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Doença por Refluxo Gastresofágico Eliza Maria de Brito e Lucia na Dias Moretzsohn • INTRODUÇÃO O refluxo gastresofágico (RGE) é, por definição, o desloca mento, sem esforço, do conteúdo gástrico do estômago para o esôfago. Ocorre em todas as pessoas várias vezes ao dia e, des de que não haja sintomas ou sinais de lesão mucosa, pode ser considerado um processo fisiológico. A doença do refluxo gastresofágico (DRGE) foi definida ob jetivamente, no consenso internacional realizado em Montreal (2006), como "condição na qual o refluxo do conteúdo gástrico causa sintomas que afetam o bem-estar do paciente e/ou com plicações" . Atualmente, a DRGE é considerada um problema de saúde pública em razão de sua elevada prevalência, evolução crôni ca, recorrências frequentes e comprometimento da qualidade de vida. A prevalência es timada da DRGE baseia-se apenas na presença de sintomas clássicos. Existe uma quantidade cres cente de informação sobre manifestações extraesofágicas da DRGE, com evidências de que a DRGE pode ser mais comum do que estimado atualmente. Dados epidemiológicos baseados na presença de pirose como indicador da DRGE revelam que 15 a 44% dos adultos norte-americanos têm este sintoma pelo menos uma vez por mês, e 14 a 17,8%, diariamente. No Brasil, foi realizado um estudo populacional que avaliou a frequência de pirose, entrevistando quase 14.000 pessoas em 22 cidades, que conclui que 12% da população urbana tem a DRGE. A DRGE afeta todos os grupos etários, mas os idosos pro curam tratamento mais frequentemente. O impacto negativo da DRGE na qualidade de vida é significativo, maior do que em pacientes com diabetes melito e hipertensão arterial, com rápida melhora após resposta favorável ao tratamento. • FISIOPATOLOGIA A etiologia da DRGE é multifatorial. Tanto os sintomas quanto as lesões teciduais resultam do contato da mucosa com o conteúdo gástrico refluxado, decorrentes de falha em uma ou mais das seguintes defesas do esôfago: barreira antirrefluxo, mecanismos de depuração intraluminal e resistência intrínseca do epitélio (Figura 10.1). 102 Esvaziamento gástrico retardado ..... Alteração da depuração esofágica Figura 10.1 Causas do aumento da exposição do epitélio esofágico ao conteúdo gástrico. • Barreira antirrefluxo A barreira antirrefluxo, principal proteção contra o RGE, é composta por: esfíncter interno (ou esfíncter inferior do esô fago - ElE - propriamente dito) e esfíncter externo (formado pela porção crural do diafragma). O ElE mantém-se fechado em repouso e relaxa com a deglutição e com a distensão gástrica. O relaxamento não relacionado com a deglutição é chamado relaxamento transitório do ElE (RTEIE), sendo considerado o principal mecanismo fisiopatológico associado à DRGE, res ponsável por 63 a 74% dos episódios de RGE. Em pacientes com formas graves de DRGE, a pressão de repouso do ElE está diminuída. Muitas substâncias afetam a pressão do ElE: a co lecistocinina (CCK) é responsável pela diminuição da pressão de ElE observada após a ingestão de gorduras; outros neuro transmissores estão envolvidos, entre os quais se destacam o óxido nítrico (ON) e o peptídio intestinal vasoativo (VIP). O comprimento total e o comprimento abdominal do ElE são outros parâmetros usados para avaliar a função do EIE, e que são valorizados quando estão diminuídos. A presença de hérnia paulo Lápis paulo Lápis paulo Lápis paulo Lápis hiatal contribui para o funcionamento inadequado da barreira antirrefluxo através da dissociação entre o esfíncter externo e o interno e do refluxo sobreposto (fluxo retrógrado do conteú do refluxado preso no saco herniário para a porção tubular do esôfago). A distensão gástrica, principalmente após as refeições, con tribui para o refluxo gastresofágico. O retardo do esvaziamento gástrico, o aumento da pressão intragástrica (ambos presentes quando há obstrução ou semiobstrução antropilórica) e a alte ração da secreção gástrica (como a hipersecreção da síndrome de Zollinger-Ellison) são fatores que podem estar presentes, mas são pouco frequentes. • Mecanismos de depuração intraluminal A depuração (ou "clareamento ") do material refluxado pre sente na luz do esôfago decorre de uma combinação de meca nismos mecânicos (retirando a maior quantidade do volume refluído, através do peristaltismo e da gravidade) e químicos (neutralização do conteúdo residual pela saliva ou pela muco sa). A alteração do peristaltismo pode ser primária (no caso dos distúrbios motores do esôfago, como na motilidade eso fágica ineficaz) ou secundária (nas doenças do tecido conjun tivo, como esclerodermia, síndrome CREST ou doença mista do tecido conjuntivo). A diminuição do fluxo salivar pode ser secundária à síndrome de Sjõgren ou ao uso de diversos medi camentos. A depuração do ácido pela saliva não é instantânea e, sob ótimas circunstâncias, requer 3 a 5 min para restaurar o pH após um único episódio de refluxo. Cada 7 mf de saliva é capaz de neutralizar 1 mf de HCl 0,1 N. Episódios de refluxo ocorridos durante a noite, na posição supina, são duradouros e têm grande chance de causar lesão mucosa devido à diminuição do fluxo de saliva, que ocorre normalmente à noite, associada à falta de ação da gravidade. • Resistência intrínseca do epitélio A resistência intrínseca da mucosa é constituída pelos se guintes mecanismos de defesa, normalmente presentes no epi télio esofágico: • defesa pré-epitelial (composta por muco, bicarbonato e água no lúmen do esôfago, formando uma barreira fisico química, que é pouco desenvolvida no esôfago, quando comparada à mucosa gástrica e duodenal); • defesa epitelial (junções intercelulares firmes, característi cas do epitélio estratificado pavimentoso, o que dificulta a retrodifusão de íons, e substâncias tamponadoras inters ticiais, como proteínas, fosfato e bicarbonato); • defesa pós-epitelial (suprimento sanguíneo, responsável tanto pelo aporte de oxigênio e nutrientes quanto pela remoção de metabólitos). O defeito mais comum da re sistência epitelial é o aumento da permeabilidade para celular. A esofagite ocorre quando os fatores de defesa são sobrepujados pelos fatores agressivos. Outro constituinte do material refluxado, que tem sido cor relacionado com maior agressividade para a mucosa do esôfa go, é o conteúdo duodenal (bile e secreções pancreáticas), que