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NOTAÇÃO E LINGUAGEM MUSICAL AULA 1 Prof. Leonardo Gorosito 2 CONVERSA INICIAL Também chamado de parâmetros do som, ou propriedades do som, é o estudo dos elementos que compõem uma onda sonora. São características que, quando articuladas entre si, formam uma complexa estrutura sonora, a qual conhecemos como música. São quatro parâmetros principais, sendo altura, duração, intensidade e timbre, e uma quinta possibilidade ainda discutida por especialistas, a distância. TEMA 1 – CARACTERÍSTICAS DO SOM 1.1 Altura A altura do som está relacionada com a frequência da onda sonora, ou seja, com a quantidade de ciclos que a nota fundamental proporciona. Como vimos anteriormente, um som é composto de outras notas secundárias, a série harmônica, por isso a frequência da nota é verificada com base na nota principal. Os ciclos de uma onda são medidos pela unidade hertz (Hz), que aponta quantas vibrações um som realiza por segundo. Por exemplo, uma batida regular, executada uma vez por segundo, terá a frequência de 1 Hz. O ouvido humano é capaz de assimilar vibrações sonoras entre 16 e 20.000 Hz, abaixo de 16 Hz é chamado de infrassom, e acima de 20.000 Hz, ultrassom. As frequências sonoras podem ser baixas, médias ou agudas. Quanto maior o número de ciclos, mais agudo o som será, quanto menor o número de ciclos, mais grave (Bennet, 1990, p. 7). É importante termos consciência de que quando nos referimos à altura de uma nota, usamos os termos “agudo” e “grave”. E em relação à afinação de uma nota, utilizamos os termos “alto” ou “baixo”. A afinação de uma nota está diretamente relacionada com sua altura. Mas, afinal, o que realmente significa estar afinado ou desafinado em música? Poderíamos dizer, de forma simplificada, que um som afinado é aquele que se harmoniza com outros sons, criando uma sensação agradável e de prazer aos ouvidos. Sendo assim, a afinação é a relação de uma nota com outras notas, o que torna um som isolado impossível de ser classificado como afinado ou desafinado. Em termos mais específicos, poderíamos dizer que, por padronização, uma nota afinada é aquela entoada em suas devidas proporções 3 em relação à nota Lá 31 de frequência 440 Hz. Isso significa que o Lá uma oitava acima (Lá 4), para ser afinado, deve ter o dobro de vibrações, 880 Hz, e o Lá oitava abaixo (Lá 2), a metade, 220 Hz. Essa padronização do Lá 3 em 440 Hz é moderna, de maneira que, em diferentes períodos da história, músicos estipularam outras frequências como referência. Segundo o matemático inglês Alexander John Ellis (1814-1890), entre os anos 1619 e 1874, o Lá 3 teve variações entre 376,3 e 570,7 Hz. Atualmente, essa padronização em 440 Hz já se modificou, e diversas orquestras ao redor do mundo utilizam o Lá 442 Hz. Muitos fatores levam os músicos a escolherem a padronização do Lá em diferentes frequências. Talvez a principal delas está relacionada aos materiais de que os instrumentos são fabricados, especialmente os de cordas friccionadas, como o violino. Nos períodos barroco e clássico, as cordas do violino eram feitas por materiais menos resistentes, portanto não sustentavam a afinação com tanta eficiência. Por consequência, os violinistas preferiam aplicar menos pressão sobre a corda, escolhendo a frequência do Lá mais baixa, por volta de 435 Hz. Hoje em dia, com o desenvolvimento tecnológico, uma pressão maior pode ser exercida sem que a corda desafine, o que torna possível subir o Lá de referência, tornando o som do instrumento mais brilhante. Para quem já assistiu a um concerto de uma orquestra sinfônica, deve ter percebido que, antes de ele iniciar-se, ocorre a afinação da orquestra. É uma espécie de ritual em que o spalla2 permanece em pé em frente ao grupo, e solicita ao oboé (instrumento de sopro de paleta dupla) para que execute a nota Lá 4 de referência, para que, então, o restante dos músicos afinem seus instrumentos. É justamente neste momento que o oboé reproduzirá a nota Lá convencionado pela orquestra, e que pode variar de frequência, de acordo com o estilo da orquestra, país ou região. Atualmente, muitos oboístas utilizam o afinador eletrônico, que demonstrará com exatidão a frequência da nota. Padronizou-se o oboé como instrumento para entoar o Lá de afinação para a orquestra, pois seu som penetrante é o ideal para a realização do procedimento. O parâmetro da altura, é aquele que fornece o material principal para que as melodias e harmonias ocorram. Para que a música em si aconteça, essas alturas definidas são articuladas pelos outros parâmetros do som. Porém, 1 Se tomarmos como referência o Dó central do piano como Dó 3, o Lá 440 Hz será o Lá 3. 