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PARA ENTENDER O CAPITAL A TEORIA ECONÔMICA DE MARX DUNCAN K. FOLEY CAPÍTULO 2. A MERCADORIA: TRABALHO, VALOR E DINHEIRO [trecho selecionado para os alunos de Economia Política] A Forma Dinheiro do Valor Uma vez compreendido que o valor contido no conjunto de mercadorias recém produzidas é uma expressão do aspecto abstrato do trabalho social e necessário gasto em sua produção, devemos considerar como se expressa esse valor em forma de dinheiro. Na teoria de Marx, o valor é intercambiabilidade das mercadorias. É uma substância social que reside nas mercadorias, resultado, por assim dizer, do trabalho gasto em sua produção. Inversamente, a capacidade das mercadorias de estabelecer uma relação de equivalência entre si [intercambiabilidade] ao serem trocadas mediante o intercâmbio é um reflexo do fato de que todas contém a mesma substância, o valor. O objetivo da teoria de Marx sobre o dinheiro é mostrar como esta substância valor deve encontrar uma expressão social no dinheiro, independentemente das mercadorias particulares. O desenvolvimento dessa idéia de Marx inicia-se com a mais simples expressão de equivalência das mercadorias. Se trocarmos 20 varas de linho por um casaco, teremos a relação 20 varas de linho = 1 casaco (2.1) Nessa expressão, a ordem das mercadorias tem uma importância considerável porque, nesse caso, pensamos no casaco como medida ou expressão do valor do linho. Marx disse que o linho está na posição relativa e o casaco na posição equivalente. O casaco é um equivalente particular para o linho. Como veremos mais adiante, Marx crê que existem muitas razões pelas quais as trocas particulares na realidade não refletirão com exatidão a relação quantitativa entre os valores das mercadorias trocadas. Na realidade, uma mercadoria com freqüência se venderá acima ou abaixo de seu valor em relação às outras mercadorias. Ao desenvolver as formas de valor, generalizamos, evitando essas inconveniências e consideramos a situação pura na qual as duas mercadorias trocadas tem o mesmo valor. Ou podemos considerar o linho e o casaco como exemplos médios de mercadorias no sistema total de produção mercantil, levando em conta que a média de todas as mercadorias deve vender-se a um preço que reflete o tempo de trabalho aplicado em sua produção. Marx analisa com grande detalhe essa forma simples da expressão de valor, na relação entre duas mercadorias trocadas. O núcleo dessa discussão é uma analogia entre o valor das mercadorias e o peso, que é inerentemente quantitativo e relativo, no entanto não tem nenhuma escala absoluta natural. Podemos utilizar um objeto para medir o peso de outro, no entanto o estabelecimento de unidades absolutas de peso ou massa é questão de convenção social. Da mesma maneira, podemos utilizar uma mercadoria com valor para medir o valor de outra, mas as unidades absolutas com as quais medimos o valor são questões de convenção social. A forma elementar [simples] do valor rapidamente se expande para converter-se na forma desenvolvida [total ou desdobrada] do valor, na qual uma mercadoria - digamos, o linho - se compara sucessivamente com o conjunto total 2 das mercadorias, expressando em cada uma delas seu valor. Essa mudança corresponde a uma alteração da perspectiva de uma troca individual para a consideração do sistema total de troca de mercadorias e o reconhecimento de que todas as mercadorias participam conjuntamente nesse sistema. Marx expressa a forma desenvolvida do valor como uma série interminável: 20 varas de linho = 1 casaco ou (2.2) = 10 libras de chá ou = ½ tonelada de ferro ou = … Entretanto, essa forma desenvolvida é instável [a expressão do valor não é estabelecida definitivamente]. Não é fechada porque sempre se pode expandir introduzindo na série uma nova mercadoria. Tende a sofrer uma inversão para a forma geral do valor, sobre a qual uma mercadoria - digamos, o linho - serve simultaneamente como medida de valor de todas as outras mercadorias. 1 casaco ou = 20 varas de linho (2.3) 10 libras de chá ou ½ tonelada de ferro ou 2 onças de ouro Nessa forma, o linho foi convertido na medida equivalente geral do valor de todas as outras mercadorias. Essa forma equivalente geral nos aproxima muito da forma dinheiro do valor. No entanto, nesse ponto, qualquer mercadoria poderia estar no lado direito de (2.3). Por exemplo, o numerário, escolhido arbitrariamente na teoria econômica neoclássica também pode considerado como um equivalente geral no sentido marxista. O passo final para a forma dinheiro do valor ocorre quando alguma mercadoria ou alguma unidade abstrata de cálculo passa a ser aceita socialmente como equivalente geral, sendo usada como medida do valor das mercadorias. Posto que Marx vivia no século XlX, quando a forma monetária dominante era o padrão- ouro, considerou que o equivalente geral deveria ser uma mercadoria produzida por trabalho humano, no caso o ouro. No século XX, a evolução dos sistemas monetários afastou-se de um sistema monetário baseado nas mercadorias para um sistema em que o equivalente geral é uma unidade abstrata de conta, como o "dólar", que tem significado social, mas não é um equivalente definido em termos das mercadorias produzidas. A conclusão desse primeiro