atinge o estômago, através do piloro e, subsequentemente, che ga ao esôfago. O refluxo duodeno-gastresofágico é um fenô meno fisiológico, de composição variada, que lesa a mucosa esofágica pela ação das enzimas proteolíticas, potencializando a lesão provocada pelo ácido. A variabilidade da composição Capítulo 1 O I Doença por Refluxo Gastresofágico 1 03 do conteúdo refluxado é uma das possíveis explicações para os diferentes graus de esofagite observadas em pacientes com a mesma quantidade de refluxo ácido demonstrado por exa mes pHmétricos. O mecanismo responsável pelas manifestações extraesofá gicas da DRGE, como tosse e broncospasmo, nem sempre é a aspiração com lesão da mucosa de vias respiratórias por con tato direto. Pode ser via reflexo vagal por acidificação da mu cosa esofágica distai. No caso de granulomas de cordas vocais e estenose subglótica, é necessário, provavelmente, o contato direto com a mucosa das vias respiratórias. • SINTOMATOLOGIA • Sintomas típicos Os sintomas clássicos da DRGE são pirose (sensação de queimação retroesternal, ascendente em direção ao pescoço) e regurgitação (retorno de conteúdo gástrico, ácido ou amargo, até a faringe), de fácil reconhecimento. Os pacientes podem relatar alívio dos sintomas com uso de medicamentos antiá cidos. Estes sintomas são mais frequentes após as refeições ou quando o paciente está em decúbito supino ou em decúbito lateral direito. • Sintomas atípicos A causa mais comum da dor torácica de origem esofágica é a DRGE, que pode ser indistinguível da dor de origem cardíaca. O estímulo de quimiorreceptores da mucosa esofágica pelo refluxato desencadeia essa dor, visto que a inervação do esôfago e do miocárdio é a mesma. • Sintomas extraesofágicos Manifestações extraesofágicas pulmonares (tosse crônica, asma, bronquite, fibrose pulmonar, aspiração recorrente, den tre outras), otorrinolaringológicas (rouquidão, globus, roncos, pigarro, alterações das cordas vocais, laringite crônica, sinusi te e erosões dentárias) estão associadas à DRGE, mas não são específicas. A maioria dos pacientes com sinais e/ou sintomas extraesofágicos não apresenta sintomas típicos concomitan tes. Na realidade, a DRGE pode ser apenas uma das diversas causas destes sintomas. Portanto, nos pacientes com sintomas extraesofágicos, é necessária a confirmação da existência de DRGE, através de exames complementares ou de resposta ao tratamento com antissecretores potentes, para concluir que a causa é a DRGE. • Sintomas de alarme As manifestações de alarme, que sugerem formas mais agres sivas ou complicações da doença, são: odinofagia, disfagia, san gramento, anemia e emagrecimento. • APRESENTAÇÃO CLÍNICA Os portadores de DRGE não constituem uma população homogênea. As diferentes respostas ao refluxo gastreso fágico ainda são pouco entendidas. Os determinantes imunológicos da resposta inflamatória do epitélio esofágico ao refluxo gas- paulo Lápis paulo Lápis paulo Lápis paulo Lápis paulo Lápis paulo Lápis paulo Lápis 1 04 Capítulo 10 I Doença por Refluxo Gastresofágico tresofágico foram estudados por Fitzgerald et al., que encon traram uma diversidade da resposta inflamatória e do padrão de citocinas. Apesar das controvérsias existentes na literatura atual, estes grupos representariam subpopulações com dife rentes respostas ao mesmo fator comum, ou seja, exposição do epitélio esofágico ao refluxo ácido, mais estudado do que o refluxo não ácido. • Sintomas típicos com endoscopia digestiva alta (EDA) normal Estudos realizados junto à comunidade indicam que apro ximadamente 60% dos pacientes com DRGE têm endoscopia normal. A maior parte dos pacientes com sintomas de refluxo não apresenta evidências de esofagite ou de suas complicações à endoscopia, mas manifestam sintomas com a mesma inten sidade e o mesmo impacto na qualidade de vida do que os que têm esofagite. De acordo com o resultado da pHmetria, os portadores de DRGE com endoscopia normal podem ser subdivididos em dois grupos: doença do refluxo não erosiva e pirose funcional. • Doença do refluxo não erosiva Trata-se de condição na qual o paciente apresenta sintomas típicos da DRGE e o exame endoscópico não evidencia altera ções da mucosa esofágica. Baseados na resposta terapêutica com IBP e pHmetria esofágica prolongada, esses pacientes podem ser classificados em: • pacientes com exposição ácida anormal (que têm respos ta terapêutica semelhante à dos pacientes com esofagite endoscópica); • pacientes com exposição ácida normal e com correlação positiva entre sintomas e episódios de refluxo (es timado pelo índice de sintomas, que é positivo) e resposta ao uso de inibidores da bomba de prótons (IBP). • Pirose funcional Segundo os critérios conhecidos como Roma III, é a pirose com todos os parâmetros pHmétricos normais e ausência de resposta ao uso de inibidores da bomba de prótons. Segundo Martinez et al., corresponde a menos de 10% dos portadores de pirose avaliados por gastrenterologistas. A sobreposição entre os distúrbios gastrintestinais funcio nais é amplamente aceita como uma realidade clínica. Existe sobreposição entre a pirose funcional e a dispepsia funcional, que poderia ser explicada pela íntima relação fisiológica e fi siopatológica entre o ElE e a porção superior do estômago. A distensão do fundo gástrico é o mecanismo primário de indução dos RTEIE. Alterações semelhantes da motilidade, como, por exemplo, esvaziamento gástrico retardado, têm sido descritas na DRGE e na dispepsia funcional. A alteração da acomodação do fundo gástrico é reconhecida como uma importante carac terística da dispepsia funcional. • Esofagite erosiva O grupo mais facilmente identificável e com alterações fi siopatológicas mais claras é o dos portadores de esofagite ero siva. A visualização endoscópica de erosões esofágicas sela o diagnóstico de DRGE. Apesar disso, ainda cabem diagnósticos diferenciais, como lesão esofágica induzida por comprimido e esofagite eosinofílica, dentre outros. • Estenose péptica A incidência de estenose péptica caiu muito após a introdu ção dos IBP. Não existem fatores que possam predizer sobre a tendência evolutiva para estenose esofágica, pois a gravidade da DRGE não se associa com essa tendência. A DRGE é responsável por 70% das estenoses esofágicas. Outras causas incluem ingestão de cáusticos, sequela de radio terapia ou esclerose de varizes, epidermólise