2 Em italiano, o “ombro” do maestro. É o líder do naipe dos primeiros violinos. 4 existem instrumentos que são classificados como de altura indefinida, ou seja, não emitem notas que devem ser controladas em termos de frequência. Esses instrumentos são então regidos primordialmente pelo ritmo e pelo timbre. São exemplos deste grupo diversos instrumentos de percussão como prato, triângulo, caixa clara, clave e bumbo. Mas, atenção, alguns instrumentos de percussão são capazes de emitir sons de altura definida, como o tímpano e o xilofone, sendo, portanto, subordinados às regras das frequências determinadas. Na música ocidental, essas frequências determinadas foram padronizadas em uma série de notas, a qual chamamos de escala musical. A escala é uma sequência de sons ascendente ou descendente que permeia normalmente o registro de uma oitava, dessa forma ela tanto começa quanto termina na mesma nota. A distância mais próxima entre dois sons é chamada de tom e semitom. A tão conhecida série de notas Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, Dó, a escala maior, é composta de cinco tons e dois semitons. As escalas maior e menor são formadas por sete notas, porém existem inúmeros tipos escalas, podendo ser formadas por cinco notas (escala pentatônica), por seis notas (escala hexafônica) ou, ainda, caracterizadas por certo estilo de música, por exemplo, a escala cigana. Áudio 1 – Exemplos de Escalas: escala maior, escala menor natural, escala pentatônica, escala hexafônica e escala cigana Fonte: O autor. TEMA 2 – DURAÇÃO A propriedade do som da duração está relacionada ao tempo em que uma nota perdura na música, ou seja, ao ritmo. Sons curtos, médios e longos, ocorrem dentro de uma ampla gama possibilidades, podendo durar menos de um segundo, ou manter-se continuamente por minutos. Da mesma forma que a altura dos sons, o ritmo musical é relativizado, assim como a própria percepção de tempo do ser humano. Dependendo da situação ou do contexto, um mesmo som pode parecer curto para uma pessoa, porém pode ser percebido como longo para outra. Na notação musical, as figuras rítmicas não simbolizam valores de 5 tempo absolutos. Assim como o Lá 440 Hz no universo da altura definida, o ritmo precisa de uma referência por meio da qual os outros valores serão distribuídos, em partes menores e maiores. No mundo ocidental, é comum a música ser dividida em pulsações regulares, a qual chamamos de pulso, que pode ser preenchido de diversas maneiras, combinando som e silêncio. Há exemplos em que a música é desprovida de um pulso fixo, como na música antiga do canto gregoriano, em que as durações das notas eram conectadas com o ritmo das palavras, e por padronizações temporais construídas ao longo dos anos. À medida que o homem foi desenvolvendo uma maneira de contar o tempo com mais precisão, juntamente com o processo da invenção e aperfeiçoamentodo relógio, a música foi ganhando especificações rítmicas cada vez mais avançadas. Hoje em dia, a grafia musical apresenta diversas formas de organizar os sons dentro dos espaços de tempo. Alguns compositores são bastante estritos e controlam a duração de todos os sons em sua obra. Outros preferem abdicar- se parcial ou totalmente do controle sonoro. Na obra chamada 4’33”, do compositor americano John Cage, o músico deve permanecer em silêncio durante quatro minutos e trinta e três segundos, sem executar qualquer som. Apesar de o tempo total da obra ser determinado com extrema precisão, seu conteúdo sonoro é completamente indeterminado, podendo ser composto de ruídos do ambiente e das pessoas na plateia. Nesse caso, a forma de grafia é simples, estipulada por meio de uma única informação de minutagem. Alguns compositores, em vez de optarem pela indeterminação completa, preferem aplicar ligeiramente mais domínio sobre a duração dos sons durante a obra. Por exemplo, utilizando uma notação gráfica, em que eventos sonoros em sequência são estipulados por pequenas indicações de tempo. Outros demonstram a