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PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO AULA 2 Prof. Ademir Bueno 2 CONVERSA INICIAL A presente aula tratará da Psicologia Social e de suas implicações para a profissão de assistente social. Iniciaremos pelos conceitos e origem da Psicologia Social, depois a contextualizaremos no Brasil. Depois, vamos abordar os seguintes tópicos: indivíduo, cultura e sociedade, para, na sequência, tratarmos de consciência e alienação. Concluindo nossa aula, apresentamos o panorama da área e suas implicações para o desenvolvimento do assistente social no Brasil. TEMA 1 – CONCEITOS E ORIGEM DA PSICOLOGIA SOCIAL A psicologia social iniciou seu desenvolvimento como estudo científico e sistemático após a Primeira Guerra Mundial, em busca de compreender as crises que afetavam o mundo naquele momento. A teoria de Vygotsky fundamentou-se no desenvolvimento do indivíduo, decorrente de um processo sócio-histórico, com destaque para o papel da linguagem e da aprendizagem contínua e crescente, o que fez com que essa teoria fosse reconhecida como histórico- social. Sua temática central gira em torno da ideia de que o indivíduo adquire conhecimentos em sua inter-relação com o meio em que está inserido. Entende-se psicologia social como a ciência que estuda as relações humanas por um viés individual, mas abrangendo uma perspectiva ampla, social. Assim, a abordagem da psicologia social estuda o comportamento de indivíduos considerando a influência do meio. Vejamos alguns conceitos importantes: Comportamento x relação social: de acordo com Lane (1994), as leis gerais da psicologia determinam que um comportamento reforçado será aprendido, mas que é na relação social que se revelará o que é reforçador ou punitivo. Para ela, o sorriso ou o desdém, o dinheiro ou o doce, podem ou não ser significativos para a aprendizagem, tudo dependerá do valor atribuído em dada sociedade a esses comportamentos. Da mesma forma, o que “deve ser apreendido” é determinado socialmente. (Lane, 1994) Psicologia Social x teoria da personalidade: diferentemente da Psicologia da Personalidade, que estuda traços individuais, características e pensamentos, a Psicologia Social estuda situações cotidianas. Seu interesse reside no impacto que o ambiente social apresenta sobre as ações e comportamentos do sujeito. 3 TEMA 2 – PSICOLOGIA SOCIAL EM CONTEXTO Os estudos sobre psicologia social tiveram início no século XIX, entre 1830 e 1834. O filósofo francês Augusto Comte é considerado pai dessa ciência. Para Comte, a psicologia social seria subproduto da sociologia e da moral, e nortearia, assim, o comportamento do indivíduo socialmente. De acordo com Lane, “um desafio era formulado aos cientistas sociais: como é possível preservar os valores de liberdade e os direitos humanos em condições de crescente tensão social e de arregimentação? Poderá a ciência dar uma resposta?" (Lane, 1994, p. 75). Na América Latina, entre as décadas de 1950 e 1960 na América Latina, a Psicologia Social seguiu reproduzindo os conhecimentos desenvolvidos nos Estados Unidos. Lane (1994, p. 78) afirma que os pesquisadores latino- americanos seguem: “aplicando-se os conceitos e adaptando-se técnicas de estudo e de intervenção às condições próprias de cada país, enquanto as pesquisas ditas ‘puras’ continuavam à procura de ‘leis universais’, que devem reger o comportamento social de indivíduos”. No Brasil não foi diferente. A Psicologia segue sendo influenciada pelo modelo norte-americano, local para onde professores e pesquisadores iam adquirir conhecimentos e de onde vinham docentes, para ministrar cursos em universidade brasileiras, como foi o caso do professor Otto Klineberg, sendo o responsável por introduzir a psicologia social na Universidade de São Paulo, ainda na década de 1950, segundo nos informa Lane (1994). Cabe ainda ressaltar que a psicologia social se faz necessária não apenas como área que desenvolve conhecimentos a respeito dos indivíduos e suas interações, mas também como agente determinante na própria sociedade, revelando-se em uma atuação que auxilia os indivíduos, diminuindo os conflitos relacionados a desigualdades e também as próprias desigualdades sociais. TEMA 3 – TORNANDO-SE HUMANO: INDIVÍDUO, CULTURA E SOCIEDADE Sobre a questão do “tornar-se humano”, Newton Duarte, docente do departamento de Psicologia da UNESP, propôs em 2004 uma análise, na perspectiva marxista, das diferenças entre a atividade humana e a atividade animal. A ideia é questionar: 4 O que é próprio ao mundo construído historicamente pelos seres humanos. Indagar-se sobre o que diferencia o gênero humano das espécies animais é indagar-se sobre o processo histórico de construção da cultura, pois é por meio dessa construção que o gênero humano vai humanizando o seu mundo e humanizando a si próprio. (Markus, 1978, citado por Duarte 2004, p. 46) O que está aí implícito é a dialética entre o que é necessário e a liberdade, seja em sociedade, seja na dimensão individual. Duarte (2004, p. 47) critica as visões romantizadas de natureza, pois nela não há liberdade de fato. Para ele, há apenas necessidades