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UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL – UNISC CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU CURSO DE DIREITO A DISTÂNCIA – EAD ESPECIALIZAÇÃO EM ADVOCACIA IMOBILIÁRIA, URBANÍSTICA, NOTARIAL E REGISTRAL Bruno Martins Ribeiro Bastos USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL E SUA EFICÁCIA COMO MEIO DE PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA FRENTE À CONTRADIÇÃO DO SILÊNCIO COMO DIS- CORDÂNCIA Santa Cruz do Sul 2017 Bruno Martins Ribeiro Bastos USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL E SUA EFICÁCIA COMO MEIO DE PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA FRENTE À CONTRADIÇÃO DO SILÊNCIO COMO DIS- CORDÂNCIA Trabalho de Conclusão Apresentado ao Curso de Pós-Graduação em Advocacia Imobiliária, Urbanís- tica, Notarial e Registra, Curso de Direito a Distân- cia – EAD, da Universidade de Santa Cruz do Sul para a obtenção do título de Especialista em Advo- cacia Imobiliária, Urbanística, Notarial e Registral. Orientadora: Profa. Dra. Rosana Helena Maas Santa Cruz do Sul 2017 Bruno Martins Ribeiro Bastos USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL E SUA EFICÁCIA COMO MEIO DE PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA FRENTE À CONTRADIÇÃO DO SILÊNCIO COMO DIS- CORDÂNCIA Este trabalho de conclusão de curso foi submetido ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Espe- cialização; Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do tí- tulo de Especialista em Direito Imobiliário, Urbanís- tico, Notarial e Registral. Drª. Rosana Helena Maas Professora Orientadora – UNISC Dr.(ª) __________________________________ Dr.(ª) __________________________________ Santa Cruz do Sul 2017 Às pequenas Cléo e Malu, parte de mim, fonte de minha motivação e razão maior de tudo que faço. AGRADECIMENTO Agradeço à Dra. Rosana Helena Maas, minha orientadora, pela atenção, paciência e, principalmente, ajuda sem a qual tudo seria mais difícil. Agradeço ainda à Sara, minha esposa e professora, pelas dicas e ensinamentos que muito contribuíram para o resultado final deste trabalho. Sou grato também à comadre Daniela Moyses pela ajuda na tradução para o inglês, principalmente em razão dos termos técnicos. Por fim, mas não menos importante, agradeço a toda minha família, em especial as mi- nha filhas, meu pai e meu irmão, por acreditarem sempre na minha capacidade e se- rem meus apoiadores incondicionais. BASTOS, Bruno Martins Ribeiro. Usucapião extrajudicial e sua eficácia como meio de promoção do acesso à justiça frente à contradição do silêncio como discor- dância. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Direito – Es- pecialização, Universidade Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2017. RESUMO A via extrajudicial de processamento da usucapião teve sua possibilidade ampliada com as alterações promovidas na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015 de 1973), por meio do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105 de 2015, art. 1.071), em vigor desde 18 de março de 2016. O objetivo principal de alargamento dessa via é promover o acesso amplo à justiça, além da garantia de ajuizamento, que se concre- tizará com a entrega rápida, adequada e eficaz do direito. Contudo, entre as exigên- cias trazidas pela norma ampliadora há um entrave que põe em risco sua eficácia social, qual seja, a imposição de concordância expressa dos titulares de direitos reais, bem como do(s) proprietário(s) e confinantes do imóvel usucapiendo. Tal exigência contraria o próprio instituto da usucapião que, em regra, materializa-se em razão da desídia desses titulares. Face ao problema, o presente estudo, utilizando-se da meto- dologia de pesquisa bibliográfica, visou analisar a eficácia normativa da usucapião extrajudicial como forma de promoção ampla do acesso à justiça, diante do entrave gerado pela contradição no texto da norma. Assim, restou constatada a ineficácia so- cial da norma, vez que – diante do silêncio dos titulares envolvidos – outro caminho não há além de se socorrer à via jurisdicional para o reconhecimento do direito de propriedade pela usucapião. No entanto, a pesquisa também possibilitou verificar a existência de soluções ao entrave que, no momento do estudo, encontravam-se em andamento. Uma é a minuta de provimento do Conselho Nacional de Justiça – CNJ – destinada à regulamentação do processamento da usucapião na via extrajudicial, que concede ao Oficial Registrador meios de contornar o entrave. Outra é o Projeto de Lei de Conversão – PLV – nº 12 de 2017, referente a Medida Provisória – MPV – 759/2016, onde se inseriu a proposta de retomar a interpretação originária do Projeto Substitutivo da Câmara dos Deputados – relativo ao CPC/15 – deixando expresso que o silêncio dos titulares de direitos reais, do proprietário e dos confinantes, diante da notificação, será tido como concordância. Já na fase final do trabalho, o referido PLV nº 12 de 2017 foi aprovado e tornou-se a Lei nº 13.465/2017, promulgada em 11 de julho de 2017, o que promete restabelecer a eficácia social da norma, mas, ainda assim, não minimiza a importância deste estudo, pois agora caberá ao tempo dizer se de fato a usucapião extrajudicial alcançará seu propósito. Deste modo, o presente trabalho possibilita ao profissional de direito ou aos oficiais de registro e notariais, um panorama da usucapião extrajudicial como meio de promoção do acesso à justiça com os olhos voltados à eficácia social da norma que o institui, um auxílio importante para a prática de seus trabalhos. Palavras-chave: usucapião extraordinária; acesso à justiça; desjudicialização; eficá- cia social normativa; direitos reais. ABSTRACT The extrajudicial process of Adverse Possession was extended with the changes ro- moted by the Public Registers Act (Act no 6.015/1973), through the new Civil Proce- dure Code (Act no. 13.105/2015, article 1.071), in force since March 18, 2016. The main purpose of enlarging this route is to promote broad access to justice, as well as the guarantee of filing a lawsuit, which will be materialized with the prompt, adequate and effective delivery of the court decision. However, among the demands brought by the amplifying act, there is an obstacle that endangers its social effectiveness, that is, the imposition of express agreement of the holders of property rights, as well as of the owner and adjoining owners of the real estate. This requirement goes against the ins- titute of Adverse Possession which, as a rule, materializes due to the lack of ownership of these holders. In view of this problem, the present study, using the methodology of bibliographic research, aimed to analyze the normative effectiveness of extrajudicial Adverse Possession as a means of broad promotion of access to justice, given the obstacle generated by the contradiction in the text of the rule. Thus, the social ineffec- tiveness of the rule remained verified, since - in the silence of the holders involved - another way is not only to helpthe jurisdictional route for the recognition of property rights by Adverse Possession. However, the research also made it possible to verify the existence of solutions to the obstacle that, at the time of the study, were in progress. One is the draft of the National Council of Justice (CNJ) for the regulation of the pro- cessing of Adverse Possession in the extrajudicial way, which grants the Official Re- gister a means of getting around the obstacle. Another is the Bill of Conversion - PLV - No. 12/2017, related to the Executive Order no 759/2016), which included the propo- sal to return to the original interpretation of the Substitute Act of the House of Repre- sentatives - relating to the Civil Process Code (2015) - expressing that the silence of the holders of property rights, the owner and the adjoining owners, upon notification, will be taken as an agreement. Already in the final stage of this work, that Bill of Con- version PLV No. 12 of 2017 was approved and became the Bill 13.465/2017, promul- gated on July 11, 2017, which promises to reestablish the social effectiveness of the norm, but not yet minimizes the importance of this study, because now it will be up to time to say whether, in fact, extrajudicial Adverse Possession will achieve its purpose. In this way, the present study enables the legal professional or public notary servant, an overview of extrajudicial use as a means of promoting access to justice with a view to the social effectiveness of the rule that establishes it, an important aid to their prac- tice work. Keywords: extraordinary adverse possession; access to justice; lessening of the ju- risdiction of courts; social regulatory effectiveness; property Law SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11 2 O DIREITO DE PROPRIEDADE E A FUNÇÃO SOCIAL DESTA POR MEIO DA USUCAPIÃO ........................................................................................................... 15 2.1 Formas de aquisição da propriedade ............................................................. 15 2.2 A Segurança Jurídica e a Função Social ........................................................ 22 2.3 Usucapião: histórico e conceito ..................................................................... 