anúncio, localiza a data em que se inicia uma campanha de vacinação. Nível básico: o indivíduo localiza uma informação em textos curtos ou médios. Nível pleno: o indivíduo localiza mais de um item de informação em textos mais longos, compara informação contida em diferentes textos, estabelece relações entre as informações, realiza inferências e sínteses. Assim, em cada momento histórico, a mudança exigiu (e continua exigindo) dos responsáveis pela educação, políticas públicas de diferen- ciação qualitativa, mediante reconstituição sintética do passado, a fim de homogeneizá-lo e amenizar diferenças, buscando o progresso. A história da alfabetização se caracteriza, portanto, como um movi- mento complexo, marcado pela recorrência discursiva da mudança, indi- Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 10 – cativa da tensão constante entre permanências e rupturas, visando à ins- tauração de novas práticas, concebidas a partir de novos referenciais. Da teoria para a prática Atualmente, de acordo com Bregunci (2006, p. 32), a organiza- ção das atividades em torno da alfabetização deverá levar em conta os aspectos a seguir. 2 A progressão de níveis do trabalho pedagógico em função dos níveis de aprendizagem dos alunos e da natureza das ativi- dades envolvendo conceitos e procedimentos pertinentes aos diversos componentes do aprendizado da leitura escrita. 2 A compreensão e a valorização da cultura escrita, a apropriação do sistema de escrita, a oralidade, a leitura e a produção de textos escritos. Dependendo do nível atingido pela classe, por grupos ou duplas de alunos, todo o planejamento poderá ser reorientado, em busca de alternativas de métodos, de materiais didáticos e de reagrupamento de alunos, sempre tendo como meta mais ampla, sua progressiva autonomia em relação aos usos da língua escrita. 2 A criação de um ambiente alfabetizador, ou de um contexto de cultura escrita oferecido pelas formas de organização da sala e de toda a escola, capaz de disponi bilizar aos alunos a familiarização com a escrita e a interação com diferen- tes tipos, gêneros, portadores e suportes, nas mais diver- sas formas de circulação social de textos. A exposição de livros, dicionários, revistas, rótulos, publicidade, notícias do ambiente escolar, periódicos da comunidade ou do municí- pio, cartazes, relatórios, registros de eleições e muitas outras possibilidades permitem a inserção dos alunos em práticas sociais de letramento, ultrapassando formas artificiais de eti- quetagem ou de treinamento da escrita em contextos estrita- mente escolares. 2 O estabelecimento de rotinas diárias e semanais, capazes de oferecer ao professor um princípio organizador de seu traba- lho, desde que atenda a dois critérios essenciais: a variedade e a sistematização. Uma rotina necessita, em primeiro lugar, propiciar diversificação de experiências e ampliação de con- textos de aplicação. Em segundo lugar, precisa oferecer um contexto de previsibilidade de atividades, para que os próprios – 11 – Abordagem histórica da alfabetização alunos se organizem, consolidem aprendizagens e avancem em seus espaços de autonomia. Nesse sentido, pode ser bastante produtiva a previsão diária e semanal de atividades voltadas para os eixos da leitura, da escrita, da oralidade, das atividades lúdicas e especiali zadas, levando em conta o melhor momento de sua inserção (início, meio ou final do turno) e a melhor con- figuração grupal para sua realização (grupos que se familiari- zam com determinados conteúdos, ou grupos que já se encon- tram em patamares mais consolidados de aprendizagem). Essa flexibilidade pode conferir maior potencial à proposição de rotinas, como elementos que ajudam o professor a melhor conhecer seus alunos e a monitorar as modificações necessá- rias para que o planejamento inicial não se desencaminhe das metas mais relevantes inicialmente projetadas. Síntese Considerando que a possibilidade de integração social, hoje, requer do cidadão muito mais do que o mero conhecimento das “primeiras letras”, como está na definição da palavra “alfabetização” no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, procurou-se, neste texto, discutir a evo- lução desse conceito. As dificuldades encontradas tanto pelas crianças em aprender a ler e a escrever quanto pelos professores em lhes ensinar têm sido constatadas ao longo da história. Apesar do lento avanço em direção ao letramento, visando à diminuição de analfabetos e analfabetos funcionais, os dados que temos ainda estão longe de ser satisfatórios para a educação brasileira. Assim, nas breves reflexões esboçadas, observou-se que o fracasso escolar, ou seja, o problema de aprendizagem de instituições que não res- pondem às exigências do sistema educacional decorre de dois princípios: o primeiro refere-se à herança do analfabetismo, que somente a elite teve condições propícias às atividades de ler e escrever; o segundo diz respeito à ampliação do conceito de alfabetização e das expectativas da sociedade em relação a seus resultados. 2 A função social da escrita em uma sociedade letrada Neste capítulo, a ênfase é dada ao conceito de letramento e suas características, bem como ao estudo da função social da escrita em uma sociedade letrada, uma vez que no Brasil, os estu- dos sobre a temática ganharam vigor nos últimos anos. A palavra letramento apresenta flutuação de significado devido à complexidade do conceito que abriga estudos variados. No presente texto, ela é tomada como a competência linguística que os indivíduos precisamdesenvolver para interagir na prática social, ou seja, o domínio da oralidade, leitura e escrita. O letramento permite aos sujeitos adquirirem um novo estado ou condição resultante das mudanças nos aspectos lin- guístico, cognitivo, social e político. Assim, os procedimentos metodológicos utilizados pelo professor devem orientar o apri- moramento linguístico do aluno pelo uso e reflexão da lingua- gem, fazendo com que ao longo da sua vida escolar, ele leia, escreva e fale com eficácia, sabendo assumir a palavra, produzir textos coerentes, adequados às diversas situações sociais e aos assuntos tratados. Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 14 – 2.1 O que é letramento? Segundo Magda Soares (2009, p. 15), letramento é uma palavra recém-chegada ao vocabulário da educação e das ciências linguísticas; é na segunda metade dos anos 80 do século passado que ela surge no discurso dos especialistas dessas áreas. Vale ressaltar que uma das primeiras ocorrências está no livro de Mary Kato, de 1986, intitulado No mundo da escrita, uma perspectiva psicolinguística. No livro, a autora, logo nas primeiras páginas, diz acreditar que a língua falada culta é “consequência do letramento”. Ainda de acordo com Soares (2009, p. 15), letramento trata-se da versão para o português da palavra inglesa literacy. Etimologicamente, a palavra literacy vem do latim littera (letra), com o sufixo –cy, que denota qualidade, condição, estado, fato de ser. Literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever. Nesse conceito, está implí- cita a ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la. Esse é o sentido que tem a palavra letramento, traduzida do inglês lite- racy: letra, do latim littera, e o sufixo –mento, que, no caso, denota o resultado de uma ação (como por exemplo, em ferimento, resultado da ação de ferir). Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escre- ver; é o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita (SOARES, 2009, p. 18). 2.2 Letramento definido em um poema Uma estudante norte-americana, de origem asiática, Kate M. Chong, ao escrever sua história pessoal de letramento, define-o em um poema: O que é Letramento? Letramento não é um gancho em que se pendura cada som enunciado, não é treinamento repetitivo de uma habilidade, nem um martelo – 15 – A função social da escrita em uma sociedade letrada quebrando blocos de gramática. Letramento é diversão é leitura à luz de vela ou lá fora, à luz do sol. São notícias sobre o presidente O tempo, os artistas da TV e mesmo Mônica e Cebolinha nos jornais de domingo. É uma receita de biscoito, uma lista de compras, recados colados na geladeira, um bilhete de amor, telegramas de parabéns e cartas de velhos amigos. É viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama, é rir e chorar com personagens, heróis e grandes amigos... Através da leitura do poema, notamos que letramento é muito mais que o ensino das “primeiras letras”, que é mais que codificar e decodificar. É a inte- ração com diferentes portadores de leitura e de escrita, com diversos gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as variadas funções que estas modalidades desempenham na nossa vida. É buscar notícias e lazer nos jornais, é interagir com a imprensa diária e fazer uso dela, divertir-se com as tiras de quadrinhos, conhecer lugares sem sair da cama onde estamos com o livro nas mãos, como nos mostram os versos. Enfim, letramento é não ficar perdido na sociedade e, ao mesmo tempo, descobrir a si mesmo pela leitura e pela escrita. 