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1 FUNDAMENTOS SOBRE A PEDAGOGIA DE PROJETOS O ser humano, na condição de um ser complexo, caracteriza-se pelo constante movimento de construir e reconstruir a realidade, por meio da relação consigo, com os outros e com o meio. Neste sentido, seus processos de construção também se caracterizam como complexos nas ações legitimadas através da aprendizagem, necessitando, para tanto, de condições igualmente complexas, para efeito de construção de novos processos. Considerando essa tessitura entre sujeitos e objetos complexos é que apresentaremos, na fundamentação teórica, a Pedagogia de Projetos como proposta que contempla, pelo trabalho com pesquisa, processos dialéticos favorecedores da aprendizagem de conceitos no Ensino de Ciências. Para fomentarmos nossa discussão, o presente capítulo está organizado a partir de quadro unidades principais, em que abordaremos sobre (1) o conceito de projeto; (2) as dimensões de projetos, considerando as de caráter existencial, antropológico, na área de conhecimento da administração e da educação; (3) a pedagogia de projetos na educação a partir das concepções de Dewey (1955; 1957; 1959); e Kilpatrick (1978), de Behens (2006), de Moura e Barbosa (2008), de Hernández e Ventura (1998) e, de Rojo (1997); e, por último, (4) pedagogia de projetos e aprendizagem de conceitos no Ensino de Ciências. 1.1 O conceito de Projeto Ao tratarmos do conceito de Projeto, encontramos sua origem em diferentes áreas do conhecimento que a utilizam. Por exemplo, Warschauer (2001), ao mencionar a definição dada por Machado (1997), afirma que o termo projeto é derivado do latim projectus, sendo particípio passado de projícere, que significa algo lançado para frente. No entanto, Warschauer afirma que esta apresenta ambigüidades, por significar tanto o que é proposto a ser realizado, quanto o que será feito para alcançar tal finalidade. Warschauer, quando trata da ambigüidade, parte do fato de que os projetos representam tanto os ideais que se almeja alcançar, quanto o delineamento das 19 ações, o “como fazer”. Por outro lado, Maximiano (1997, p. 4) diz que “projeto é uma sequência de atividades temporárias que têm o objetivo de fornecer um produto”. Desse modo, sua afirmativa é similar à de Machado, deixando evidente que a relação sincronizada das atividades com o objetivo pretendido não representa uma ambigüidade, mas uma complementaridade necessária para se obter o intencionado: o planejado. Dependendo do sentido e das peculiaridades do direcionamento dado, Behrens (2006) afirma que o termo projeto, nos séculos XIX e XX, é tratado para designar idéia, perspectiva e intenção. Porém, no sentido de projetar corresponde a arremessar, efetuar a projeção de, fazer incidir e, vinculado ao sentido de previsão diz respeito a um empreendimento a ser realizado, enfocando uma visão de antecipação do futuro. No dicionário, como menciona Behrens (2006, p. 33) “projeto quer dizer: Idéia que se forma de executar ou realizar algo, no futuro, plano, intento, desígnio”. Para Nogueira (2003), os projetos são verdadeiras fontes de investigação e criação, passando por processos de pesquisas, aprofundamento, análise, depuração, criação de novas hipóteses instigando, a todo o momento, as diferentes potencialidades dos elementos do grupo, bem como as suas limitações. Decorrente do exposto, percebe-se a existência de algumas especificidades em cada definição, sendo que uma não anula a outra. Pelo contrário, complementam-se ou atendem a objetividades em cada área do conhecimento em perspectivas de dimensões diversificadas, que trataremos a seguir. 1.2 Dimensões de projetos Tendo em vista que as especificidades dos projetos se caracterizam a partir de suas dimensões, e compreendê-las permite-nos definir e escolher com melhor exatidão a que dimensão de projetos corresponde melhor às nossas expectativas e aos objetivos a que estão direcionadas nossas ações, apresentaremos o trabalho com projetos em dimensões existencial, antropológica, e na área de conhecimento da Administração e da Educação. 20 1.2.1 Dimensão Existencial O ser humano, no decorrer de sua vida, como é próprio de sua natureza, sente necessidade de dar sentido à sua existência. Nesta busca incessante em dar sentido aos seus sentimentos, ações e conquistas, aquele é motivado a idealizar os seus sonhos, projetando condições que propiciem um caminhar constante, em prol de um objetivo que o motiva todos os dias a aprimorar seus meios de sobrevivência, conforto e prazer. Neste sentido, Gonzaga (2008) afirma que, nesta busca incessante pela auto realização, acabamos por desenhar um projeto de vida, seja no campo da memória, ou mesmo em rascunho, representando os objetivos e ações que colaboram para nosso bem-estar. Dando ênfase ao projeto de Vida enquanto uma situação existencial de projeto, Gonzaga (2008) apresenta um desenho que corresponde a um delineamento das ações e metas a serem alcançadas nas diferentes fases da vida. O primeiro momento incide na construção de um diagnóstico que possa representar a situação em que a pessoa se encontra; o segundo é o reconhecimento dos objetivos que se pretende alcançar; o terceiro refere-se às metas e atividades que permitam a pessoa a visualizar o caminho que pode ser percorrido; o quarto diz respeito à equipe, que poderá ser fortalecida para ajudar o sujeito durante o processo; o quinto, voltado para o reconhecimento das forças resistentes que podem dificultar o processo; e o último, corresponde aos resultados esperados. Os momentos acima mencionados representam algumas fases que colaboram na elaboração, mesmo que mental, de um projeto a ser executado para a realização humana, pois como o homem é um ser inquieto, e faz parte de sua natureza a necessidade de auto-realização, esses impulsos, em busca do auto- melhoramento motiva-o na construção dos seus projetos pessoais, para efeito de superação das necessidades e expectativas da sua condição existencial. Ao se referir aos projetos de vida, Boutinet (2002) ressalta que, em um nível psicológico, o projeto permite um sujeito antecipar ou designar uma fase da vida, através de escolhas e decisões que marcarão uma etapa subseqüente que fazem parte de momentos-chaves da existência. Aquele autor em questão faz referência a três etapas marcadas pela elaboração de projetos: o projeto adolescente de orientação e inserção, o projeto vocacional do adulto e o projeto de aposentadoria 21 entre retirada e reprocessamento. Assim, cada fase da vida corresponde a um tipo de projeto, direcionado a determinados interesses a que se pretende legitimar. O projeto adolescente de orientação e inserção representa a fase em que se busca a auto-afirmação e necessidade de identificação que perpassa desde as orientações recebidas na escola até a definição da escolha de uma profissão. O projeto vocacional do adulto centra-se principalmente na realização e direcionamento para a vida profissional do adulto, que cada vez mais tem sofrido a instabilidade, diante da estrutura social e econômica também mutável, exigindo do adulto um planejamento e perspectivas para garantir uma estabilidade. O projeto de aposentadoria entre retirada e reprocessamento representa o momento em que o indivíduo programa sua saída do campo de trabalho e se prepara para lidar com sua vida e limitações em um novo contexto. A partir dessas fases da vida, vinculadas aos tipos de realizações almejadas, é possível perceber que estamos submersos em uma cultura de projetos. Mesmo que inconsciente, de uma forma ou de outra, projetamos nossas vidas e, em cada fase, apresentamos características e condicionantes que determinam as especificidades de cada projeto em que estamos inseridos, em suas distintas fases correspondentes. 1.2.2 Dimensão AntropológicaPensar em uma dimensão antropológica de projeto significa vislumbrar como os projetos se configuram a partir da diversidade cultural de cada povo, de cada época, em determinadas formas de organização social, com valores e objetivos diferentes. Boutinet (2002, p. 267), a respeito disso, afirma que [...] tentar a elaboração de uma antropologia do projeto é buscar compreender como funciona o projeto em diferentes conjuntos culturais, compreender de que modernidade este projeto é portador, permitindo avançar um pouco mais na elucidação da condição humana quando esta se preocupa com o „fazer advir‟. 22 A funcionalidade dos projetos, nos diferentes conjuntos sociais a que se reporta Boutinet, implica na compreensão das mudanças que também fazem parte da dinâmica que rege a organização social. Decorrente disso, não podemos consolidar uma dimensão antropológica de projeto de maneira fechada ou demarcar seus limites, pois aquela corresponde à multifacetada realidade cultural. Logo, de acordo com a caracterização e intenção do viés (cultural, econômico, familiar etc.) de cada sociedade, os projetos representam um desenho antecipado que visa à legitimação do padrão convencionado por uma coletividade. Podemos citar, como exemplo, a observação de Boutinet (2002, p. 271), quando afirma que [...] É o caso das nossas culturas industriais e pós-industriais; estas, mais do que suas antecessoras, vêem no projeto uma oportunidade privilegiada através da qual poderão assegurar seu próprio domínio sobre a natureza, garantia de seu desenvolvimento. Sendo assim, os projetos são utilizados para a legitimação da cultura industrial em que esforços são mobilizados, ações planejadas e metas traçadas para a permanência de um status de organização industrial e tecnológica, para efeito do seu respectivo prevalecimento e garantia de desenvolvimento. Atualmente, devido à velocidade das tecnologias da comunicação e informação, mais ainda os projetos têm sido utilizados por meio dos mecanismos de antecipação, tornando-se uma referência obrigatória, como diz Boutinet (2002). Como é possível observar, nos diferentes âmbitos da sociedade, a cultura de projetos cada vez mais se legitima, principalmente por conta da dinamicidade conjuntural em que a sociedade se apresenta. É o que pode ser verificado nas empresas e demais setores de organização social em que, inclusive, na maioria dos casos, apresentam uma certa obsessão por projetos. 