25 2.3.1 Requisitos ...................................................................................................... 28 2.3.2 Principais espécies de usucapião ............................................................... 30 2.3.2.1 Usucapião Extraordinária .......................................................................... 30 2.3.2.2 Usucapião Ordinária .................................................................................. 31 2.3.2.3 Usucapião Urbana Individual .................................................................... 33 2.3.2.4 Usucapião Urbana Coletiva ....................................................................... 33 2.3.2.5 Usucapião Especial Rural .......................................................................... 33 2.3.2.6 Usucapião Urbana Familiar ....................................................................... 35 2.3.2.7 Usucapião Urbana Administrativa ............................................................ 36 3 A “DESJUDICIALIZAÇÃO” COMO MEIO DE PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA 39 3.1 A judicialização dos direitos ........................................................................... 39 3.2 Princípio Constitucional do Acesso à Justiça ............................................... 41 3.3 Acesso à justiça através da “desjudicialização” ........................................... 46 3.4 “Desjudicialização” da usucapião .................................................................. 49 4 EFICÁCIA DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL COMO FORMA DE DESJUDI- CIALIZAÇÃO DAS DEMANDAS E PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA .......... 53 4.1 Novidades trazidas pelo Novo Código de Processo Civil para a aquisição da propriedade através da usucapião ....................................................................... 53 4.2 A usucapião extrajudicial: requisitos e processamento ............................... 57 4.3 A contradição do silêncio como discordância............................................... 64 4.4 Possíveis soluções para o entrave ................................................................. 71 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 77 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 81 11 1 Introdução O instituto da usucapião tem por objetivo basilar garantir que à propriedade seja dada destinação compatível a sua função social. Trata-se de um instituto milenar, com registros encontrados já na Lei das Doze Tábuas, datada de 455 antes de Cristo. Quanto à função social perquirida, essa tem por parâmetro o bem-estar cole- tivo, quer dizer, garantir que o uso da propriedade não implique afronta ao direito alheio, bem como que esta tenha uma utilidade que atenda aos anseios sociais, pro- movendo a pacificação sem perder de vista a segurança jurídica. Assim, os atributos inerentes à propriedade – usar, gozar/fruir, dispor e reivin- dicar – serão garantidos ao seu proprietário desde que este dê a ela destinação ade- quada. De tal modo, aquele que assim não faz, abandonando seu bem, ou seja, agindo com desídia, pode o perder em benefício daquele que o possuir de boa ou má- fé, conforme os requisitos correspondentes exigidos para tal em cada caso. Tem-se, então, na usucapião, uma das formas de aquisição da propriedade que, antes do advento do novo Código de Processo Civil – em vigor desde 18 de março de 2016 –, consumava-se, em regra, por meio da via judicial em ação específica (rito especial), o que, em razão do próprio procedimento (moroso) e, principalmente, do estado de ineficiência em que se encontra o Poder Judiciário no exercício jurisdici- onal (causa do excesso de demandas a que é submetido, incompatível com sua atual estrutura e procedimentos vigentes), distanciam o usucapiente do fim a que busca, qual seja, do desejado título de proprietário devidamente registrado. De tal modo, na esteira da Emenda Constitucional nº 45, de 2004 – que teve por escopo promover a “Reforma do Judiciário”, introduzindo de forma expressa na Constituição o princípio da celeridade processual (Art. 5º, LXXVIII), dando início ao processo de “desjudicialização” das demandas sem lide, a exemplo das ações como separações, divórcios, inventários e partilhas extrajudiciais, trazidas pela Lei nº 11.441/07 – o legislador, por meio da Lei nº 13.105/15, que altera o Código de Pro- cesso Civil, inovou também a usucapião possibilitando seu tramite na via extrajudicial, tendo por objetivo facilitar o acesso à justiça promovendo sua entrega de forma, em tese, mais rápida. Ocorre que o texto final aprovado e, até 11 de julho de 2017 (já na fase de fechamento do presente trabalho), em vigor – que contraria, inclusive, o projeto de lei 12 original – trazia um contrassenso. Entre os requisitos elencados no artigo 216-A e seus incisos, da Lei nº 6.015/1973 (Registros Públicos), acrescidos pelo artigo 1.071 do novel Código de Processo Civil, exige-se no inciso II, a apresentação da planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissi- onal, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrículado imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes. O contrassenso em voga exsurge no final do parágrafo segundo, então vi- gente, no qual se lia que no caso dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imó- veis confinantes não serem encontrados ou, se encontrados, quedarem silentes, res- tando, de tal modo, tanto a planta do imóvel quanto o correspondente memorial des- critivo, carentes de consentimento expresso destes, interpretar-se-ia tal carência, ou silêncio, como discordância. Assim, diante da interpretação do silêncio como discordância, verificava-se possível entrave ao objetivo maior buscado pela nova norma, qual seja, promover o acesso à justiça, vez que tal hermenêutica vai de encontro aos fundamentos que cir- cundam o próprio instituto da usucapião. Eis o ponto sobre o qual debruça o presente trabalho. A principal problemática, assim, reside em responder: qual é a eficácia da usucapião extrajudicial como forma de “desjudicialização” das demandas e promoção da celeridade na distribuição da justiça, face à interpretação do silêncio – dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes – como discordância? O objetivo principal deste estudo, então, é analisar e buscar respostas para essa indagação. Para tanto, entre os objetivos específicos, buscar-se-á entender a usucapião como instrumento de promoção/efetivação do princípio da função social da proprie- dade, bem como compreender o processo de “desjudicialização” como meio de pro- moção da justiça de forma célere e eficaz, para, enfim, analisar a eficácia da usuca- pião extrajudicial como meio de “desjudicialização” das demandas e promoção da ce- leridade na distribuição da justiça. Diante do exposto, acredita-se que este estudo possibilitará entender os even- tuais entraves ao processo de “desjudicialização” da usucapião e suas possíveis so- luções com vista à promoção do acesso à justiça de forma célere e eficaz. 13 Para tanto, adotar-se-á a pesquisa bibliográfica como metodologia e fonte principal de informação, tendo como principais doutrinadores Cristiano Chaves de Fa- rias, Nelson Rosenvald, Flávio Tartuce, Luiz Antônio Scavone Junior, Silvio de Salvo Venosa, Cláudio Habermann Junior, Jonas Ricardo Correia, Onaldo Rocha de Quei- roga, Roberto Wagner Marquesi, entre outros. No primeiro capítulo, será tratado o direito de propriedade, as formas de aqui- sição e a usucapião – foco principal –, assim como a função social que a circunda e fundamenta. Na sequência, abordar-se-á o processo de “desjudicialização” das de- mandas, como surgiu e sua importância na promoção do acesso à justiça de forma célere e efetiva. Por fim, no terceiro e último capítulo, será analisada a eficácia da usucapião extrajudicial como meio de “desjudicialização” das demandas e promoção do acesso à justiça. Cumpre ressaltar que ao longo do desenvolvimento deste estudo tramitou o Projeto de Lei de Conversão – PLV – nº 12 de 2017, referente a Medida Provisória – MPV – 759/2016, no qual se inseriu a proposta de alteração no texto do art. 216-A da Lei nº 6.015/1973 (Registros Públicos), §2º, entre outros dispositivos, deixando ex- presso que o silêncio dos titulares de direitos averbados na matrícula do imóvel usu- capiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, diante da notificação, será tido como concordância. Já na fase final do trabalho, o referido PLV nº 12 de 2017 foi aprovado e tornou-se a Lei 13.465/2017, promulgada em 11 de julho de 2017, alte- rando o texto como proposto, o que, a princípio, promete restabelecer a eficácia social da norma, mas, ainda assim, não minimiza a importância deste estudo, pois agora caberá ao tempo dizer se de fato a usucapião extrajudicial alcançará seu propósito. Nesse sentido, será abordada a usucapião extrajudicial no presente trabalho monográfico. 