2.3 Função social da escrita Vivemos num tipo de sociedade que costuma ser chamada de “gra- focêntrica”, porque, no dia a dia dos cidadãos, a escrita está presente em todos os espaços e a todo o momento, cumprindo diferentes funções. Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 16 – Para Maria da Graça Costa Val (2006, p. 20), fora da escola, esse saber é adquirido, em geral, quando as crianças têm acesso aos diversos suportes de escrita e participam de práticas de leitura e de escrita dos adultos. Esse conhecimento deve ser trabalhado didaticamente em sala de aula, ofere- cendo possibilidades para que os alunos observem e manuseiem muitos tex- tos pertencentes a gêneros diversificados e presentes em diferentes suportes. Simultaneamente, o trabalho deve orientar a exploração desse material, explicitando informações desconhecidas, mas sem deixar de valorizar os conhecimentos prévios das crianças e de favorecer deduções e descobertas. Essas práticas terão repercussão positiva no processo de apropriação do sistema de escrita e, principalmente, na leitura e na produção de textos escritos. 2.4 Condições para o letramento Com base nas concepções teóricas de Magda Soares (2009, p. 58), relacionamos algumas condições para que ocorra o letramento. Uma primeira condição é que haja escolarização real e efetiva da população − só nos demos conta da necessidade de letramento quando o acesso à escolaridade se ampliou e tivemos mais pessoas sabendo ler e escrever, passando a aspirar a um pouco mais do que simplesmente apren- der a ler e a escrever. Uma segunda condição é que haja disponibilidade de material de lei- tura. O que ocorre nos países do Terceiro Mundo é que se alfabetizam crianças e adultos, mas não lhes são dadas as condições para ler e escre- ver: não há material impresso posto à disposição, não há livrarias, o preço dos livros e até dos jornais e revistas é inacessível, há um número muito pequeno de bibliotecas. O professor deve tomar alguns cuidados para envolver o aluno no processo de construção da escrita, tais como: 2 criar um ambiente letrado, em que a leitura e a escrita este- jam presentes, mesmo antes que a criança saiba ler e escre- ver convencionalmente; – 17 – A função social da escrita em uma sociedade letrada 2 considerar o conhecimento prévio das crianças, pois, embora pequenas, elas levam para a escola o conhecimento que advém da vida; 2 participar com as crianças de práticas de letramento, ou seja, ler e escrever com função social; 2 utilizar textos significativos, pois é mais interessante intera- gir com a escrita que possui um sentido, constitui um desa- fio e dá prazer; 2 utilizar textos reais, que circulam na sociedade; 2 utilizar a leitura e a escrita como forma de interação, por exemplo, para informar, convencer, solicitar ou emocionar (SANTOS, 2010). Da teoria para a prática Para trabalhar com o letramento em sala de aula, propomos uma ati- vidade que pode ser desenvolvida para que os alunos sintam sua participa- ção em eventos que pressupõem o letramento (ROJO, 2009, p. 54). Durante todo um dia, anote todos os eventos de letramento de que você participa, isto é, todas as atividades que desempenha que, de alguma maneira, envolvam o uso da escrita na leitura ou na produção de textos. Use, para isso, a tabela seguinte. Evento de letramento Esfera de atividade Finalidade Uso de leitura e/ou escrita 1. Retirar dinheiro no caixa eletrônico Cotidiana Abastecer-me de dinheiro para gastos cotidianos Leitura/escrita 2. 3. Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 18 – Evento de letramento Esfera de atividade Finalidade Uso de leitura e/ou escrita 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. ... Em seguida, escreva um parágrafo com uma reflexão sobre quais são os principais eventos de letramento com os quais você se envolve no dia a dia e com quais finalidades (de trabalho, estudo, tarefas cotidianas, para se informar, no lazer, entre outras). Síntese Nesse texto, ancorado pelas ideias de Magda Soares, Roxane Rojo e Mary Kato, discutiu-se o conceito de letramento e suas principais caracte- rísticas.Trata-se de um processo que tem início quando a criança começa a conviver com as diferentes manifestações da escrita na sociedade (pla- cas, rótulos, embalagens comerciais, etc.) e se prolonga por toda a vida, com a crescente possibilidade de participação nas práticas sociais que envolvem a língua escrita, como a leitura e redação de contratos, de livros científicos, de obras literárias. Estima-se que a palavra letramento surgiu pela primeira vez em 1986, na obra No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, de Mary Kato, e decorre da versão para o português da palavra da língua inglesa literacy. 3 Alfabetização e letramento: embates e interfaces O termo letramento foi criado quando se passou a perceber que nas sociedades contemporâneas é insuficiente o mero apren- dizado das “primeiras letras” e que se integrar socialmente, hoje, envolve também “saber utilizar a língua escrita nas situações em que esta é necessária, lendo e produzindo textos” (COSTA VAL, 2006, p. 19). Essa palavra surgiu para designar essa nova dimen- são da entrada no mundo da escrita. Por isso, tem-se afirmado, segundo Costa Val (2006, p. 19), que alfabetização e letramento são processos diferentes, cada um com suas especificidades, mas complementares, inseparáveis e ambos indispensáveis. Essa questão será vista neste capítulo, salientando o desafio, que hoje se coloca para os professores, de conciliar esses dois processos, de modo a assegurar aos alunos a apropriação do sistema alfabético/ortográfico e a plena condição de uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita. Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 20 – 3.1 Diferenças É importante a compreensão de que os dois processos – alfabetização e letramento – são complementares e não alternativos. Nas palavras de Costa Val (2006, p. 19), não se trata de escolher entre alfabetizar ou letrar, trata-se de alfabetizar letrando. Quando a ação pedagógica se orienta para o letramento não deve se deixar de lado ou abandonar o trabalho especí- fico com o sistema de escrita. Do mesmo modo, não se deve pensar nos dois processos como sequenciais, como se o letramento fosse uma pre- paração para a alfabetização ou como se a alfabetização fosse condição indispensável para o letramento. Magda Soares (2009, p. 31) define os termos alfabetizar, alfabetiza- ção e letramento de modo a contribuir com nossas considerações: 2 Alfabetizar é ensinar a ler e a escrever; é tornar o indivíduo capaz de ler e escrever. 2 Alfabetização é a ação de alfabetizar. 2 Letramento é o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais. Isso posto, entende-se que a ação pedagógica mais eficiente é aquela que procura contemplar, de maneira articulada e simultânea, os dois pro- cessos. Ou seja, a aprendizagem torna-se significativa quando o aluno pode relacionar o conhecimento às suas práticas cotidianas. Essa questão é possível a partir do momento em que a vivência do educando – seu conhecimento prévio de mundo – é resgatado em sala de aula para servir como subsídio no processo de análise, fazendo parte dos temas de estudo. Dessa maneira, é oferecida ao aluno a oportunidade real de falar, ouvir, ler e escrever, identificando em sala de aula o que acontece fora dela. Outra questão importante para se compreender diz respeito ao fato de que um indivíduo que não sabe ler e escrever, isto é, analfabeto, pode ser letrado. Ou seja, de acordo com Magda Soares (2009, p. 24), um indivíduo pode ser analfabeto, mas viver em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, caso se interesse em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, por exemplo, se recebe cartas que outros leem para ele, – 21 – Alfabetização e letramento: embates e interfaces se dita cartas para que um alfabetizado as escreva, como observamos no filme Central do Brasil, de Waltter Salles. Nesse filme, a personagem Dora (Fernanda Montenegro) é