bolhosa, doença de Crohn, tumores, sífilis, tuberculose e citomegalovírus, den tre outras. O sintoma mais frequente de apresentação da estenose pép tica é a disfagia esofágica. Cerca de 30% dos pacientes não refe rem sintomas prévios de pirose e regurgitação ácida. Na propedêutica desses pacientes, utilizamos habitualmente o estudo radiológico e a endoscopia digestiva. A radiologia do esôfago tem alta sensibilidade na detecção das estenoses eso fágicas, muitas vezes não visualizadas pela endoscopia. A en doscopia digestiva é um exame imprescindível, pois, além de visualizar a estenose, permite a coleta de biopsias para estudo histopatológico (Figura 10.2). • Esôfago de Barrett O esôfago de Barrett é uma condição em que um epitélio colunar associado à metaplasia intestinal substitui o epitélio escamoso normal que recobre o esôfago distal. Trata-se, na grande maioria das vezes, de uma sequela da DRGE de longa evolução. O exame histopatológico do epitélio de Barrett geral mente evidencia uma forma incompleta de metaplasia intesti nal. A grande preocupação causada pelo esôfago de Barrett é a predisposição de suas células sofrerem alterações genéticas associadas ao adenocarcinoma. Essa doença é diagnosticada principalmente em homens brancos, na sexta década de vida, sendo pouco frequente em mulheres, negros e asiáticos. Sua real prevalência é desconhe cida, mas dados americanos sugerem que ela está presente, em sua forma clássica, em 6 a 12% dos pacientes submetidos à en doscopia digestiva devido a sintomas de DRGE. Figura 10.2 Aspecto endoscópico da estenose péptica do esôfago. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) paulo Lápis • A DRGE em pacientes com esôfago de Barrett Pacientes com a forma clássica do esôfago de Barrett pa recem apresentar anormalidades fisiológicas que contribuem para a gravidade da DRGE. A função motora esofágica está frequentemente comprome tida nesses indivíduos, traduzindo-se por baixa amplitude das ondas peristálticas associada a uma maior frequência de con trações anormais. Essas anormalidades comprometem o clarea mento esofágico do material refluído, aumentando o tempo de contato do refluxato com epitélio esofágico. Em mais de 90% dos pacientes, observam-se alterações do esfíncter esofágico inferior, como hipotonia e pequeno compri mento intra-abdominal, além de uma alta incidência de hérnia hiatal. Esses fatores favorecem o refluxo gastresofágico, inclu sive durante o período noturno. Estudos utilizando pHmetria esofágica prolongada mos tram que, em portadores de esôfago de Barrett, o refluxo ácido gastresofágico é mais intenso e duradouro que em portadores de DRGE não complicada. Além disso, o refluxo de secreções duodenais (bile e suco pancreático) parece desempenhar um importante papel na pato gênese do esôfago de Barrett. • Quadro clínico Uma história clínica detalhada dos portadores de esôfago de Barrett geralmente identifica sintomas de longa duração que incluem pirose, regurgitação e disfagia esofágica. Existe também uma maior associaçãodo esôfago de Barrett com outras com plicações da DRGE, como estenose, ulcerações e sangramen tos. Entretanto, quando ocorre o desenvolvimento da doença, a maioria desses pacientes apresenta uma grande melhora dos seus sintomas, tornando-se mesmo oligossintomáticos. Essa melhora é explicada pela maior resistência do epitélio de Bar rett à agressão ácida. • Diagnóstico Atualmente, propõe-se a seguinte classificação para o epi télio colunar de Barrett: • Segmento longo do esôfago de Barrett (metaplasia in testinal� 3 em). • Segmento curto do esôfago de Barrett (metaplasia intes tinal < 3 em). • Tecido cárdico com metaplasia intestinal. Essa classificação é importante, pois, até o momento, o risco de degeneração maligna somente está bem estabelecido no seg mento longo do esôfago de Barrett. A presença de metaplasia intestinal em tecido cárdico não se relaciona à DRGE e sim à infecção pelo Helicobacter pylori e, dessa forma, não se associa patogeneticamente com o adenocarcinoma de esôfago. O diagnóstico do esôfago de Barrett baseia-se no aspecto endoscópico do epitélio colunar recobrindo o esôfago (Figura 10.3) e no exame histopatológico desse epitélio, que evidencia a presença de metaplasia intestinal incompleta. Esse diagnós tico é fácil quando se trata de segmento longo de epitélio colu nar que se inicia no estômago e se estende até o esôfago médio ou proximal. Entretanto, em segmentos curtos de esôfago de Barrett, nem sempre é fácil esse diagnóstico, pois, às vezes, é dificil determinar onde se situa a junção esofagogástrica (JEG). O epitélio colunar normal pode ser identificado em esôfago dis tai de indivíduos sadios, além da possibilidade de existência de metaplasia intestinal na cárdia. Na tentativa de aprimorar o diagnóstico do esôfago de Bar rett curto, várias técnicas têm sido utilizadas, como a cromo endoscopia e magnificação endoscópica, além da avaliação do Capítulo 1 O I Doença por Refluxo Gastresofágico 1 OS padrão de citoqueratinas na diferenciação da metaplasia intes tinal de cárdia e do epitélio de Barrett. A cromoscopia é uma técnica que consiste na utilização de corantes sobre a mucosa do esôfago, com o objetivo de facilitar a visualização do epi télio displásico ou metaplásico. São utilizados vários corantes, como o azul de metileno, que cora a metaplasia intestinal de azul; o lugol, que cora o epitélio esofágico de marrom; o azul de toluidina, que facilita a visualização do epitélio. Outro recurso utilizado é a magnificação endoscópica de imagem, que per mite a visualização da superfície vilosa do epitélio metaplásico intestinal (Figura 10.4). Entretanto, estudos que avaliaram a cromoendoscopia e magnificação não observaram a obtenção de informações adicionais com o emprego dessa técnica, o que não justifica sua utilização rotineira. Figura 10.3 Aspecto endoscópico do esôfago de Barrett. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) Figura 10.4Aspecto da magnificação endoscópica com ácido acético no esôfago de Barrett. (Esta figura encontra-se reproduzida em cores no Encarte.) 