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HIPERTENSÃO INTRACRANIANA SBCMC II - 2021.1 Neurocirurgia INTRODUÇÃO ● Condição fisiológica mais temida - risco eminente de vida e do desenvolvimento de sequelas ● Aumenta exponencialmente o risco de morbi-mortalidade ● Pode ser secundária a várias doenças neurológicas: ○ Tumores ○ Infecções ○ Hidrocefalia ○ AVC ○ TCE FISIOPATOLOGIA ● O encéfalo é protegido por uma caixa inelástica óssea, o crânio ○ Encéfalo = cerebro + cerebelo + tronco encefálico ● O crânio comporta: LCR (8%), sangue (12%) e o tecido encefálico (80%). ● O aumento de um dos 03 componentes ou o aparecimento de um novo elemento pode determinar uma descompensação do equilíbrio no interior da caixa craniana, o que pode gerar uma situação de hipertensão intracraniana. ○ Então: a hipertensão intracraniana é o aumento da pressão intracraniana, causada pelo desequilíbrio dos elementos da caixa craniana. Doutrina de Monro-Kellie: ● Observe que no interior do crânio tudo está em perfeito equilíbrio: sangue venoso, sangue arterial, LCR e encéfalo. ● De repente surge uma massa, um novo elemento. ● Em um primeiro momento, a caixa craniana consegue absorver bem esse novo elemento, isso ocorre às custas do desvio de líquor e sangue venoso para fora da caixa. Esse desvio abre espaço para que a massa se desenvolva sem alterar a pressão intracraniana. ○ O deslocamento do líquor se dá pelo colabamento dos ventrículos ⇒ aumenta a reabsorção porque tem mais líquor no espaço subaracnóide ○ O deslocamento do sangue venoso se dá pelo colabamento das veias corticais⇒ o sangue é desviado para os grandes seios, destes para as jugulares e depois para o coração, diminuindo o conteúdo venoso intracraniano. ● Até que em um dado momento esses elementos atingem um limite, o que impossibilita que eles continuem sendo desviados do interior da caixa craniana. ● A partir do momento em que não há mais desvio de elementos, inicia-se o desenvolvimento da hipertensão intracraniana ⇒ passa a haver comprometimento do conteúdo arterial e do tecido encefálico, o que torna o mecanismo de desenvolvimento da massa algo patológico. Complacência Cerebral: ● É a capacidade dos componentes encefálicos (sangue, líquor e tecido cerebral propriamente dito) de se moldarem para suportar aumentos de volume intracraniano sem gerar aumento da pressão intracraniana ○ Ou seja, é a capacidade desses elementos de se adaptarem ao crescimento de um novo componente dentro da caixa craniana. ● A complacência será maior, quanto mais lento for a velocidade de desenvolvimento desse volume acrescido. ○ Ex: hematoma por trauma tem evolução pior, o paciente vai entrar no PS em coma, porque não houve tempo da complacência agir, então o hematoma vai levar ao desenvolvimento rápido da HIC. Em compensação, um paciente com um tumor no tecido encefálico vai começar a ter sintomas depois de muito tempo de evolução, isso porque houve complacência até o limite. ● Quando não há mais complacência, os sintomas aparecem. Herniações: ● Ultrapassado o limite da complacência cerebral inicia-se o comprometimento do tecido cerebral propriamente dito.. ● A partir do momento que temos o comprometimento desse tecido cerebral, começa a ocorrer desvio das estruturas cerebrais. ○ Anatomicamente, dividimos o crânio em 03 câmaras - anteparos ósseos:: ■ Fossa Anterior: vai da asa maior do esfenóide até a frente do osso frontal - é onde está a maior parte dos lobos frontais bilateralmente. ■ Fossa Média: vai da asa maior do esfenóide até o osso occipital - é onde estão os lobos