escriba e escreve cartas para pessoas analfabe- tas, porém com graus de letramento, já que os indivíduos usam a profissão de Dora para se envolver na prática da escrita, mesmo que indiretamente. Dica de filme Assista ao filme Central do Brasil que retrata a questão do analfabetismo de maneira peculiar. Dora (personagem de Fernanda Montenegro) vive a história de uma professora primária que escreve cartas para analfa- betos (escriba), chegando a praticar pequenos golpes. Envolve-se com o garoto Josué e, desta forma, também acaba crescendo como figura humana ao interagir com as vidas de outras pessoas. Os eventos de letramento ocorrem em diversos espaços sociais que se realizam práti- cas letradas e demandam qualquer nível de familiaridade com a escrita. Assim, o filme não tem a função de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita, mas a partir da prática exercida por Dora não se perde o sentido, o entendimento do letramento por meio das noções de sujeito alfabetizado ou não alfabetizado, tidas como parâmetros nas práticas escolares e sociais que usam a escrita em contextos específicos, para objetivos específicos, mas nos faz pensar sobre o que é leitura e o papel da escola na formação do leitor, modos significados e sentidos de aprender a ler. CENTRAL do Brasil. Direção Walter Salles. Videofilmes. 1998. 1h 52 min. Drama. 3.2 Decodificação e compreensão Roxane Rojo, na sua obra Letramentos Múltiplos, escola e inclusão social, faz um apanhado sobre as características que envolvem o ato de ler na alfabetização, a decodificação do texto – portal importante para o acesso à leitura, mas insuficiente nas capacidades envolvidas no ato de ler, de compreender (ROJO, 2009, p. 79): Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 22 – São capacidades de decodificação: 2 compreender diferenças entre escrita e outras formas gráficas (outros sistemas de representação); 2 dominar as convenções gráficas; 2 conhecer o alfabeto; 2 compreender a natureza alfabética do nosso sistema de escrita; 2 dominar as relações entre grafemas e fonemas; 2 saber decodificar palavras e textos escritos; 2 saber ler reconhecendo globalmente as palavras; 2 ampliar a sacada do olhar para porções maiores de texto, além de meras palavras, desenvolvendo assim fluência e rapidez de leitura. São capacidades de compreensão: 2 ativação de conhecimentos de mundo – previamente à leitura ou durante o ato de ler, o leitor está colocando constantemente em relação seu conhecimento amplo de mundo com aquele exi- gido e utilizado pelo autor do texto; 2 antecipação ou predição de conteúdos ou de propriedades dos textos – o leitor não aborda o texto como uma folha em branco. A partir da situação de leitura, de suas finalidades, da esfera de comunicação, etc., o leitor levanta hipóteses tanto sobre o conteúdo como sobre a forma do texto ou do trecho seguinte de texto que estará lendo; 2 checagem de hipóteses – ao longo da leitura, o leitor irá conferir constantemente suas hipóteses, confirmando-as ou refutando-as e, consequentemente, buscando novas hipóteses mais adequadas; 2 localização e/ou retomada (cópia de informações) – em certas práticas de leitura, o leitor está constantemente buscando e loca- lizando informações relevantes para armazená-las; 2 comparação de informações – ao longo da leitura, o lei- tor está constantemente comparando informações de várias – 23 – Alfabetização e letramento: embates e interfaces ordens, advindas do texto, de outros textos, de seu conheci- mento de mundo, de maneira a construir os sentidos do texto que está lendo; 2 generalização – conclusões gerais sobre fato, fenômeno, situa- ção-problema, etc., após análise de informações pertinentes; 2 produção de inferências locais – no caso de uma lacuna de compreensão, provocada, por exemplo, por um vocábulo ou uma estrutura desconhecida, exerceremos inferências, isto é,atribuimos, pelo contexto imediato do texto e pelo significado anteriormente construído, um significado para esse termo, até então desconhecido. 2 produção de inferências globais – nem tudo está dito ou pos to no texto. Ele tem seus implícitos ou pressupostos que também têm de ser compreendidos numa leitura efetiva. Para fazê-lo, o leitor lança mão, ao mesmo tempo, de certas pistas que o autor deixa no texto, do conjunto da significação já construída e de seus conhecimentos de mundo, inclusive lógicos. Da teoria para a prática Uma sugestão de trabalho que envolve a alfabetização e letramento, simultaneamente, é a atividade intitulada caixinha de histórias, na qual a criança utiliza-se de imagens e da palavra impressa para construir ou reconstruir os sentidos de textos que ouve ou produz. Caixinha de histórias Material: gravuras, revistas, caixa de camisa ou sapato, etc. Modo de fazer: escolher gravuras e palavras de alguma revista; colar em fichas feita de cartolina; encapar a caixa e colocar as fichas dentro. Sugestão para utilização: fazer com as crianças um texto coletivo utilizando as figuras e as palavras da seguinte forma: um aluno retira sem olhar, uma gravura e uma palavra da caixa e forma uma frase combinando- -as; o próximo faz o mesmo e continua a história começada. Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 24 – Este material contribui para: a) o emprego associativo da linguagem verbal (palavra) e não ver- bal (gravura); b) o trabalho de produção de textos; c) a organização de sequência lógica entre as ações de uma narrativa; d) a criatividade na combinação das palavras das imagens e na construção do texto; e) favorecer o letramento. Síntese Nesse texto, procuramos abordar as interfaces e embates dos proces- sos de alfabetização e letramento. Salientou-se que são processos diferen- tes, cada um com suas especificidades, mas complementares, inseparáveis e ambos indispensáveis. Outro ponto foi entender que o processo de letramento pode preceder à alfabetização. Os alunos, muito antes de adquirirem a habilidade para ler e escrever convencionalmente, já são capazes de produzir linguagem escrita e atribuir sentido aos textos ouvidos. Ou seja, podem ditar informa- ções para uma pessoa alfabetizada fazer o papel de escriba. Por fim, foram mostradas as diferenças entre decodificação e compre- ensão, a partir das ideias de Roxane Rojo. 4 Alfabetização e letramento na sala de aula Nesse capítulo, a reflexão sobre como integrar alfabetização e letramento em sala de aula está organizada em torno de três componentes de aprendizagem que julgamos necessários: produ- ção escrita, produção oral, trabalho com a leitura. De acordo com Costa Val (2006, p. 20), ter clareza quanto à diversidade de usos e funções da escrita e às incontáveis pos- sibilidades que ela abre é importante tanto do ponto de vista conceitual e procedimental, para que o aluno seja capaz de fazer escolhas adequadas ao participar das práticas sociais de leitura/ escrita, quanto do ponto de vista comportamental, porque o inte- resse e a própria disposição positiva para o aprendizado tendem a se acentuar com a compreensão da utilidade e relevância daquilo que se aprende. Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 26 – 4.1 Produção escrita Na produção escrita, o aluno deve se cercar de complexos e diversos procedimentos, pois essa é uma tarefa para a qual se supõe que o autor assuma diferentes papéis (o de quem planeja, o de quem lê para revisar e o de quem corrige propriamente). Assim, devemos considerar as funções e o funcionamento da escrita, bem como as condições nas quais é produzida: o aluno deve ter o que dizer, para quem e para que, de modo a poder definir como dizer (GERALDI, 1991, p. 100). As propostas de escrita devem deixar clara, principalmente ao inter- locutor, a finalidade do texto e suas características de gênero, a fim de facilitar a organização do aluno no momento do planejamento de escrita e de sua realização propriamente dita, além de tornar essa atividade signifi- cativa. Com essas condições postas, o aluno terá o momento para planejar, escrever, revisar e reescrever seus textos. Vale ressaltar que é de grande importância que o professor e/ou colegas façam intervenções na produção, questionando, sugerindo formas mais adequadas para contemplar aquilo que o autor pretendia dizer. Durante a atividade de revisão, os alunos e o professor devem debruçar-se sobre o texto buscando melhorá-lo. Para tanto, deverão aprender a detectar os pontos nos quais o que está dito não é o que se pretendia, isto é, identificar os problemas e aplicar os conhecimentos sobre a língua para resolvê-los, acrescentando, retirando, deslocando ou substituindo porções do texto, com o objetivo de torná-lo coerente para o leitor. Além disso, precisam verificar se os elementos linguísticos empre- gados estão organizados de acordo com o gênero discursivo pretendido: coerência, recursos coesivos, pontuação, concordância, regência, paragra- fação, emprego das maiúsculas, vocabulário adequado. Outro ponto importante é a revisão de texto, que exige que os pro- fessores selecionem em quais aspectos pretendem que os alunos se con- centrem em cada produção, pois não é possível tratar de todos ao mesmo tempo. E, principalmente, devem dar maior importância aos acertos do aluno em detrimento dos erros, e não o contrário. – 27 – Alfabetização e letramento na sala de aula Dessa forma, observa-se que na interação com os variados textos, pela ação do professor e pela atividade de ler e escrever, o aluno vai se apropriar das especificidades que caracterizam a modalidade escrita da linguagem. 