1 06 Capítulo 10 I Doença por Refluxo Gastresofágico Citoqueratinas são proteínas estruturais encontradas no ci toplasma de células epiteliais. Estudos envolvendo citoquerati nas sugerem que a metaplasia intestinal do epitélio de Barrett é precursora de células escamosas que não existem no estômago. Sendo assim, o padrão de citoqueratinas 7/20 ( CK7 /20) estaria presente na metaplasia intestinal do esôfago de Barrett, mas não na metaplasia intestinal gástrica, o que facilitaria a confirmação do diagnóstico do segmento curto de Barrett. • PROPEDEUTICA • Exame clínico A identificação dos sintomas cardinais da DRGE (pirose e regurgitação) permite um diagnóstico presuntivo da DRGE sem a necessidade da realização de outros exames complementares. Estudo de Klauser et al., comparando a presença desses sinto mas e achados de pHmetria esofágica prolongada, observou que a sensibilidade dos sintomas pirose e regurgitação é de, respec tivamente, 38 e 6%, e a especificidade de 89 e 95%. Dessa forma, em um paciente com queixas de pirose e/ou regurgitação ácida, é segura a instituição de tratamento clínico empírico. • pHmetria esofágica prolongada O advento de monitoramento prolongado do pH intrae sofágico contribuiu muito para a compreensão da DRGE. O exame é realizado ambulatorialmente, utilizando equipamen tos portáteis, sensores miniaturizados de pH e análise de dados computadorizados. A pHmetria prolongada permite o diag nóstico da DRGE por demonstrar a presença de refluxo ácido gastresofágico anormal. A pHmetria não é considerada o padrão-ouro no diagnóstico da DRGE, pois é um método que apresenta várias limitações. Cerca de 25% dos pacientes sabidamente portadores de eso fagite apresentam um estudo de pHmétrico normal. Existem controvérsias quanto à reprodutibilidade da pHmetria prolon gada. Alguns estudos sugerem uma reprodutibilidade de 85%, enquanto outros mostram registros de diferentes quantidades de refluxo ácido ao utilizarem simultaneamente dois catete res de monitoramento. Essas limitações são previsíveis, pois a pHmetria prolongada mede apenas um aspecto fisiopatológico da DRGE, que é uma doença multifatorial. Outros fatores além da exposição ácida vão determinar a presença ou ausência de sintomas e de lesões epiteliais, como sensibilidade e resistência da mucosa, e presença de outras substâncias no refluxado além do ácido, conforme citado na fisiopatologia. Além do mais, os sintomas da DRGE podem variar de um momento para o outro, o que torna uma única avaliação de exposição ácida passível de subestimar o refluxo ácido gastresofágico. A correlação entre o sintoma e o refluxo ácido é útil por determinar quando os sintomas referidos pelo paciente foram provocados pelo refluxo ácido (Figura 10.5). Essa correlação é obtida através de manipulações estatísticas, que avaliam a relação temporal entre episódios de refluxo e sintomas. Uma das correlações mais utilizadas é o índice de sintomas, definido pelo número de refluxos associados a sintoma dividido pelo número total de sintomas e expresso em porcentagem. Esse método apresenta limitações, pois não considera o número to tal de episódios de refluxo. Um método mais recente, e talvez o melhor disponível, considera a probabilidade de associação de sintomas e utiliza o método exato de Fisher para analisar quatro possíveis associações temporais entre sintoma e refluxo: refluxo e sintoma, refluxo sem sintoma, sintoma sem refluxo, e ausência de sintoma e de refluxo. Outra aplicação muito importante da pHmetria é no moni toramento de pH intragástrico. Apesar de existirem diversos métodos para estudo do pH intragástrico, o monitoramento prolongado do pH parece ser o mais confiável e utilizado. Uma importante indicação desse estudo é na avaliação de drogas inibidoras da secreção ácida. Nesses casos, é possível avaliar a magnitude do bloqueio da secreção ácida, bem como o início e a duração da ação de determinada droga. • lmpedância/pHmetria Trata-se de técnica que permite a identificação do refluxo gastresofágico independente de seu pH e de seu estado (Figura 10.6). Sendo assim, possibilita a avaliação qualitativa do tipo de refluxo (ácido ou fracamente ácido), seu alcance proximal, sua composição (líquido, gasoso ou misto), bem como do tem po de depuração (ou clareamento) esofágico. A principal in dicação da impedância/pHmetria é na avaliação de pacientes com sintomas típicos ou extraesofágicos atribuídos à DRGE, que não responderam de forma completa ao tratamento com . . . . . ' . ' 1-4 � � ... 11 Figura 10.5 Estudo de pHmetria prolongada evidenciando um episódio de refluxo ácido anormal do tipo supino (5), e índice de sintomas positivo entre os episódios de pirose (H) e os episódios de refluxo ácido. 10000 .... 10000 ... . .., • ... -- - .,.. - .... - I . - - • . o: - • I . I • • I • I . ' I . . ' • . I I I · I �L • • f " Capítulo 1 O I Doença por Refluxo Gastresofágico 1 07 - � • . � : - - - - ......c:-�-=-� � .. - -- - - - - .n ... • - - Figura 10.6 Registro de episódio de refluxo minimamente ácido, que alcança o esôfago proximal, coincidindo com queixa de regurgitação do paciente através de impedância/pHmetria esofágica. O registro de pH é feito pelo canal distai. inibidores de bomba protônica. Nesses casos, é possível iden tificar a associação dos sintomas com refluxo fracamente ácido ou ácido residual. Como a impedância/pHmetria fornece todas as informações obtidas pela pHmetria, a tendência é que esse método substitua o exame convencional. • Endoscopia digestiva alta A endoscopia digestiva alta é o exame de escolha para ava liação das alterações da mucosa esofágica secundárias à DRGE, permitindo, além de sua visualização direta, a coleta de frag mentos esofágicos através de biopsias. As principais indicações de realização de endoscopia digestiva em pacientes com sus peita de DRGE são: • Excluir outras doenças ou complicações da DRGE, prin cipalmente em pacientes com sintomas de alarme, como disfagia, emagrecimento, hemorragia digestiva. • Pesquisar a presença do esôfago de Barrett em pacientes com sintomas de longa duração. • Avaliar a gravidade da esofagite. • Orientar o tratamento e fornecer informações sobre a tendência de cronicidade do processo. De um modo geral, as classificações endoscópicas das eso fagites não contemplam as alterações mínimas da mucosa eso fágica, quais sejam friabilidade, edema e hiperemia. Essa abordagem, apesar de aumentar a sensibilidade do exame no diagnóstico da esofagite, apresenta baixa especificidade. A resposta histológica da mucosa esofágica ao refluxo gas tresofágico crônico mostra principalmente mudanças reacio