14 15 2 O DIREITO DE PROPRIEDADE E A FUNÇÃO SOCIAL DESTA POR MEIO DA USUCAPIÃO A propriedade está alicerçada em um direito natural, não na edificação legal ou de forma pactuada (FARIAS e ROSENVALD, 2014). De tal modo, verifica-se que o direito de propriedade é parte da natureza humana, ou seja, faz parte de seu ser o anseio pela segurança proporcionada pela aquisição de bens. Entretanto, não se trata de um direito absoluto. “A propriedade ainda é formal- mente privada, porém materialmente social. É privada na forma e na estrutura, pois o domínio é exclusivo; mas é social na destinação e controle de legitimidade e mereci- mento” (FARIAS e ROSENVALD, 2014, p. 304). De tal modo, a função social da pro- priedade é um dos limites a ela impostos. Assim, aquele proprietário que não fizer por merecer sua propriedade, agindo com desídia, fica sujeito a perde-la em favor daquele que a possuir como sua, de forma mansa e pacífica, por determinado lapso de tempo e conforme requisitos legais exigidos para cada caso. Trata-se de uma das formas de aquisição da propriedade, a usucapião, que tem por objetivo assegurar que a propriedade cumpra com sua função social. É o que será enfrentado no presente capítulo, buscando, inicialmente, esclare- cer quais as formas de aquisição da propriedade. 2.1 Formas de aquisição da propriedade Ao se estudar os modos de aquisição da propriedade, antes de mais nada, há que se ressaltar uma importante distinção entre direitos reais e obrigacionais. Quando se trata dos direitos reais, há regime próprio de aquisição que reúne requisitos previ- amente estabelecidos em lei. De outro lado, quando se fala em direitos obrigacionais, observa-se uma afinidade com a autonomia privada, sendo a efetivação da manifes- tação de vontade decorrente da prática de negócios jurídicos (FARIAS e ROSENVALD, 2014). O presente estudo se atem à seara dos direitos reais, por esse motivo é que será dado enfoque apenas aos modos de aquisição da propriedade imobiliária. O Código Civil de 1916 trazia enumerado em seu art. 530 os modos de aqui- sição da propriedade, a saber: 16 I- pela transcrição do título de transferência no registro de imóvel; II- pela acessão; III- pelo usucapião; IV- pelo direito hereditário. Por seu turno, o Código de 2002 deixa de elencar os modos de aquisição da propriedade imóvel em um artigo específico. Ele traz, a partir do art. 1.238, os artigos relacionados à usucapião, à aquisição por registro do título e aquisição por acessão (VENOSA, 2012). Observa-se que houve uma evolução, já que “é um equívoco afirmar que exis- tem apenas as mencionadas quatro formas de aquisição da propriedade imobiliária” (FARIAS e ROSENVALD, 2014, p. 311). Neste sentido, tem-se um pequeno rol de modos pelos quais se dá a aquisição da propriedade, quais sejam, “a) pelo registro: negócio jurídico; b) pela acessão: cons- truções, plantações, formação de ilhas, avulsão, aluvião e abandono do álveo; c) pela usucapião; d) pela posse-trabalho; e) pelo direito hereditário; e, f) pelo casamento” (SCAVONE JÚNIOR, 2015, p. 15). Tendo em vista a posse-trabalho estar afeta ao estudo da posse e de suas ações possessórias, bem como em razão do direito hereditário e do casamento serem objeto de estudo do Direito de Família, que fogem do objetivo deste trabalho, serão abordados apenas registro, acessão e a usucapião. Esta última, que é alvo principal deste estudo, será tratada com maior profundidade. Isto posto, dando prosseguimento, observa-se que a solenidade é, em regra, característica do negócio jurídico que celebra a aquisição de imóveis, sendo que a forma mais comum de aquisição se dá pelo registro, ou seja, a propriedade é transfe- rida no momento que aescritura pública é registrada, seja ela por ato inter vivos (com- pra e venda, permuta, doação) ou causa mortis (inventário e testamento) (SCAVONE JÚNIOR, 2015). No caso, ressalta-se, é preciso que haja escritura pública – que é lavrada junto ao Cartório de Notas, não precisando ser necessariamente no local do imóvel, desde que pertencente ao mesmo Estado – para que o referido negócio jurídico sobre direi- tos reais imobiliários seja válido e possa ser levado a registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis, transferindo-se, finalmente, a propriedade; salvo exceções pre- vistas em leis especiais, como os negócios no âmbito do Sistema Financeiro Imobili- ário e do Sistema Financeiro de Habitação (SCAVONE JÚNIOR, 2015). A exceção à obrigatoriedade do registro está prevista na parte final do art. 108 17 do Código Civil: Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, mo- dificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. (grifei) Desta sorte, os imóveis valorados abaixo de trinta vezes o maior salário mí- nimo vigente no País estão dispensados da obrigatoriedade do registro. É o que se extrai do referido texto legal. Em continuidade, observa-se que, em conformidade com os arts. 1.227, 1.245 e 1.267 do Código Civil, o registro do referido título aquisitivo – escritura lavrada no Cartório de Notas ou documento particular – junto ao Oficial de Registro de Imóveis da circunscrição imobiliária competente é que tem o condão de transferir a titularidade do bem imóvel. Assim, antes que se efetive o registro não há que se falar em direito real sobre eles, conforme se aduz do art. 1.245 do Código Civil, sendo o efeito apenas inter par- tes. Quer dizer, o simples negócio jurídico, por si só, não perfaz direito real. Trata-se, por este motivo, de uma tradição solene. Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. § 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. § 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel. Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo. (grifei) O objetivo de tal solenidade é tornar o negócio jurídico um direito real oponível erga omines, ou seja, dar a ele a devida publicidade para que, com a informação re- lativa ao imóvel acessível a todos – titularidade do domínio, posse, eventuais garan- tias, entre outras –, ninguém alegue seu desconhecimento. Todavia, a presunção de propriedade gerada pelo registro não é absoluta, mas relativa, admitindo prova em contrário (SCAVONE JÚNIOR, 2015). É o que se extrai do art. 1.247 do Código Civil: Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule. Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imó- vel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente. Já a acessão, por seu turno – que é outra forma de aquisição da propriedade 18 –, dá-se quando há a união e a incorporação com ganho de volume ou de valor junto a um determinado imóvel em consequência de elemento externo que, diante da má- xima segundo a qual o acessório segue o principal, entende-se pertencer ao proprie- tário do referido imóvel que sofrera o acréscimo (FARIAS e ROSENVALD, 2014). Assim, face à sua natureza, a aquisição por meio da acessão distingue-se da aquisição por negócio jurídico em razão do direito de propriedade ser atribuído medi- ante a ocorrência, como visto, de um fato natural (acessão natural) ou por meio de uma atividade humana (acessão industrial). Ainda assim, carecem de registro. As acessões naturais se dão por avulsão, aluvião, abandono do álveo ou for- mação de ilhas, quer dizer, por fatos jurídicos – acontecimentos naturais – que criam, modificam ou extinguem direitos; enquanto as chamadas acessões industriais, depen- dem da atividade humana sem a qual não ocorrem, v.g., construções ou plantações (SCAVONE JÚNIOR, 2015). Para uma melhor compreensão das acessões, importante se faz distinguir cada uma de suas espécies, a começar pelas naturais, quais sejam, avulsão, aluvião, abandono do álveo ou formação de ilhas. Denomina-se avulsão a parte de um prédio/terreno que, por força natural e violenta, se destaca deste e se junta a um outro pertencente a proprietário diverso que, indenizando o proprietário originário, adquirirá seu domínio. Caso não indenize, após um ano sem que tenha havido reclamação por parte do proprietário originário, também adquirirá o domínio de tal porção a sua propriedade incorporada por força violenta da natureza (TARTUCE, 2017). Entende-se como prédio, no caso, o terreno/propriedade, não a edificação. Logo, “a avulsão é uma faixa de terra avulsa que se desloca de um terreno, por força natural de corrente, para se juntar a outro” (TARTUCE, 2017, p. 173). A avulsão está prevista no art. 1.251 do Código Civil: Art. 1.251. Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se desta- car de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado. Parágrafo único. Recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a porção de terra deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida. E também no art. 19 do Código de Águas (Decreto nº 24.643/1934): Art. 19. Verifica-se a "avulsão" quando a força súbita da corrente arrancar uma parte considerável e reconhecível de um prédio, arrojando-a sobre outro prédio. 19 É o que importa, no momento, saber sobre o instituto. Quanto à aluvião, trata- se de forma de aquisição por acessão natural onde há o acréscimo às margens de rios de maneira imperceptível (SCAVONE JÚNIOR, 2015). É o que se aduz do art. 1.250 do Código Civil: Art. 1.250. Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por de- pósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indeni- zação. Parágrafo único. O terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-se-á entre eles, na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem. O abandono do álveo, por sua vez, refere-se ao leito seco de rio que não mais existe ou que tenha sofrido desvio em seu curso, a priori, em decorrência de força maior (SCAVONE JÚNIOR, 2015). Esse modo de aquisição de propriedade por aces- são natural encontra guarida no art. 1.252 do Código Civil: Art. 1.252. O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribei- rinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos terre- nos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se estendem até o meio do álveo. Também resta expresso no art. 26 do Código de Águas (Decreto nº 24.643/1934): Art. 26. O álveo abandonado da corrente pública pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham direito a indenização alguma os donos dos terrenos por onde as águas abrigarem novo curso. Parágrafo único. Retornando o rio ao seu antigo leito, o abandonado volta aos seus antigos donos, salvo a hipótese do artigo seguinte, a não ser que esses donos indenizem ao Estado. Por fim, no rol de acessão natural, verifica-se a formação de ilhas, que “é um acumulo paulatino de areia, cascalho e materiais levados pela correnteza, ou de re- baixamento de águas, deixando a descoberto e a seco umaparte do fundo ou do leito” (DINIZ, 2007 apud TARTUCE, 2017, P. 168), logo, por força da natureza. Porém, tal espécie de acessão natural só irá beneficiar o particular quando seu surgimento se der em um rio não navegável, eis que, conforme esclarece a mesma doutrinadora, “interessam ao Direito Civil somente as ilhas em rios não nave- gáveis ou particulares, por pertencerem ao domínio particular”, pois, do contrário, a acessão se dará em favor da pessoa jurídica de Direito Público, por haver surgido e estar situada em águas públicas – rio navegável. Importante frisar que as ilhas fluviais e lacustres situadas nas fronteiras com outros países, assim como as ilhas oceânicas, são de domínio da União (art. 20, IV, 20 da CF). No mais, cabem aos Estados-membros as ilhas que não são de propriedade da União, dos municípios e de terceiros (art. 26, II e III, da CF) (FARIAS e ROSENVALD, 2014). A acessão em voga, formação de ilhas, pertencerá, então, ao particular se formada por forças naturais em rio não-navegável, sendo que, situando-se esta no meio do rio, pertencerá, igualmente, aos ribeirinhos fronteiros. Se, de outro lado, si- tuar-se entre a linha mediana e uma das margens, pertencerá ao proprietário da mar- gem que lhe for próxima (FARIAS e ROSENVALD, 2014). Há uma terceira regra, a qual afirma que a ilha pode ser formada diante do desdobramento de um braço de rio, ou seja, diante de um novo curso de água que se abre (terceira regra, prevista no art. 1.249, III, do CC). Se isso ocorrer, a ilha pertencerá ao proprietário que mar- geia esse novo desdobramento, ou seja, será daquele que tem a propriedade do terreno à custa do qual o novo braço se constituiu (TARTUCE, 2017, p. 170). Tais regras estão presentes no art. 23 do Código de Águas, e seus parágrafos (Decreto nº 24.643/1934): Art. 23. As ilhas ou ilhotas, que se formarem no álveo de uma corrente, per- tencem ao domínio público, no caso das águas públicas, e ao domínio parti- cular, no caso das águas comuns ou particulares. § 1º Se a corrente servir de divisa entre diversos proprietários e elas estive- rem no meio da corrente, pertencem a todos esses proprietários, na propor- ção de suas testadas até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais. § 2º As que estiverem situadas entre esta linha e uma das margens perten- cem, apenas, ao proprietário ou proprietários desta margem. No Código Civil, encontra-se expresso no seu art. 1.249 e seus incisos: Art. 1.249. As ilhas que se formarem em correntes comuns ou particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros, observadas as regras se- guintes: I - as que se formarem no meio do rio consideram-se acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais; II - as que se formarem entre a referida linha e uma das margens consideram- se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado; III - as que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio conti- nuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se consti- tuíram. Resta ser enfrentada a acessão industrial – também conhecida como artificial –, aquela que se perfaz por meio de atividade humana, sem a qual não se verifica, quer dizer, as construções e plantações. Na lição de (FARIAS e ROSENVALD, 2014, p. 422), são hipóteses que ocorrem quando “a titularidade das sementes, plantas e materiais de construção não coincidir com a do terreno em que aqueles bens acedem”. 21 Como exemplo, é possível citar o caso de um proprietário que constrói uma ponte em sua fazenda, sobre um córrego; e de uma plantação de cana-de-açúcar realizada nessa mesma propriedade. Em princípio, as construções e plantações são consideradas de natureza acessória, já que se tratam de bens imóveis por acessão física artificial, nos termos do art. 79 do Código Civil. Por esta razão é que seguem a sorte do bem principal, em especial quanto à propriedade. Trata-se do princípio da gravitação jurídica (TARTUCE, 2017). Deste modo, complementa (FARIAS e ROSENVALD, 2014, p. 422), “sendo o solo reconhecido como coisa principal, o que se lhe incorpora a superfície passa a pertencer ao dono como parte integrante essencial, sendo, assim, modo de aquisição de propriedade”. Por tal lógica, continuam, “toda construção ou plantação existente em um ter- reno presume-se feita pelo proprietário”. Trata-se, contudo, de uma presunção rela- tiva, sendo o que se extrai do art. 1.253 do Código Civil: Art. 1.253. Toda construção ou plantação existente em um terreno presume- se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário. Tal presunção poderá ser suprimida pelo autor das acessões, se conseguir comprovar que agiu guarnecido por uma relação contratual com o proprietário (v.g. arrendamento, comodato), ou em razão de ser titular de direito real em coisa alheia (v.g. usufruto, servidão) (FARIAS e ROSENVALD, 2014). Concluindo este ponto, importante distinguir as acessões artificiais das ben- feitorias, pois não se pode confundi-las. As benfeitorias estão inclusas na classe das coisas acessórias (art. 96 do Código Civil), conceituadas como obras ou despesas feitas em uma coisa para conservá-la (necessárias), melhorá-las (úteis) ou embelezá- las (voluptuárias). De outro lado, as acessões artificiais fazem parte dos modos de aquisição da propriedade imobiliária, compreendendo obras que criam coisas novas distintas, aderindo à propriedade já existente. No exemplo dado por Diniz (1997, apud FARIAS e ROSENVALD, 2014, p. 75), não constitui uma acessão a conservação de plantações já existentes, pela substituição de algumas plantas mortas. Esse caso é uma benfeitoria por não haver nenhuma alteração na substância e destinação da coisa. Se fizermos um pomar em terreno alheio, onde nada havia anteriormente, teremos uma acessão por plantação, que se caracteriza pela circunstância de produzir uma mudança, ainda que vantajosa, no destino econômico do imóvel. 22 Feitas tais anotações quanto às duas primeiras formas de aquisição de pro- priedade – registro e acessão –, antes de se ingressar na terceira e mais importante forma para o presente estudo, a usucapião (que será feita com maior profundidade), relevante se faz conceituar os institutos da segurança jurídica e da função social para se alcançar seu melhor entendimento, já que a usucapião é um instituto cuja impor- tância está diretamente associada à pacificação social e à segurança jurídica. Se por um lado visa assegurar o direito de propriedade, por outro abraça o caráter social desta, ou seja, sua utilização deve atender à função social. Não cabe, contudo, em tal contexto, adentrar no viés da sucessão, já que foge aos propósitos aqui perquiridos. 2.2 A segurança jurídica e a função social A segurança jurídica é a certeza, garantia, da tutela do Estado em respeito e cumprimento às normas e aos princípios fundamentais elaborados com o fim de pro- mover a organização social e a entrega da justiça. Nesse sentido, observa (NADER, 2010, p. 119): A justiça é o valor supremo do Direito e corresponde também à maior virtude do homem. Para que ela não seja apenas uma ideia e um ideal, necessita de certas condições básicas, como a da organização social mediante normas e do respeito a certos princípios fundamentais; em síntese, a justiça pressupõe o valor segurança. Apesar de hierarquicamente superior, a justiça depende da segurança para produzir os seus efeitos na vida social. Por este motivo se diz que a segurança é um valor fundante e a justiça um valor fundado. A usucapião, foco do presente estudo, é um instituto cuja importância está direta- mente associada à pacificação social e à segurança jurídica. Se por um lado visa as- segurar o direito de propriedade, por outro abraça o caráter social desta, quer dizer,sua utilização deve atender à função social. Mas o que vem a ser a função social da propriedade? No Direito Romano a propriedade era considerada de caráter ilimitado, absoluto, ou seja, “usque ad ínferos e usque ad sidera – dos céus às profundezas da terra”, nos dizeres de (SCAVONE JÚNIOR, 2015, p. 12). Contudo, observa-se que, ainda assim, havia a preocupação em proteger o interesse social, conforme os ensinamentos de Pezella (1998, apud FARIAS e RO- SENVALD, 2014, p. 221), A submissão do exercício da propriedade à sociedade toda evidencia o privi- légio do princípio da humanidade sobre os demais princípios do direito, o que 23 permite que se afaste também o individualismo como característica da pro- priedade