quantidade de notas que deve ser executada por certo período, por vezes utilizando papel milimetrado, em que cada quadrado equivale a determinado espaço de tempo. Por meio da notação musical tradicional, os compositores alcançam um alto nível de controle sobre a organização das durações sonoras. Com a indicação da velocidade da música por meio de batidas por minuto, o pulso da obra pode ser precisamente estabelecido, permitindo ao autor controlar o tempo tanto no micro como no macrocosmo. Houve períodos da história da música em que os compositores não forneciam informações sobre o andamento da obra, 6 como no caso do compositor barroco Johann Sebastian Bach. Nos dias atuais, Bach foi extensivamente gravado por músicos de todo o mundo, por isso é possível identificar diferentes versões de uma mesma obra, com variações de andamento consideráveis. De todos os instrumentos musicais, a percussão é aquela que apresenta o carácter rítmico de forma mais ressaltada, pois demarca com clareza a localização dos sons. No entanto, por mais contraditório que pareça, o músico que executa os instrumentos percutidos não consegue, de maneira geral, controlar a duração do som. Depois do ato de percutir, o percussionista não tem mais domínio sobre a sonoridade do instrumento. O golpe, com a mão ou a baqueta, dispara a sonoridade da pele ou do corpo do instrumento, que, em seguida, apresenta uma diminuição natural. Portanto, o maior foco da sonoridade da percussão está no exato momento em que o instrumento entra em vibração. Já os instrumentos de cordas e sopros têm um funcionamento bastante diferente. No violino, o músico tem total controle do tempo de duração do som, com base na contínua fricção do arco sobre a corda. Assim como no trompete, em que, por meio do uso da respiração, o músico consegue prolongar os sons a seu critério. Os instrumentos de percussão são fundamentais na execução do papel de suporte rítmico, tanto na música erudita quanto popular. Além de pontuarem nitidamente a posição das notas, a maioria deles também apresenta a característica de não emitir altura definida. Essa sonoridade neutra colabora para separar o acompanhamento rítmico, da textura harmônica e melódica. A bateria em uma banda de rock, por exemplo, é composta principalmente de tambores e pratos, instrumentos que emitem sons de frequência indefinida. Eles são capazes de fornecer, com eficiência, a moldura rítmica, com os tempos e as subdivisões, em que as notas dos instrumentos harmônicos e melódicos, como baixo, guitarra e voz, serão encaixadas. TEMA 3 – INTENSIDADE A intensidade é o parâmetro do som que diz respeito à amplitude da onda sonora. Quanto maior a amplitude, mais forte o som será, quanto menor, mais fraco. Os termos “forte” e “fraco” são os mais apropriados para referir-se à intensidade do som. É muito comum as pessoas utilizarem “alto” e “baixo”, porém 7 estes são mais apropriados quando o assunto for sobre altura da nota, ou a afinação. A força, ou nível de energia, com a qual o som chega aos nossos ouvidos é chamada de volume, e tem como unidade de medida o decibel (dB). Começamos a perceber ondas sonoras a partir de 1 dB, portanto ruídos noturnos, a respiração de uma pessoa dormindo, sussurros, o tic-tac de um relógio atuam em uma extensão entre 0 a 30 dB. Uma conversa entre pessoas e o ruído do trânsito emitem ondas sonoras de 40 a 80 dB. Ruídos nocivos ao ouvido humano, podendo causar danos à saúde auditiva, percorrem de 120 a 190 dB, como o barulho do avião, explosões e tiros de armas. As variações de intensidade dos sons na música caracterizam o que chamamos de dinâmica, elemento fundamental da expressividade musical. O ser humano tem a habilidade natural de perceber uma grande variação de volume, o que torna a dinâmica um elemento com muitas possibilidades sonoras, capaz de criar grandes contrastes na música. Em um concerto de orquestra, o público pode encontrar trechos de muita sutileza, por exemplo, uma sequência de acordes de minúsculo volume sonoro executado somente pelos violinos. Mas também partes da música na qual todos os naipes da orquestra – cordas, sopros e percussão – atuam em conjunto, causando impacto de grande intensidade de som. A música popular normalmente apresenta uma estabilidade maior de volume, já que o contraste de intensidade sonora não é tão explorado, pois o