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Álgebra Linear I - Aula 19 - 2005.1 Roteiro 1 Matrizes Ortogonais 1.1 Bases ortogonais Lembre que uma base β é ortogonal se está formada por vetores ortogonais entre si: para todo par de vetores distintos u e v da base β se verifica que u · v = 0. Uma base γ é ortonormal se é ortogonal e todo vetor da base é um vetor unitário (ou seja, u · u = 1 para todo vetor de γ). Como já vimos, calcular as coordenadas de um vetor em uma base or- togonal é muito simples (mais ainda se a base é ortonormal). Suponha que estamos em R3 e que β = {u, v, w} é uma base ortonormal. Queremos de- terminar as coordenadas de um vetor ` na base β, ou seja (`)β = (a, b, c), ` = au + bv + cw. Para determinar a considere ` · u, ` · u = (au + bv + cw) · u = au · u + bu · v + cu · w. Observe que, como a base é ortonormal, u · u = 1, u · v = 0 = u · w. Logo a = ` · u. Analogamente obtemos, b = ` · v, c = ` · w. Exerćıcio: Encontre uma base ortonormal β que contenha dois vetores pa- ralelos a (1, 1, 1) e (1,−1, 0). Obtida a base β, determine as coordenadas do vetor (1, 2, 3) em dita base. O terceiro vetor da base deve ser ortogonal a (1, 1, 1) e (1,−1, 0), portanto, é paralelo a (1, 1, 1) × (1,−1, 0), isto é, paralelo a (1, 1,−2). Uma posśıvel base β (existem muitas possibilidades) é β = {(1/ √ 3, 1/ √ 3, 1/ √ 3), (1/ √ 2,−1/ √ 2, 0), (1/ √ 6, 1/ √ 6,−2/ √ 6)}. 1 As coordenadas de (1, 2, 3) na base β são (a, b, c) onde a = (1, 2, 3) · (1/ √ 3, 1/ √ 3, 1/ √ 3) = 6/ √ 3, b = (1, 2, 3) · (1/ √ 2,−1/ √ 2, 0) = −1/ √ 2, c = (1, 2, 3) · (1/ √ 6, 1/ √ 6,−2/ √ 6) = −3/ √ 6. 1.2 Matrizes ortogonais Dada uma matriz quadrada M sua transposta, denotada M t, é uma matriz cujas linhas são as colunas de M , ou seja, se M = (ai,j) e M t = (bi,j) se verifica bj,i = ai,j. Uma matriz M é ortogonal se é inverśıvel e M−1 = M t, ou seja, MM t = M tM = Id. Observe que se M é ortogonal então sua transposta também é ortogo- nal (veja que (M t)−1 = M). Portanto, a inversa de uma matriz ortogonal também é ortogonal. Propriedade I: O produto de duas matrizes ortogonais é ortogonal. Para provar a afirmação, lembre que (AB)t = BtAt. Sejam agora M e N ortogonais, logo (MN)(MN)t = MNN tM t = M(NN t)M t = MM t = Id. Portanto, MN é ortogonal. Propriedade II: O determinante de uma matriz ortogonal é igual a ±1. Para provar a afirmação é suficiente lembrar que M t e M têm o mesmo determinante e que o determinante da identidade é igual a 1, logo det(MM t) = det(M) det(M t) = det(M)2 = 1. A seguir daremos uma interpretação geométrica de matriz ortogonal. Propriedade III: Uma matriz ortogonal é uma matriz cujas colunas (ou lin- has) formam uma base ortonormal (de fato, isto é uma definição geométrica alternativa de matriz ortogonal). 2 Para simplificar a notação veremos a afirmação para matrizes 2× 2. Seja M uma matriz ortogonal cujos vetores coluna são u = (a, b) e v = (c, d). Id = M tM = ( a b c d ) ( a c b d ) = ( aa + bb ac + bd ac + bd cc + dd ) = = ( u · u u · v u · v v · v ) = ( 1 0 0 1 ) . Logo u · u = v · v = 1, u · v = 0, e u e v formam uma base ortonormal. De fato, o argumento anterior mostra o seguinte: Propriedade IV: Uma matriz é ortogonal se, e somente se, seus vetores coluna formam uma base ortonormal. Multiplicando MM t, v. obterá a mesma afirmação para os vetores linha: Propriedade IV(b): Uma matriz é ortogonal se, e somente se, seus vetores linha formam uma base ortonormal. Comentário: O fato anterior implica que a matriz de uma rotação ou de um espelhamento (na base canônica) é uma matriz ortogonal. Também implica que a matriz de uma projeção não é ortogonal (em nenhuma base). A propriedade anterior implica que: Propriedade V: Uma matriz ortogonal A conserva ângulos e módulos. Como já vimos quando estudamos espelhamentos e rotações, é suficiente ver