romana, pois, mesmo quando exercida individualmente, a proprie- dade romana sempre esteve sujeita ao interesse social. Atualmente a lei restringe tais direitos, teoricamente ilimitados, atribuindo a eles limites específicos ou por meio da função social da propriedade. Isso se deve ao individualismo exacerbado dos dois últimos séculos que deturpou de forma tão intensa o sentido do que é direito subjetivo, que foi necessário a inserção do princípio da função social nos ordenamentos con- temporâneos para o resgate de um valor deliberadamente camuflado pela ideologia então dominante (FARIAS e ROSENVALD, 2014, p. 265). A deturpação é compreensível se analisado o caráter absolutista da proprie- dade advindo dos primórdios da era liberal em consequência da luta pela igualdade e suas conquistas, especialmente no tocante à propriedade que, como já mencionado, possuía um histórico de restrição da monarquia que limitava seu acesso à maior parte da população, concedendo tal privilégio apenas à nobreza. De tal sorte, tamanha soberania sobre a propriedade obtida com fim de igualar direitos à época em detrimento do poder monárquico, com o tempo, acabou por ense- jar um instrumento de exclusão social, eis que aquele que possui direito subjetivo ab- soluto sobre determinada propriedade também pode optar por não a usar, não a fruir e não a dispor, submetendo-a ao ócio e à paralisia, o que vai de encontro à função social da propriedade. O referido absolutismo do direito de propriedade encontra seus primeiros limi- tes a partir do final do século XIX, na França, com o advento da teoria do abuso de direito, pela qual, no entendimento das Cortes francesas, o direito de propriedade não poderia ser utilizado apenas com o propósito de causar danos a terceiros, sem o in- tuito de produzir qualquer proveito ao seu titular (FARIAS e ROSENVALD, 2014). Neste sentido, o §2º do art. 1.228 do Código Civil considera proibidos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade ou utilidade e sejam animados apenas pela intenção de prejudicar outrem. Este dispositivo segue, no tocante à destinação dada à propriedade, o que leciona Venosa (2012, p. 160): A Encíclica Mater et Magistra do Papa João XXIII, de 1961, ensina que a propriedade é um direito natural, mas esse direito deve ser exercido de acordo com uma função social, não só em proveito do titular, mas também em benefício da coletividade. Destarte, o Estado não pode omitir-se no orde- namento sociológico da propriedade. Deve fornecer instrumentos jurídicos eficazes para o proprietário defender o que é seu e que é utilizado em seu 24 proveito, de sua família e de seu grupo social. Deve, por outro lado, criar ins- trumentos legais eficazes e justos para tornar todo e qualquer bem produtivo e útil. Bem não utilizado ou mal utilizado é constante motivo de inquietação social. A má utilização da terra e do espaço urbano gera violência. O instituto da desapropriação para finalidade social deve auxiliar a preencher o deside- rato da justa utilização dos bens. Desta feita, visualiza-se para o juiz deste início de século a delicada função de decidir sobre lides relacionadas a bens tendo em foco a função social de todos eles, sem, contudo, descuidar da proteção ao proprietário (segurança jurídica). Logo, salienta Venosa (2012, p. 163), “a justa aplicação do direito de propriedade depende do encontro do ponto de equilíbrio entre o interesse coletivo e o interesse individual”. Fato este nem sempre alcançado pelas leis, “normas abstratas e frias, ora envelhecida pelo ranço de antigas concepções, ora falsamente social e progressista, decorrentes de oportunismos e interesses corporativos” (VENOSA, 2012, p. 163). O §1º do artigo 1.228 do Código Civil vigente, traz a amplitude a que se retrata a função social em comento, frisando que: O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas fi- nalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de con- formidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. No plano prático, deixa de cumprir sua função social a propriedade urbana abandonada, tal como lotes repletos de lixo, mato e água parada, capazes de prolife- rar doenças como Dengue, Zica e Chicungunha, ou mesmo construções em ruínas, capazes de abrigar bandidos e usuários de droga, podendo vir a ser usado como ponto de prostituição, ou mesmo acarretar algum acidente decorrente de desmoronamento, pondo em risco a vida, a saúde e a segurança da coletividade. Do contrário, tais imó- veis estarão em consonância com a função social se seu proprietário paga o IPTU em dia e cuida do mesmo para que não traga risco à saúde, segurança e sossego alheios. Do outro lado, a função social da propriedade rural não se limita ao fato de torna-la produtiva. É preciso aferir quais meios são utilizados para tanto e quais as consequências acarretadas, por exemplo, ao meio ambiente, decorrentes de seu pro- cesso produtivo. Fazer uso de mão-de-obra escrava ou infantil, degradar o meio am- biente ou mesmo cultivar espécies ilícitas como plantas psicotrópicas, caracterizam uso inadequado do bem, deixando de ser observado, em tais casos, sua função social, o que poderá dar ensejo a eventual desapropriação. Feitas estas considerações, passa-se a estudar a ultimas das três formas de 25 aquisição mais importantes do bem imóvel, qual seja, a usucapião, foco principal do presente trabalho. 2.3 Usucapião: histórico e conceito A Usucapião, historicamente, como nos ensina Farias e Rosenvald (2014, p. 342), “ restou consagrada na Lei das Doze Tábuas, datada de 455 a.C., como forma de aquisição de coisas móveis e imóveis pela posse continuada por um ou dois anos”. Em 161 d.C., o Jurisconsulto romano Gaio, em suas denominadas Institutas1, tratou também da usucapião. O instituto era previsto em duas situações: quando al- guém, com animus domini, recebia uma res mancipi2 sem a solenidade exigida, ou quando alguém, também com ânimo de dono, adquiria a coisa de quem não era seu legítimo dono, ou de quem não podia alienar. Em ambas as situações, havendo exer- cício da posse sobre o bem, o sujeito adquiriria o mesmo se decorrido o prazo de dois anos – se bem imóvel –, e um ano, se móvel (PÈTIT, 1950, p. 295, citado por MAR- QUESI, 2017, p. 21). Protegia-se, de tal modo, a figura do possuidor com animus do- mini, que havia pago o preço e entrado na posse, mas não conseguia obter o domínio. Contudo, naquele momento do passado, a usucapião não era admitida nos territórios provinciais, deixando vulneráveis as pessoas que, desprovidas das soleni- dades exigidas, haviam adquirido com animo de dono determinado bem, isto é, pa- gando o preço e entrando na posse. Com o decorrer do tempo, os pretores – magis- trados que administravam a justiça, na antiga Roma – foram outorgando proteção, por via de exceção, a essas pessoas adquirentes, permitindo-lhes arguir a aquisição da propriedade nas reivindicatórias demandadas pelos proprietários. Surge, de tal forma, a figura da praescritiolongi temporis. O nome “prescrição” (pré-escrever ou escrever antes) provém do fato de a defesa ser suscitada no início do processo, antes da ma- téria que hoje se chama de mérito (PÈTIT, 1950, apud MARQUESI, 2017). Comple- menta (MARQUESI, 2017, p. 21): A partir daí o termo “prescrição” começou a ser aplicado tanto na aquisição como na perda do direito, seja em virtude da inércia do proprietário, seja em 1 Manual escolar, escrito pelo jurista Gaio, aproximadamente em meados do século II e encontrado em 1816. Este manual foi base para as Institutas que fazem parte do Corpus Juris Civilis. (ENCICLOPÉDIA JURÍDICA, 2014); 2 Res mancipis eram as propriedades e construções em solo itálico, as servidões dos prédios rústicos, os escravos os animais domáveis pelo pescoço e pelo dorso que, segundo a escola seguida por Gaio, seriam mancipi desde o nascimento. (COSTA NETO, 2017). 26 razão da omissão do credor de uma obrigação. Como ambas eram pré-escri- tas, arguidas pelo réu no início do processo, então foram criadas as expres- sões prescrição aquisitiva e prescrição extintiva. Até Constantino (320 d.C.), a usucapião presumia título e boa-fé. Contudo, por iniciativa desse Imperador, positiva-se a praescritio longissini temporis, que se aperfeiçoava ao fim de quarenta anos e, conquanto ainda exigisse a boa-fé, dispen- sava o justo título (ALVES, 1983, apud MARQUESI, 2017). Séculos mais tarde, o imperador romano do Oriente, Justiniano, assim que assumiu o império (527 d.C.), ordenou a compilação de leis que compõem o Corpus Juris Civilis – ou, no português, Corpo de Direito Civil. Seu objetivo era criar uma le- gislação consonante e capaz de socorrer às demandas e litígios experimentados à época, dando suporte a seu projeto de unificar e expandir o Império Bizantino. Neste Corpo de Direito Civil a usucapião surge como resultado da combinação de dois ins- titutos da mesma natureza, embora com áreas diversas de atuação, que são a usuca- pio e a longi temporis praescriptio (FARIAS e ROSENVALD, 2014). Usucapio provém de capere (tomar) e de usus (uso), que quer dizer tomar pelo uso, ou seja, pela posse – seu significado original. Esta era a modalidade de aquisição do ius civile – direito romano aplicado apenas aos seus cidadãos, ou seja, homens livres residentes no império, o que exclui escravos e estrangeiros (FARIAS e ROSENVALD, 2014). Já a praescriptio, ou prescrição, surgiu após a usucapio (já no Direito Romano Clássico) e tratava-se de um meio de defesa, uma exceção, ou seja, por meio da longi temporis praescriptio, aquele que possuísse um terreno provincial por determinado tempo poderia repelir qualquer ameaça a sua propriedade. Tal defesa, porém, ao con- trário da usucapio, poderia ser abraçada também pelos estrangeiros, além dos cida- dãos romanos. A prescrição, no caso, era de dez anos contra os denominados pre- sentes (aqueles que residiam na mesma cidade) e de 20 anos para os chamados ausentes (residentes em cidades distintas) (FARIAS e ROSENVALD, 2014). Durante o período conhecido como Clássico, do Direito Romano, conviveram ambos os institutos em harmonia. Após, já no Direito pós-clássico, fora introduzida a modalidade especial da usucapião, denominada longissimi temporis praescriptio, ba- tizada pelos juristas contemporâneos de Usucapião Extraordinário. Nesta nova moda- lidade, à época, quem possuísse por quarenta anos, de boa-fé, contudo sem justa causa, poderia lançar mão desta exceção (VENOSA, 2012). 