foco principal encontra-se na constância rítmica e harmônica do acompanhamento, dando espaço para a parte principal, geralmente a voz, atuar. As alterações de dinâmica são tão importantes que podem influenciar consideravelmente na nossa compreensão do discurso musical. Se uma melodia importante é tocada com uma intensidade sonora fraca em relação ao acompanhamento, ela pode perder relevância na música ou até mesmo não ser percebida pela plateia. Não é à toa que, em grande parte dos ensaios de uma orquestra, o maestro realiza diversos acertos de dinâmica, para que todas as informações sonoras sejam ouvidas conforme seu devido nível de importância. Esses ajustes também devem ser feitos, pois existe uma enorme variabilidade de fatores que influenciam no volume da orquestra, como a intensidade com a qual cada músico individualmente executa seu instrumento, a acústica da sala de concerto, a maneira como a orquestra é disposta no palco e até a qualidade dos instrumentos em si. 8 Na música popular, durante a gravação de uma canção, o momento em que os ajustes de volume são realizados é de fundamental importância no processo. A chamada “mixagem” é um procedimento demorado e exige muita atenção e sensibilidade auditiva do profissional encarregado. Quanto maior a qualidade da gravação, maior detalhamento exige no momento de equilibrar as dinâmicas de cada instrumento captado. O volume de cada sonoridade na música pode alterar a forma como a pessoa assimila o conteúdo da canção. O equilíbrio perfeito dos instrumentos e vozes e das regiões agudas e graves torna a música mais agradável de se escutar. Em cada instrumento musical, as realizações das variações de dinâmicas são alcançadas por meio de diferentes técnicas. Em um sintetizador eletrônico, ou teclado elétrico, o volume pode ser controlado simplesmente por um botão, que se move para cima e para baixo. Mas nem sempre é simples assim, em alguns instrumentos, controlar a intensidade é um grande desafio. Na orquestra sinfônica, instrumentos como o oboé e o fagote precisam de muito estudo e treino para realizar dinâmicas bastantefracas, principalmente no momento de início do som. Sua principal fonte geradora de som é composta de dois pedaços de cana em contato, a chamada palheta dupla, que ao ser acionada pela coluna de ar do músico, impõe certa resistência até que entre em vibração, dificultando a realização do princípio das notas. Já o integrante da orquestra de palheta simples, o clarinete, tem o potencial de iniciar o som de uma nota quase de maneira imperceptível, tamanho o controle das dinâmicas fracas ele é capaz. Por vezes, as regiões graves e agudas têm naturalmente potências de volume distintas. É o que acontece na flauta transversal, em que a oitava mais grave (Dó 3 ao Dó 4) tem certo limite ao executar dinâmicas fortes. Já a oitava aguda (Dó 5 ao Dó 6) impõe dificuldade na execução de dinâmicas fracas, pois o flautista precisa de uma coluna de ar intensa para que as notas ocorram. Os instrumentos de cordas – violino, viola, cello e contrabaixo – podem realizar grandes contrastes de dinâmica, sem grandes complicações. Porém, o pizzicato, técnica em que o músico não utiliza o arco, e sim pinça as cordas com os dedos, tem certo limite de dinâmica, não alcançando intensidades muito fortes. Sendo assim, cada instrumento tem sua especificidade em relação à realização de diferentes dinâmicas. Na verdade, o maior desafio acaba caindo sobre o compositor, que, no momento em que escreve uma obra orquestral, deve 9 conhecer devidamente todas as particularidades dos instrumentos em termos de controle de volume sonoro. É interessante refletir que a dinâmica nada mais é que perspectiva em música. A intensidade coloca os sons em diferentes planos, os fracos posicionados mais distante, e os fortes bem próximos, criando uma terceira dimensão (Schafer, 1992, p. 65). TEMA 4 – TIMBRE É o timbre que torna possível diferenciarmos a sonoridade de um trombone ou uma guitarra. Uma propriedade que revela a qualidade ou personalidade dos sons. O timbre concede cor ao som (Schafer, 1992, p. 63). Áudio 2 – Exemplo de Timbre: trecho musical de um trombone e de uma guitarra Fonte: O autor. Diversos fatores físicos atuam nas ondas sonoras para que elas formem, no todo, uma coloração específica. Um deles é a série harmônica, já mencionada