nais (alongamento das papilas na lâmina própria e hiperplasia da camada de células basais) e alterações inflamatórias (pre sença de neutrófilos e eosinófilos intraepiteliais). Podem existir também células com abundante citoplasma pálido, chamadas células "em balão", provavelmente devido ao aumento da per meabilidade. Segundo Ismail-Beigi, que descreveu pioneira mente o alongamento das papilas e a hiperplasia de células basais, estas alterações evidenciam descamação acelerada do epitélio. A proximidade das papilas à superfície epitelial po deria explicar a pirose pelo contato do refluxado com a lâmi- na própria, estimulando quimiorreceptores e fibras nervosas desmielinizadas. A realização de biopsias esofágicas é importante para o diag· nóstico diferencial com a esofagite eosinofílica. A lesão mais precocemente detectada na DRGE é a dilatação dos espaços intercelulares à microscopia eletrônica e cujo va lor máximo médio comparado a controles foi estatisticamente significativo. Entretanto, o aumento do espaço intercelular foi também descrito em controles assintomáticos, o que diminui a especificidade desse método. A medida dos espaços intercelu lares demanda um tempo demorado para sua execução, o que impede a sua aplicabilidade na prática clínica atual. • Estudos radiológicos A cintigrafia e o esofagograma com bário são métodos radio lógicos habitualmente utilizados na avaliação da DRGE e suas complicações. Os estudos baritados são úteis em pacientes com disfagia, visto que apresentam boa sensibilidade na detecção de hérnias hiatais, estenoses e anéis esofágicos. O diagnóstico de esofagite, de um modo geral, só é evidente radiologicamente em casos mais graves. Entretanto, pHmetria é um método muito mais sensível que a radiologia no diagnóstico da DRGE. A cintigrafia para estudo da DRGE utiliza alimento marca do com tecnécio99• Trata-se de método de baixa sensibilidade quando comparado com a pHmetria prolongada. Entretanto, como permite avaliar o refluxo gastresofágico do material iso topicamente marcado, independente de sua acidez, pode ser útil em estudo de pacientes gastrectomizados, portadores de anemia perniciosa, ou em vigência de tratamento com drogas inibidoras da secreção ácida gástrica. • Testes provocativos O teste de Bemstein-Baker objetiva comprovar que o sin toma do paciente decorre do refluxo ácido gastresofágico. Esse teste utiliza a infusão de ácido clorídrico a 0,1 N na luz esofá gica, na tentativa de reproduzir o sintoma típico do paciente, e a infusão de solução salina como placebo. Considera-se o teste positivo naquele paciente que apresentou sintomas típi- 1 08 Capítulo 10 I Doença por Refluxo Gastresofágico cos apenas durante a infusão de ácido clorídrico. Esse teste é considerado de alta especificidade ao atribuir a origem do sin toma ao refluxo ácido. Deve ser reservado para situações em que não se dispõe de pHmetria prolongada, ou para pacientes que apresentam sintomas infrequentes, e que não ocorreram durante o monitoramento esofágico do pH. • Manometria esofágica A manometria esofágica apresenta uma indicação limita da na avaliação inicial da DRGE e não deve ser realizada para diagnóstico dessa doença. Esse exame pode ser útil na ava liação da gravidade da DRGE, podendo prever sua gravidade ao demonstrar um ElE defectivo ou disfunção peristáltica. A melhor indicação da manometria na DRGE é na avaliação de diagnósticos diferenciais de afecções que podem provocar sin tomas semelhantes aos da DRGE, como regurgitação e disfagia, frequentemente observadas em portadores de esclerodermia e acalasia. • Bilite� O refluxo duodenogastresofágico tem sido associado à pa togênese de formas esofágicas mais graves da DRGE, como esôfago de Barrett e estenose péptica. O Bilitec® foi criado vi sando à detecção dessas substâncias que possuem um alto pH e, portanto, não são detectadas pela pHmetria prolongada. Esse sistema percebe a presença de bilirrubina através de espectro fotometria. Apresenta limitações, como sua incapacidade de diferenciar substâncias com coloração semelhante à da bilir rubina, exigência de dieta líquida (pouco fisiológica) durante o exame, e é pouco utilizado em nosso meio. • TRATAMENTO • Medidas higienodietéticas A importância das modificações no estilo de vida e dos fa tores dietéticos foi muito enfatizada no passado. Atualmente, considera-se que é recomendável educar os pacientes a respeito dos fatores que podem precipitar episódios de refluxo, mas o emprego isolado destas recomendações não é suficiente para controlar de modo eficaz seus sintomas. A adesão da grande maioria dos pacientes a estas medidas é geralmente limitada devido ao comprometimento da qualidade de vida. Refeições pouco volumosas, com alto conteúdo de proteí nas e baixo conteúdo de gorduras, podem evitar a distensão gástrica e contribuir para manter a pressão do ElE. A ingestão de alimentos nas três horas precedentes ao horário de dei tar contribuiria para reduzir a frequência dos episódios pós prandiais de refluxo, especialmente na posição de decúbito. Foi demonstrado que, imediatamente após a ingestão de cho colate, a pressão do ElE diminui. O suco de laranja teria efeito irritativo direto na mucosa esofágica independente do pH, o que poderia ser explicado pela elevada osmolaridade dos sucos concentrados, também presente em comidas apimentadas que geralmente são preparadas com muito sal. A hiperosmolari dade dos alimentos pode também ser responsável pela pirose, comparativamente mais frequente em pacientes com teste de Bernstein positivo (esôfago sensível ao ácido) do que naque les com teste negativo (p < 0,01). Em relação ao café, existem estudos conflitantes na literatura quanto ao seu efeito sobre o EIE, mas o café descafeinado diminui em 85% a exposição ácida observada à pHmetria quando comparado com o café tradicional. A queixa de pirose após ingestão de bebida alcoólica é fre quente em pacientes com DRGE. Embora não totalmente es clarecidos, os mecanismos responsáveis seriam o efeito direto do álcoolsobre a mucosa, redução da pressão do EIE e prolon gamento da exposição ácida noturna, sugerindo efeito deletério nas defesas contra o refluxo patológico. A obesidade é considerada, hoje, fator de risco para DRGE, principalmente a gordura intra-abdominal medida pela cir cunferência abdominal. A perda de peso deve ser estimulada nos pacientes