27 No Direito brasileiro a usucapião possui previsão desde a Lei nº 601/1850, que disciplinou a propriedade agrária. Nos termos de seu art. 5º, as posses que os- tentassem natureza mansa e pacífica, oriundas de ocupações primárias (rectius: ter- ras de ninguém) e que vinham sendo usadas para moradia e plantio, poderiam ser legitimadas e consequentemente convertidas em propriedade. O referido dispositivo legal não faz menção a prazo aquisitivo, o que leva a crer que a prova da fosse se fazia suficiente para legitimação. Por outro lado, o art. 6º da norma disciplinou a legi- timação das posses em terras de sesmarias (terras doadas pelo Governo) e sob pro- priedade particular. A posse nessas áreas também levava à usucapião, mas em tais situações a lei já estabelecia prazo, que variava de cinco a dez anos, conforme o caso concreto (MARQUESI, 2017). Quanto ao conceito do instituto, antes de se adentrar ao ponto, precioso se faz destacar que, embora a usucapião seja aplicável tanto a bens móveis (art. 1.260, do Código Civil) quanto imóveis, assim como sobre direitos reais em coisas alheias (v.g., servidão aparente – art. 1.379, do Código Civil; usufruto – art. 1.391, do Código Civil; o domínio útil em enfiteuse e o direito de superfície), no presente trabalho o instituto será abordado apenas como modo de aquisição de propriedade de bens imó- veis por ser este o objetivo essencial do presente estudo. Trata-se usucapião, portanto, de uma forma de aquisição originária3 de pro- priedade que constitui situação na qual se obtém o domínio da coisa, ou mesmo de outro direito real (v.g. usufruto, servidão), em razão da posse prolongada, com a ob- servância de requisitos previstos em lei, tal como o prazo determinado do prolonga- mento (TARTUCE, 2017). Farias e Rosenvald (2014, p. 343) explicam o conceito de forma pormenori- zada: Com efeito, a posse é o poder de fato sobre a coisa; já a propriedade é o poder de direito a ela inerente. O fato objetivo da posse, unido ao tempo – como força que opera a transformação do fato em direito – e a constatação dos demais requisitos legais, confere juridicidade a uma situação de fato, con- vertendo-a em propriedade. A usucapião é a ponte que realiza essa travessia, como uma forma jurídica de solução de tensões derivadas do confronto entre a posse e a propriedade, provocando uma mutação objetiva na relação de ingerência entre o titular e o objeto. Entretanto, não suscitam a essa posse – requisito da usucapião – aquelas 3 “Não há vínculo entre a propriedade atual e a anterior, incorporando-se o bem ao patrimônio do novo titular em toda sua plenitude, livre de todos os vícios que a relação jurídica pregressa apresentava.” FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson, cf Curso de Direito Civil, p. 344. 28 decorrentes de atos de mera tolerância, como no caso daquelas transmitidas em con- sequência de locação ou comodato, por exemplo. Assim, verifica-se que o fundamento principal da usucapião é a consolidação da propriedade, ou seja, a desídia do titular – aquele proprietário que não cuida de seu patrimônio, abandona-o – deve lhe privar do bem em favor daquele que, juntando posse e tempo sobre o mesmo, almeja consolidar e pacificar a sua situação diante da coisa e da sociedade. Para melhor entendimento do instituto, imperioso compreender seus requisi- tos – que podem variar de uma espécie para outra. De tal modo, passa-se a estudá- los. 2.3.1 Requisitos Quanto aos requisitos da usucapião, comum a todas as suas modalidades – em regra –, observam-se, segundo a classificação proposta por Farias e Rosenvald (2014), os seguintes: a) requisitos pessoais; b) requisitos reais; e c) requisitos formais. Os requisitos pessoais são aqueles ligados à pessoa, ou seja, ao titular do direito aquisitivo, v.g., as causas impeditivas e suspensivas aludidas no art. 1.244 do Código Civil4 que a eles se estendem – na qualidade de possuidores – em referência ao curso da prescrição que tratam os arts. 197 a 201 do mesmo diploma legal. Motivo pelo qual se faz necessário meticuloso exame para se verificar se a usucapião tramita entre cônjuges, companheiros (com exceção à modalidade por abandono de lar), pais e filhos na constância do poder de família, ou ainda em desfavor de absolutamente incapazesnos termos do art. 3º do referido Código, o que implica na ausência de legitimidade do possuidor em converter a sua posse em propriedade face da posição de uma pessoa (possuidor) em relação à outra (titular da propriedade). Já os requisitos reais, são atinentes ao bem ou direito, eventual objeto da usucapião. Quer dizer, no caso, apenas os direitos reais que recaiam sobre coisas usucapíveis poderão ser obtidos através desse modo de aquisição originário (título de propriedade, servidão, enfiteuse, usufruto, uso e habitação), pois há determinados bens que estão insuscetíveis à usucapião, a exemplo dos bens públicos de qualquer 4 Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião. 29 natureza (CF, arts. 183, §3º, e 191, parágrafo único). O art. 98 do Código Civil explica que bens públicos são aqueles que pertencem às pessoas jurídicas de direito público interno, quais sejam, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Muni- cípios, as autarquias (inclusive as associações públicas) e demais entidades de cará- ter público que a lei assim definir, conforme expresso no art. 41, também do Código Civil. Por seu turno, os requisitos formais são aqueles constituídos por situações fáticas capazes de ensejar o direito à pretensão aquisitiva da coisa por meio da usu- capião. Assim, três são os requisitos essenciais a qualquer modalidade de usucapião no ordenamento jurídico pátrio, a saber: o tempo, a posse mansa e pacífica e o animus domini. Em específico, necessário acrescer a estes, no caso da usucapião ordinária, o justo título e a boa-fé; no caso da usucapião urbana, o requisito da moradia; e, as- sociado a este último, o requisito do trabalho no tocante à usucapião rural. O fator tempo é o requisito formal mais significativo de qualquer das espécies de usucapião, em especial a Extraordinária que, por dispensar justo título e boa-fé, impõe, entre todas, o maior lapso temporal, conforme será visto na sequência. Assim, a dimensão do tempo varia de uma espécie para outra conforme a preponderância que cada uma dá à tutela da posse ou da propriedade, ou seja, nas espécies onde há preponderância na tutela da posse – pacificação social –, o lapso temporal é maior (v.g., Extraordinária, dispensa justo título e boa-fé) e, onde prepondera a tutela da propriedade – segurança jurídica – (v.g., Ordinária, exige justo título e boa-fé), o lapso é menor. Assim, o fator tempo é fundamental para conversão da posse em proprie- dade (FARIAS e ROSENVALD, 2014). Posse mansa e pacífica, de outro lado, guarda relação com a inércia/indife- rença do proprietário diante da apropriação de seu bem por outrem, não exercendo seu direito de o reivindicar, tampouco dispensando cuidados necessários à manuten- ção/preservação deste. Assim, o possuidor, sem qualquer reação/objeção, mantém- se na posse pacificamente. Já o animus domini, refere-se intensão de agir como dono, de ter para si o domínio da coisa/bem. Verifica-se a intensão de dono do possuidor quando este zela pelo bem como se seu fosse, por exemplo, pagando seus impostos, tarifas e taxas, cuidando de sua preservação/manutenção de maneira a evitar deterioração, edifi- cando e estabelecendo sua moradia e de sua família. Geralmente este possuidor é conhecido na vizinhança como o verdadeiro dono da coisa. 30 Dito isto, na sequência serão analisadas as espécies mais importantes de usucapião. 2.3.2 Principais espécies de usucapião Várias são as espécies de usucapião existentes, como a Usucapião Extraor- dinária, a Extraordinária por Usucapião Posse-trabalho, a Usucapião Ordinária, a Usu- capião Ordinária Tabular, a Usucapião Urbana Individual, a Usucapião Urbana Cole- tiva, a Usucapião Urbana Administrativa, a Usucapião Pró-Família ou Familiar, a Usu- capião Rural, a Usucapião Indígena, a Usucapião Especial do artigo 68 do ADCT. Tendo em vista os objetivos deste trabalho, as espécies que serão a seguir tratadas são as mais relevantes. 