que a matriz A conserva o produto escalar. Sejam v1 = A(1, 0, 0), v2 = A(0, 1, 0) v3 = A(0, 0, 1). Por hipótese, β = {v1, v2, v3} é uma base ortonormal. Considere vetores u = (a, b, c) e v = (d, e, f), Observe que A(u) = a v1 + b v2 + c v3, A(v) = d v1 + e v2 + f v3. Usando que v1 · v2 = v1 · v3 = v2 · v3 = 0 e que vi · vi = 1, i = 1, 2, 3, temos A(u) · A(v) = (a v1 + b v2 + c v3) · (d v1 + e v2 + f v3) = = (a d) (v1 · v1) + (b e) (v2 · v2) + (c f) (v3 · v3) = = a d + b e + c f = u · v. 3 Propriedade (autovalores de uma matriz ortogonal): Todo autovalor real de uma matriz ortogonal A é igual a 1 ou −1. Todo autovalor complexo de A tem módulo 1. A afirmação sobre autovalores reais é obvia: se λ é um autovalor e u um autovetor associado a A, |u| = |A(u)| = |λ u| = |λ||u|, Portanto λ = ±1. Para ver que os autovalores complexos têm módulo igual a 1 (veremos isto em dimensão dois ou três) usaremos que o determinante de A é igual ao produto dos autovalores e que números complexos conjugados têm o mesmo módulo. Observe também que se λ é um autovalor então λ̄ (seu conjugado) também é um autovalor. Portanto, 1 = | det(A)| = |λ| |λ̄| = |λ|2. Logo 1 = |λ|. Em dimensão três a prova e idéntica usando que existe um autovalor real que é igual a ±1. 1.3 Matrizes ortogonais 2 × 2 Seja A uma matriz ortogonal 2× 2. Existem as seguintes possibilidades para os autovalores de A: (a) autovalor 1 (duplo), (b) autovalor −1 (duplo), (c) autovalores 1 e −1, (d) autovalores complexos conjugados. Observe que temos as seguintes propriedades sobre os traços: (a) autovalor 1 (duplo): traço 2, (b) autovalor −1 (duplo): traço −2 (c) autovalores 1 e −1: traço 0, (d) autovalores complexos conjugados: traço diferente de 0 (excluido o caso em que os autovalores são imaginários puros). 4 Isto significa que estudando o traço da matriz (excluido um caso, que veremos a seguir) é posśıvel saber o significado geométrico de transformação ortogonal em dimensão 2. Estas matrizes são: (a) a identidade, (b) menos a identidade, (c) um espelhamento, (d) uma rotação. Veremos o caso em que a matriz M verifica (c), os casos (a) e (b) são similares (somente que muito mais simples!). O caso (d) será obtido quase de graça. Considere u um autovetor associado a 1. Seja v um vetor perpendicular a u. Como M é ortogonal, M(v) é perpendicular a u. Logo (como M(v) 6= 0̄, lembre que v 6= 0̄ e que M conserva módulos) temos que M(v) = σv. A priori há duas possibilidades, σ = 1 ou σ = −1. Observe que os autovalores de M são simples, isto é de multiplicidade 1. Se σ = 1 então existem dois autovetores l.i, associados a 1 e este autovalor teŕıa multiplicidade maior ou igual a 2, o que é um absurdo. Logo a única possibilidade é σ = −1. Portanto, M tem autovalores 1 e −1 e existe uma base ortogonal de autovetores de M , no caso {u, v}. Logo M é um espelhamento respeito a reta de vetor diretor u que contém a origem. Vejamos o caso (d). Observe que como a primeira coluna de A é um vetor unitário é da forma (cos θ, sen θ) para algum θ. Como o vetor corre- spondente à segunda coluna é ortogonal e unitário, há duas possibilidades: (sen θ,− cos θ) e (−senθ, cos θ). Portanto há duas possibilidades para a ma- triz A A = ( cos θ sen θ sen θ − cos θ ) ou A = ( cos θ −sen θ sen θ cos θ ) . Observe que a primeira matriz tem traço igual a zero. Suponha que os autovalores sejam da forma a ± i b, onde a 6= 0. Em tal caso, a primeira possibilidade pode ser descartada, pois o traço da matriz é zero. Logo estamos na segunda opção, que já sabemos que representa uma rotação de ângulo θ no sentido anti-horário. Portanto, falta o caso em que os autovalores não têm parte real, e o traço é zero. É simples ver que as únicas possibilidades são A = ( 0 −1 1 0 ) ou A = ( 0 1 −1 0 ) que representam rotações de π/2 e (3π)/2 radianos. 