obesos, sendo comumente observada melhora subjetiva dos sintomas. O tabagismo tem influência negativa na DRGE devido a: diminuição da pressão do ElE, diminuição do volume e da se creção de bicarbonato salivar, e aumento do risco de desenvol vimento de adenocarcinoma do esôfago distai e cárdia. A elevação da cabeceira da cama é questionável, pois a maio ria dos pacientes apresenta episódios de refluxo durante o dia, e esta medida beneficiaria apenas um reduzido grupo de pa cientes com sintomas noturnos que tem, por exemplo, intensa regurgitação. Existem evidências de que o decúbito lateral esquerdo deve ser recomendado para pacientes com DRGE pela observação de redução do ácido no esôfago, uma vez que o volume alcançado pelo suco gástrico não chega a atingir a JEG. • Tratamento medicamentoso • lnibidores da bomba de prótons A terapia com antissecretores potentes é capaz de aliviar os sintomas mais rapidamente e cicatrizar as lesões na maior parte dos pacientes. Doses padronizadas dos inibidores da bomba de prótons (lBP) (omeprazol, 20 mg; lansoprazol, 30 mg; pantoprazol, 40 mg; rabeprazol, 20 mg; e esomepra zol, 40 mg) são capazes de tratar a esofagite e aliviar sinto mas em 80 a 90% dos casos em 8 semanas. A resposta inicial ao uso dos lBP é fator preditivo do sucesso do tratamento a longo prazo. Estes medicamentos devem ser sempre tomados antes das refeições. A adoção inicial da terapia mais potente, seguida de redução da dose suficiente para obter controle sintomático ("step-down "), parece ser a melhor opção em termos de resolutividade e de custos, estratégia recomendada pelo Consenso de Genval. Os lBP são eficazes e seguros quando usados na terapia de manutenção, que deve ser individualizada de acordo com a gravidade e resposta ao tratamento. Se o paciente apresenta sintomas pouco frequentes, o uso do medicamento pode ser feito de acordo com demanda própria. Porém, nos pacientes com esofagite grave (classificação de Los Angeles C e D), deve-se iniciar com a dose-padrão e mantê-la. Caso os sintomas ou as lesões endoscópicas persistam, acrescen ta-se uma segunda dose à noite. Estes pacientes frequentemente desenvolvem complicações da doença. O controle dos sintomas atípicos é mais difícil do que o controle da pirose, necessitando frequentemente do uso de dose dupla de IBP. São considerados pacientes refratários aqueles que necessi tam usar lBP mais que 2 vezes/dia, sem controle dos sintomas associados ao refluxo e/ou com alterações mucosas significa ti vas após 12 semanas ou mais de tratamento. A recorrência dos sintomas após interrupção do lBP não é considerada refratariedade, pois a DRGE é condição crônica ou recidivante. paulo Lápis paulo Lápis paulo Lápis As principais preocupações sobre as consequências da ini bição da secreção gástrica incluem: • Hipergastrinernia, reversível com a interrupção do trata mento e não relacionada com desenvolvimento de car cinoides ou displasia. • Progressão da gastrite do corpo gástrico induzida pela infecção pelo H. pylori. Nos pacientes que necessitam de uso continuado de IBP, é recomendável a pesquisa e erradicação do microrganismo. Quanto à controversa relação entre DRGE e H. pylori, se aceita atualmente que a erradicação do microrganismo não exacerba a DRGE e que, na maioria dos indivíduos, a erradicação não está associada ao desenvolvimento de DRGE. • Possível interferência na absorção de nutrientes, devi do à hipocloridria resultante do uso prolongado de IBP. Existem controvérsias na literatura sobre a necessidade de dosar periodicamente os níveis séricos de ferro e de vitamina B12, de acordo com poucos estudos publicados a respeito, sendo todos com pequeno número de pacientes. Com relação à absorção do cálcio, existem alguns estu dos observacionais que sugerem um possível aumento do risco de fraturas ósseas em usuários crônicos de IBP. Atualmente, vários aspectos desta possível relação não estão resolvidos, devendo-se aguardar a realização de no vos estudos, para o esclarecimento adequado. A terapia antiácida com IBP é capaz de diminuir drastica mente o refluxo duodeno-gastresofágico, o que pode ser expli cado pela diminuição do ácido e do volume da secreção gástrica. A proteção da mucosa esofágica ocorre também pela eliminação do sinergisrno negativo entre o ácido, a pepsina e a bile. É recomendável, no entanto, usar a menor dose do IBP para obtenção do efeito terapêutico desejável. Os objetivos do tratamento do esôfago de Barrett incluem, idealmente, o controle dos sintomas da DRGE, a cicatrização de lesões associadas e a prevenção da progressão para neopla sia do epitélio metaplásico e/ou displásico. Estudos recentes corroboram o conceito de que a exposi ção ácida persistente no esôfago de Barrett associa-se com a precipitação de todos os estágios de progressão molecular do desenvolvimento do adenocarcinorna. O refluxo ácido crô nico pode predispor ao câncer por lesar as células epiteliais metaplásicas, aumentando sua proliferação e diminuindo sua diferenciação. Sendo assim, a tendência atual é que seja feito um controle rigoroso do refluxo gastreso fágico em portado res de esôfago de Barrett, através de urna abordagem clínica . ' . ou cirurgica. O tratamento clínico do esôfago de Barrett consiste na uti lização de inibidores de bomba protônica em doses definidas por monitoramento por pH esofagogástrico, visando a abolir a secreção ácida gástrica e, dessa forma, a impedir o refluxo gastreso fágico. Vale salientar que essas drogas também contro lam o refluxo biliar provavelmente por diminuírem o conteú do do refluxato. O uso de drogas anti-inflamatórias parece ter um papel profilático no desenvolvimento do adenocarcinoma esofágico, e sua utilização rotineira em portadores de esôfago de Barrett tem sido defendida por alguns autores. • Antagonistas H2 Os antagonistas dos receptores H2 (AH2) - cimetidina, ra nitidina, farnotidina, nizatidina - são drogas seguras e bem toleradas, mas têm curta duração de ação (entre 4 e 8 h, con forme o regime empregado) e resultam em inibição incompleta da secreção ácida. Consequentemente, para o tratamento da Capítulo 1 O I Doença por Refluxo Gastresofágico 1 09 DRGE, são necessárias doses múltiplas. Além disso, observa-se declínio da inibição da secreção ácida quando usada por mais que duas semanas, fenômeno conhecido como taquifilaxia ou tolerância, que limita a