2.3.2.1 Usucapião Extraordinária Conforme expõe Marquesi (2017, p. 37), a usucapião extraordinária “é a usu- capião do esbulhador, do sem-teto e do sem-terra, do ladrão, ou daquele que, embora em boa-fé, não dispõe de título para demonstrar a aquisição animus domini da posse”. Por tal motivo é que nesta modalidade há exigência de maior tempo de posse – quinze anos – e isso se deve à dispensa de justo título e boa-fé, pois praticamente inexistem. Seus requisitos, então, são: posse contínua/ininterrupta, mansa e pacífica, com ânimo de dono, por um período de quinze anos, não sendo necessário, para tanto, residir com habitualidade no imóvel ou nele haver realizado obras ou serviços de caráter produtivo, dispensados justo título e boa-fé (art. 1.238 do Código Civil). Não importa se o imóvel é urbano ou rural, tampouco suas dimensões. Se, contudo, o possuidor houver estabelecido sua residência habitual no imó- vel usucapiendo ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, o período de posse exigido cai de quinze para dez anos, mantendo os demais requisitos (art. 1.238, parágrafo único, do Código Civil), sendo esta, então, a Usucapião Extraordiná- ria por Posse-Trabalho. “A usucapião extraordinária também se aplica aos direitos reais de gozo na coisa alheia, com os mesmos prazos, exceto nas servidões, por força da regra tim- brada no parágrafo do art. 1.379, que estabelece lapso vintenário” (MARQUESI, 2017, 31 p. 38). Tal regra expressa no referido parágrafo diz respeito ao possuidor sem título no caso de servidão aparente, situação em que o prazo para a usucapião será de vinte anos. 2.3.2.2 Usucapião Ordinária É a usucapião “padrão”, isto é, trata-se da usucapião atinente às pessoas que pagam pela coisa, entram na posse, usam a mesma com convicção de serem donas, mas não conseguem obter a transferência do domínio para si. Diferentemente da ver- são extraordinária, esta modalidade tem por base um negócio jurídico, quer dizer, um contrato a exemplo do compromisso de compra e venda. Equipara-se à praescritio longi temporis dos romanos (MARQUESI, 2017). Logo, para que seja reconhecida e declarada, imprescindível que se tenha justo título e boa-fé. Farias e Rosenvald (2014, p. 365) conceitua justo título como sendo o instru- mento que leva um possuidor à ilusão, pois o faz acreditar que ele lhe confere a con- dição de proprietário. É, em tese, um título que se apresenta como documento formal- mente idôneo e capaz de transferir a propriedade, embora contenha algum vício que impeça a sua aquisição. Em síntese, “é o ato translativo inapto a transferir a proprie- dade por padecer de um vício de natureza formal ou substancial”. Arruda Alvim (1995, apud SCAVONE JÚNIOR, 2015, p. 1061), conceitua da seguinte forma: se (SIC) constitui o justo título naquele título que, segundo a ‘comunis opinio’ levaria à aquisição do direito, pois se reveste de todos os requisitos extrínse- cos (...) verifica-se que não provido daquele de quem, efetivamente, deveria provir. O justo título, portanto, envolve um erro, o qual, é ignorado por quem dele seja portador (...) Por sua vez, o Enunciado 303 da IV Jornada de Direito Civil5 , aduz ser o justo título, para a presunção relativa da boa-fé do possuidor, o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na perspectiva da função social da posse. Quanto à boa-fé, explica Farias e Rosenvald (2014, p. 371), trata-se de um 5 http://www.cjf.jus.br/enunciados/pesquisa/resultado - acessado em 25/06/2017; 32 “estado subjetivo de ignorância do possuidor quanto ao vícioou obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa (art. 1.201 do CC)”. Em referência à usucapião, resulta na convicção, por parte do possuidor, de que o bem lhe pertence, ou seja, no momento em que adquire o bem, falsamente supõe ser seu proprietário. Assim, “enquanto a maior parte dos possuidores detém intenção de dono – mas sabem que não o são –, o possuidor com boa-fé incide em estado de erro, que gera nele a falsa percepção de ser o titular da propriedade” (FARIAS e ROSENVALD, 2014, p. 371). Com relação ao tempo, por regra, exige-se dez anos, conforme caput do art. 1.242 do Código Civil. Contudo, nos termos de seu parágrafo único, se o imóvel hou- ver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo car- tório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social, o tempo de posse exi- gido reduzirá para cinco anos, sendo esta a Usucapião Ordinária Tabular, chamada assim por conta da matrícula, que, algum tempo atrás, designava-se “tábua”. Quanto ao ponto, observa Marquesi (2017, p.36) que o enunciado legal acolhe a teoria da aparência e o princípio da boa-fé objetiva, pois o adquirente comprou o bem e registrou a escritura confiante de que a matrí- cula exprimia a realidade e que todos os requisitos da transferência haviam sido observados, já que o título passou pelo crivo do Oficial Registrador. A superveniente anulação do registro não pode impedi-lo, portanto, de adquirir por usucapião. Ainda para Marquesi (2017, p.36), “o exemplo clássico de usucapião tabular é o da venda non domínio”, situação em que alguém, por erro, vende imóvel alheio. Em tal circunstância, o registro é efetuado e, adiante, o titular legítimo, em ação judi- cial, obtém seu cancelamento. Neste contexto, presentes os requisitos do citado pa- rágrafo único, o adquirente de boa-fé poderá arguir a usucapião, isso porque a inércia do proprietário propiciou a convalescença do negócio viciado, fazendo elidir tais vícios em razão do tempo. No caso, aplica-se o art. 214, §5º da Lei de Registros Públicos, de onde se extrai que “a nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião imóvel”. Marquesi (2017) destaca ainda outra circunstância em que a usucapião tabu- lar poderá ocorrer. Trata-se do bloqueio da transferência por problemas relacionados a certidões previdenciárias falsas. Em tal caso, compete à Previdência Social promo- ver a impugnação do documento. Se não o fizer e transcorrer o tempo para usucapir, 33 o negócio não mais poderá ser questionado. Por fim, ainda no tocante à modalidade de usucapião ordinária, cabe frisar que não importa se o imóvel é urbano ou rural, tampouco suas dimensões. Podem ser usucapidos terrenos e construções de qualquer dimensão, desde pequenas proprie- dades até grandes latifúndios. O limite é a extensão em que se exerce a posse. De resto, todos os demais direitos reais de gozo na coisa alheia também po- dem ser usucapidos pela forma ordinária, inclusive a tabular, de acordo com os prazos aplicáveis a cada situação, como pormenorizado. 2.3.2.3 Usucapião Urbana Individual A Usucapião Urbana Individual também é conhecida como Usucapião Cons- titucional Urbana ou Especial Urbana, e está prevista na Constituição Federal, em seu artigo 183, bem como no artigo 1.240 do Código Civil e no artigo 9º do Estatuto da Cidade. Sua peculiaridade está na dimensão do imóvel usucapiendo que deverá ter até 250 m², além de estar situado em área urbana. Outra exigência peculiar à espécie é a de que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. O tempo de posse necessário é de cinco anos, sendo prescindível justo título e boa-fé. 2.3.2.4 Usucapião Urbana Coletiva Conhecido também como Usucapião Coletivo, é a espécie trazida pelo Esta- tuto das Cidades (art. 10), com fito de buscar a regularização de áreas ocupadas por população de baixa renda para estabelecer sua moradia. Quanto a dimensão, é necessário que a área urbana objeto da usucapião pos- sua mais de 250m² - ao contrário à Usucapião Urbana Individual, que exige dimensão de até 250m². No mais, os possuidores também não podem ser proprietários de outro imóvel urbano ou rural e os terrenos ocupados por cada um deles não deve ser pos- sível identificar. O tempo exigido é de cinco anos. 2.3.2.5 Usucapião Especial Rural 34 Esta espécie foi prevista originalmente no Texto Constitucional de 1934, no qual, em seu art, 125, eram exigidos os seguintes requisitos: ser brasileiro; exercer posse por dez anos contínuos; ser a área igual ou inferior a dez hectares; residir e fazer uso econômico do imóvel usucapiente. Tal regra foi repetida na Carta de 1937 (art. 148). Por sua vez, a Constituição de 1946, no seu art. 156, §3º, seguiu os passos das antecessoras, porém ampliou para vinte e cinco hectares a área usucapível. Já as Constituições de 1967 e 1969 nada disseram a respeito (HABERMANN JUNIOR, 2016). Hoje encontra sua guarida no art. 191 da Constituição de 1988, motivo pelo qual é conhecida por Usucapião Constitucional Rural ou ainda Especial Rural. Está expressa ainda no art. 1.239 do Código Civil. Tem por finalidade resguardar o possui- dor que tira seu sustento da terra, motivo pelo qual é imprescindível que a terra seja produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia. Além destes requisitos, o possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural, a área de terra em zona rural não pode superar cinquenta hectares e o tempo de posse deve ser igual ou superior a cinco anos. Também dispensa justo título e boa-fé. Observa-se, contudo, subsidiado pela interpretação teleológica dos dispositi- vos apontados, que ambos têm finalidade garantir a uma família condições dignas de vida, tanto no aspecto da moradia quanto no da renda, sem, entretanto, importar em enriquecimento. Os dois dispositivos estabelecem limite de cinquenta hectares, porém há que se ressalvar que uma