4.2 A produção oral As práticas de produção oral devem contemplar o aprimoramento da competência linguística, considerando que a conversação acontece na relação entre falantes e suas intenções em uma situação específica de comunicação. Deve-se mostrar, em relação à coerência dos discursos orais, que é um processo que ocorre na orientação temporal e, por isso, apresenta algumas diferenças funcionais, físicas e situacionais com relação à escrita, por ter interpretação mútua dos interlocutores, permitindo ao mesmo tempo a homogeneidade textual e heterogeneidade discursiva. Percebe-se, portanto, que a língua oral é estruturada e apresenta carac- terísticas próprias: 2 na oralidade existem repetições, hesitações, correção imediata, entre outros recursos para organizar o texto; 2 o discurso oral é resultado da cooperação entre os interlocutores; 2 a fala sofrerá variação não só em decorrência do gênero discur- sivo, mas também em função da situação em que ela acontece; 2 a produção oral ocorre com a presença dos interlocutores que contam com um tempo muito pequeno para organizar perfei- tamente as suas ideias e selecionar a estrutura de seus textos (CHANOSKI-GUSSO; FINAU, 2002, p. 11). Desse modo, as práticas de oralidade devem oportunizar aos alunos diferentes situações de escuta e de fala, de modo a exercitar as regras instituídas para as situações interativas face a face: saber ouvir, respeitar o posicionamento do outro, mostrar polidez, saber analisar e interferir, selecionar informações para registrar, etc. Na sequência, o aluno perce- berá que há uma diversidade nas produções orais, decorrente da situação em que o discurso se realiza, até mesmo para a adequação do volume e velocidade da voz, postura, expressão facial, gestos, entre outros. Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 28 – Enfim, as propostas de produção oral devem ampliar a competência do aluno em situações formais e também em situações informais, uma vez que sua produção deverá variar de acordo com o propósito a que se destina – informar, divertir, persuadir, etc. com o interlocutor e a situação. 4.3 Trabalho com a leitura De acordo com Chanoski-Gusso e Finau (2002, p. 10), o ensino de língua, para poder dar resposta à sua tarefa de desenvolvernos alunos a competência de compreender e produzir textos em diversas situações de interação, ou seja, permitir-lhes a inserção no mundo letrado, deve, neces- sariamente, oferecer incentivos e meios para que os aprendizes leiam. A leitura da literatura de ficção e não ficção, de revistas e jornais, enfim, dos diferentes textos que circulam na sociedade é um modo de a escola cumprir seu papel de favorecer condições para que os alunos, gra- dativamente, aumentem seus saberes e, em consequência, desenvolvam o raciocínio, o senso crítico, a compreensão do real, a curiosidade intelec- tual – essenciais para a construção de uma sociedade mais politizada. Nesse contexto, segundo Ezequiel Theodoro da Silva (2005, p. 22), o trabalho do professor merece maior destaque, porque, sem um professor que, além de se posicionar como um leitor assíduo, crítico e competente, entenda realmente a complexidade do ato de ler, as demais condições para a produção da leitura perderão em validade, potência e efeito. O profes- sor é o intelectual que delimita todos os quadrantes do terreno da leitura escolar. Sem a sua presença atuante, sem o seu trabalho competente, o terreno dificilmente chegará a produzir o benefício que a sociedade espera e deseja, ou seja, leitura e leitores assíduos e maduros. Da teoria para a prática Como sugestão de trabalho, propomos o jogo de caça-palavras com revistas ou jornais. Neste jogo, há a possibilidade de o professor traba- lhar a alfabetização e o letramento de maneira simultânea e, principal- mente, lúdica. – 29 – Alfabetização e letramento na sala de aula Jogo de caça-palavras com revistas ou jornais Objetivo: levar a criança a desenvolver as habilidades na classifi- cação de palavras, bem como promover situações de contato com a escrita, favorecendo o letramento escolar. Procedimento a) Cada aluno escolhe um trecho de leitura de uma revista. b) A cada rodada é escolhido um tipo de classe de palavras para se encontrarem: substantivo, verbo e adjetivo. c) Cada criança irá procurar no trecho selecionado o tipo de pala- vra que escolheu e marcará com lápis de cor todas as palavras que encontrar. d) No final, cada um lerá em voz alta, e será o vencedor quem con- seguir o maior número de palavras. Este tipo de jogo aumenta o vocabulário da criança, levando-a a entrar em contato com vários tipos de palavras que às vezes ainda não conhece. Síntese Abordou-se, nesse texto, a reflexão acerca dos três componentes de aprendizagem, os quais necessitam de uma atenção especial em sala de aula: produção escrita, produção oral, trabalho com a leitura. Na produção escrita, constatou-se que os alunos devem receber orientações linguísticas adequadas no espaço da sala de aula, com con- dições pedagógicas favoráveis, a fim de desenvolverem sua competência como autores. Na produção oral, o objetivo é o de aprimorar o discurso oral do aluno, tornando-o capaz de verificar a coerência de sua posição, pois, além de compreender o discurso do outro, terá que rever a sua prática com a possibilidade de divulgar socialmente suas ideias. No trabalho com a leitura, observou-se que a prática da leitura dos mais diferentes textos que circulam em nossa sociedade é condição impres- Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 30 – cindível para que o aluno se constitua em leitor crítico, isto é, sujeito de que diante do texto, faça constatações, desvele o sentido primeiro do texto, coteje, reagindo, questionando, e aja sobre o conhecimento obtido. 5 Métodos de alfabetização: alternativas A escolha e a elaboração dos métodos de alfabetização têm como objetivo precípuo permitir e facilitar a aprendizagem da leitura e da escrita. Como encontramos uma grande variedade de métodos de ensino, julgamos necessário refletir acerca dos aspectos teóricos nos quais eles se baseiam, englobando as van- tagens e desvantagens. Eles podem ser diferenciados em três grandes grupos: os métodos sintéticos, os métodos analíticos e os métodos analítico-sintéticos. Os métodos sintéticos se caracterizam por iniciarem a apren- dizagem de leitura partindo das unidades mínimas da língua: as letras, os sons, as sílabas. São classificados em: alfabético, foné- tico e silábico. Os métodos analíticos se caracterizam por iniciarem o pro- cesso de alfabetização partindo de unidades significativas da lín- gua, ou seja, de palavras, frases, parágrafos ou textos. São classifi- cados em: método das palavras, da frase, do parágrafo e do conto. Os métodos analítico-sintéticos ou mistos combinam as duas formas anteriores. Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 32 – 5.1 Métodos sintéticos a) Método alfabético: o ensino da leitura se inicia pelo nome das letras que compõem o alfabeto. Depois de decorado o alfabeto de forma direta, inversa e salteada, o aluno faz todas as combinações possíveis entre as vogais e as consoantes. Primeiro, as combinações são entre duas letras; quando dominadas passa-se a combinar três, quatro, cinco letras. Só então se trabalham as sílabas que formarão as palavras para se chegar às frases, aos parágrafos e aos textos. Devido à sua ineficácia, o método alfabético foi abandonado gradativamente e caiu em desuso. Uma crítica atribuída a este método, segundo Morais (2006, p. 54), é que a constante repeti- ção de letras e de sílabas sem sentido se revelava em uma tarefa totalmente desmotivadora para a criança. b) Método fonético: parte do princípio de que a palavra se forma pronunciando rapidamente os sons das letras e não o seu nome. A primeira etapa a ser ensinada à criança que começa o processo de alfabetização é o som e a forma gráfica das letras. Inicia-se pelas vogais e, logo depois, combinam-se as vogais entre si for- mando sílabas. Após esta etapa de aprendizagem, introduzem- -se as consoantes combinadas às vogais já aprendidas. Assim se formam as palavras e depois as frases. De acordo com vários autores, a principal vantagem deste tipo de método é que, ao se usar o som das letras e não o seu nome para identificar as palavras, desenvolve-se a capacidade de pro- nunciar qualquer palavra visualizada. As desvantagens desse método se referem às dificuldades de se emitirem os sons das consoantes isoladamente do som das vogais e à falta de interesse do aluno, principalmente no iní- cio da alfabetização, quando é obrigado a memorizar sons sem significado, numa atividade meramente mecânica, na qual não existe preocupação com o desenvolvimento de compreensão. Segundo Morais (2006, p. 55), para se superar essas dificuldades, foram introduzidas figuras de animais ou de pessoas associadas aos – 33 – Métodos de alfabetização: alternativas sons a serem ensinados. O objetivo das figuras é relacionar os sons a serem aprendidos com determinadas situações, o que facilita a memo- rização e a evocação dos sons e das respectivas formas gráficas. c) Método silábico: as unidades-chave empregadas para se ensinar a ler são as sílabas, para depois serem combinadas em palavras e frases. Vale mencionar que este método surgiu para tentar supe- rar os obstáculos apontados no método fonético, principalmente aqueles relacionados às dificuldades de se pronunciar com exati- dão os sons das consoantes, isolados dos sons das vogais. As críticas a esse método dizem respeito à falta de interesse da criança no início da alfabetização devido à necessidade de serem memorizadas sílabas sem sentido e, como consequência, o desenvolvimento de uma leitura mecânica que não leva à com- preensão do que é lido. Saiba mais O método sintético é o mais antigo, tem mais de 2 mil anos; progredia lentamente. Em geral, o aprendiz demorava quatro anos para começar a ler um texto completo. Só após esse período, ele iniciava a aprendiza- gem da escrita (BARBOSA, 1991, p. 47). 5.2 Métodos analíticos a) Método da palavra: a aprendizagem da leitura se inicia pelas palavras. Esse procedimento se baseia na tese de que cada pala- vra temuma forma característica mediante a qual pode ser recor- dada. As palavras são apresentadas visualmente às crianças e estas as repetem em voz alta até que consigam identificá-las rapidamente. À medida que as palavras vão sendo aprendidas, são utilizadas na construção de frases. As críticas a este método consistem nas dificuldades que a maio- ria das crianças encontra para identificar as palavras, o que atrasa o processo de aprender a ler. Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 34 – b) Método da frase: esse método utiliza a frase como ponto de partida para a aprendizagem da leitura. As frases que surgem na classe são escritas no quadro e repetidas pelos alunos. À medida que as frases vão sendo aprendidas, o aluno vai fazendo compa- rações para perceber as diferenças entre elas, sempre baseado no todo (visão globalizante). As críticas feitas a esse método são as mesmas mencionadas para o método da palavra. c) Método do parágrafo: o ensino da leitura é iniciado com uma discussão acerca de algo interessante para a classe. Essa discussão vai sendo aprofundada e enriquecida à medida que os alunos colocam seus pontos de vista e formulam questões. Após a discussão, o professor escreve uma das observações no quadro e a lê. Os alunos também a leem e identificam grupos de pala- vras, dentro do parágrafo, e de palavras, dentro de cada grupo. Através de exercícios, novas palavras vão sendo aprendidas e, mais tarde, pode-se concentrar o estudo nas unidades que cons- tituem as palavras. A crítica a esse método está baseada na relação à grande ênfase na compreensão do que se lê, em detrimento do reconhecimento imediato das palavras. d) Método do conto: os exercícios para se ensinar a ler partem do conjunto de parágrafos, ou seja, do conto. Esse método parte do princípio de que o conto desperta mais interesse à criança, pois os acontecimentos relatados apresentam-se numa sequência lógica: princípio, meio e fim. Além de se desenvolver a compre- ensão acerca do material que é lido, os alunos podem prever e estabelecer relações entre os acontecimentos relatados. A aprendizagem inicia-se com o relato de uma história feito pelo professor. O relato é escrito no quadro e, como os alunos já conhecem a sucessão dos fatos, conseguem identificar os parágrafos dentro da história escrita. Após essa etapa, os alunos podem ser levados a identificar palavras dentro das frases ou os elementos que constituem as palavras. – 35 – Métodos de alfabetização: alternativas As críticas a esse método são as seguintes: para ler uma história que foi escrita no quadro negro, após ter sido relatada pelo pro- fessor, as crianças devem ter uma excelente memória auditiva para recordar a sequência dos fatos. Caso contrário, os alunos não conseguirão ler nem identificar os parágrafos escritos. 5.3 O método analítico-sintético ou misto Esse método surgiu para responder às críticas feitas aos métodos sintéti- cos e aos métodos analíticos. Segundo Morais (2006, p. 59), o método misto é o mais usado atualmente e podemos encontrá-lo em duas formas: uma que parte de palavras ou frases e o professor dirige a análise para os elementos que compõem essas estruturas linguísticas complexas (método analítico-sintético de orientação global) e a outra que parte das vogais, as quais são associadas rapidamente às consoantes formando sílabas, as quais combinadas uma às outras originam as palavras (método analítico-sintético de orientação sintética). Independentemente da forma que é encontrado, o processo psicoló- gico no método misto é sempre o mesmo: ao se deparar com palavras, o aluno deverá dividi-las em sílabas (análise), o que permite a decodificação dos símbolos impressos e, para pronunciá-las e compreen dê-las, deverá realizar a síntese, ou seja, a recombinação das sílabas em palavras. A principal vantagem do método analítico-sintético é de permitir que o aluno reconheça rapidamente as palavras visualizadas e que compreenda os símbolos gráficos que está decodificando. Mais recentemente surgiu uma nova tendência dentro do método misto, a de associar os sons e as letras a determinadas formais gestuais. Geralmente os gestos são abandonados à medida que deixam de ser necessários. Da teoria para a prática A questão dos métodos e sua combinação simultânea em função dos diversos momentos do ensino inicial da escrita e da leitura é, atualmente, uma tendência internacional. Um bom ponto de partida consiste, portanto, em reconhecer as deficiências de cada proposta e identificar os princípios Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 36 – permanentes que devem ser preservados e articulados simultaneamente. Contudo, a escolha do “melhor” método não poderá ser parcial e exclusiva, devendo se regular por vários critérios, de acordo Bregunci (2006, p. 31): a) a integração de princípios teóricos e metodológicos sugeridos pela produção teórica e pelas pesquisas já existentes nessa área; b) o apoio em livros e materiais didáticos que ajudem a sistemati- zar, de forma coerente e consistente, o trabalho pedagógico em torno da alfabetização; c) a socialização de experiências ou práticas de sucesso de alfabetizadores; d) o diagnóstico dos processos vivenciados pelos alunos, visando à escolha adequada das intervenções necessárias às suas progressões. Síntese Várias pesquisas têm sido realizadas para determinar qual o método mais eficaz para o ensino da leitura e da escrita. Os resultados não nos permitem chegar à conclusão de qual é o melhor método de ensino empre- gado atualmente, mas mostraram que cada método desenvolve no aluno determinadas capacidades. As crianças que são alfabetizadas pelo método fonético têm apresen- tado mais facilidade para identificar palavras do que as crianças que são ensinadas por um método do tipo global. Em contrapartida, as primeiras apresentam uma leitura lenta e bastante silabada e pouco se preocupam em compreender o que estão decodificando. As crianças alfabetizadas por um método global parecem ter mais facili- dade para compreender o significado das palavras ou mesmo dos textos, mas têm dificuldades em identificar palavras, especialmente as desconhecidas. Os melhores resultados obtidos nas pesquisas realizadas têm favore- cido os métodos analítico-sintéticos, que desenvolvem ao mesmo tempo a identificação das palavras e a compreensão. 