anteriormente. Dependendo do instrumento, determinadas notas da série harmônica podem apresentar-se com mais evidência. Se o timbre é caracteristicamente brilhante, em grande parte é porque as notas parciais agudas prevalecem em sua sonoridade. Outro fator é a maneira aplicada para que o instrumento emita som. No violino, a forma de tocar com o arco contém um timbre radicalmente diferente da técnica do pizzicato, quando a corda é pinçada com os dedos. Nos sopros, o material com o qual o instrumento é feito também fornece diferentes colorações ao som, podendo ser produzido com madeira, metal ou, no caso de instrumentos não profissionais, de plástico. Compositores da música orquestral sinfônica encontram no parâmetro do timbre inúmeras possibilidades para criar interesse em sua música. Uma mesma melodia, quando executada sucessivamente por dois instrumentos distintos, pode apresentar um novo sentido ou ser expressa de formas diferentes, apesar de conter exatamente a mesma sequência de notas. O acompanhamento pode ganhar ou perder dramaticidade de acordo com o grupo de instrumentos que o 10 executa. Além da diferença de qualidade sonora individual, o compositor pode escolher realizar combinações tímbricas com dois ou mais instrumentos. Uma das mais belas colorações melódicas da música orquestral se dá quando o som do cello é combinado com o da trompa, formando uma massa sonora intensa e extremamente expressiva. Na voz humana, o timbre manifesta-se de forma mais específica, de modo que cada pessoa tem uma sonoridade vocal própria. De olhos vendados, podemos reconhecer facilmente uma pessoa pelo seu timbre da voz. Também reconhecemos ao telefone, em que o som sempre sofre uma pequena distorção. Quando gostamos muito de um cantor, somos capazes de identificá-lo rapidamente, mesmo em uma canção jamais ouvida. Na música vocal, é normal existir um predomínio de certo tipo de timbre, comum a cantores de um mesmo estilo. A técnica utilizada na ópera deixa o timbre dos cantores muito brilhante, já que é preciso potência sonora para cantar acima de uma orquestra e sem amplificação. O idioma em que as canções são cantadas também pode influenciar o timbre das vozes. O português, por exemplo, tem a presença marcante das vogais, deixando a sonoridade da música suavizada, característica facilmente perceptível no estilo da bossa nova. Na música moderna e contemporânea, o parâmetro do timbre é ricamente explorado, pois frequentemente as obras não apresentam elementos tradicionais, como melodia e harmonia. A busca por novos timbres torna-se o maior atrativo para os compositores, que procuram inovar por meio de colorações sonoras e da investigação tímbrica dos instrumentos. Com base na tentativa de que um único instrumento possa conceber diversos timbres, modificando a sua qualidade sonora, deu-se origem ao que foi chamado de técnica estendida: formas não convencionais de execução. O próprio pizzicato, em suas primeiras aparições, configurava-se uma técnica estendida, até tornar- se uma forma convencional de tocar os instrumentos de cordas. Nos instrumentos de percussão de orquestra, de altura indefinida, a propriedade do timbre é essencial. Por não terem função melódica ou harmônica, sua função principal, na maioria das vezes, é a de colorir momentos especiais na obra. Por isso, normalmente, o percussionista realiza uma longa pesquisa na tentativa de alcançar a melhor qualidade de timbre possível, buscando a baqueta certa, seu ângulo mais apropriado, o lugar de toque com o melhor som, e, no 11 caso do bumbo, o nível de tensão da pele que dará ao instrumento a sonoridade mais encorpada. TEMA 5 – DISTÂNCIA Existem divergências sobre o assunto, mas a distância não é considerada um parâmetro do som pela maioria dos especialistas. No entanto, com certeza, ela influencia na compreensão musical do ouvinte. Para exemplificar, imagine dois cenários hipotéticos: 1) no primeiro, um músico está ao lado de um espectador, a um metro de distância, e executa uma melodia; 2) no segundo, ele está a mais ou menos trinta metros de distância, como se o espectador estivesse sentado na última cadeira de um teatro grande, e o músico situado da coxia3 do palco. Por certo seriam duas experiências auditivas bem diferentes. Na primeira, a melodia seria mais “viva”, com o espectador podendo observar cada detalhe, tanto