5 Exemplos: A matriz ortogonal A = ( 1/ √ 2 1/ √ 2 −1/ √ 2 1/ √ 2 ) representa uma rotação de 45 graus. Veja que tem autovalores complexos e calcule o ângulo de(1, 0) e A(1, 0). De fato, como o traço é diferente de 0 não pode ser um espelhamento, como é diferente de 2 não é a identidade (bem, isto é obvio!), e como é diferente de −2 não é menos a identidade! Ou seja, a única opção é uma rotação. A matriz ortogonal A = ( 1/ √ 2 1/ √ 2 1/ √ 2 −1/ √ 2 ) tem determinante −1 e traço zero. Logo, necessariamente, seus autovalores são 1 e −1. Logo, representa um espelhamento. Para determinar a reta de projeção, lembre que A(1, 0)−(1, 0) = ((1− √ 2)/ √ 2, 1/ √ 2) é o vetor normal à dita reta, ou seja um autovetor associado a −1. 2 Rotações em R3 Uma rotação cujo eixo é a reta r que contém a origem e é paralela ao vetor n = (a, b, c) e ângulo α é uma transformação linear R que verifica: • R(n) = n, • para todo vetor u do plano π : ax+by+cz = 0 temos que R(u) pertence a π e forma α graus com v (dito de outra forma, a restrição de R ao plano π é uma rotação no plano). A última afirmação implica que se h e w são vetores do plano π se verifica h · w = R(h) · R(w). O mesmo racioćınio que fizemos com as rotações de eixos coordenados im- plicam que R conserva módulos e ângulos. Portanto, R é uma transformação ortogonal. Mais uma vez, para provar esta afirmação é suficiente ver que R conserva o produto escalar. Considere dois vetores u e v. Escrevemos u = n + h, v = m + w, 6 onde n e m são vetores paralelos ao eixo de rotação e h e w ortogonais ao eixo (ou seja, do plano π). Temos u · v = (n + h) · (m + w) = n · m + n · w + h · m + h · w = n · m + h · w. Também, R(u) = n + R(h), R(v) = m + R(w), onde R(h) e R(w) são ortogonais a n e m. Portanto, R(u) · R(v) = (n + R(h)) · (m + R(w)) = = n · m + n · R(w) + R(h) · m + R(v) · R(w) = = n · m + R(v) · R(w) = n · n + v · w. Nas próximas aulas veremos que R é semelhante a uma matriz de rotação em torno ao eixo X da forma A = 1 0 0 0 cos α −sen α 0 sen α cos α . Como a matriz A não é diagonalizável (a não ser que α seja 0 ou π), a matriz R não é diagonalizável (lembre que se R fosse diagonalizável a matriz A também seria diagonalizável). 3 Matrizes ortogonais 3 × 3 Considere uma matriz ortogonal M , 3 × 3, observe que a matriz M tem necessariamente um autovalor real (o polinômio caracteŕıstico de M tem grau 3), que é necessariamente 1 ou −1. Suponhamos que o autovalor é 1 e que u = (a, b, c) é um autovetor asso- ciado a 1. Considere o plano π : ax+by+cz = 0. Considere um vetor v de π, afirmamos que M(v) pertence a π, isto decorre de M conservar os ângulos: 0 = u · v = M(u) · M(v) = u · M(v). Logo M(v) é ortogonal a u e, portanto, pertence a π. Em outras palavras, o plano π é invariante: todo vetor de π é transformado por M em um vetor de π. A seguir, restringimos nossa atenção ao plano π, onde a restrição de M pode ser pensada como uma transformação linear de R2. Observe que temos as quatro possibilidades seguintes para os autovalores de M (lembre que estamos supondo que 1 é um autovalor): 7 (a) autovalor 1 (de multiplicidade 3): traço 3, (b) autovalores 1 (simples) e −1 (duplo): traço −1, (c) autovalores 1 (duplo) e −1 (simples): traço 1, (d) autovalor 1 e dois autovalores complexos conjugados a± ib: traço 1+2a (ou seja, somente tem traço 1 quando os autovalores são imaginários puros). Afirmamos que estas matrizes são: (a) a identidade, (b) espelhamento respeito a uma reta, (c) espelhamento respeito a um plano, (d) uma rotação. Vejamos, por exemplo, o caso (c). Seja u o autovetor associado a 1 escolhido acima e v um autovetor associado a −1. Lembre que se w é um vetor que pertence a π, como π é invariante, M(w) também pertence a π. Ou seja, w e M(w) são ortogonais a u. Seja agora w = u × v. Afirmamos que M(w) = w. Como w é ortogonal a u, temos