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CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988 Alunos: Leonardo Lucas Dias e Aliathan Rudá Martins RESENHA CRÍTICA Capítulo 1 - A evolução do conceito teórico de acesso à justiça Inicialmente, o autor traz uma abordagem acerca do processo evolutivo da definição de “acesso à justiça” no decorrer dos anos. Destaca que nos estados liberais burgueses de meados do século XVIII, a solução dos litígios estava baseada num panorama individualista, em que não havia a preocupação do Estado se realmente todos os cidadãos teriam a capacidade de acessar efetivamente à justiça, sendo este apenas um direito formal. A justiça, dessa forma, só poderia ser obtida por aqueles que pudessem arcar com seus custos. Com o crescimento populacional e com o caráter coletivo que as ações e relacionamentos assumiram, a visão individualista de acesso à justiça foi deixada para trás. A exemplo da Constituição francesa de 1946, houve um reconhecimento positivado dos direitos e deveres sociais – como direitos ao trabalho, à saúde, à segurança material e à educação -, fator fundamental para efetivamente se obter a justiça, vez que ao atribuir direitos e deveres, se faz também necessário mecanismos para que sejam efetivamente reivindicados. Logo, o acesso à justiça começa a se desenhar como um direito humano básico, no sentido de que se faz necessário a garantia dos direitos sociais e não apenas proclamá-los. Capítulo 2 - O significado de um direito ao acesso efetivo à justiça: os obstáculos a serem transpostos No início do capítulo, o autor traz um questionamento acerca do conceito de “efetividade” dentro do processo. Em sua visão, tal expressão poderia ser definida como a “igualdade de armas”, ou seja, a garantia de que a parte vencedora assim alcance seu objetivo somente pelos seus méritos jurídicos, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao direito. Entretanto, alcançar a efetividade perfeita é algo utópico e analisar os obstáculos ao acesso efetivo à justiça é o primeiro caminho: Custas Judiciais: trata sobre o quão oneroso é manter um processo durante um grande lapso temporal, assim como é dificultoso acionar advogados e outros profissionais do direito devido a falta de recursos pelas partes. Além disso, o alto custo de honorários sucumbenciais. Ademais, é destacado as pequenas causas como aquelas que causam maior prejuízo aos litigantes em termos de custas judiciais. Possibilidade das Partes: trata sobre a aptidão das partes, tanto em relação aos recursos financeiros, como no que diz respeito à pessoalidade, para propor uma ação, reconhecer um direito (capacidade jurídica) ou realizar uma defesa. Ainda nesse tema, é destacado a questão de litigantes eventuais e habituais, em relação a frequência com que as pessoas acionam o poder judiciário. Problemas especiais dos interesses difusos: inicialmente conceitua interesses difusos como interesses fragmentados ou coletivos, tais como o direito à proteção do consumidor. Após, o autor traz a problemática quanto a legitimidade para propor a ação de que tais interesses e também quanto à grande falta de disposição em ajuizar uma ação na qual não há relevância econômica para as partes. Por fim, ressalta que a proteção privada de interesses difusos exige ação de grupo, sendo difícil assegurar que tal assegurar que tal ação coordenada seja realmente efetiva. Conclusão preliminar: os autores concluem esta seção da obra afirmando que os obstáculos para o acesso ao judiciário são ressaltados nos casos de pequenas causas e para os autores individuais e de parcos recursos financeiros. Asseveram, ainda, que tais obstáculos, muitas vezes encontram-se relacionados e seria necessário estudar a correlação de forças entre as barreiras existentes ao acesso ao judiciário. Capítulo 3 - As soluções práticas para os problemas de acesso à justiça No terceiro capítulo, Mauro Cappelletti e Bryant Garth trazem uma abordagem cronológica acerca das soluções para os problemas de acesso à justiça, as chamadas “ondas”. A primeira onda teria sido a assistência judiciária, a segunda refere-se à representação jurídica para os interesses difusos e a terceira onda objetiva enfrentar contundentemente as barreiras ao acesso efetivo à justiça. A primeira onda: assistência judiciária para os pobres Traz a vital importância do auxílio de um advogado ou defensor para decifrar leis cada vez mais complexas e dificultosos procedimentos para se ajuizar uma ação. Os autores destacam que o capitalismo e as desigualdades surgidas após ele, constituíram um processo de exclusão tanto no