23 1.2.3 Dimensão na área de conhecimento da Administração Os projetos, na área de conhecimento da Administração, são entendidos, de acordo com Maximiano (1997), como uma técnica ou um conjunto de técnicas que objetiva auxiliar os gestores no planejamento e elaboração de suas propostas, bem como orientá-los na condução das fases de preparação, estruturação, desenvolvimento e encerramento. Os projetos, nesta perspectiva, são utilizados como um instrumento do administrador, com o intuito de ajudar no gerenciamento da empresa na obtenção do alcance das metas, criação de produtos e renda, a fim de otimizar o tempo e os resultados. Para tanto, as fases que constituem o corpus dos projetos variam de acordo com as peculiaridades e finalidades de sua construção, sendo enfatizados diversos aspectos. Neste caso, podemos citar o trabalho em equipe como um elemento imprescindível na execução de projetos, exigindo uma maturidade do grupo, caracterizando o estilo de liderança do gerenciador, propiciando uma maior ou menor participação entre os membros envolvidos. A comunicação também é outro aspecto imprescindível na execução de projetos, pois as relações de afinidade entre os membros da equipe contribuirão para que o fluxo das informações não se comprometa, do contrário, as equipes se desfalecem. A este respeito, Cleland e Ireland (2003) abordam algumas das habilidades que contribuem para o bom andamento das relações sustentadas em comunicações eficazes, sendo uma delas importância de saber ouvir, pois a escuta sensível permite a descoberta de problemas encobertos, ajuda a não agir precipitadamente sem ter o conhecimento real dos fatos, favorece o exercício de compreender as idéias diferentes das nossas, contribuindo efetivamente para um bom relacionamento da equipe. Na dimensão em questão, os projetos estão direcionados para delinear as ações de uma empresa, de maneira que se possa diminuir ao máximo os riscos de erros, perdas e prejuízos. Neste sentido, muitos são os estudos para inferir especificamente em cada fase ou item que deve ser considerado na elaboração de um projeto, para que este seja realmente um instrumento propiciador de sucesso, ou seja, os projetos nessa dimensão são utilizados, prioritariamente, para garantirem o controle do processo dos empreendimentos, em prol do alcance dos resultados. 24 1.2.4 Dimensão na área de conhecimento da Educação Referente à dimensão na área de conhecimento da educacional, Gadotti (1993) afirma que o movimento da Escola Nova marca o início do método dos projetos, ideia que surge em oposição à educação tradicional. Adholphe Ferrière (1879-1960), um dos pioneiros da Escola Nova, defendia o ideário de que a escola ativa é a atividade espontânea, pessoal e produtiva, estando a criança no centro das perspectivas educativas. Neste cenário, John Dewey (1859-1952) foi o primeiro a formular o novo ideário pedagógico, que deveria ser embasado pela ação e não pela instrução, como no ideário da escola tradicional. A educação defendida por Dewey era pragmática e, em sua concepção, as experiências concretas da vida se apresentam por meio de problemas a serem resolvidos. Dessa maneira, a educação ajudaria os estudantes a pensar, ao proporcionar, no ambiente escolar, atividades que pudessem desenvolver a capacidade de resolução de problemas. Em meio a essas novas formas de ver a educação, Delizoicov; Angotti; Pernambuco (2002) afirmam sobre a necessidade de métodos, recursos e estratégias que legitimassem o novo processo de ensino-aprendizagem proposto. Neste contexto William Heard Kilpatrick (1871-1965) sistematizou o método de projetos, sustentado na pedagogia de John Dewey, que se embasa na ideia de que a criança vai para a escola para resolver os problemas enfrentados em seu dia-a- dia. Nesta perspectiva, o professor é um guia e auxiliador, por ser uma pessoa mais experiente. Warschauer (2001) comenta que a pedagogia de projetos, surgida por volta de 1915 e 1920, a partir de Dewey e Kilpatrick não foi considerada, nos anos 1970- 80, pela pedagogia por objetivos, que era centrada em um caráter bem pragmático e direcionada à eficácia, implicando numa pedagogia racionalista e redutora da complexidade dos processos de aprendizagem. Com o fracasso dessa pedagogia, é retomada a pedagogia de projetos, apresentando-se como uma possibilidade de mudança ao sistema educativo burocratizado e rígido. No entanto, no decorrer dos anos, essa alternativa de mudança acabou por se tornar um modismo, perdendo sua original finalidade. 25 Atualmente, muitos estudiosos têm criado várias maneiras de se trabalhar com projetos, que acabam não correspondendo à perspectiva de participação constante dos estudantes sendo, na maioria das vezes, um roteiro a ser seguido, contribuindo com uma racionalidade técnica. Para compreendermos melhor as diversas maneiras com que a pedagogia de projetos tem sido interpretada e utilizada, apresentaremos algumas concepções de autores como Dewey (1955, 1957 e 1959) e Kilpatrick (1978), Behens (2006), Moura e Barbosa (2009), Hernández e Ventura (1998) e Rojo (1997) que, contribuem com os seus estudos e experiências, na fundamentação desta proposta didática. 1.3 A Pedagogia de Projetos na Educação No campo educacional, Boutinet (2002) adverte que a utilização de projetos surge deforma confusa, pela diversidade semântica aplicada ao termo, bem como as formas contraditórias de seu desenvolvimento, em que a relação de negociação entre professor – aluno é esquecida, descaracterizando seus objetivos. Partindo da diversidade de concepções sobre projetos, desde as diferentes áreas do conhecimento até às diferentes maneiras de seu uso na educação, abordaremos sobre a Pedagogia de Projetos enquanto um campo de estudo, desde seus precursores até autores mais recentes que re-significaram a presente proposta na dinâmica do fazer pedagógico. 1.3.1 Concepção de Dewey e Kilpatrick A Pedagogia de Projetos, na condição de campo de estudo direcionado à prática pedagógica por meio de projetos, tem como precursores Dewey e seu discípulo Kilpatrick, fundamentada nas concepções de democracia e no conhecimento pragmático, pautados em discussões de ordem social e educacional. 26 A concepção de democracia de Dewey (1957, p. 91-92) exerceu influência direta nos fundamentos que sustentam a Pedagogia de Projetos, uma vez que para ele [...] Uma democracia es más que una forma de gobierno; es primariamente un modo de vivir asociado, de experiência comunicada juntamente. La extensión en el espacio del número de indivíduos que participan en un interés, de modo que cada uno ha de referir su propia acción a la de los demás y considerar la acción de los demás para dar pauta y dirección a la propia, equivale a la supresión de aquellas barreras de clase, raza y território nacional que impiden que el hombre perciba la plena significación de su actividad. Os princípios que norteiam a ideia de sociedade defendida por Dewey são alicerçados na colaboração, participação e planejamento conjunto entre pessoas maduras, capazes de refletir acerca de seus projetos de sociedade. No âmbito educacional, essa concepção, ganha reforço a partir da articulação de processos de resolução de problemas, em uma relação com as questões encontradas na vida em sociedade. A educação, nessa perspectiva, também visava atender aos princípios de uma sociedade democrática, pois, como diz Béltran (2003, p. 51): “A democracia é o nome desse processo permanente de libertação da inteligência”. Pensando nesses fundamentos, não podemos dissociar as concepções de mundo, a idéia de sociedade, os princípios que norteiam a visão de educação defendida por Dewey, que sustentam a essência da Pedagogia de Projetos. Outro fundamento da Pedagogia de Projetos está pautado na visão de conhecimento pragmático, aliada à idéia do “aprender fazendo”, através da articulação de processos mentais, por meio da reflexão, defendida por Dewey (1959, p. 377-378) que assim se posiciona a respeito: A teoria do método de conhecer [...] pode ser denominada de pragmática. Sua feição essencial é manter a continuidade do ato de conhecer com a atividade que deliberadamente modifica o ambiente. Ela afirma que o conhecimento em seu sentido estrito de alguma coisa possuída consiste em nossos recursos intelectuais em todos os hábitos que tornam a nossa ação inteligente. Só aquilo que foi organizado em nossas disposições mentais, de modo a capacitar-nos a adequar o meio às nossas necessidades e a 27 adaptar os nossos objetivos e desejos à situação em que vivemos, é realmente conhecimento ou saber. Deste modo, o ato de conhecer está direcionado às ações que provoquem mudanças no ambiente, associado com o contexto dos alunos para que os hábitos adquiridos sejam conseqüências de uma ação inteligente, que possibilite ao estudante utilizar seus conhecimentos para atender às suas necessidades na relação com o mundo. Na concepção pragmática, a ênfase é dada à manipulação e articulação de recursos intelectuais e materiais que possibilitem a construção do conhecimento, uma vez que as reorganizações e as condições de uso das informações na relação com o ambiente