que são nomeadas como “processos causais, espontâneos, imanentes, dos quais está ausente a ação movida por objetivos conscientes”. O indivíduo, nessa perspectiva, é um ser imbuído de necessidades, desde o nascimento, pois já estreia no mundo necessitando de outras pessoas para sobreviver, o que já o torna participante de um grupo – no caso, uma díade, com ao menos dois indivíduos. E toda a sua vida será permeada por “participações em grupos, necessários para a sua sobrevivência, além de outros, circunstanciais ou esporádicos, como os de lazer ou aqueles que se formam em função de um objetivo imediato”, ressalta Silvia Lane (Lane,1994, p. 12). Outro conceito essencial é o de cultura. Lane (1994) observou, em suas pesquisas, o desenvolvimento o humano em prisma histórico. Podemos compreender sua visão por meio do seguinte exemplo: Existem relatos de crianças que foram criadas por animais, como lobos, macacos etc., adquirindo comportamentos da espécie que as criou, necessários para a sua sobrevivência. Quando trazidas para o convívio humano, as suas adaptações, quando ocorreram, foram extremamente difíceis e sofridas. (Lane, 1994, p. 12) Figura 1 – Homem e lobos Crédito: Thyago Macson Maria. 5 Afirmamos, assim, que o contexto histórico e a relação entre o modelo de cuidador e a criança vem a padronizar um padrão de comportamento a ser desenvolvido pelo indivíduo, dependendo do que ele considerar correto. É ainda pertinente considerar a noção de sociedade. Nesse contexto, de caráter intervencionista, trata-se da padronização de normas e leis institucionalizadas que estabelecem o comportamento a ser seguido socialmente, garantindo assim a sustentação de determinados grupos sociais. Cabe aqui esclarecer que essas normas estabelecem os papeis desempenhados em sociedade, como os de pai e mãe – neste caso, que a possibilidade de exercer tais papeis só será viável se há filhos. Outro exemplo é o papel de líder ou chefe, que só existira se há liderados. Numa análise mais detalhada, percebemos a dicotomia liberdade versus necessidade, na sua forma real, nas situações do cotidiano, quando certas ações são determinadas ou normatizadas e outras são caracteristicamente mais livres. De acordo com Lorena (2014, p. 22), o homem é naturalmente um ser social. Pode-se corroborar tal declaração a partir das seguintes afirmações: Ao pertencer a uma sociedade, o indivíduo torna-se produto de um sistema complexo de interações que, de um modo ou de outro, ocorrem com toda a humanidade, e caracteristicamente com a sociedade da qual cada um faz parte. Enquanto se relaciona com outros, noprocesso que chamamos de socialização, o indivíduo adquire hábitos e costumes que são aos poucos agregados à sua personalidade individual, e o tornam mais identificado com uma personalidade social. Os contornos dessa personalidade social ficam menos definidos conforme aumentam as interações. As possibilidades de interação são praticamente infinitas durante a vida, abrindo margem para que cada indivíduo contribua para a formação de numerosas estruturas sociais no decorrer de sua existência. TEMA 4 – CONSCIÊNCIA E ALIENAÇÃO Quem é você? Vamos pensar juntos! Quando essa pergunta é lançada, quais respostas vêm rapidamente à sua mente? Consegue diferenciar sua identidade social da sua identidade pessoal? 6 Segundo Silvia Lane (1994), os papéis são naturais e necessários, sendo a identidade uma consequência de opções livres que fazemos no nosso conviver social. Essas condições sociais produzem o material que acaba por definir os papéis de nossa identidade social. Nesse sentido, importa entender o que é consciência. Segundo Lane (1994), existem duas formas de compreendermos como nossos papeis se desenvolvem e se reproduzem sem provocar mudanças no meio em que estamos inseridos. A primeira pela via ideológica, quando há um “eu valorizado”, e esse eu se torna modelo, que por sua vez é valorizado dentro de um certo contexto. A segunda encontra-se no campo das relações de dominação para a reprodução de condições materiais consideradas necessárias para a vida. Nesse contexto, as classes dominantes se sustentam através da exploração da força de trabalho. Entende-se assim que a consciência de si poderá alterar a identidade social a medida que, dentro dos grupos que nos definem, questionamos nossos papéis quanto à sua determinação e funções históricas, reconhecendo que haverá relações de poder nas diversas interrelações, conduzindo a mudanças também dentro desse contexto. Outro termo essencial é alienação. Nós não somos apenas pensadores que falam e escrevem: somos também fazedores, construindo coisas, como instrumentos que resultam em materiais bélicos, ou direcionados para sustento, combate e beleza. Pensar é idealizar o objeto a ser criado ou o alvo a ser conquistado, desenvolvendo ações que conduzam à realização do objetivo final. Somos sempre transformados no decorrer desse pensar/fazer. É na distinção entre a palavra (pensada) e o objeto (ordem dada) que podemos perceber que a dominação é uma arma, feita de linguagem. A palavra se torna inquestionável quando alguém considerado "autoridade" social atribui um significado único que determina uma ação autômata do indivíduo. Um exemplo trazido por Lane (1994) é o comando militar, contexto dentro do qual uma ordem dada é lei para os soldados subordinados. Outro é o de violência psicológica, quando há lavagem cerebral, e a vítima passa a eliminar significados conhecidos por significados outros, o que, quando alcançado, impede que o cativo se comunique com pessoas que poderiam auxiliá-lo, mantendo ainda a lucidez e os significados originais na maneira de pensar. 