6 A psicogênese da língua escrita É importante lembrar, aqui, a discussão sobre a psicogênese da aquisição da escrita, uma abordagem de grande contribuição conceitual no campo da alfabetização, sistematizada por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1999), que passou a ocupar lugar cen- tral nos estudos. A pesquisa está descrita em Psicogênese da língua escrita e é de grande importância que o professor, principalmente das séries iniciais, tenha maior conhecimento desse trabalho. Segundo Bregunci (2006, p. 31), tais mudanças conceituais traduzidas no ideário “construtivista” − entendido como um sis- tema de representação − reverteram a ênfase anterior no método de ensino para o processo de aprendizagem da criança que se alfabe- tiza e para suas concepções progressivas sobre a escrita. Passou-se a valorizar o diagnóstico dos conhecimentos prévios dos alunos e a análise de seus erros, como indicadores construtivos de seus processos cognitivos e suas hipóteses de aprendizagem. Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 38 – Outro ponto a ser considerado, ainda de acordo com Bregunci (2006, p. 31), é o deslocamento da ênfase anterior na alfabetização, para uma valorização do ambiente alfabetizador e do conceito mais amplo de letra- mento, como a progressiva inserção da criança em práticas sociais e mate- riais reais que envolvem a escrita e a leitura. 6.1 Classificação e características Quando falamos em Emilia Ferreiro, não falamos de nenhuma metodo- logia específica. As ponderações dessa autora têm fundamentos científicos e, em termos pedagógicos,cabe aos professores buscar a melhor maneira de ajudar os alunos a construir sua aprendizagem e adaptar a prática metodo- lógica à teoria comprovada pela pesquisadora, criando situações nas quais a criança possa questionar suas hipóteses e progredir na escrita. Emilia Ferreiro não propõe práticas pedagógicas nem técnicas meto- dológicas, mas sim uma maneira diferente de ver a criança e entender seus erros – anteriormente considerados absurdos – como uma demonstração do seu grau de conhecimento e como um pré-requisito para chegar ao acerto. A criança busca a aprendizagem na medida em que constrói o racio- cínio lógico. O processo evolutivo de aprender a ler e escrever passa por níveis de conceituação que revelam as hipóteses a que chegou a criança, definidas por Emília Ferreiro e Ana Teberosky em cinco níveis: Nível 1 − hipótese pré-silábica Nível 2 − intermediário I Nível 3 − hipótese silábica Nível 4 − hipótese silábico-alfabética ou intermediário II Nível 5 − hipótese alfabética De acordo com Russo e Vian (2001, p. 29), em cada nível, a criança elabora suposições a respeito dos processos de construção de leitura e escrita, baseando-se na compreensão que possui desses processos. Assim, a mudança de um nível para outro só irá ocorrer quando ela se deparar com questões que o nível em que ela se encontra não puder explicar: ela irá elaborar novas suposições e novas questões e assim por diante. – 39 – A psicogênese da língua escrita Nível 1: hipótese pré-silábica De acordo com a síntese de Russo e Vian (2001, p. 30), essa hipótese tem como características as que se seguem: 2 a criança não estabelece vínculo entre a fala e a escrita; 2 supõe que a escrita é outra forma de desenhar ou de representar coisas e usa desenhos, garatujas e rabiscos para escrever; 2 demonstra intenção de escrever através de traçado linear com formas diferentes; 2 supõe que a escrita representa os objetos e não seus nomes: coi- sas grandes devem ter nomes grandes, coisas pequenas devem ter nomes pequenos; 2 usa letras do próprio nome ou letras e números na mesma palavra; 2 pode conhecer ou não os sons de algumas letras ou de todas elas; 2 faz registros diferentes entre palavras modificando a quantidade e a posição e fazendo variações nos caracteres; 2 caracteriza uma palavra com uma letra inicial; 2 tem leitura global, individual e ins- tável do que escreve: só ela sabe o que quis escrever; 2 supõe que para algo poder ser lido precisa ter no mínimo duas a quatro grafias, geralmente três (hipótese da quantidade mínima de caracteres); 2 supõe que para algo poder ser lido precisa ter grafias variadas (hipó- tese da variedade de caracteres). Nível 2: intermediário I De acordo com as colocações de Russo e Vian (2001, p. 30), essa hipótese tem como características: Fonte: adaptado de De Leste 3 (2010). Exemplo: Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 40 – 2 a criança começa a ter consciência de que existe alguma rela- ção entre a pronúncia e a escrita; 2 começa a desvincular a escrita das imagens e os números das letras; 2 só demonstra estabili- dade ao escrever seu nome ou palavras que teve oportunidade e interesse de gravar. Essa estabilidade inde- pende da estruturação do sistema de escrita; 2 conserva as hipóteses da quantidade mínima e da variedade de caracteres. Nível 3: hipótese silábica Para Russo e Vian (2001, p. 30), essa hipótese tem como características: 2 a criança já supõe que a escrita representa a fala; 2 tenta fonetizar a escrita e dar valor sonoro às letras; 2 pode ter adquirido, ou não, a compreensão do valor sonoro convencional das letras; 2 já supõe que deve escrever tantos sinais quantas forem as vezes que mexe a boca, ou seja, para cada sílaba oral corresponde uma letra ou um sinal; 2 em frases, pode escrever uma letra para cada palavra. Exemplo: Fonte: adaptado de De Leste 3 (2010). Exemplo: Fonte: adaptado de De Leste 3 (2010). – 41 – A psicogênese da língua escrita Nível 4: hipótese silábico-alfabética Russo e Vian (2001, p. 30) observam que essa hipótese tem como características: 2 a criança inicia a superação da hipótese silábica; 2 compreende que a escrita representa o som da fala; 2 combina só vogais ou só conso- antes, fazendo grafias equivalen- tes para palavras diferentes. Por exemplo, ao para gato e sapo ou ml para mola e mula; 2 pode combinar vogais e consoan- tes em uma mesma palavra, em uma tentativa de combinar sons, sem tornar, ainda, sua escrita socializável. Por exemplo, cal para cavalo; 2 passa a fazer uma leitura termo a termo (não global). Nível 5: hipótese alfabética As características dessa hipótese, segundo Russo e Vian (2001, p. 30), são: 2 a criança compreende que a escrita tem uma função social: a comunicação; 2 compreende o modo de construção do código da escrita; 2 compreende que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores menores que a sílaba; 2 conhece o valor sonoro de todas as letras ou de quase todas; 2 pode ainda não separar todas as palavras nas frases; 2 omite letras quando mistura as hipóteses alfabética e silábica; 2 não tem problemas de escrita no que se refere a conceito; Fonte: adaptado de De Leste 3 (2010). Exemplo: Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 42 – 2 não é ortográfica nem léxica. Exemplo: Fonte: adaptado de De Leste 3 (2010). Biografia Emilia Ferreiro nasceu na Argentina, em 1936. Doutorou-se na Univer- sidade de Genebra, sob orientação do biólogo Jean Piaget, cujo traba- lho de epistemologia genética (uma teoria do conhecimento centrada no desenvolvimento natural da criança) ela continuou, estudando um campo que o mestre não havia explorado: a escrita. A partir de 1974, Emilia desenvolveu na Universidade de Buenos Aires uma série de experimentos com crianças, que deu origem às conclusões apresenta- das em Psicogênese da Língua Escrita, assinado em parceria com a peda- goga espanhola Ana Teberosky e publicado em 1979. Emilia é hoje professora titular do Centro de Investigação e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional, da Cidade do México, onde mora. Além da atividade de professora – que exerce também viajando pelo mundo, incluindo frequentes visitas ao Brasil –, a psicolinguista está à frente do site <http://www.chicosyescritores.org>, em que estudantes escrevem em parceria com autores consagrados e publicam os próprios textos. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/lingua-por- tuguesa/alfabetizacao-inicial/estudiosa-revolucionou-alfabetiza- cao-423543.shtml>. Acesso em: 12 fev. 2010. – 43 – A psicogênese da língua escrita Da teoria para a prática Segundo as teorias de Emília Ferreiro abordadas neste capítulo, exis- tem muitas maneiras de fazer a correção sem bloquear ou retardar um processo de aprendizagem. Exemplos: 2 Correção em grupo, na qual cada aluno escreve uma resposta na lousa, enquanto os outros corrigem seu próprio trabalho. 2 Os alunos trocam seus trabalhos com colegas da fileira ao lado, e estes fazem uma correção a lápis. Em seguida, o dono do tra- balho faz sua própria correção. 2 Um aluno é escolhido para ser o professor na hora da correção. 2 O professor pode começar a aula lembrando as correções mais comuns das atividades do dia anterior, a fim de avaliar se os erros foram corrigidos e compreendidos. Agora analise o texto contido no site a seguir e liste ações/atividades pedagógicas para solucionar os problemas evidenciados na redação: Fonte: De Leste 3 (2010). Síntese Neste capítulo, discutiu-se sobre o estudo da forma pela qual a criança aprende, ou seja, como se dá a construção do conhecimento, especifica- Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 44 – mente, o estudo dos processos de desenvolvimento, aquisição e utilização da linguagem oral e escrita na criança. A tendência construtivista vem ao encontro da solução para os desafiosresistentes no ensino tradicional – que desconsidera o desenvolvimento da criança, os ritmos diferenciados dos indivíduos e reduz a alfabetização à mera decodificação dos sons falados –, correspondendo ao enfoque da escrita como sistema específico e de sua aquisição como processo de desenvolvimento da prática de ler e escrever. Essa tendência se pauta em um desenvolvimento da criança em eta- pas, e a construção do sistema de escrita corresponde a níveis progressivos de conceituação, cuja sequência obedece a regras determinadas interna- mente. São os níveis: hipótese pré-silábica, intermediário I, hipótese silá- bica, hipótese silábico-alfabética ou intermediário II e hipótese alfabética. 7 Contextualização Histórica das Literaturas Infantil e Juvenil O presente capítulo procura traçar um breve panorama acerca da literatura infantojuvenil brasileira. Hoje em dia, livros escritos e publicados especialmente para crianças e jovens, com qualidade literária, não são novidade, no entanto, até o século XX, circulavam obras que não possuíam características nem preocupações literárias, produzidas apenas com o objetivo de ensinar, moralizar, educar. Citamos Monteiro Lobato como uma exceção em meio à alienação literária, pois pesquisadores e estudiosos afirmam que a literatura infantojuvenil brasileira começou com o referido autor, em 1921, com a obra A menina do narizinho arrebitado. Ele foi o pioneiro, isto é, o primeiro a escrever, para as crianças brasileiras, histórias que deixavam a visão maniqueísta de lado. Contudo, somente na década de 1970 surgiu uma nova gera- ção de escritores que, aliada a educadores e livreiros, promoveu uma verdadeira revolução cultural no setor. Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 46 – 7.1 Literatura infantojuvenil: considerações históricas Atualmente, a dimensão da literatura infantojuvenil é ampla e impor- tante e proporciona à criança um desenvolvimento emocional, social e cognitivo incontestável. É possível afirmar que, quanto mais cedo tiver contato com a literatura, de forma oral (contação de histórias) ou impressa (livros), maior será a probabilidade de a criança se tornar um adulto leitor e se apoderar dos três itens citados. Quanto ao desenvolvimento emocio- nal, para Abramovich (1993), quando as crianças ouvem histórias, passam a visualizar de forma mais patente os sentimentos que têm em relação ao mundo. As histórias retratam problemas existenciais típicos da infância, como o medo, a curiosidade, a dor, a perda, o carinho, a inveja etc. No desenvolvimento social, observamos que, por meio de histórias, a criança passa a conhecer lugares, outras épocas e, principalmente, outros modos de agir e de pensar e começa a confrontar ideias e pensamentos por intermédio da interação com os textos. Com relação ao desenvolvimento cog- nitivo, a criança, quando lê ou ouve histórias e é capaz de indagar, comentar e refletir sobre elas, adquire uma postura crítico-reflexiva extremamente rele- vante a sua formação cognitiva, pois sabemos que essa competência está intimamente ligada aos processos e produtos da inteligência, incluindo entidades psicológicas do tipo conhecimento, consciên- cia, inteligência, pensamento, imaginação, criatividade, geração de planos e estratégias, raciocínio, as inferências, a solução de proble- mas, a conceitualização, a classificação e a formação de relações, a simbolização e, talvez, a fantasia e os sonhos das crianças. (SILVA, 2008, p. 33) No entanto, a literatura infantojuvenil só atingiu tal projeção há pouco tempo, pois os primeiros livros para crianças, escritos por professores e pedagogos, estavam diretamente relacionados a uma função utilitário-peda- gógica e, por isso, foram sempre considerados uma forma literária menor, uma subliteratura, inferior, simplificada. A rigor, esse equívoco se justifica porque uma coisa é a literatura entendida como “expressão da arte”, con- forme Lourenço Filho (apud SANT’ANNA, 2006, p. 183), e outra coisa é a chamada “literatura didática”. Essa espécie de filantropismo pedagógico tentava induzir e direcionar o pensamento das crianças, sem deixar que pen- – 47 – Contextualização Histórica das Literaturas Infantil e Juvenil sassem por si mesmas. Para Coelho (2000, p. 58), “ao ser ligada, de maneira radical, a problemas sociais, étnicos, econômicos e políticos de tal gravi- dade, a literatura infantil e juvenil perdia suas características de literariedade para ser tratada como simples meio de transmitir valores”. Esse caráter didático da produção para a infância surgiu no fim do século XVII com o intuito de ensinar valores, auxiliar no enfrentamento da realidade social e propiciar a adoção de hábitos. Assim, essa função pedagógica, e não literária, presente nos primeiros livros infantis, impli- cava a ação educativa do livro sobre a criança, dificultando a decisão e a escolha do que e de como ler. Extremamente pragmática, procurava esta- belecer padrões comportamentais exigidos pela sociedade burguesa que se estabelecia. Essa característica didático-pedagógica baseava-se na linha paternalista, moralista e centrada em uma representação de poder. Era, portanto, uma literatura para estimular a obediência, cujas histórias aca- bavam sempre premiando o bom e castigando o que era considerado mau. Essa visão de mundo maniqueísta, ou seja, com a divisão das perso- nagens em boas e más, belas e feias, poderosas e fracas, quase não deixava espaço para dúvidas, diferenças, diversidades e reflexões. De acordo com Castro ([2011?]), essa literatura seguia à risca os preceitos religiosos e considerava a criança um ser a se moldar de acordo com o desejo dos que a educavam, podando aptidões e expectativas. Era nessa linha que Barth (apud SANT’ANNA, 2006, p. 183), há mais de 60 anos, dizia que esta literatura está cheia de disparates e trivialidades. A tendên- cia de fazê-la veículo de formação moral tornou-a, muitas vezes, insossa. Em vez de deixar falar as coisas e os fatos, fala o autor em demasia. Em vez de vida real, aparece, amiúde, a caricatura, em que se exageram os bons e maus caracteres, com tipos extremados, nos dois sentidos – de modo que se recompensa excessivamente o bem e se castiga da mesma forma o mal. Podemos afirmar que as obras voltadas para as crianças raramente tinham o ensejo de tornar a leitura uma fonte de prazer, retratando a aventura pela aventura. Quase não havia histórias que discorres- sem sobre a vida de forma lúdica, ou que fizessem pequenas viagens em torno do cotidiano, ou que tivessem a afirmação da amizade centrada no companheirismo e despertassem emoções e sentimen- tos como forma de lazer e diversão. Assim, a literatura infantil não Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 48 – é uma simples exposição pedagógica; “ela tem que ter uma certa magia, ser instigante, mexer com regiões do inconsciente, agregar alguma perplexidade ao leitor” (SANT’ANNA, 2006, p. 187). Um exemplo dessa polarização entre o bem e o mal se concentrou, durante anos, na personagem da bruxa, que correspondia a um procedi- mento padrão de maldade e nunca mudava suas ações ou reações, sendo sempre má. Fazia parte desse universo, entre outras, a questão do medo: “— Bruxa de verdade não existe! E sua avó nem é tão feia, nem tem cara assim de bruxa. A gente não tem medo dela. Ela às