campo econômico, quanto no campo jurídico. Com isso, a partir dos anos 60, iniciou-se em diversos países do mundo, dentre eles EUA, França e Suécia, reformas visando a criação de programas de assistência jurídica gratuíta. É destacado a implementação do Sistema Judicare na Áustria, Inglaterra, Holanda, França e Alemanha Ocidental, um sistema através do qual a assistência judiciária é estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadrem nos termos da lei, em que os advogados particulares são pagos pelo Estado por seus serviços. Entretanto, mesmo que tal sistema tenha sido benéfico na sua grande maioria, ainda há críticas pelo fato de ainda fazer com que os pobres tenham que reconhecer as causas e, além disso, faz com que pessoas de baixa renda se sintam intimidadas em comparecer a um escritório de advocacia e comparecer a um escritório particular. De igual forma, é destacado o modelo de assistência judiciária em que o advogado é remunerado pelos cofres públicos, tendo sua origem no Programa de Serviços Jurídicos do Office of Economic Opportunity. Nesse modelo, pessoas de baixa renda são atendidas por advogados pagos pelo governo e encarregadas de promover seus interesses enquanto classe. Contrariamente aos sistemas Judicare, esse sistema tende a ser caracterizado por grandes esforços no sentido de fazer as pessoas pobres conscientes de seus novos direitos e desejosas de utilizar advogados para ajudar a obtê-los. Conforme é exposto: “As vantagens dessa sistemática sobre a do judicare são óbvias. Ela ataca outras barreiras ao acesso individual, além dos custos, particularmente os problemas derivados da desinformação jurídica pessoal dos pobres. Ademais, ela pode apoiar os interesses difusos ou de classe das pessoas pobres.” (p. 40) A maior problemática em relação ao sistema de advogado remunerado pelos cofres públicos é que ele depende necessariamente de apoio governamental para atividades de natureza política, tantas vezes dirigidas contra o próprio governo. Em outros países como Suécia e Canadá fora utilizado um sistema de modelos combinados entre os dois anteriormente citados, onde há a escolha entre o atendimento por advogados servidores públicos ou por advogados particulares. Concluindo, os autores ressaltam que as medidas de assistência jurídica para pessoas de baixa renda vem trazendo resultados satisfatórios, entretanto esse não pode ser o únicoenfoque a ser dado na reforma por um acesso efetivo à justiça. Deve-se ter, também, um grande número de advogados para atender a população carente e é preciso que eles se tornem disponíveis para auxiliar aqueles que não podem pagar por seus serviços, o que faz necessário grandes dotações orçamentárias, sendo o problema básico dos esquemas de assistência judiciária. A segunda onda: Representação dos interesses difusos A segunda onda procurou enfrentar o problema da tutela dos interesses difusos, ou seja, os interesses coletivos ou grupais, reforçando a reflexão sobre noções tradicionais muito básicas do processo civil, vez que essa não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos. “Verifica-se um grande movimento mundial em direção ao que o Professor Chayes denominou litígios de ‘direito público’ em virtude de sua vinculação com assuntos importantes de política pública que envolvem grandes grupos de pessoas” (p. 50) A seguir, os autores destacam a ação governamental como o principal método para representação dos interesses difusos, embora essa não seja realmente efetiva em razão da relutância tradicional em dar-se legitimidade a indivíduos ou grupos para atuarem em defesa desses interesses. Por outro lado, é destacado como de fundamental importância permitir a propositura, por indivíduos, no caso, Procuradores-Gerais e demandantes ideológicos ou então, advogados particulares de grupos organizados, de ações em defesa do interesses públicos ou coletivos: “A instituição americana do ‘advogado do interesse público’ constitui um esforço a mais para dar aos interesses difusos as vantagens com que contam grupos permanentes. A justificação teórica para o surgimento e crescimento das sociedades de advogados do interesse público no Estados Unidos, desde 1970, corresponde precisamente ao que já assinalamos: ‘os advogados do interesse público acreditam que os pobres não são os únicos excluídos do processo de tomada de decisão em assuntos de importância vital para eles. Todas as pessoas que se preocupam com a degradação ambiental, com a qualidade dos produtos, com a proteção do consumidor, qualquer que seja sua classe socio-econômica, estão efetivamentes excluídas das decisões