occipitais, os lobos temporais, os lobos parietais e uma pequena parte do lobo frontal. ■ Fossa Posterior: vai da tenda do cerebelo até o forame magno - é onde encontra-se o cerebelo (posteriormente), o tronco encefálico (anteriormente) e o IV ventrículo (entre o cerebelo e o tronco encefálico) ■ aumento de algum elemento do crânio ou o surgimento de um novo, pode haver deslocamento de estruturas encefálicas, o que pode gerar isquemia por compressão. ○ Separando os hemisférios direito e esquerdo temos a Foice do Cérebro. Separando a fossa média da fossa posterior, temos a tenda do cerebelo - são anteparos de dura-máter; ● Por esses desvios, vai ocorrer a formação de herniações do tecido encefálico, ou seja, o tecido cerebral normal vai começar a ser “espremido” contra os anteparos anatômicos ósseos ou de dura máter, o que gera isquemia por compressão. ● Então: herniações encefálicas são geradas pelo quadro de HIC, e são perigosas porque geram isquemia. ● A depender da área do encéfalo que está sendo comprimida e do anteparo anatômico, temos um determinado tipo de herniação, com destaque para: ○ 1. Herniação Subfalcina: é a herniação do giro do cíngulo por baixo da foice do cérebro ○ 2. Herniação Transtentorial ou Uncal: é a herniação do uncus (porção medial do lobo temporal) através da borda livre da tenda do cerebelo junto ao tronco encefálico em sua porção mais alta (o mesencéfalo) ■ É muito perigosa, porque comprime o mesencéfalo, levando à morte encefálica ou estado vegetativo permanente. ○ 3. Herniação Transforaminal ou Amigdaliana: herniação das amígdalas cerebelares através do forame magno, podendo comprimir a região do bulbo. ■ Também é muito perigosa, mas é menos frequente do que a uncal. ○ 4. Herniação Transcalvariana: é a passagem de tecido encefálico através de uma fratura craniana decorrente de TCE ou iatrogenia - o TCE gera um mecanismo de HIC por edema cerebral que vai empurrar o tecido encefálico para a área da fratura, gerando isquemia ao redor. Pressão de Perfusão Cerebral (PPC): !!!!!!! ● É aquela que determina a chegada de nutrientes ao SNC - é a pressão mínima no interior dos capilares para que haja a troca de nutrientes entre os capilares e o tecido encefálico. ○ É o que está sob risco iminente quando temos um paciente em um quadro de HIC. ○ O sangue arterial passa pelas carótidas e pelas vertebrais e alcança o cérebro pelas grandes artérias cerebrais, as quais estão localizadas na base do crânio e lançam ramos (arteríolas) que penetram todo o tecido cerebral. Através das arteríolas, o sangue passa para os capilares e estes são os responsáveis por nutrir o nosso cérebro. ○ Ocorre que para nutrir corretamente o cérebro, precisa haver uma determinada pressão dentro desses capilares, que é a pressão arterial média (PAM). Contra essa PAM, atua a pressão de dentro do cérebro, que é a PIC. ● Então: PPC = PAM - PIC ○ Sendo: ■ PAM = 2x PAD + PAS / 3 ■ PIC normal = 15 a 20 mmHg ( varia muito, mas acima de 20 é inaceitável) ■ PPC normal é de ~75 mmHg, a mínima é de 50 mmHg ○ Daqui, concluímos que a PPC que é o que de fato nutre o tecido cerebral, é dependente da PAM e da PIC. ● O fisiológico é que a PAM seja maior que a PIC, para que haja a troca de nutrientes. Ocorre que se a PIC aumenta muito, a PAM torna-se insuficiente para vencê-la, então o encéfalo entra em sofrimento, porque não recebe nutrientes.. Fluxo Sanguíneo Cerebral (FSC): ● O cérebro tem uma capacidade exclusiva de manter seu próprio fluxo sanguíneo, esta condição é chamada de auto-regulação. ● Em determinados limites de PAM (50-150 mmHg) o cérebro consegue manter seu fluxo sanguíneo intacto, ou seja, sem variação. ○ Ex: paciente em crise hipertensiva, desde que a PAM não ultrapasse 150 mmHg o cérebro consegue se proteger, mantendo seu FSC normal. ● Essa capacidade de auto-regulação se dá através de mecanismos de vasodilatação e vasoconstrição, que são intimamente dependentes das concentrações de O2 e CO2 no sangue arterial. ● A HIC pode alterar a capacidade de auto-regulação. ● Veja o gráfico: ○ O FSC é mantido em níveis normais desde que dentro do limite de PAM que vai de 50 a 150 mmHg. ○ Com PAM acima de 150 mmHg, há ruptura da barreira hematoencefálica, com surgimento de edema e até sangramento. Com PAM abaixo de 50 mmHg, a chance de haver hipóxia cerebral é grande - isso no indivíduo saudável. ○ A partir do momento em que há injúria cerebral, essa capacidade de auto-regulação é perdida e as alterações na PAMgeram grandes variações do FSC. ● Auto-regulação Metabólica: como já sabemos, a pO2 e a pCO2 arterial são determinantes para o mecanismo de auto-regulação, pois induzem as alterações no calibre dos vasos. ○ CO2 aumenta: vasodilatação / diminui: vasoconstrição ○ O2 aumenta: vasoconstrição / diminui: vasodilatação Observe que as variações da pa CO2 geram variações maiores no FSC, isso porque a alteração das concentrações de CO2 são captadas mais rapidamente do que a do O2 (primeiro a gente tem o acúmulo de CO2, depois a hipoxemia). Então podemos afirmar que a capacidade de auto-regulação do cérebro é dependente principalmente da paCO2. Relação PIC, PAM, FSC: ● O paciente que por algum motivo tem um aumento da PIC, está em regime de hipertensão intracraniana, vai ter queda da PPC - considerando que PPC = PAM - PIC. ○ A queda da PPC também pode ser consequência da queda da PAM. ● Havendo queda da PPC, vai ocorrer um acúmulo de CO2 e, consequentemente, uma vasodilatação. ● Pela vasodilatação há um aumento do fluxo sanguíneo cerebral, o que aumenta ainda mais a PIC, o que por sua vez pior a PPC, reiniciando o ciclo e piorando o quadro de HIC. ● Temos aí um ciclo vicioso que não vai cessar enquanto a causa do problema não for removida - é um “ciclo vicioso que tende a se repetir no indivíduo com HIC não resolvida” ○ Então precisamos resolver a causa do aumento da PIC para interromper esse ciclo. SINAIS E SINTOMAS O quadro clínico depende muito da velocidade de instalação da HIC. ● Cefaleia ● Náuseas e vômitos ● Rebaixamento do nível de consciência ● Déficit visual progressivo e papiledema ● Déficit VI nervo craniano (Abducente) - é o nervo de maior trajeto subaracnóideo, o que o torna mais sensível às variações da PIC Obs: os 03 primeiros são vistos no quadro de evolução lenta, quando o paciente sofre com uma HIC de instalação rápido, é provável que ele inicie já com rebaixamento do nível de consciência. Tríade de Cushing: condição característica de HIC grave - são sinais e sintomas que indicam HIC em um indivíduo comatoso !!! ● Hipertensão arterial ● Bradicardia ● Irregularidade do ritmo respiratório Anisocoria: pupilas de tamanhos diferentes, sendo uma midriática (dilatada, no lado acometido) e outra normal. EMERGÊNCIA!!! ● Uma lesão se desenvolve em um lado do crânio no lobo temporal e vai empurrar o hemisfério, determinando especificamente uma herniação uncal ● Essa herniação comprime o III NC (passa lateralmente à borda livre da tenda do cerebelo, juntamente ao uncus). ● O III NC é acompanhado em todo o seu trajeto pelas fibras parassimpáticas, que são inclusive as mais periféricas, enquanto as fibras simpáticas