é que caracterizam o conhecimento ou saber. Estas relações entre os recursos intelectuais e materiais com o mundo são mediados pelos processos de intercomunicação, permitindo a troca de conhecimento entre as pessoas, no aprender com os outros, enfatizado por Dewey (1955, p. 205) ao dizer que [...] Na proporção em que a pessoa se interessa mais ou menos por estas comunicações, a matéria destas torna-se parte da sua própria experiência. As associações ativas com outras pessoas constituem um elemento tão íntimo e vital de nossos interesses, que impossível é traçar nítida delimitação, que nos habilitasse a dizer: „Aqui finda a minha experiência: ali começa a tua‟. De acordo com Dewey, o processo de comunicação tem a finalidade de aproximar os sujeitos e possibilitar a troca de experiências, que vai enriquecer a vivência de cada um no seu contato com o meio. Podemos perceber, então, elementos que subsidiam a Pedagogia de Projetos, partindo da ideia de seus precursores, que consideram a execução de projetos um trabalho coletivo, sustentado em um método democrático, que contribui para a construção de um conhecimento pragmático. Para atender a essas especificidades que sustentam a prática de projetos, Dewey reconhece a necessidade de alguns parâmetros que possam nortear a realização dos projetos, sem que isso signifique a exigência de uma ordem 28 preestabelecida e, segundo Lourenço Filho (1978, p. 208), algumas dessas etapas são: [...] recolher problemas, ou os fatos de uma situação; observar e examinar em seguida esses fatos, para situar ou esclarecer a questão proposta; elaborar depois uma hipótese ou solução possível, ou várias, procedendo- se a escolha de uma delas; verificar enfim, a confirmação da idéia elaborada, por sua aplicação como chave a outras idéias novas. Dewey, ao propor alguns parâmetros que sustentam a Pedagogia de Projetos, apresenta algumas pistas de como desenvolver uma metodologia que trabalhasse com uma comunidade de sujeitos, a partir da escolha de um problema real que levasse à discussão e à reflexão, para efeito de resolvê-lo, a fim de que, através da busca de uma solução, comprovasse ou não determinada hipótese, cujo resultado seria uma ponte para novos questionamentos, pesquisas e experiências. Apesar de nas obras de Dewey e Kilpatrick não encontrarmos um detalhamento maior no que concerne ao termo e especificidades da Pedagogia de Projetos, verificamos a contribuição de Kilpatrick (1978) quanto às necessidades de repensar a educação frente às mudanças ocorridas na sociedade, principalmente no final do século XIX e início do XX, com os processos de industrialização. Nesse contexto surgiu a preocupação com um método que pudesse contribuir com processos democráticos de ensino, e também que ajudasse, por meio do trabalho coletivo, na construção do conhecimento, tendo em vista a necessidade da relação entre escola e vida, considerando sua complexidade. Esta intenção é concretizada pelo colaborador de Dewey, William Kilpatrick. Em prol da elaboração de um método de ensino que correspondesse com a relação da construção do conhecimento para a vida, os primeiros ensaios com o sistema de projetos teve seu inicio em uma Escola Primária da Universidade de Chicago, em 1896, quando Dewey traçou uma nova teoria da experiência, para definir o papel dos impulsos da ação ou a função dos interesses. Com esta finalidade, Kilpatrick (apud LOURENÇO FILHO, 1978, p. 201) destaca as situações sociais como um dos princípios essenciais na motivação para a dinâmica de funcionamento dos projetos, ao comentar que 29 As situações sociais que animem a estruturação e a realização de propósitos levam a respeitar a personalidade, porque permitem a cada pessoa escolher e realizar aquilo que aprecie, por lhe parecer mais digno, mais capaz de contribuir para a expansão de sua vida segundo os estímulos do seu coração. Ser respeitado nessa capacidade deprojetar e realizar é a função da liberdade que caracteriza o estilo de vida democrática. Partindo deste princípio, legitimador do ideário de uma sociedade aproximada pela intercomunicação e sustentada por uma educação relacionada com a vida é que a Pedagogia de Projetos, defendida por Kilpatrick, visa propiciar liberdade de expressão, participação e respeito à diversidade como forma de criar oportunidades de ação participativa, em que o grupo escolhe o que seja mais digno, contribuindo para uma vida mais democrática. Reforçando os princípios da Pedagogia de Projetos, Cunha (1999, p. 38) afirma que Dewey tinha como proposta educacional a vida em comunidade e a resolução de problemas emergentes nas mesmas. A escola deveria auxiliar as crianças a compreenderem o mundo através da pesquisa, do debate e da solução de problemas. Esse caráter coletivo da educação relaciona-se aos seus ideais democráticos onde todo procedimento educativo tem a finalidade de possibilitar a continuidade da vida do agrupamento social. Portanto, a partir de tais ideários articuladores da vida em sociedade com a educação é que se pauta a proposta da Pedagogia de Projetos, em contraposição ao ensino tradicional, no período da Escola Nova, de maneira a corresponder aos anseios de uma educação mais democrática. Corroborando com essa proposta, Ghiraldelli Jr. (2006, p. 55) ressalta que “Aprender a aprender passou a ser o lema de movimentos inspirados em Dewey porque „aprender‟ passou a ser visto como a atividade de „re-significar experiências”. Ratificando a fundamentação da Pedagogia de Projetos com o enfoque na aprendizagem, outros estudiosos ressignificaram a proposta de Dewey e Kilpatrick, ao proporem a adoção do rabalho com projetos na educação. Dentre estes, Behens (2006), Moura e Barbosa (2009), Hernández e Ventura (1998) e Rojo (1997), sobre os quais, inclusive, comentaremos a seguir. 30 1.3.2 Concepção de Behens Ao tratar sobre Projetos, Behens (2006) pauta-se em uma proposta de educação complexa, global e emergente, ressaltando os processos democráticos de escolha, a fim de incentivar a convivência em situações de consenso, a aceitação e análise dos posicionamentos adversos, favorecendo a construção de processos de autoconfiança, ao possibilitar que os membros atuem com independência e competência, objetivando a vivência da democracia em atitudes e ações que levem a aprendizagem. Deste modo, o tratamento dado ao sentido de projetos na educação “aparece com o sentido de proposição de uma prática pedagógica crítica, reflexiva e problematizadora”, como afirma Behrens (2006, p. 33). Partindo desse princípio, os projetos devem propiciar condições para que a ação reflexiva e a atitude crítica frente às situações vivenciadas pelos educandos sejam exercitadas, relacionando-se com as diferentes áreas do saber e com o contexto do aluno. Para tanto, a autora em questão utiliza o termo enfoque globalizador, para ressignificar a forma de organizar os conteúdos a partir de uma concepção complexa ou holística de ensino. Considera também a relevância social, como elemento caracterizador da Pedagogia de Projetos, uma vez que se apóia na abordagem progressista, visando à transformação da sociedade. Decorrente do exposto, ensinar a duvidar passa a ser um princípio básico da Pedagogia de Projetos, gerando a superação das certezas, e adotando a problematização como aliada na construção do conhecimento. Logo, não há uma trajetória fixa no desenvolvimento dos projetos e o professor passa a ser o condutor do processo. Porém, essa alternativa pedagógica requer um estudo prévio e planejamento do professor, centrando, como foco do processo, a aprendizagem. Apesar de Behens apontar algumas fases para o desenvolvimento de projetos, enfatiza que cada professor pode criar a sua maneira de trabalhar com projetos de acordo com as peculiaridades do contexto, da situação e das necessidades. Percebemos, nas considerações de Behens, alguns pontos em comum com os princípios de Dewey e Kilpatrick, no que concerne ao caráter democrático e progressista, associando a educação como um mecanismo de intervenção na 31 sociedade, em que a vida do aluno, suas condições, seu contexto, também deve ser um locus de estudo. Fator este que também consideramos fundamental na articulação entre o objeto de conhecimento e o sujeito cognoscente, mediados pela ação pedagógica, que se referindo ao nosso objeto de estudo, estará incluído na nossa proposta, partindo da pedagogia de projetos, fundamentada em uma prática de pesquisa que possam proporcionar aos estudantes a relação de suas experiências com os conceitos de ciências na interconexão com a realidade. 1.3.3 Concepção de Moura e Barbosa Ao se reportar à utilização de projetos educacionais, Moura e Barbosa (2009, p.18) afirmam que “os projetos representam um caminho para a introdução de mudanças e inovações nas organizações humanas”, pois muitos projetos sucumbiriam se fossem reduzidos a atividades rotineiras ou atividades funcionais do sistema. Sendo assim, a procura pela utilização de projetos aumentou significativamente, em decorrência de que todo projeto é uma atividade eminentemente instrutiva, isto é, a partir da implantação dos projetos, as pessoas passam a se mobilizar em torno de objetivos comuns, exercitam suas habilidades no coletivo, o que requer troca de conhecimentos e experiências. Para Moura e Barbosa (2009), os projetos educacionais se caracterizam por propiciarem atividades orientadas para a realização de objetivos específicos com um princípio e um fim bem definidos e a realização de algo único, exclusivo, cujos recursos são limitados (pessoas, tempo, dinheiro, etc.), apresentando dimensões de complexidade e incerteza (ou risco) em sua realização. Os projetos surgem, a partir dessa perspectiva, em função de um problema, uma necessidade, um desafio, a fim de planejar, coordenar e executar ações em prol da melhoria dos processos educativos e da formação humana em diferentes contextos. Portanto, percebe-se que, de forma bem abrangente, os autores em discussão consideram que o projeto educacional pode ser elaborado e executado tanto por um indivíduo quanto por grupos, podendo ser realizado em parceria com outras instituições. Assim, Moura e Barbosa (2009) consideram que qualquer setor da sociedade, organizações governamentais ou não-governamentais, comunidades, 32 etc. podem desenvolver projetos educacionais, não estando limitados apenas às escolas, universidades, ou instituições em que acontece a educação formal. 