sonoro quanto visual. A segunda experiência seria muito mais difusa e distante. Mas qual é exatamente a diferença sonora que a distância pode promover? Um parâmetro bastante alterado é o da intensidade. Na situação hipotética anterior, quando o músico estava a trinta metros de distância do espectador, com certeza o nível de decibel baixou consideravelmente. Outra alteração provável é que, com a distância, o som se tornou mais aveludado, perdendo brilho. Isso porque, durante a viagem até o espectador, as ondas mais agudas perdem-se mais rapidamente que as ondas graves. Sendo assim, o parâmetro do timbre também sofreu alterações. Assim como as ondas movimentam-se em um lago tranquilo quando jogamos uma pedra, o som se propaga no espaço em 360º graus, mas também em todas as direções para cima e para baixo. É por isso que se torna tão difícil buscar um lugar com silêncio absoluto, é quase impossível, os sons nos rodeiam o tempo todo. As ondas sonoras atravessam paredes,mas também são refletidas por elas em inúmeras direções, criando um comportamento complexo de propagação. Mesmo em uma câmara anecoica – sala projetada para alcançar o silêncio absoluto, completamente isolada de ruídos externos e internamente sem qualquer efeito de eco – a pessoa escutará diversos sons vindos de seu 3 Local dentro do palco de um teatro, porém fora de cena. 12 próprio corpo, como a batida do coração, respiração e órgãos em movimento. Uma vez que há um ouvido, o silêncio não existe, sendo uma mera ilusão. Todas essas possibilidades de propagação das ondas sonoras acabaram influenciando compositores a utilizar recursos de posicionamento dos músicos, para causar diferentes efeitos na música. Na música orquestral, o efeito off stage (fora do palco) foi bastante empregado pelo compositor austríaco Gustav Mahler para criar a impressão de algo distante, ou ressoando como um eco do passado. Em sua “Terceira Sinfonia”, Mahler pede para que um músico execute, fora do palco, um instrumento parecido com uma trompa, que era usado pelos entregadores de cartas na Europa, para avisar que o correio havia chegado. Provavelmente algo inspirado nas memórias da infância do compositor. Na sua “Sexta Sinfonia”, sinos de vaca são executados também fora do palco, para que a paisagem sonora do campo seja reproduzida na música. Johann Sebastian Bach, em uma das obras mais monumentais da história da música, a “Paixão Segundo São Mateus”, escrita para duas orquestras e dois coros, o compositor requer um coro infantil, que deve ser disposto na parte mais alta do teatro, para que suas vozes conduzam a música aos céus. Áudio 3 – Exemplo da Distância: Gustav Mahler, Sinfonia Nº3, Solo de Posthorn (trompa de carteiros) off stage Fonte: O autor. NA PRÁTICA Na obra orquestral intitulada “Bolero” (1928), o compositor Maurice Ravel explora de forma excepcional os parâmetros do som. No início da peça, temos uma introdução em dinâmica bastante fraca da caixa clara executando uma frase rítmica repetitiva. Em seguida, a melodia principal é apresentada individualmente pelos instrumentos de sopro – flauta, clarinete, fagote, entre outros – e depois em combinações distintas de grupos de instrumentos, configurando os mais variados timbres. Pouco a pouco, a obra ganha volume sonoro até encerrar-se em um grande e energético final. Em um estudo de apreciação musical, escute 13 a obra em sua totalidade4 (por volta de 16 minutos) e perceba como Ravel faz uso da intensidade, duração, altura e timbre para criar os mais diferentes contrastes musicais. FINALIZANDO Os parâmetros do som são essenciais para que o estudante ou profissional possa compreender todos os recursos possíveis do universo musical. A música nos fornece material ilimitado para o seu desenvolvimento, mas é preciso entender seu funcionamento para explorá-la ao máximo. 4 Você pode encontrar diferentes versões da obra em websites como <youtube.com> 14 REFERÊNCIAS BENNETT, R. Elementos Básicos da Música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010. _____. Forma e Estrutura na Música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010. HINDEMITH, P. Treinamento Elementar para Músicos. 6. ed. São Paulo: Ricordi Brasileira, 2004. SCHAFER, M. O ouvido pensante. 2. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
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