somente vão integrá-lo quando ele já está no globo ocular. ● Então, havendo uma compressão do III NC em seu trajeto dentro do crânio, as fibras comprimidas serão as parassimpáticas, que consequentemente param de agir. Logo, com o III NC comprimido dentro do crânio, teremos a ação somente das fibras simpáticas, que promovem midríase ipsilateral. ● A anisocoria é um sinal muito importante, porque indica que o uncus está se insinuando pela tenda do cerebelo em direção ao mesencéfalo, e havendo compressão do mesencéfalo o paciente entra em coma permanente e morte cerebral. ● Resumindo… ○ Herniação uncal ⇒ déficit de fibras parassimpáticas → anisocoria ⇒ compressão do mesencéfalo ⇒ hemiparesia contralateral e coma. ESCALA DE COMA DE GLASGOW !!! Avalia nível de consciência. ● Os valores variam de 03 a 15 ● Glasgow < 8 é coma, o paciente precisa de UTI e intubação. MONITORIZAÇÃO DA PIC É realizada por instalação de cateter no espaço subdural, ou intraparenquimatoso, ou intraventricular. ● A instalação do cateter no espaço intraventricular nos dá valores mais fidedignos e ainda permite intervenção terapêutica - drenagem de líquor para alívio da HIC. TRATAMENTO (não é o objetivo da aula, não vai cair na prova) Tratamento de 1ª linha: ● Elevação de cabeceira a 30º - é 30º! mais do que isso dificulta o fluxo pelas carótidas, e menos dificulta o retorno venoso. ● Sedação (o paciente já está intubado porque chegou com glasgow < 8) ● Manter paCO2 em níveis normais (entre 35 e 38) ● SatO2 otimizada (> 95%) ● Drenagem de liquor por cateter intraventricular ○ Drenagem de líquor lombar é proscrita em HIC! A alteração de pressão neste caso vai promover uma herniação das amígdalas pelo forame magno - literalmente vai puxar o cérebro para baixo Se mesmo com o tratamento de 1ª linha otimizado o paciente se mantiver em HIC, considera-se repetir a TC em busca de algo que possa ser tratado/drenado através de neurocirurgia. Na ausência dessa condição, segue-se com o tratamento de 2ª linha. Tratamento de 2ª linha: ● Hiperventilação leve (PaCO2 entre 30 e 35 mmHg) - se a paCO2 cai, vai haver vasoconstrição no cérebro, o que a princípio melhora a PIC, mas não pode ser mantida por muito tempo porque a longo prazo gera isquemia. ● Manitol - é um agente hiperosmolar que vai diminuir o edema cerebral, mas por ser um diurético muito potente vai levar a perda de líquido o que diminui o conteúdo intravascular, podendo levar a um hipofluxo cerebral e consequente isquemia além da possibilidade de lesão renal ● Coma Barbitúrico - é um coma mais profundo, o que diminui ainda mais a demanda de O2 e glicose. Se ainda assim não houver melhora, repetimos a TC e se a intervenção cirúrgica ainda não for possível, entramos no tratamento de 3ª linha. Iniciado o tratamento de 3ª linha, as chances do paciente sobreviver é de menos de 15%. Tratamento de 3ª linha: ● Solução salina hiperosmolar (NaCl 3%) - tratando-se de um agente hiperosmolar, vai agir pelo mesmo mecanismo que o Manitol, mas pode ser usado por um período mais prolongado sem aumento da chance de lesão renal. ● Hiperventilação moderada (paCO2 < 30 mmHg) - o aumento da hiperventilação vai acentuar a vasoconstrição cerebral. ● Craniectomia descompressiva - dependendo da patologia, vai permitir o desenvolvimento do edema para fora do crânio. ● Hipotermia moderada (32-35ºC) - costuma proteger o cérebro, porém há o risco cardiovascular então na prática não é muito utilizada, o objetivo é acentuar o coma e diminuir ainda mais a demanda por O2.
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