eficácia terapêutica. Dentre os AH2, cirnetidina e ranitidina foram os mais estu dados no tratamento da DRGE, com boa resposta após 8 sema nas de tratamento em aproximadamente 50 a 66% dos pacien tes. Os melhores resultados foram obtidos em pacientes com esofagite leve a moderada, tratados com doses elevadas. A ranitidina foi menos eficaz em manter a remissão na DRGE (45%) do que o omeprazol em diferentes doses (62 a 72%) em pacientes com esofagite erosiva ou ulcerada. A dose diária de 10 rng de orneprazol parece ser superior à dose padrão de ranitidina (150 rng 2 vezes/dia). A eficácia limitada dos AH2 pode ser explicada pelo efeito insuficiente na inibição ácida após refeições. No entanto, os AH2 têm eficácia compro vada na inibição da secreção noturna. • Procinéticos As alterações fisiopatológicas responsáveis pela DRGE pode riam ser corrigidas por drogas que aumentassem a pressão do ElE, melhorassem o peristaltismo do esôfago e o esvaziamento gástrico. Os medicamentos procinéticos atualmente disponí veis no mercado não corrigem estas alterações, e são eficientes apenas quando usados em pacientes com sintomas dispépticos associados. A rnetoclopramidanão é considerada boa escolha no trata mento da DRGE, pois atua no sistema nervoso central, causan do efeitos colaterais corno sonolência, irritabilidade, tremores e discinesia. A dornperidona, antagonista da doparnina apenas em nível periférico, é útil, mas observa-se hiperprolactinemia em 10 a 15% dos seus usuários crônicos. Outro eficaz procinético, a cisaprida, foi retirado do comér cio por induzir arritmias cardíacas principalmente quando as sociada a outras drogas. • Novas drogas Algumas drogas de diferentes perfis farmacológicos têm sido testadas, apresentando resultados iniciais limitados. Resulta dos promissores têm sido obtidos com o baclofeno, agonista dos receptores B do ácido gama-aminobutírico (GABA). Seu uso em pacientes com DRGE mostrou redução do número de episódios de refluxo e o percentual de tempo de exposição áci da após uma única dose de 40 mg. Seu mecanismo parece ser a supressão dos RTEIE. Como seus efeitos colaterais são fre quentes, impedindo provavelmente o uso rotineiro, o baclofeno tem sido considerado um protótipo para o desenvolvimento de novas drogas anti-RTEIE. • Tratamento cirúrgico O tratamento cirúrgico da DRGE consiste no reposiciona mento do esôfago na cavidade abdominal associado à hiatoplas tia e fundoplicatura. Após a realização da primeira fundoplica tura (Nissen) por via laparoscópica, em 1991, por Dallernagne et al., observou-se uma tendência crescente na indicação da cirurgia, considerada alternativa segura e eficaz no tratamento de portadores de DRGE. As indicações da cirurgia antirrefluxo variam. As diretrizes do American College of Gastroenterology (2005) colocam a ci rurgia como uma opção para o tratamento de manutenção para os pacientes com DRGE bem documentada, enquanto o Con senso de Genval considera o tratamento cirúrgico apropriado paulo Lápis 1 1 O Capítulo 10 I Doença por Refluxo Gastresofágico em todos os pacientes que, devidamente informados, optem pela cirurgia. Ambos enfatizam a importância da escolha do cirurgião bem treinado. O tratamento cirúrgico no esôfago de Barrett não compli cado consiste na fundoplicatura, atualmente realizada por via videolaparoscópica. A realização de uma pHmetria pós-opera tória seria ideal para se confirmar a ausência de refluxo ácido no esôfago. A falta de resposta ao tratamento clínico não é atualmente considerada como indicação de tratamento cirúrgico, pois a falha terapêutica pode ser devida à incorreção do diagnóstico. Neste caso, deve-se sempre reconsiderar o diagnóstico e rea valiar a terapia. Conforme o li Consenso Brasileiro da Doença do Refluxo Gastroesofágico, realizado em 2003, o tratamento cirúrgico da DRGE não complicada deve ser considerado quando: houver razões que impossibilitem a continuidade do tratamento clínico (de ordem pessoal, econômica ou intolerância) e nos casos em que for exigido tratamento contínuo de manutenção com IBP, especialmente naqueles com menos de 40 anos de idade, que optem pelo tratamento cirúrgico. Está recomendado também nas formas complicadas da DRGE (i. e., estenose e/ou úlcera) e quando houver adenocarcinoma. Existem estudos comparativos da eficácia do tratamento clínico com o tratamento cirúrgico. Um estudo prospec tivo e randomizado avaliou a satisfação dos pacientes portadores de DRGE que se submeteram ao tratamento clínico ou cirúrgico. O seguimento foi, em média, de 10,6 anos para o tratamento medicamentoso e de 9,1 anos para o cirúrgico. A grande maio ria dos pacientes operados (62%) estava usando algum tipo de medicamento antirrefluxo (IBP, AH2 ou procinéticos) regular mente, apesar de estarem satisfeitos com o tratamento inicial (Figura 10.7). Os autores concluíram que pacientes que se sub metem à cirurgia antirrefluxo não podem ter a expectativa de não usar novamente medicamentos antissecretores. As conclusões de um estudo prospectivo randomizado e multicêntrico europeu, comparando o tratamento clínico com o cirúrgico, foram publicadas após 3 anos de seguimento por Lundell et al. (2008). Ambos os tratamentos atingiram o mes mo grau de satisfação dos pacientes e foram considerados al tamente eficazes, seguros e bem tolerados. Como o seguimen to destes pacientes continua, aguardam-se novas publicações dos autores. A seleção apropriada e a avaliação pré-operatória dos pa cientes são de fundamental importância. Os fatores preditivos de boa resposta, encontrados em um estudo com 100 pacientes, foram idade inferior a 50 anos, sintomas típicos com resolução completa com tratamento medicamentoso. Os sintomas típi cos respondem mais provavelmente após a cirurgia do que os sintomas atípicos extraesofágicos. Atualmente, existem alguns estudos observacionais, mas não estudos controlados, comparando o tratamento clínico com o tratamento cirúrgico no controle dos sintomas extraesofágicos da DRGE. A resposta favorável ao tratamento cirúrgico foi ob servada apenas em pacientes rigorosamente selecionados, por tadores de tosse crônica e de asma, associadas à DRGE. Outra vantagem do tratamento cirúrgico é o controle do refluxo não ácido (componente biliar e pancreático) e seu con troverso impacto nas alterações metaplásicas e displásicas do epitélio esofágico. Sintomas