7 TEMA 5 – PSICOLOGIA SOCIAL E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O ASSISTENTE SOCIAL O objetivo desta aula é pensar sobre as interfaces entre a Psicologia e o Serviço Social nos âmbitos teórico e profissional. Segundo Lorena (2014), “os psicólogos sociais se interessam em saber como as pessoas influenciam umas às outras no contexto da sociedade”. Busca-se, assim, entender suas atitudes, como o preconceito se estabelece e como as pessoas se comportam no individual e no coletivo. A pesquisadora Karen Eidelwein (2007, p. 3) aponta: ao considerar como objeto de estudo da psicologia social a natureza social do fenômeno psíquico, isto é, a construção do mundo interno a partir das relações sociais vividas pelo homem, surge a necessidade de se aproximar de outras áreas do conhecimento, uma vez que historicamente a Psicologia se ocupou em estudar o indivíduo descontextualizado de suas relações sociais, culturais, econômicas e políticas. Busca-se, dessa forma, contribuir para a produção de conhecimento dentro do Serviço Social, uma vez que o Assistente Social interfere diretamente em situações cotidianas dos indivíduos. Procura-se assim extrair recursos em outras áreas do conhecimento científico para pautar seu campo teórico e prático, considerando que a Psicologia, através das disciplinas ministradas nos cursos de graduação em Serviço Social, muitas vezes fundamenta-se em concepções de indivíduo e sociedade. De acordo com Santos e Silva (2015), no Brasil o surgimento do Serviço Social se institucionalizou entre as décadas de 1930 e 1940, podendo ser percebido como um acontecimento isolado ou natural. Além disso, deve ser considerado o resultado de dois processos que, correlacionados, geraram as condições sócio-históricas indispensáveis para que a profissão do Assistente Social se constituísse e traçasse seu percurso histórico. O primeiro processo, o redimensionamento do Estado, vem em decorrência da fase monopólica do capital. Assim, de acordo com os autores, a práxis profissional percorre algumas dimensões, por exemplo “ao dirigir sua ação com uma finalidade específica, requer do assistente social um entendimento de sua dimensão política e interventiva” (Santos; Silva, 2015). 8 Eidelwein (2007) ressalta que, historicamente, o Serviço Social vinculou- se a práticas religiosas da Igreja Católica, com um viés assistencialista para com os desamparados, dentro de uma perspectiva voluntarista e filantrópica. Mais tarde, ganha visibilidade com o advento das relações entre capital e trabalho, durante o movimento Taylorista-fordista de produção (Eidelwein, 2007, p. 9). Destarte, se entendermos o mecanismo de construção do pensamento humano nas relações psicossociais do trabalho, poderemos, através da junção de conhecimentos das áreas em estudo, motivar nesses profissionais um comportamento que opera mudanças significativas na estrutura social. NA PRÁTICA Nesta aula, evidenciamos que a prática profissional do assistente social encontra, no campo das políticas públicas sociais, um vasto espaço para sua aplicação. Trata-se de área abrangente, pelos diversos programas de políticas sociais oferecidos pelo Estado e pelas possibilidades que cada projeto social tem para a ampliação do acesso aos direitos sociais. FINALIZANDO Através da articulação entre os saberes aqui expostos, discorremos sobre a constituição de indivíduo, cultura e sociedade; voltando o foco para tratarmos sobre consciência e alienação. Concluímos nossa aula apresentando o panorama da Psicologia Social e suas implicações para a atuação do profissional de Assistência Social. 9 REFERÊNCIAS DUARTE, N. Formação do indivíduo, consciência e alienação: o ser humano na psicologia de A. N. Leontiev. Cad. CEDES, v. 24, n. 62, p.44-63, 2004. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32622004000100004>. Acesso em: 30 jul. 2018. EIDELWEIN, K. Psicologia social e serviço social: uma relação interdisciplinar na direção da produção de conhecimento. Revista Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 298-313, 2007. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile/2320/324> . Acesso em: 30 jul. 2018. LANE, S. T. M. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1994. LORENA, A. B. de. Psicologia geral e social. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2014. SANTOS, D. J.; SILVA, D. T. Fundamentos Históricos do Serviço Social Brasileiro e o Projeto Ético-Político Profissional: uma história em construção na UNIGRANRIO. Moitará, v. 1, n. 1, p. 1-27. Disponível em: <http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/mrss/article/view/3021>. Acesso em: 30 jul. 2018.