1.3.4 Concepção de Hernández e Ventura Hernández e Ventura (1998) oferecem sua contribuição ao campo de estudo da Pedagogia de Projetos, quando apresentam os projetos de trabalho vinculados ao desenvolvimento do conhecimento globalizado e relacional. Dessa forma, favorecem a criação de estratégias de organização dos conhecimentos escolares, no que concerne ao tratamento da informação e da relação entre os diferentes conteúdos, em torno de problemas ou hipóteses que facilitem a construção do conhecimento dos próprios alunos, por meio da transformação das informações procedentes dos diferentes saberes disciplinares. Com base na perspectiva dos projetos de trabalho, alguns aspectos mais relevantes são apontados por Hernández e Ventura para sua organização e execução como por exemplo: a escolha do tema que deve ser uma ação coletiva entre alunos e professores; a relação entre o tema escolhido e os parâmetros curriculares, fazendo uma mediação entre o que os alunos gostariam de estudar e a proposta da escola para, a partir das definições dos conceitos, buscar as informações necessárias, tanto pelos discentes quanto pelos docentes. Assim, nos caminhos de execução da proposta de projetos de trabalho de Hernández e Ventura, aaprendizagem fundamenta-se na significatividade, embasadas nos estudos de Ausubel (1976). Relatam, também, alguns instrumentos utilizados durante o processo percorrido com os projetos de trabalho, como: o índice enquanto uma estratégia de aprendizagem, para ajudar os alunos a incorporarem uma autonomia em lidar com suas próprias elaborações ao organizarem informações e construírem o processo do projeto; o dossiê de síntese, para ordenar os aspectos tratados no projeto e; a forma de busca das fontes de informação são elementos singulares desta proposta que na relação com a de outros autores nos possibilita perceber as diferentes estratégias que podem ser adotadas no desenvolvimento de projetos. Os autores mencionados, além de relatarem suas experiências, também sugerem alguns instrumentos, como mencionamos acima, que podem ser utilizados 33 durante o desenvolvimento dos projetos, procurando aliar o currículo escolar com os anseios dos estudantes, atendendo tanto o ideário de proposta democrática quanto o da organização do espaço formal. 1.3.5 Concepção de Rojo Ao abordar sobre a utilização de Projetos, Rojo (1997) propõe como um desenho de procedimento didático que contemple a concretização de um modelo ecológico-comunicativo, consistindo em um processo investigativo enquanto instrumento para averiguar as relações entre o biotopo1 e a biocenosis2. Esta proposta, partindo do modelo ecológico-comunicativo discutido pelo autor em questão, “investiga el médio circundante hasta descubrir los problemas subyacentes y relevante a los habitantes del ecossistema escolar” (1997, p. 155). Neste sentido, considera as relações de influência recíproca entre o meio e o ecossistema da escola, a fim de que os sujeitos da ação possam desenvolver um olhar crítico por meio da autocrítica e das reflexões grupais. Partindo desse princípio, a pesquisa é o fio condutor, através do qual as demais ações se convergem, começando com a análise da prática escolar, advinda das próprias inquietações dos alunos, com seus conhecimentos prévios, seus valores, suas crenças, ou seja, de sua visão de mundo. Assim, as relações elaboradas entre o saber implícito dos alunos e as novas informações que terão contado, propiciarão um significado às suas próprias ações e ao esforço no processo de construção do conhecimento. Os professores, tanto quanto os estudantes, são pesquisadores em busca de respostas para as situações que os inquietam e, nesta busca, são incluídos, tanto os problemas do espaço escolar quanto do contexto vivido e sentido pelos sujeitos 1 Descripción Del context: espacio; recursos; posibilidades o perspectivas organizativas (ROJO, 1997, p.158). 2 Características del alumno. Papel del professor y del alumno respect o a las negociaciones curriculares: intenciones; temas educativos; estratégias de aprendizaje; temporalización; evaluación (ROJO, 1997, p.158). 34 da pesquisa. Desse modo, por meio da participação ativa entre os membros investigadores, a pesquisa se caracteriza como uma ação democrática. Durante o processo de investigação, Rojo enfatiza a questão do trabalho em equipe, como momento propiciador da troca de conhecimento e o desenvolvimento da maturidade dos envolvidos, contribuindo para processos simétricos de comunicação social, alegando que uma comunicação sem ruídos é adquirida ao longo dos exercícios que o trabalho em grupo proporciona. Quando se desenvolve o trabalho com pesquisa, suscita-se, por meio das relações entre os estudantes e professores, atitudes críticas que colaboram para a superação dos desafios, que serão encontrados no percurso da investigação no ecossistema escolar, mas que com ações colaborativas pautadas na solidariedade, firma-se um compromisso nas soluções dos problemas. Para tanto, Rojo sugere que, durante a pesquisa, as técnicas utilizadas estejam relacionadas ao paradigma ecológico, sendo algumas dessas a observação participativa, a pesquisa-ação, o processo de triangulação, as técnicas flexíveis de coleta de informações e o respeito à complexidade natural, considerando-se um enfoque progressivo, proporcionando tanto a construção do conhecimento quanto as atitudes críticas. Para efeito de caracterização da pesquisa, o autor em discussão apresenta um modelo para desenhar microprojetos ou unidades, chamando de “Aprender Investigando”, cujo modelo, inclusive, orienta a nossa proposta de intervenção, a ser descrito mais detalhadamente no capítulo posterior, como forma didática de organização da estrutura de nossa pesquisa, na condição de percurso metodológico. Com base nas apresentações das diferentes concepções dos autores que trabalham com projetos, desde os precursores até os mais recentes, podemos perceber similaridades, diferenças e complementaridade que discutiremos a seguir. 1.3.6 Similaridades, diferenças e complementaridade Diante das diferentes concepções verificadas na unidade anterior, percebemos a similaridade entre as discussões dos autores, quando concebem a Pedagogia de Projetos como um método aberto, centrado em problematizações, 35 através das quais os sujeitos criam oportunidades de participação ativa em processos investigativos, para efeito de construção do conhecimento. Logo, não existe um modelo padrão a ser seguido, mas princípios que legitimam uma perspectiva globalizadora, que pode ser construída no decorrer do fazer pedagógico. As diferenças se apresentam nas especificidades que cada autor, sobre essa pedagogia, adaptou para a sua realidade. Podemos citar como exemplo a prioridade tomada por Hernández e Ventura (1998) em centrarem-se na relação do currículo com os projetos de trabalhos, mas que não deixou de contemplar os princípios da prática de projetos. Behens (2006) e Rojo (1997) enfatizam o enfoque globalizador, dentro das especificidades de cada proposta. Por outro lado, mesmo que este último ressaltando os processos de comunicação, ambos se reportam ao paradigma ecológico. No caso de Dewey (1955; 1957 e 1959) e Kilpatrick (1978) ambos enfatizam situações problematizadores, fundamentam-se nos princípios democráticos e na intercomunicação, assim como Moura e Barbosa (2009) quando relacionam a prática de projetos como caminhos para a mudança nas organizações humanas. A complementaridade entre as propostas apresentam-se pelo fato de que as especificidades de cada técnica utilizada, as abordagens enfocadas, os instrumentos de coleta de dados e outros podem ser articulados entre si, utilizados nas diferentes propostas, de acordo com o que corresponda melhor às necessidades de cada realidade escolar. As especificidades ou enfoques que foram enfatizados nas concepções dos autores representam a diversidade pedagógica que a prática de projetos pode proporcionar, ampliando as possibilidades de estratégias na construção do conhecimento nos diferentes componentes curriculares. A partir das considerações das diferentes concepções de projetos e as diferentes maneiras de sua utilização no cotidiano escolar, discutiremos em que medida seu desenvolvimento pode contribuir nos processos da aprendizagem de conceitos no Ensino de Ciências. 