vezes traz você para a escola de carro, e bruxa voa montada em vassoura!!!” (LUFT, 2004, p. 13). A partir dos anos 1970, muitos escritores da literatura infantojuvenil passaram a mostrar a relatividade das coisas e a ambiguidade das pessoas por meio de personagens que não podem ser rotuladas como boas ou más; elas, então, passaram a “estar” boas ou más diante de diferentes situa- ções. Ainda seguindo o exemplo da personagem bruxa, a desconstrução da imagem da maldade tornou-se um elemento bastante representativo para uma observação, inclusive com um trabalho de identificação do leitor; ou seja, atualmenteessa imagem não é tão apavorante e inspiradora de medo, pelo contrário, muitas histórias registram as boas intenções dessas perso- nagens, como Histórias de Bruxa Boa, de Lya Luft, que narra as aventuras da menina Tatinha, que morava no andar de cima de uma casa com o papai e a mamãe e no térreo morava a avó, que, poucos sabiam, era uma bruxa boa chamada Lilibeth. Temos, também, A bruxinha que era boa, de Maria Clara Machado, que já no título rompe com o paradigma de maldade relacionado às bru- xas. É uma peça infantil que conta a história da bruxinha Angela, cujo nome sugere referência a anjo, uma bruxinha diferente das outras que frequentam a Escola de Maldades da Floresta. Observamos, ainda, a obra Uxa: ora fada ora bruxa, de Sylvia Orthof, que mostra que nem toda bruxa vive somente de maldades, já que Uxa é uma bruxa diferente, tem momentos de ternura e meiguice como todo ser humano. A baixinha e gordinha Uxa, sendo bruxa, resolve virar fada algumas vezes. Para desempenhar esse papel, ela precisa mudar o visual e colocar peruca – 49 – Contextualização Histórica das Literaturas Infantil e Juvenil loira e chapéu de fada. Por fim, não podemos deixar de mencionar a simpática e desastrada Bruxinha criada pela ilustradora e escritora Eva Furnari, na década de 1980, que faz sucesso até hoje entre as crianças. Dica de leitura No livro A bruxinha atrapalhada, Eva Furnari cria, sem a utilização de palavras, apenas de imagens, uma bruxinha que pode realizar desejos com a ajuda de uma varinha mágica, sofrendo as mais inusitadas con- sequências. O livro é composto por dez histórias; em algumas, a perso- nagem alcança um final feliz, mas em outras ela não é tão sortuda em suas mágicas. FURNARI, E. A bruxinha atrapalhada. São Paulo: Global, 1982. Fonte: Global Editora. Há várias obras que poderiam ser citadas para visualizarmos que a literatura infantil contemporânea busca retratar a relativização dos concei- tos de bem e de mal em toda a ambiguidade humana. Para incitar a relação entre a interpretação do texto literário e a realidade, não há melhor suges- tão que obras infantis que foquem discussões de nosso tempo e problemas universais, imanentes ao ser humano, já que “infantilizar” as crianças não cria cidadãos capazes de interferir na organização de uma sociedade mais consciente e democrática (COELHO, 2000). Para ilustrar, registramos, aqui, uma frase do narrador da história da Uxa: E assim é Uxa, a bruxa, ora boa, ora ruim, ora antiga, ora moderna... afinal, Uxa muda, Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 50 – muda muito, constantemente... eu acho, sei não, eu acho Uxa muito parecida com muita gente! (ORTHOF, 1985, p. 24) Assim, por iniciar o leitor no mundo literário, a literatura infantil deve ser lida para expandir a capacidade e o interesse de análise do mundo e a sensibilização da consciência. É fundamental que a literatura seja sempre con- siderada de modo global e complexo em sua pluralidade. Segundo Lobato (1964, p. 250), “quem começa pela menina da capinha vermelha pode acabar nos Diálogos de Platão, mas quem sofre na infância a ravage (efeitos nocivos) dos livros instrutivos e cívicos, não chega até lá nunca. Não adquire o amor da leitura”. De acordo com o autor, a literatura infantil tem de dizer à imaginação dos leitores, e que aqueles que tiveram na infância o contato com uma leitura prazerosa estendem o “progresso autoeducativo” para a fase adulta. Saiba mais Até as duas primeiras décadas do século XX, as obras infantojuvenis apresentavam caráter didático. Entretanto, vale ressaltar que, apesar da transcendência dos critérios de utilidade de uma obra infantil – trans- missão de valores da sociedade para o estímulo da mente, da percepção do real em suas múltiplas significações, a consciência do eu em relação ao outro, a leitura do mundo em seus vários níveis –, ainda encontramos traços educativos e didáticos na produção infantil atual. 7.2 Histórico da literatura infantojuvenil A visão de mundo maniqueísta, calcada nos interesses do sistema, como bem registra Castro ([2011]?), foi abandonada por volta dos anos 1970, quando a literatura infantil tomou novo impulso e se apresentou com novas formas, novas propostas, novos caminhos, no Brasil, graças à contribuição de Monteiro Lobato. Se antes dessa época padecíamos de carência de literatura para crianças, a exceção é feita à obra desse autor. Na verdade, a literatura infantil brasileira pode ser dividida em antes e depois do criador do Sítio do pica-pau-amarelo. – 51 – Contextualização Histórica das Literaturas Infantil e Juvenil Pesquisadores e estudiosos afirmam que a literatura infantil brasileira propriamente dita começou em Monteiro Lobato, em 1921, com a obra A menina do narizinho arrebitado. Ele foi o primeiro a escrever histórias infantis com qualidade literária. Antes de Lobato, a literatura presente era a europeia clássica, tradicional, traduzida ou adaptada para nosso idioma, como os contos de Charles Perrault, dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm e de Hans Christian Andersen. Alberto Figueiredo Pimentel e Carlos Jansen são vistos como os pri- meiros tradutores/adaptadores de obras clássicas europeias. São do primeiro os Contos da Carochinha (1886), histórias populares recolhidas da tradição oral, presentes em todos os povos do mundo, que apontavam para a mora- lidade e o sentido educativo; do segundo, as adaptações de As viagens de Gulliver (1888), D. Quixote de la Mancha (1901), Robinson Crusoé (1885), entre outras. Outro grande autor, Olavo Bilac, além de traduzir, produziu textos para crianças. Em 1899, publicou Livro de composição e Livro de leitura; em 1905, Teatro infantil e Contos pátrios; e, em seguida, Contos infantis. Em 1905, foi publicada a primeira revista para crianças, intitulada O tico- -tico. Lançada pelo jornalista Luis Bartolomeu de Souza e Silva, seguia o modelo da revista francesa La semaine de Suzette, personagem que, no Brasil, ganhou o nome de Felismina. A revista permaneceu em circulação até 1962. Após as produções de Bilac, vários outros autores, como Coelho Neto, Arnaldo de Oliveira Neto, Thales de Andrade, Gustavo Barroso, Viriato Correia, Manuel José G. da Fonseca, Humberto de Campos, Érico Verís- simo produziram textos voltados ao universo infantil. Contudo, foi Mon- teiro Lobato quem inaugurou uma nova estética da literatura infantil do Brasil, compreendendo-a como arte capaz de alterar a percepção de mundo e emancipar os leitores. O autor buscou romper as barreiras educacionais reproduzidas pelas obras que, embora destinadas ao público infantojuvenil, tinham por objetivo apenas inculcar a postura didática e moralista, como já mencionado. De acordo com Frantz (1998, p. 68), “movimentando seus per- sonagens num mundo fantástico e simultaneamente real, Monteiro Lobato inova completamente a literatura destinada às crianças brasileiras”. A autora completa, ainda, que os personagens são “curiosos, inquietos, leitores ávi- Alfabetização e multiletramentos (Letramento Literário) – 52 – dos sempre muito bem informados, cultos, com forte consciência crítica. São bem-humorados, irônicos, questionadores, livres, democráticos e nem um pouco acomodados” (FRANTZ, 1998, p. 68). Trata-se de uma literatura instigante, nova, que propõe ao leitor uma reflexão sobre a realidade que o cerca, a fim de capacitá-lo para uma ação mais eficaz que o leve a transformá-la, ou então que o convide a viver a experiência da leitura de forma prazerosa e lúdica. Para isso, abandona a linguagem arcaica, pesada e se utiliza de uma linguagem mais leve, colo- quial, viva, lúdica, poética. Uma das características encontradas na litera- tura de Lobato é a retomada dos clássicos em suas histórias, o que consiste em uma atitude moderna, na qual narrativas da cultura universal e popu- lar, em conjunto com a reescrita do novo texto, alcançam um movimento maior, uma qualidade literária ímpar. Nesse sentido,