área nestas dimensões, dependendo da região onde se encontra, pode conceder à família uma condição extremamente vantajosa no aspecto da renda, da mesma forma que pode ser insuficiente para lhes assegurar um mínimo de lucro. Neste sentido, exemplifica Marquesi (2017, p. 44): Imagine-se, por exemplo, um sítio de cinquenta hectares próximo à Cidade de São Paulo, onde a terra é fértil, o clima propício, as vias de escoamento abundantes e a demanda elevada. Se o possuidor e a família explorarem ati- vidade hortifrutigranjeira nesta área, a terra os enriquecerá. Por outro lado. A mesma extensão física no Estado do Amazonas, onde a reserva florestal le- gal é de oitenta por cento, não trará à família a mesma condição. Em tal contexto, não obstante à literalidade dos dispositivos apontados, nem sempre será propenso ao possuidor e à família usucapir pela modalidade em apreço, mesmo que se exerça a posse em área igual ou inferior a cinquenta hectares. Para tanto, cabe o conceito de módulo rural, previsto na Lei nº 4.504/1964 e conceituado como a extensão mínima de terra para que a família retire uma renda mínima capaz 35 de assegurar sua existência com dignidade. O módulo rural varia entre dois (caso das regiões mais desenvolvidas) a cem hectares (se em regiões menos desenvolvidas). Aduz Marquesi (2017, p. 44): O país está dividido em várias microrregiões homogêneas e cada qual tem seu módulo rural. Na região metropolitana de São Paulo e Curitiba, por exem- plo, o módulo é de aproximadamente dois hectares, enquanto na região de Londrina doze hectares. Nessas áreas a família já pode extrair o bastante para uma vida confortável. Não lhe são necessários cinquenta hectares. Em tal sentido é o Enunciado JJF 312 ao firmar o entendimento de que, “ob- servado o teto constitucional, a fixaçãoda área máxima para fins de usucapião espe- cial rural levará em consideração o módulo rural e a atividade agrária regionalizada”. Assim sendo, a usucapião especial rural não poderá ocorrer em áreas supe- riores ao módulo rural previsto para a microrregião onde se situa o imóvel, mesmo que este seja inferior a cinquenta hectares. De outra forma, restaria alterado o sentido proposto pelos dispositivos constitucional e civil que tratam dessa modalidade de usu- capião. Isto posto, verifica-se que o Oficial Registrador, ao enfrentar uma usucapião extraordinária, ser-lhe-á demandado conhecimentos básicos de Direito Agrário, pelo menos no que tange as dimensões do imóvel usucapiendo e seu enquadramento na microrregião homogênea, é o que aponta Marquesi (2017, p. 45). Passa-se agora ao estudo da Usucapião Urbana Familiar. 2.3.2.6 Usucapião Urbana Familiar Está prevista no artigo 1.240-A do Código Civil, inserida pela Lei nº 12.424, de 16 de Junho de 2011 (Programa Minha Casa Minha Vida). Trata-se de espécie de usucapião que visa tutelar o direito do cônjuge – ou companheiro – remanescente no imóvel urbano de até 250m², cuja propriedade divida com ex-cônjuge/companheiro que abandonou o lar, devendo o bem ser utilizado para sua moradia ou de sua família, exigindo-se ainda exercício da posse direta e exclusiva por dois anos6 ininterrupta- mente e sem oposição, não podendo ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural, o que lhe garantirá o domínio integral do imóvel. 6 Conforme Enunciado 498 da V Jornada de Direito Civil, a fluência do prazo de 2 (dois) anos previsto pelo art. 1.240-A para a nova modalidade de usucapião nele contemplada tem início com a entrada em vigor da Lei n. 12.424/2011 (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, 2012). 36 O Enunciado 500 da V Jornada de Direito Civil esclarece que tal modalidade de usucapião pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as for- mas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, 2012). Por seu turno, o Enunciado 595 da VII Jornada de Direito Civil esclarece que o requisito "abandono do lar" deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, 2015). Conforme justificativa do enunciado, sua edição tem por objetivo esclarecer a interpretação do art. 1.240-A do Código Civil Brasileiro, facili- tando sua aplicação. Com a redação adotada, afasta-se investigação de culpa na dissolução do vínculo convivencial e marital, objetivo também per- seguido pelo legislador constitucional por meio da Emenda Constitucional 66/2010. Assim, entende-se que não há razão para introduzir na usucapião um requisito que diz respeito ao direito de família, sendo certo que a doutrina especializada no direito de família também tem procurado afastar tal análise (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, 2015). É, no momento, o que importa saber sobre esta modalidade de usucapião tendo em vista o foco do presente estudo. 2.3.2.7 Usucapião Urbana Administrativa Muito embora esta modalidade esteja atualmente revogada pela Medida Pro- visória nº 759, de 22 de dezembro de 2016, é interessante mencioná-la para, mais à frente, traçar-se um paralelo entre ela e a via da usucapião extrajudicial trazida pelo Novo Código Processual Civil de 2015. Dito isso, tal modalidade de usucapião, ora revogada, foi instituída pela Lei nº 11.977/2009 (art. 60) – conhecida por Lei Minha Casa, Minha Vida – e previa sua efetivação junto ao Cartório de Registro de Imóveis, eliminando a exclusividade da via judicial. Foi a primeira modalidade de usucapião concebível fora do judiciário, sendo ela administrativa. Tinha por finalidade a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Farias e Rosenvald (2014, p. 390) explicam que: A regularização fundiária de interesse social incide sobre assentamentos ir- regulares ocupados predominantemente por população de baixa renda (art. 47, VII, Lei n. 11.977/09), priorizando o seu acesso à terra urbanizada, com a 37 permanência na área ocupada, assegurando o nível adequado de habitabili- dade, melhoria das condições de sustentabilidade urbanística, social e ambi- ental. Tal modalidade, então, seguia os requisitos exigidos para a usucapião consti- tucional urbana, prevista no art. 183 da CF, quais sejam, ocupação/posse pacífica por mais de cinco anos; área de até 250 m² utilizadas como única moradia, em benefício de famílias que não tenham propriedade imobiliária urbana ou rural. Além desses, exigia ainda que a área a ser demarcada – usucapida administrativamente – estivesse situada em zona de interesse social (chamadas de ZEIS pela referida Lei), devendo estar prevista como tal em lei municipal ou no plano diretor, ou seja, a área em foco teria que ser declarada pelo Poder Público como sendo de interesse específico para implantação de projetos de regularização fundiária de cunho social. Tais áreas de- viam, ou prestigiar a população carente, ou a situações necessárias à regularização da cidade (FARIAS e ROSENVALD, 2014). Amparado pela referida legislação, com base em ser art. 59, era possível que o Poder Público legitimasse a posse de ocupantes de imóveis públicos ou particulares. Esta legitimação de posse, devidamente registrada, tinha o condão de constituir direito para fins de moradia em benefício do detentor da posse direta. Contudo, a legitimação da posse por parte do Poder Público só seria concedida aos moradores por ele ca- dastrados, desde que estes não fossem concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural, bem como beneficiários de legitimação de posse conce- dida anteriormente. Também seria concedida ao coproprietário de gleba, titular de co- tas ou frações ideais, devidamente cadastrados pelo Poder Público, desde que o seu direito de propriedade fosse exercido em um lote individualizado e identificado no par- celamento registrado (TARTUCE, 2017). Passados 5 (cinco) anos de registro da concessão de referido direito (legiti- mação da posse para fins de moradia), nos termos do revogado art. 60 da Lei nº 11.977/2009, seu detentor poderia requerer ao oficial do registro de imóveis a conver- são de tal título em registro de propriedade, tendo em vista o cumprimento dos requi- sitos para configuração da aquisição por usucapião, com base no art. 183 da Consti- tuição Federal. Em síntese, converter-se-ia a mera legitimação da posse em proprie- dade através da usucapião especial ou constitucional urbana (TARTUCE, 2017). Entretanto, a mencionada conversão só se daria no caso de usucapião em bens particulares, vedada no caso de bens públicos com base no § 3º do art. 183 da 38 Carta Magna, bem como do art. 102 do Código Civil vigente. Cabe evidenciar que, ao Poder Público, era assegurado extinguir o título de legitimação de posse concedido, caso constatasse que o beneficiário não estaria na posse do imóvel e não houvesse registro de cessão de direitos. Dessa forma, após a extinção, o Poder Público solicitaria ao oficial de registro de imóveis a averbação de seu cancelamento, nos termos do art. 60-A da Lei Minha Casa, Minha Vida (TARTUCE, 2017). Por fim, restando superadas a análise e apontamentos quanto às principais modalidades de usucapião que refletem na compreensão deste trabalho, passa-se a estudar o processo de “desjudicialização” em busca de maior efetividade na entrega de justiça por parte do Estado para, finalmente, enfrentar o contexto dessa tendência no tocante à usucapião, bem como se analisar sua eficácia e desafios. 39 3 A “DESJUDICIALIZAÇÃO” COMO
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