36 1.4 Pedagogia de Projetos e Aprendizagem de Conceitos no Ensino de Ciências Ao discutirmos a Pedagogia de Projetos e os processos metodológicos oriundos dessa prática, não podemos esquecer-nos da finalidade a que está direcionada à escolarização, voltada tanto ao processo de ensino quanto ao processo de aprendizagem. Logo, embora nossa referência seja a Pedagogia de Projetos enquanto uma alternativa para o ensino, não podemos perder o seu foco também na aprendizagem, uma vez que não é possível separar tais processos. Decorrente disso, faz-se necessário entender como o ser humano ensinae com aprende. O ser humano, para se adaptar ao meio em que vive e se relacionar com as pessoas, possui dois mecanismos complementares, um é a programação genética, que dá condições para haver o desencadeamento de respostas complexas dadas a estímulos e a ambientes determinados, permitindo que as espécies possam sobreviver. Outro mecanismo é a aprendizagem que possibilita ao homem modificar as pautas de comportamento frente às mudanças que se apresentam no ambiente (POZO, 2002). Partindo deste principio, trataremos sobre a aprendizagem como um mecanismo próprio do ser humano, que o permite lidar com as variações e transformações na relação com o meio circundante, as pessoas e o conhecimento. Pozo (2002), ao se reportar à aprendizagem, aponta para três componentes básicos desta: (1) os resultados, chamados também de conteúdos, referindo-se ao que se aprende; (2) os processos, que condizem a como se produzem as mudanças, por meio dos mecanismos cognitivos, ou seja, a atividade mental da pessoa que está aprendendo e; (3) as condições, relacionada ao tipo de prática que ocorre para possibilitar os processos de aprendizagem. A seguir, apresentaremos a concepção de aprendizagem, a partir dos diferentes níveis de análise na perspectiva dos processos, de como se dá a aprendizagem, quando tratamos da definição conceitual; as naturezas de aprendizagem, na perspectiva dos resultados do que se pretende aprender, mais especificamente a aprendizagem conceitual, como forma de discutir sua contribuição para o ensino, na aprendizagem de conceitos de Ciências. 37 1.4.1 Definição de Aprendizagem A psicologia cognitiva não apresenta uma única e compacta teoria da aprendizagem, mas uma multiplicação de alternativas teóricas que se aproxima dos mecanismos de processamento e funcionamento da vida humana, através das representações mentais, sua manipulação e transformação das informações. Durante muito tempo, o comportamentalismo se apresentou como única teoria da aprendizagem, em decorrência da influência da corrente do positivismo lógico (POZO, 2002). Para o comportamentalismo, partindo de uma concepção empirista do conhecimento e uma ideia associativa da aprendizagem, o comportamento é gerado a partir das condições de associação entre estímulo e resposta. Neste caso a memória, a atenção e a consciência são conseqüências do comportamento, e não uma causa daquele. Com as novas ciências e tecnologias da informação, nos anos 50 e 60 causando um forte impacto, iniciou-se uma crise no comportamentalismo, havendo uma abertura para a ampliação de um novo paradigma cognitivo, existindo diferentes níveis de análise para sua compreensão, podendo estes níveis também se integrarem entre si. A respeito disso, Pozo (2002) apresenta alguns níveis de análise da aprendizagem, que correspondem a diferentes maneiras de processamento do sistema complexo da mente humana. São eles: 1) A conexão entre unidades de informação: neste plano de análise, nosso cérebro é composto por redes de neurônios, que se ativariam ou não, dependendo da estimulação recebida. Para haver a aprendizagem, é necessária a aquisição de novas pautas de ativação conjunta ou conexão dessas unidades neuronais, formando redes. Assim, o conhecimento estaria nessas unidades neuronais que, quando modificadas, levariam a novas organizações, ocasionando a aprendizagem. 2) A aquisição e mudança de representações: concebe o sistema cognitivo humano como um mecanismo de representação do conhecimento, que consiste numa série de memórias conectadas através de certos processos, sendo suas representações manipuladas para a execução de tarefas. Desse modo, o processo de aprendizagem se configura a partir da relação entre as representações armazenadas e os mecanismos de aquisição e mudança de 38 outras representações, juntamente com outros processos auxiliares como a motivação, a atenção ou a recuperação do aprendido. 3) A consciência reflexiva como um processo de aprendizagem: neste plano, a consciência é um processo efetivo de aprendizagem indo além de um estado mental, que nos permite modificar o que sabemos e o que fazemos, quer dizer, nos autocomplicarmos. Dessa forma, o sistema cognitivo é sujeito à sua própria dinâmica de mudança, capaz, entre outras coisas, de ter acesso, por processos de reflexão consciente, às suas próprias representações e modificá-las, o que não ocorre com os sistemas completamente mecânicos. Esta é uma posição das teorias construtivistas da aprendizagem. 4) A construção social do conhecimento: neste outro nível de análise, decorrente de outras teorias, a aprendizagem acontece por meio das relações com as pessoas, diferentemente dos casos anteriores que se processa pela ativação de mecanismos no interior do aprendiz. O mais importante, neste caso, seria os formatos da interação social que origina as mudanças observadas em todos os níveis anteriores. Assim, a partir do enfoque sociocultural da aprendizagem a aquisição ou a mudança do conhecimento acontece no marco das comunidades de aprendizagem, que definem o sentido, as metas e uma consciência reflexiva das tarefas. Podemos perceber, com a discriminação feita por Pozo (2002), que os processos ativadores dos mecanismos de aprendizagem são variados. Por outro lado, dependendo do tipo de aprendizagem que se deseja desenvolver, é possível estimulá-los ou fomentá-los em prol do que se almeja alçar, quer sejam processos mecânicos, reflexivos ou sociais. Tendo em vista a diversidade dos processos ativadores da aprendizagem, a discussão que pretendemos enfatizar está pautada nas condições que podemos proporcionar ao aprendiz, a fim de desencadear processos internos e externos para alcançarmos os resultados da aprendizagem. Para isso, é de fundamental importância o esforço em tentarmos compreender, dente as diversas concepções, os ensaios de como se processa a aprendizagem, a fim de refletirmos acerca das condições favoráveis, pautadas nos diferentes mecanismos, para que a ação pedagógica alcance sua finalidade. 39 Pozo (2002, p. 87) nos adverte que “[...] A memória humana é um sistema construtivo, interativo, não um arquivo ou um museu em que o conhecimento é armazenado e repousa à espera de que alguém um dia o recupere ou venha vê-lo”. Por ser um sistema construtivo, influencia diretamente na forma de aprender, necessitando de incorporação de novas representações ou mudanças das que já temos na memória permanente. Sendo assim, para conseguir a incorporação das novas representações ou mudanças das já adquiridas, processos diversos são ativados, desde os mais mecânicos aos mais complexos de reestruturação. A aquisição das informações mais duradouras que possibilitam a manipulação destas são mais eficazes quando existe relações mais significativas entre as informações que chegam com as representações já existentes na memória. Alguns processos auxiliares da aprendizagem também ajudam a incrementar as possibilidades de relações entre as informações e as mudanças, para que durem e se generalizem com maiores chances de eficácia. Para tanto, Pozo (2002) apresenta, dentre estes: a motivação, a atenção, a recuperação e a transferência e, por fim, a consciência. Quanto à motivação, ressalta-se a necessidade de se ter um motivo para empreender determinado esforço para se superar a inércia de não aprender algo, do contrário, a aprendizagem será bastante improvável. Claxton (apud POZO, 2002, p. 139) afirma que “[...] motivar é mudar as prioridades de uma pessoa, gerar novos motivos onde antes não existiam”. Para conseguirmos mudar tais prioridades, podemos utilizar motivos exteriores à aprendizagem ou motivos interiores. No caso da motivação extrínseca, o motivo da aprendizagem não é o que se aprende, mas as conseqüências de tê-lo aprendido. Referente a isso, podemos citaras situações de prêmios e castigos muito utilizadas na teoria comportamentalista, até hoje muito utilizada. No entanto, quando não é encontrado um significado para o que está sendo aprendido, e o resultado já foi alcançado, esta aprendizagem ganha um caráter passageiro. Na motivação intrínseca, os estudantes conseguem perceber o significado da aprendizagem e a razão para se esforçar está no que se aprende. Assim, isto implica que gerar um desejo por aprender é fazer com que o aluno interiorize motivos que, inicialmente, percebe fora de si. Outro processo auxiliar da aprendizagem é a atenção, consistindo na seleção das informações que os alunos devem se focar, uma vez que a nossa 40 memória de trabalho tem capacidade limitada, permitindo que certas tarefas não consumissem tanta atenção. Neste sentido, Pozo (2002) ressalta algumas maneiras de atrair ou chamar a atenção dos estudantes: apresentando materiais interessantes na forma e no conteúdo, selecionando de forma adequada a informação que se apresenta, apresentando informação moderadamente discrepante ou relativamente nova. A recuperação e a transferência das representações, presentes na memória como conseqüência das aprendizagens anteriores, consiste também em um processo auxiliar da aprendizagem, uma vez que aquilo que não recobramos ou não usamos, acabamos por perder. Desse modo, é preciso planejar as situações de aprendizagem, tendo em vista os momentos em que os estudantes irão recuperar o que foi aprendido e também utilizar as representações já adquiridas para serem transferidas a informações novas. A consciência, outro auxiliar da aprendizagem, age como um processo transversal aos anteriores, pois consiste no controle dos próprios mecanismos, por estimular o aluno a uma tomada de consciência dos resultados que espera, dos processos e condições que lhe propiciarão a aprendizagem. Com base nesses processos auxiliares, encontramos alguns parâmetros que podem ajudar-nos no momento de planejar e elaborar as condições propícias à aprendizagem, uma vez que não é possível pretender ensinar alguém se não há a compreensão dos processos implicativos da aprendizagem. Neste sentido, contamos também com instrumentos que nos levem à reflexão para a criação de outros auxiliares e procedimentos pedagógicos, que nos permitam desenvolver as diferentes naturezas de aprendizagem. 