pós-operatórios como disfagia, incapacidade de eructar, plenitude pós-prandial, síndrome do ar preso (gas blo at) e flatulência ocorrem em O a 40% dos casos e devem ser in formados previamente ao candidato à cirurgia. • Tratamento endoscópico Novos e variados procedimentos endoscópicos para trata mento da DRGE estão sendo investigados e todos têm como objetivo aumentar a barreira antirrefluxo. Apesar de algumas destas técnicas terem sido aprovadas pelo órgão regulatório americano FDA (Food and Drug Administration), elas conti nuam sendo investigadas: radiofrequência (Stretta), sutura en doscópica, implantação de microesferas. O procedimento com Stretta cria uma lesão que, ao cicatrizar, resulta em estenose. A sutura endoscópica cria uma plicatura endoluminal no esôfago distai. Várias questões ainda não resolvidas sobre estes proce dimentos incluem eficácia, durabilidade e segurança a longo prazo. Aguardam-se estudos controlados e randomizados para determinação das suas indicações nos portadores de DRGE. • Estenose esofágica O tratamento de estenose péptica do esôfago consiste no controle da DRGE e nas dilatações esofágicas. Apesar de a dila tação esofágica ser a base do tratamento da estenose péptica do esôfago, o uso de antissecretores tem mudado o curso natural dessa afecção. Na verdade, esses medicamentos diminuem o edema da mucosa, aumentando o diâmetro da luz do esôfago, além de evitar a persistência da agressão ácida sobre o órgão. Esses efeitos determinam uma melhora do quadro esofágico a longo prazo. Os inibidores da bomba protônica em altas doses são as drogas de escolha para o tratamento desses pacientes, oferecendo resultados muito superiores àqueles obtidos com o uso de antagonistas dos receptores H2• A cirurgia antirrefluxo 100 92 96 80 60 40 89 :: .t.;·' _ :� :. f . 20 z�·:�:�� �t::;: 'I I f,, _.::�;;.;:•::$;'•'::-:•, :• 11 �/>.-�:.• !.•• .:.: . ;· . ' ·;· o +--.u.<.< �:.a:;;=.;;�;L_-...--��=·· ......... · .:..·i..:·�_, Uso de medicação antlrreflu:xo Satisfação com o tratamento !:a Tratamento medicamentoso (n = 166) o Tratamento drurglco inicial (n = 82) Figura 10.7 Tratamento cirúrgico e medicamentoso da DRGE: seguimento a longo prazo. Adaptado de Spechler. (fundoplicatura) é também uma boa opção para evitar o reflu xo gastresofágico, diminuindo a probabilidade de recidiva da estenose péptica do esôfago. O principal tratamento da estenose esofágica é a dilatação da área estenosada. Com esse objetivo, podem-se utilizar três tipos de sistemas de dilatação esofágica: os dilatadores de borracha preenchidos por mercúrio (dilatadores de Hurst e Maloney ), os termoplásticos (polivinil) representados principalmentepelos dilatadores de Savary-Gilliard e Bard, e aqueles com balão hi drostático e/ou pneumáticos. Complicações das dilatações eso fágicas incluem perfuração, hemorragia (raramente de grande monta) e bacteriemia transitória, que infrequentemente pode determinar quadro de meningite, endocardite ou abscesso ce rebral. Cerca de 50% dos pacientes subme tidos a dilatação de vido a estenose péptica do esôfago apresentarão recorrência do quadro. O número de recorrências apresentadas pelo paciente tem um valor preditivo quanto a novas recorrências futuras. Sendo assim, um paciente que apresentou duas recorrências da estenose esofágica necessitando de dilatação tem 94% de possibilidade de reddivar o quadro. Outros fatores preditivos da necessidade de dilatações repetidas são a perda de peso e a ausência da sensação de pirose. • Esôfago de Barrett Estão sendo propostos tratamentos endoscópicos que consis tem na ablação do epitélio metaplásico e displásico do esôfago de Barrett, permitindo a regeneração do epitélio tipo escamoso do esôfago. Com esse intuito, são utilizadas energias térmicas, como coagulação multipolar ou coagulação com argon plas ma, ou fotoquímicas, como terapia fotodinâmica. Existe muita controvérsia quanto ao uso dessa modalidade terapêutica, pois, além dos riscos de estenose e perfuração do esôfago, é possível a persistência de focos de metaplasia embaixo da mucosa re epitelizada do esôfago, que poderiam, eventualmente, evoluir para neoplasia e que não mais estariam acessíveis à visualização endoscópica. Além disso, alguns estudos mostram um aumento do risco de degeneração do epitélio tratado com essas técnicas. Até o momento, não está indicado o uso de terapias ablativas no esôfago de Barrett fora de protocolos de pesquisa. • Vigilância endoscópica Como, até o momento, nenhum estudo confirmou que qual quer tratamento antirrefluxo, seja clínico ou cirúrgico, possa diminuir o risco de câncer no esôfago de Barrett, preconiza-se a vigilância endoscópica para diagnóstico precoce de um even tual tumor no epitélio metaplásico. Atualmente, recomenda-se a rea lização de endoscopia digestiva em portadores de esôfago de Barrett a cada 2 ou 3 anos. Caso seja detectada displasia de baixo grau, esse intervalo deve ser reduzido a 6 meses. Caso haja regressão dessa displasia após 1 ano, deve-se manter a vigilância endoscópica a cada ano. Nos casos de displasia de alto grau, muitos autores recomendam a esofagectomia. Ou tros acreditam que esses pacientes possam ser acompanhados com endoscopia a cada 3 meses, optando-se pela ressecção ci rúrgica apenas quando se estabelecer o diagnóstico de tumor invasivo. Um terceiro grupo advoga a ideia de ressecção endos cópica do epitélio com displasia, através de técnicas ablativas ou mucosectomia. • LEITURA RECOMENDADA A Gallup Organization National Survey: Heartburn Accross American. Princ eton, NJ: Gallup Organization, 1998. Capítulo 1 O I Doença por Refluxo Gastresofágico 1 1 1 Barbuti, RC & Moraes-Filho, JPP. Doença do refluxo gastroesofágico. Em: Cas tTO, LP & Coelho, LGV. Gastroenterologia. Rio de Janeiro, Medsi: 2004, p. 631-40. Behar, J & Sheahan, CS. Histologic abnormalities in reflux esophagitis. Arch Pathol, 1975:387-91. Calabrese, C, Fabbri, A, Bortolotti, M et ai. Dilated intercellular spaces as a marker of oesophageal damage: comparative results in gastro-oesophageal reflux disease with or without bile reflux. Aliment Pharmacol Ther, 2003; 18:525-32. Cange, L, Johnsson, E, Rhydolm, H et ai. Baclofen-mediated gastro-oesophageal acid reflux control in paiients wiih established reflux disease. Aliment Phar macol Ther, 2002; 16:869-73. 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