que M(w) é ortogonal a M(u) = u. Analogamente, como w é ortogonal a v, temos que M(w) é ortogonal a M(v) = −v. Logo M(w) é paralelo a u × v, ou seja, M(w) = σw. Como M é ortogonal, σ = ±1. Do fato de −1 ter multiplicidade 1, temos que σ = 1. Portanto, M é um espelhamento no plano paralelo a u e w que contém a origem. Os casos (a) e (b) seguem de forma análoga. O caso mais interessante, e diferente é o caso (d). Neste caso a trans- formação representa uma rotação de eixo paralelo ao vetor u (o ângulo da rotação depende do argumento dos autovalores complexos). Observe que dado qualquer w vetor do plano π temos M(w) 6= σw para todo número real σ. Isto decorre de que os autovalores de M serem 1 (de multiplicidade 1 e dois complexos conjugados). Se σ = 1 então haveria dois autovetores linear- mente independentes associados a 1 e sua multiplicidade seria no mı́nimo 2, o que é um absurdo. Para ver que M representa uma rotação falta ver que para todo vetor w do plano π o ângulo entre w e M(w) é o mesmo (ou seja, conserva o produto escalar: existe k tal que para todo vetor unitário w do plano π se verifica w · M(w) = k). Para provar esta afirmação primeiro consideraremos uma base ortonormal do plano π, {v1, v2}. Escreva w1 = M(v1) e w2 = M(v2). Afirmamos que v1·w1 = v2·w2. Primeiro, escrevemos w1 = cv1+dv2, portanto, v1·w1 = c. Em segundo lugar observamos que como v1 e v2 são ortogonais e M é ortogonal, 8 w2 · w1 = 0 e w1 e w2 têm o mesmo módulo. Portanto, w2 = dv1 − cv2 ou w2 = −dv1 + cv2. No segundo caso temos w2 · v2 = c, provando a afirmação. Finalmente, o primeiro caso está proibido por hipótese: considere a base ortogonal η = {u, v1, v2}, e observe que a matriz de M na base η é: [M ]η = 1 0 0 c d 0 d −c . Logo o traço de M (que é igual ao traço de [M ]η, pois as matrizes [M ] e [M ]η são semelhantes) é igual a 1, o que é absurdo (lembre que o traço era 1 + 2a, a a parte real (não nula) do autovalor complexo. Agora estamos prontos para provar que para todo vetor unitário w do plano π se verifica w · M(w) = c. Escreva w = αv1 + τv2, α 2 + τ 2 = 1, e lembre que M(v1) = cv1 + dv2, M(v2) = −dv1 + cv2. Então, fazendo os cálculos, M(w) = (αc − τd)v1 + (αd + τc)v2. Portanto, usando as relações de ortogonalidade, M(w) · w = ((αc − τd)v1 + (αd + τc)v2) · (αv1 + τv2) = (α2 + τ 2)c = c. Deixamos para v. verificar que acontece quando o primeiro autovalor é −1: v. verá que muitas opções se repetem, mas aparecem duas novas: menos a identidade (todos os autovalores −1) e a composição de uma rotação e um espelhamento em um plano (um autovalor −1 e dois autovalores complexos conjugados), onde o eixo de rotação é paralelo ao autovetor associado a −1. Exemplos: A matriz ortogonal M = 0 1 0 1 0 0 0 0 1 9 representa um espelhamento no plano x − y = 0. Para ver isto observe que λ = −1 é um autovalor simples e λ = 1 duplo. Os autovetores associados a −1 são da forma (t,−t, 0), t ∈ R, t 6= 0. Veja que todo vetor do plano x − y = 0 é transformado nele próprio. Consideremos agora a matriz ortogonal M = 2/3 2/3 1/3 2/3 −1/3 −2/3 1/3 −2/3 2/3 . Esta matriz tem traço 1, 2/3 − 1/3 + 2/3 = 1. Portanto, deve ser um espelhamento em um plano (faça e veja a lista de diferentes possibilidades para os traços de uma matriz ortogonal!). Em tal caso, M(1, 0, 0) − (1, 0, 0) = (−1/3, 2/3, 1/3), deve ser o vetor normal ao plano de espelhamento, e portanto um autovetor associado a −1. Veja que M(−1, 2, 1) = (1,−2,−1). Finalmente, confira que (1, 0, 1) e (2, 1, 0) são autovetores associados a 1. Logo, M representa um espelhamento no plano x − 2y − z = 0. Nas próximas aulas veremos as matrizes simétricas, com estes dois con- ceitos (matriz ortogonal e matriz simétrica) será muito mais simples inter- pretar geometricamente uma matriz ortogonal. 10
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