1.4.2 Naturezas de Aprendizagem Tomando como base os três componentes básicos da aprendizagem, apontados por Pozo e apresentados anteriormente, abordaremos sobre os resultados da aprendizagem, mostrando os tipos de aprendizagem com determinados procedimentos de ensino, sendo a aprendizagem conceitual o foco a que delimitaremos nossa discussão. 41 Na perspectiva dos resultados da aprendizagem, Pozo (2002) propõe uma classificação de quatro principais naturezas de aprendizagem que podem ser desenvolvidas, são estas: 1. Aprendizagem de fatos e comportamentos: trata-se de uma aprendizagem implícita, que ocorre a partir da observação de comportamentos e fatos regulares do cotidiano. Pode desdobrar-se em três grupos principais: (1) Aprendizagem de fatos ou aquisição de informação sobre as relações entre acontecimentos (ou conjunto de estímulos) que ocorrem no ambiente – quando determinadas situações ambientais permitem fazer uma previsão do que vai acontecer ou quando provocam reações emocionais; (2) Aprendizagem de comportamentos ou aquisição de respostas eficientes para modificar condições ambientais – quando, através da modificação ambiental, o homem evita as situações desagradáveis e provoca as mais satisfatórias; e (3) Aprendizagem de teorias implícitas sobre as relações entre os objetos e as pessoas – quando, a partir da observação das regularidades e peculiaridades no comportamento de objetos (caem e se movem de diferentes formas, alguns resistem ao fogo e outro não, etc.) e pessoas (sorriem quando lhes sorrimos, pedem mais do que dão, etc) são criadas “teorias”, de natureza implícita sobre o mundo e o que dele podemos esperar. 2. Aprendizagem social: consiste na aquisição de pautas de comportamento e conhecimento condizentes com as relações sociais, requerendo uma reflexão sobre os conflitos provenientes da própria conduta social. São divididas em três categorias principais: (1) A aprendizagem de habilidades sociais – consiste na aquisição de determinados comportamentos oriundos da interação cotidiana; (2) Aquisição de atitudes - desenvolvimento de certas atitudes que se modificam dependendo do contado com certas pessoas ou certos ambientes e; (3) A aquisição de representações sociais – direcionada a organização da realidade social como também para facilitar a comunicação e o intercâmbio entre os grupos sociais. 3. Aprendizagem verbal e conceitual: destina-se a transmitir o conhecimento verbal. Na maioria das vezes, pela maneira como é trabalhada, o ensino por ser voltado para uma aprendizagem conceitual, não cumpre sua função. Pozo destaca três aspectos da aprendizagem conceitual: (1) aprendizagem de informação verbal ou de fatos e dados - transmitidos à nossa memória, mesmo que não expressem significado; (2) Aprendizagem e compreensão de conceitos - permitem atribuir significado aos fatos, interpretando-os de acordo com o marco 42 conceitual, o que implica na utilização de conhecimentos prévios para traduzir ou assimilar uma informação nova e; (3) Mudança conceitual ou reestruturação dos conhecimentos prévios - fundamenta-se na construção de novas estruturas conceituais a fim de integrar conhecimentos anteriores com a nova informação apresentada. 4. Aprendizagem de procedimentos: relacionado com a aquisição e desenvolvimento de nossas habilidades, destrezas ou estratégias para realizar coisas concretas. Dividida em três categorias principais: (1) Aprendizagem de técnicas - é uma maneira de se alcançar sempre os mesmos objetivos; (2) Aprendizagens de estratégias – destinada a planejar, tomar decisões e controlar a aplicação das técnicas para adaptá-las às necessidades específicas de cada tarefa e; (3) Aprendizagem de estratégias de aprendizagem ou controle sobre nossos próprios processos de aprendizagem, com o fim de utilizá-los de maneira mais discriminativa, adequando a atividade mental às demandas específicas de cada um dos resultados que descrevemos anteriormente. Com base nos quatro tipos de resultados de aprendizagem apontados por Pozo (2002), verificamos que, dependendo do que se pretende que os aprendizes alcancem, há um tipo de processo a ser trabalhado, desde processos mais pontuais de ensino, que implicam em memorizações, até processos mais complexos, que exigem reestruturação dos conhecimentos já adquiridos, em função da associação às novas informações. Após a exposição das diferentes naturezas dos resultados da aprendizagem, como nosso foco se pauta na aprendizagem conceitual, trataremos mais especificamente dessa natureza relacionada ao Ensino de Ciências, como forma de contribuir nos processos de ensino-aprendizagem que venha atender às necessidades e peculiaridades dos estudantes, para uma melhor compreensão dos conceitos trabalhados na disciplina de Ciências Naturais. 1.4.3 Aprendizagem de Conceitos no Ensino de Ciências O ensino tem sido trabalhado a partir de uma visão de ciência bem distanciada de como se constroem e evoluem os conhecimentos científicos, gerando 43 visões empobrecidas e distorcidas, ocasionando a rejeição pelo Ensino de Ciências, convertendo-se em um grande obstáculo a aprendizagem (CACHAPUZ et al. 2005). Um dos fatores que contribuem para este empobrecimento da visão do Ensino de Ciências decorre da reprodução de conhecimentos já elaborados, sem permitir que os estudantes se aproximem do processo de produção científica. Decorrente disso, evidenciam-se concepções epistemológicasinadequadas, como um dos principais obstáculos da Educação Científica. Logo, percebemos a importância de atentarmos para a compreensão dos processos de construção do conhecimento, enquanto base epistemológica das ciências e, por conseguinte, para o processo de como aprendemos, a fim de se estender ao ensino tais reflexões. Assim, os processos de intervenção, como é o caso dessa nossa pesquisa, devem considerar a finalidade da aprendizagem. A questão relacionada ao distanciamento do Ensino de Ciências com as práticas de investigação científica percorre a história do Ensino de Ciências no Brasil. Krasilchik apud Rosa (2004, p. 24), inclusive, afirmam que “em 1965 foram criados seis Centros de Ciências no Brasil, nos quais os professores seriam „treinados‟” para obter resultados eficazes no ensino, sem uma devida atenção ao processo, o que nos confirma a preocupação com a técnica, enfatizando-se o caráter dicotômico entre teoria e prática. Até hoje, como adverte Rosa (2004), esse fato é percebido nos cursos de licenciatura, que separam claramente as chamadas disciplinas pedagógicas das disciplinas específicas. Neste contexto, para garantir a eficácia do Ensino de Ciências, segundo a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (Funbec), criada em 1967, era essencial que se considerasse dois fatores, primeiro, ter bons materiais de ensino como laboratório e textos e, segundo, a atualização permanente dos professores, através de treinamentos para a utilização de técnicas e recursos modernos de ensino (ROSA, 2004). Em detrimento das situações mencionadas quanto às dificuldades e obstáculos à aprendizagem no Ensino de Ciências, nos reportamos à aprendizagem de conceitos como uma das especificidades de nossa pesquisa, a fim de analisarmos que processos de aprendizagem possibilitam a compreensão conceitual dos estudantes no Ensino de Ciências, visando ao redimensionamento das práticas pedagógicas, a fim de que sejam capazes de superar os obstáculos já referendados. 44 Para tanto, apresentaremos os processos que podem contribuir na aprendizagem conceitual no Ensino de Ciências, tratando como pauta de discussão, dentre os três aspectos de aprendizagem conceitual, discriminado por Pozo (2002), dois deles: (1) Aprendizagem e compreensão de conceitos e (2) Mudança conceitual ou reestruturação dos conhecimentos prévios. A ênfase dada à aprendizagem e compreensão de conceitos está pautada em uma perspectiva de ensino que considera os conhecimentos prévios dos estudantes, a fim de possibilitar a ativação e conexão com o material de aprendizagem; fator que amplia a porcentagem da eficácia de uma aprendizagem significativa. Nesta perspectiva, o processo de compreensão vai se dando de maneira gradual, sendo mais significativo quando se consegue estabelecer um maior número de relações entre os diferentes componentes da aprendizagem (condições, processos e resultados) e os conhecimentos já adquiridos em sua memória permanente. Pozo (2002, p. 212) relacionando à aprendizagem e compreensão de conceitos à aprendizagem significativa, ressalta que A aprendizagem significativa implicará sempre tentar assimilar explicitamente os materiais de aprendizagem [...] a conhecimentos prévios que em muitos casos consistem em teorias implícitas ou representações sociais adquiridas por processos igualmente implícitos. Dessa maneira, exige-se que, durante o processo de aquisição das informações novas, se desenvolva concomitantemente uma tomada de consciência do que se está aprendendo, tornando explícito os conhecimentos prévios que até o momento se encontravam implícitos. Logo, tais conhecimentos prévios vão se modificando, crescendo, se ajustando ou se reestruturando com o contato das novas informações. Neste caso, ocorre a diferenciação progressiva, caracterizada como o processo principal, que permite a compreensão ou assimilação