chaves que afetam seus interesses’”. (p. 62) A terceira onda: Do acesso à representação em juízo a uma concepção mais ampla de acesso à justiça. Um novo enfoque de acesso à justiça A terceira e última onda tem como um dos seus principais objetivos a concessão de todos tipos de direitos, sejam eles individuais, coletivos, difusos, privados, públicos ou tutelas de urgência, focando nos vazios deixados pela não efetivação de tal tutela. “O novo enfoque de acesso à justiça, no entanto, tem alcance muito mais amplo. Essa ‘terceira onda’ de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. Nós o denominamos ‘o enfoque do acesso à justiça’ por sua abrangência. Seu método não consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras ondas de reforma, mas em tratá-las como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso”. (p. 67 e 68) Esse enfoque procura explorar uma ampla variedade de reformas, incluindo alterações nas formas de procedimento, mudanças na estrutura dos tribunais, maior utilização de paraprofissionais e vão muito além da esfera de representação judicial proposta nas duas primeiras “ondas”. Por fim, os autores destacam que, para se obter um pleno e efetivo acesso à justiça, é de fundamental importância verificar o papel dos diversos fatores e barreiras envolvidos no processo, desenvolvendo, dessa forma, instituições competentes para enfrentar tais problemas. Capítulo 4 - Tendências no uso do enfoque do acesso à justiça Neste capítulo, os autores buscam demonstrar que o acesso à justiça é muito mais do que a mudança na legislação e a criação de tribunais. É necessário uma reforma com o intuito de melhorar e modernizar os procedimentos judiciais em geral, tornando o processo civil mais simples, rápido, barato e acessível, não refletindo nos resultados a desigualdade entre as partes. Ao mesmo tempo são defendidos métodos alternativos e mais informais para a solução de conflitos evitando o litígio judicial como o juízo arbitral, as conciliações e os incentivos econômicos, buscando a defesa dos interesses individuais pela população de classe média e baixa. A criação de tribunais especializados para a solução de determinados tipos de causas entre particulares é um dos movimentos mais importantes para a reformulação do processo. Entre eles estão: os procedimentos especiais para pequenas causas; os tribunais de “vizinhança”; os tribunais especiais para demandas de consumidores; e os mecanismos especializados para garantia de direitos “novos”. Outras alternativas citadas são: os “Parajurídicos”, que são pessoas que recebem um treinamento jurídico especial, visando solucionar conflitos menores sendo mediadores; e o desenvolvimento de planos assistenciais tornando os custos judiciais mais razoáveis para os indivíduos mais carentes. Por último, os autores criticam o Direito, classificando-o como dificultoso. Esta complicação no entendimento de leis não facilita o enfoque do acesso à justiça e, para isso, é necessário simplificá-lo. Ou seja, tornar a lei mais simples e compreensível facilitando o entendimento para todos. Capítulo 5 - Limitações e riscos do enfoque de acesso à justiça: uma advertência final No último capítulo Cappelletti e Garth resumem com otimismo o surgimento, em diversos países do mundo, do “enfoque do acesso à justiça”, assim como suas capacidades em atender às necessidades daqueles que, por muito tempo, não tiveram a possibilidade de reivindicar seus direitos. Entretanto, os autores também não descartam que tais mudanças precisam permanecer constantes e que ainda estamos no início de grandes mudanças. Diante disso, o trabalho da comunidade acadêmica deve ser no sentido de construção de pesquisas empíricas e interdisciplinares, não apenas diagnosticando os problemas, mas também monitorando suas implementações por parte dos reformadores. Por fim, é abordado um alerta quanto a mudanças estruturais que vem acontecendo no sistema judiciário: “Uma vez que grande e crescente número de indivíduos, grupos e interesses, antes não representados, agora tem acesso ao tribunais e a mecanismos semelhantes, através das reformas que apresentamos ao longo do trabalho, a pressão sobre o sistema judiciário, no sentido de reduzir sua carga e encontrar procedimentos ainda mais baratos, cresce drasticamente. Não se pode permitir que essa pressão, que já é sentida, venha a subverter os fundamentos de um processo justo. Neste estudo, falamos de uma mudança na hierarquia dos valores no processo civil - de um desvio no sentido do valor daacessibilidade. No entanto, uma mudança na direção de um significado mais ‘social’ da justiça não quer dizer que o conjunto de valores do procedimento tradicional deva ser sacrificado. Em nenhuma circunstância devemos estar dispostos a ‘vender nossa alma’.” (p. 164) Considerações finais Primeiramente, de fundamental importância ressaltar que não se deve confundir acesso à justiça com acesso ao poder judiciário, sendo este apenas um dos instrumentos para alcançá-la, tendo outras formas de resolução de conflitos que permitem um acesso à justiça. Nesse sentido, o significado de acesso à justiça se traduz em criar mecanismos que possam fazer com que os direitos fundamentais proclamados em diversos âmbitos legislativos sejam usufruídos pelos seus detentores, permitindo uma participação cada vez mais concreta das partes na resolução dos conflitos. De fato, há de se concordar com os autores de que o acesso à justiça deve ser encarado como o mais básico dos direitos em um sistema jurídico igualitário, que tenha como objetivo garantir e não apenas proclamar os direitos. A partir disso, a obra estabelece uma amostra dos diversos obstáculos que se colocam no caminho ao acesso à justiça e de suas soluções, à luz do que afirmam os autores, no sentido de que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. Embora tais obstáculos sejam grandes e dificultosos, temos como grande aliado ao acesso efetivo à justiça, conforme descrito pelos autores na terceira onda renovatória, os chamados sistema de justiça de múltiplas portas, como denominado por Frank Sanders, tais quais a mediação, conciliação, negociação e arbitragem, meios mais adequados a resolução do conflito em questão e que, além de tudo, preservam o relacionamento entre as partes. Tais métodos, ainda pouco utilizados no Brasil, têm sido amplamente divulgados e incentivados pelo Conselho Nacional de Justiça e paulatinamente inseridos no ordenamento jurídico pátrio. Dentro desses métodos, a negociação prevê que as partes resolvam a contenda sem a necessidade de um terceiro para sugerir ou ponderar um provável acordo, buscando um acordo de ganhos mútuos. A conciliação, por sua vez, ainda que atualmente esteja mais voltada à sua aplicação em meio judicial, deve ser vista como um método alternativo à solução dos conflitos, visto que, de todo o modo, poderá minimizar o tempo para a resolução da contenda e aumentar as chances de se atingir aquilo que as próprias partes entendem como justo. Ademais, a mediação se constitui como “uma atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”, conforme explícito no art. 1º, parágrafo único da Lei n. 13.140/2015 e, ainda pressupõe alguns princípios em seu artigo 2º, como a imparcialidade do mediador, a isonomia entre as partes, a oralidade, informalidade, a autonomia da vontade das parte, a busca do consenso, a confidencialidade e a boa-fé. Outro exemplo de instrumento para se ter um efetivo acesso à justiça é a arbitragem, em que através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidem com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial. Tal mecanismo oferece decisões rápidas e especializadas, uma vez que as partes têm o poder de escolher o árbitro destinado à resolução da contenda. Nessa toada, é perceptível que a existência mútua de métodos judiciais que garantam a tutela de interesses difusos, a assistência à pessoas de baixa renda e a isonomia entre as partes, assim como métodos extrajudiciais, podem proporcionar um concreto e efetivo acesso à justiça, diminuindo o número de processos judiciais e seu tempo de tramitação e viabilizando a concretização de princípios constitucionais como a celeridade e a razoável duração do processo. Outrossim, através do tempo e das grandes reformas mencionadas no livro, muitos entraves ao acesso à justiça já foram superados, entretanto, alguns ainda permanecem sólidos, dentre eles, destaca-se a falta de informações jurídicas repassadas à sociedade, que fica em condição dispare na busca dos seus direitos. A respeito disso, devemos pensar em políticas públicas que visem um momento pré-processual, com o acesso à informação jurídica de qualidade para que os cidadãos possam ter conhecimento dos direitos que estão sendo ameaçados ou lesados, a fim de que assim procurem meios de tutelar de forma efetiva com o intuito de que os direitos proclamados sejam usufruídos pelos seus detentores. Por fim, cumpre ressaltar que muito ainda precisa ser feito e, nesse sentido, a advertência final dos autores é também bastante relevante, vez que existem diversos riscos ao se estabelecer mudanças, sendo necessário novas normas ou procedimentos que não lesionem garantias fundamentais do processo.