de uma nova árvore do conhecimento. “Consistiria em diferenciar dois ou mais conceitos a partir de um conhecimento prévio indiferenciado” (AUSUBEL apud POZO, 2002, p. 212). Juntamente com este processo de diferenciação é necessário o processo de 45 integração hierárquica, que consiste em “reconciliar ou integrar sob os mesmos princípios conceituais tarefas e situações que anteriormente o aprendiz concebia de modo separado” (idem, p. 213). Portanto, percebemos que o processo de compreensão é muito mais complexo do que os processos de repetição ou memorizações, que não exigem uma reflexão ou consciência do processo, distinto da aquisição de comportamentos implícitos. Por isso optamos tratar, em nossa pesquisa, no que se refere à aprendizagem conceitual, os processos mais significativos e duradouros da aprendizagem. No segundo aspecto, a Mudança conceitual ou reestruturação dos conhecimentos prévios diz respeito a um processo mais complexo ainda, visto que provoca abalos mais fortes quanto aos conhecimentos já adquiridos, que não condizem com as novas informações que se pretende aprender. Neste sentido, Thagard (1992 apud, Pozo, 2002) enfatiza que tais processos representam uma verdadeira “revolução conceitual”. Mas, para se chegar a esse nível, implica em ter passado por processos mais elementares da aprendizagem como o crescimento, ajuste por generalização e discriminação dos conhecimentos e outros. Em detrimento da complexidade dos processos de mudança conceitual ou reestruturação dos conhecimentos prévios, ainda são escassas as pesquisas nesta área, sendo tais estudos mais especulativos do que teorias consolidadas. Porém, Pozo (2002) discute em que situações essa mudança conceitual se faz necessária e como ocorre. Uma das dificuldades de se operar mudanças conceituais, de acordo com investigações sobre a aprendizagem, estão relacionadas à maneira de como o ensino tem sido trabalhado com os estudantes, priorizando-se mais a transmissão de informações do que a reestruturação dos conhecimentos já adquiridos, provocando mudanças menores do que o desejável. Alguns estudos são desenvolvidos, objetivando a criação de estratégias ou modelos de ensino que provoquem mudanças conceituais. Pozo (2002, p. 222), por exemplo, faz referência a alguns deles, quando assim se pronuncia: A idéia básica dos modelos de instrução baseados no conflito cognitivo é que a reestruturação dos conhecimentos se produziria como conseqüência de submeter o aluno a um conflito, seja empírico (com a „realidade‟) ou 46 teórico (com outros conhecimentos) que induza o abandono desses conhecimentos em benefício de uma teoria explicativa. Percebemos, no modelo de instrução baseado no conflito, a preocupação em criar mecanismos de intervenção que provoquem uma instabilidade nos conhecimentos já adquiridos, porém, a simples apresentação do conflito não significa no desencadeamento da mudança conceitual, sendo necessário um conjunto de conflitos e situações empíricas e teóricas, que ofereçam sustentação necessária para a reestruturação e mudança conceitual. Dentre os modelos de intervenção, na busca da mudança conceitual, resumindo os pontos em comum de diversas propostas de estudos nessa área, Pozo (2002, p. 222) apresenta algumas fases principais, quando assim se posiciona. [...] Num primeiro momento, utilizam-se tarefas que, mediante inferências de previsão ou solução de problemas, ativam os conhecimentos ou as teorias prévias dos alunos. A seguir, confrontam-se os conhecimentos assim ativados com as situações conflitantes, mediante a apresentação de dados ou a realização de experiências. [...] O grau de assimilação das novas teorias dependerá de sua capacidade para explicar novos exemplos e de resolver os conflitos apresentados e de como o aprendiz resolve esses conflitos [...]. Decorrente do exposto pelo mencionado autor, percebemos algumas estratégiasde ensino que podem provocar a instabilidade cognitiva, em prol da mudança conceitual. Vale ressaltar o apoio de teorias que fundamentem as experiências de conflitos que são de fundamental importância, por oferecerem sustentação às experiências empíricas, para que não sejam entendidas como “exceções” de “comprovações teóricas” que sustentam o conhecimento prévio dos estudantes. Portanto, a pretensão deste trabalho é fomentar discussões acerca de estratégias de ensino que provoquem tanto a Aprendizagem e compreensão de conceitos quanto a Mudança conceitual ou reestruturação dos conhecimentos prévios, por meio de situações problemas e conflitos cognitivos que possibilitem a aprendizagem de conceitos, mais especificamente, no Ensino de Ciências. Relacionando a perspectiva dos conflitos cognitivos com a proposta da Pedagogia 47 de Projetos, baseada em situação problema, mobilizando os interesses e escolhas dos estudantes em buscar soluções às inquietações suscitadas coletivamente entre os sujeitos, trataremos a seguir sobre esta proposta enquanto uma alternativa didática para intervir na ação pedagógica. 1.4.4 A Pedagogia de Projetos na Aprendizagem de Conceitos no Ensino de Ciências: Limites e Possibilidades A Pedagogia de Projetos, como alternativa didática para o ensino- aprendizagem, é uma possibilidade para a contemplação dos processos de reflexão e pesquisa no cotidiano escolar, ao se trabalhar com o Ensino de Ciências, uma vez que Diferente dos cansativos e anacrônicos trabalhos de casa e das pesquisas que se transformam no máximo em „bons‟ exercícios de caligrafia, já que elas refletem apenas a cópia de centenas de enfadonhas palavras de um livro, os projetos ampliam em muito as possibilidades de trabalhar com os conteúdos, indo além da forma conceitual e articulando diferentes áreas do conhecimento. (NOGUEIRA, p. 93) Com o objetivo de ampliar os enfoques, tanto teóricos quanto metodológicos que são utilizados no Ensino de Ciências, a Pedagogia de Projetos possibilita mecanismos de articulação entre reflexão e pesquisa no trabalho com os conceitos, que vão para além de direcionamentos disciplinares e convencionais, por dispor, nas interações coletivas, de estratégias de ressignificação dos conteúdos a serem trabalhados com os estudantes, perpassando as diversas áreas do conhecimento, e atendendo às exigências da ação educativa que implica em processos complexos, multifacetados, instáveis e singulares (WARSCHAUER, 2001). Além do que os processos de mudanças constantes na sociedade, desde sua organização e inovações tecnológicas até a velocidade com que se articulam e modificam os saberes, exigem reflexões que venham atender às necessidades dos estudantes em um mundo globalizado em constante instabilidade e conexão. Para tanto, ao pensar em uma perspectiva de ensino-aprendizagem que contemple tais singularidades, Warschauer (2001, p.133) se reportando à 48 perspectiva de aprendizagem na visão de Maturana e Varela, afirma que aquela consiste em “um processo criativo de auto-organização através do qual a pessoa amplia seus recursos, podendo enfrentar melhor os desafios e obstáculos com que depara”. Tais processos de auto-organização, geram-se a partir de condições propícias que se oportunizam aos estudantes e, diante disso [...] uma atividade desenvolvida com a formatação de projeto possibilita a ampliação do processo de construção do conhecimento, já que os alunos realizam a descrição de suas hipóteses planejadas, executam os processos para pesquisa e descobertas, analisam e refletem sobre suas aquisições e ainda utilizam-se de seu senso crítico, depurando e replanejando seus trabalhos. (NOGUEIRA, 2003 p. 128) A partir desse princípio é que pretendemos legitimar a Pedagogia de Projetos na condição de alternativa didática para o Ensino de Ciências. Principalmente porque, através dos processos coletivos e internos desenvolvidos entre os sujeitos da ação educativa, as informações vão se reorganizando, proporcionando estruturas internas de acomodação das informações, objetivando a construção de um novo conhecimento, a partir dos já adquiridos. A dinâmica dos projetos proporcionaria desafios, problemas e conflitos cognitivos para estimular e ativar as unidades neurais dos sujeitos. Nessa perspectiva, quando os estudantes são levados a pensar uma problemática concernente a determinado assunto que gostariam de conhecer, se remetem ao que já sabem (conhecimentos prévios), procurando suprir as lacunas do que ainda desconhecem. Por conseguinte, no momento em que elaboram hipóteses do que poderia ser o que estão pesquisando, ativam as unidades neurais, buscando relacioná-las, objetivando criar conexões entre os próprios conhecimentos já existentes por meio de associações e generalizações, tentando reorganizar suas informações. Além disso, a partir do momento que os estudantes iniciam o processo de pesquisa e, por conseguinte, o processo de reflexão, através da mediação do professor, começam a ter os primeiros contatos com a informação nova, que possibilitará a confrontação ou associação com o que já sabem. Vale ressaltar que a mediação do professor neste contexto é de fundamental importância, para suscitar a inquietação, a dúvida e os desafios que contribuirão para os processos de reflexão. 49 Tratando da importância da pesquisa na Pedagogia de Projetos, quando atrelada à reflexão, de acordo com o pensamento de Dewey, comentado por Lalanda e Abrandes (1996, p.49) se origina [...] de uma situação problemática, de incerteza e de dúvida... considerada por Dewey como o primeiro momento na medida em que, de qualquer modo, sugere, embora vagamente, uma solução, uma idéia de como sair dela. O segundo momento da indagação é o desenvolvimento desta sugestão, desta idéia, mediante o raciocínio aquilo a que Dewey chama a intelectualização do problema. O terceiro momento consiste na observação e na experiência: trata-se de provar as várias hipóteses formuladas, eventualmente de lhes revelar a inadequação, e então o quarto momento da indagação consistirá numa reelaboração intelectual das primeiras sugestões ou hipóteses de partida. Chega-se assim a formular novas idéias que encontram no quinto momento da indagação a sua verificação, que pode consistir, sem dúvida, na aplicação prática ou simplesmente em novas observações ou experimentações probatórias. Os momentos da pesquisa não significam que devam ser seguidos sempre na ordem como foram apresentados pois, de acordo com as situações e os problemas a serem investigados, podem variar a sua seqüência, criando-se novos momentos que facilitam a solução do problema encontrado, mas que sempre exigem a análise e a síntese das informações, a fim de criar uma base sólida de conhecimento. Com base na reflexão e pesquisa, a Pedagogia de Projetos também fundamentada nos estudos de Dewey (apud LALANDA e ABRANDES, 1996), parte da solução de problemas, incluindo os processos de reflexão e pesquisa no cotidiano escolar, por possibilitar o estudo de determinados conceitos, através da dinâmica proveniente da investigação a partir de problemas, sustentadas em processos constantes de análise e síntese. Conforme o exposto, o ambiente da sala de aula torna-se um local propiciador de mecanismos favoráveis à inquietação, à busca do saber, através de processos de retroalimentação entre discentes e docentes, a fim de contribuir em possíveis intervenções no contexto em que os sujeitos se encontrem, pois À Educação interessa fundamentalmente o pensar real, interessa criar atitudes que desenvolvam nos seres humanos um pensamento efectivo, 50 uma postura mental de questionar, problematizar, sugerir e construir a partir daí um conhecimento alicerçado em bases sólidas. (LALANDA; ABRANDES, 1996, p.55) A necessidadede articular à educação processos vinculados com o real, com a vida e com os problemas a partir do contexto dos sujeitos envolvidos no cotidiano da sala de aula, contribui significativamente no processo de ensino- aprendizagem, uma vez que quando os estudantes participam ativamente da organização das informações com o auxílio dos professores, através de suas inferências, desenvolvem a construção do seu próprio conhecimento, pois, do contrário, não seria possível ultrapassar o nível da informação, comprometendo as bases imprescindíveis da solidificação do conhecimento. Mediante a preocupação com as bases sólidas que propiciam a construção do conhecimento, Delval (2007, p. 127) reforça a idéia de que as [...] reorganizações dos conhecimentos são muito importantes e constituem um fator essencial do progresso cognitivo. Os sujeitos parecem procurar uma coerência interna em seus conhecimentos [...], o que Piaget chamou equilibração. Desse modo, os momentos de cooperação e compartilhamento do saber, advindos das pesquisas coletivas entre discentes e docentes, propiciam os processos de reflexão que também são vivenciados internamente, nas reorganizações das informações, a fim de transformá-las em um conhecimento novo. Nesta dinâmica da construção do saber, tanto professor quanto aluno são sujeitos epistêmicos, por serem sujeitos que constroem conhecimento incessantemente, como ressalta Becker (2007). Nessa perspectiva é que enfatizamos que os professores no Ensino de Ciências não devem se limitar a explicar os conhecimentos a que a ciência chegou como um acúmulo de informações mas, como afirma Delval (2007, p.127), estes têm que [...] situar o seu aluno diante dos problemas e incitá-lo a buscar por si mesmo e encontrar soluções. Se são incorretas, incompletas ou 51 contraditórias, deve levá-lo a enfrentar essas contradições, que talvez não possa resolver nesse momento [...]. No entanto, através de uma atitude de investigação da própria natureza e do seu meio, na interação sujeito-objeto, os estudantes tornam-se investigadores de si mesmos e da realidade que os rodeia, aprimorando sua forma de compreender e intervir nos problemas em busca de soluções. Percebemos, assim, que a contribuição da Pedagogia de Projetos na aprendizagem de conceitos, uma vez que possibilita tanto a Aprendizagem e compreensão de conceitos quanto a Mudança conceitual ou reestruturação dos conhecimentos prévios, que consistem em dois aspectos da aprendizagem conceitual proposto por Pozo (2002), por oportunizar, tanto a associação da nova informação com os conhecimentos prévios, quanto a ativação de conflitos cognitivos que desencadeiam, novas conexões entre as unidades neurais, mobilizando as estruturais cognitivas. No entanto, um dos limites que podem ser encontrados durante a utilização da Pedagogia de Projetos é que estes processos estão condicionados à mediação docente, pois, no momento da intervenção pedagógica, se não houver a compreensão de tais mecanismos de ativação dos processos cognitivos, e a Pedagogia de Projetos for utilizada como um cumprimento de ações desconexas e sem significação, o objetivo esperado não será alcançado. Outro ponto a ser ressaltado diz respeito à dinâmica própria do cotidiano escolar, que apresenta diferentes situações, desde a preocupação com os serviços burocráticos que as instituições de ensino exigem para sua manutenção, até processos mais complexos da utilização dos conhecimentos docentes com o processo de ensino-aprendizagem, que podem gerar implicações no momento do desenvolvimento da Pedagogia de Projetos na aprendizagem de conceitos no Ensino de Ciências. Necessita-se de um redimensionamento no Ensino de Ciências, a fim de que se torne mais próximo da construção do conhecimento científico. Somente assim será possível superar os obstáculos de um ensino predominantemente memorístico, capaz de ultrapassar as barreiras impostas pela burocracia da organização do trabalho pedagógico, urgente para que o contexto historicamente construído possa renovar-se e realmente contribuir na educação científica. 52 2 O PERCURSO INVESTIGATIVO Para visualizarmos, de maneira geral, o percurso investigativo que acompanhou todo o trajeto da pesquisa, apresentaremos o desenho a seguir (Figura 1), para efeito de síntese dos capítulos, a fim percebermos como se construiu o processo, partindo de um problema, da construção da fundamentação teórica, da elaboração da proposta de intervenção com o projeto Aprender Pesquisando, com a utilização das técnicas para a construção do diagnóstico e, a partir desse, o replanejamento da proposta inicial, dando origem a uma nova proposta, que foi executada, avaliada, possibilitando-nos a sistematização e constatações da pesquisa, na relação entre a Pedagogia de Projetos e a Pesquisa-Ação. Figura 1: Desenho do percurso investigativo 53 2.1 Os fundamentos do percurso metodológico Nesta unidade apresentaremos os fundamentos que sustentam o percurso metodológico pautada na Pesquisa-Ação, centrada na abordagem qualitativa e na utilização das técnicas da observação participante, entrevista, questionário, construção e aplicação do Projeto Aprender Pesquisando. 2.1.1 A Pesquisa-Ação A pesquisa-ação foi utilizada para mediar o percurso metodológico da investigação, tendo em vista que a pesquisa baseou-se em processos de participação ativa dos sujeitos, para a consolidação da Pedagogia de Projetos. Tal método possibilitou o desenvolvimento de mecanismos capazes de contribuir com a aprendizagem de conceitos, por meio da interação entre professores, alunos e pesquisador. Desse modo, apresentaremos um breve histórico da pesquisa-ação e a visão da Escola Francesa, para esclarecer que perspectiva de pesquisa-ação assumimos nesse trabalho. 2.1.1.1 Breve histórico A pesquisa-ação, longe de ter uma concepção única entre os autores que a discutem, tem sua origem marcada com o trabalho de Lewin em torno do período da Segunda Guerra Mundial, como afirma Gómez, Flores e Jiménez (1999, p.52), caracterizando-a a partir de quatro fases: “[...] planificar, actuar, observar y reflexionar [...]”, baseadas nos princípios da independência, igualdade e cooperação. Com o passar dos anos, a natureza de pesquisa em questão tem se configurado em diferentes contextos geográficos e ideológicos. No entanto, apresenta algumas características em comum dentre as diferentes concepções. Primeiramente destacando-se o caráter da ação, o que define o método da pesquisa, implicando na participação ativa dos sujeitos, tendo como foco os 54 problemas advindos da prática educativa, rompendo com a dicotomia entre teoria e prática (GÓMEZ; FLORES e JIMÉNEZ, 1999). Outra característica em comum da pesquisa-ação é que defende a união entre pesquisador e pesquisado, não podendo ser desenvolvida de maneira isolada, mas sim de forma sistemática, reflexiva e comunitária, em que as decisões são tomadas em conjunto, desenvolvendo a autocrítica, objetivando a transformação do meio social. Mesmo com essas características em comum, vamos encontrar também especificidades sobre a Pesquisa-Ação, conforme as diferentes concepções que procuram legitimá-la. Consequentemente, reportaremo-nos à Escola Francesa, como opção a ser adotada na presente pesquisa. 2.1.1.2 Pesquisa-Ação na Visão da Escola Francesa Decorrente da diferenciação de situações e contextos com marcos situacionais diversificados, o uso da pesquisa-ação foi apresentando especificidades para atender às necessidades de cada realidade. Logo, a pesquisa ação, na Europa, especificamente na França, foi direcionada “para as instituições sociais, concebidas como portadoras de uma „violência simbólica‟, e para movimentos sociais de libertação
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