passo no desenvolvimento que faz Marx da teoria do dinheiro é que este surge da relação das mercadorias entre si, como expressão do intercâmbio geral das mercadorias, independentemente de qualquer mercadoria em particular. Vemos assim que o valor contido no conjunto de mercadorias recém produzidas pode expressar-se em unidades monetárias. Essa teoria constitui uma dura crítica às teorias monetárias que requerem uma economia de "troca" que precede a introdução do dinheiro. As economias de troca nessas teorias são, na verdade, modelos totalmente desenvolvidos de produção mercantil e, portanto, implicitamente já possuem todos os determinantes da forma dinheiro do valor. São modelos de troca [pura] somente porque a realidade foi simplificada, ignorando-se a presença do dinheiro no intercâmbio. Uma vez que compreendemos isso, podemos entender porque fica difícil introduzir novamente o dinheiro nesses modelos, quando, em certo sentido, já se encontra neles, embora tenha sido eliminado por abstrações desde o princípio. A teoria marxista do dinheiro também sugere que muitas trocas reais que parecem ser transações de troca [pura] são em realidade transações monetárias nas quais as 3 pessoas que realizam a transação encontram mercadorias com o mesmo valor monetário para trocar, de modo que não haja necessidade de troca de mãos de nenhum título de dinheiro para finalizar a transação. Dinheiro, Preços e Valor O conjunto total de mercadorias recém produzidas contém a totalidade do dispêndio de trabalho social durante um dado período, e esse valor expressa-se como o valor agregado em dinheiro do conjunto de mercadorias. Esse princípio da teoria do valor-trabalho nos permite calcular um valor do dinheiro, quer dizer, a quantidade média de tempo de trabalho social que se requer para agregar um dólar de valor às mercadorias. Cada mercadoria particular em um sistema produtor de mercadorias tem um preço: a quantidade de dinheiro pela qual se pode comprar ou vender. Por um lado, a mercadoria contém certa quantidade de tempo de trabalho, e por outro, o dinheiro representa certa quantidade de tempo de trabalho social. Podemos destinguir uma variedade de razões pelas quais possa existir certa diferenças entre estas duas quantidades. Uma mercadoria particular pode ter um preço que represente mais ou menos o tempo de trabalho social que está contido nessa mercadoria. Por exemplo, suponhamos que as matérias primas e os meios de produção despendidos na produção de uma mesa custaram 200 dólares e que o tempo de trabalho aplicado em sua produção foi de 20 horas. Se o valor do dinheiro é de 1/15 de horapor dólar, esse tempo de trabalho seria equivalente a 300 dólares. Se o preço da mesa realmente é de 500 dólares, então seu preço reflete exatamente seu valor. Porém, o preço da mesa pode ser em realidade de 400 ou 700 dólares, ou seja, acima ou abaixo do valor da mesa. As razões dessas diferenças entre preço e valor no caso das mercadorias individuais repousam nas relações entre compradores e vendedores nos mercados nos quais se trocam. As relações pelas quais se trocam as mercadorias dependem, em realidade, do poder de negociação dos compradores e vendedores. Se os vendedores tem uma melhor informação, ou um poder monopolista, ou a proteção monopolista do Estado, ou se há escassez de uma mercadoria em questão, o preço tenderá a ser mais alto. Pelo contrário, se os compradores tem uma melhor informação, ou se encontram diante de uma forte competição entre os vendedores, ou se há uma abundância da dita mercadoria, o preço tenderá a ser menor. Portanto, não existe razão alguma para que os preços das mercadorias particulares sejam proporcionais a seus valores individuais em trabalho, inclusive em condições iguais de competição entre os produtores. Como veremos adiante, Marx identifica uma força poderosa e prevalecente na produção capitalista que afasta os preços dos valores de certas mercadorias em particular, na tendência de que as taxas de lucro se nivelem nas distintas linhas de produção devido a concorrência entre os capitais. A taxa de lucro é a relação entre a mais-valia da mercadoria e o valor do capital utilizado na sua produção. Por conseguinte, se diferentes produtos requerem distintas quantidades de capital para uma unidade de tempo de trabalho, os preços devem diferir dos valores para que as taxas de lucros sejam iguais. Do ponto de vista da teoria do valor-trabalho, podemos considerar os casos nos quais os preços não reflitam com exatidão os valores como casos de intercâmbio desigual de tempos de trabalho, porque uma das partes da transação recebe mais valor do que concede. Quando os preços refletem com exatidão os valores, dizemos que se trata de um caso de intercâmbio igual de tempos de trabalho, porque cada uma das partes da transação recebe um equivalente exato de trabalho na troca. Os termos intercâmbio igual e intercâmbio desigual nesse contexto referem-se somente ao resultado do processo de troca e somente à transferência do tempo de trabalho entre os agentes que trocam mercadorias. 4 Inclusive, quando as partes estão em condições exatamente iguais, como se supõe que ocorre entre as companhias capitalistas competitivas, o resultado pode ser um intercâmbio desigual de equivalentes em tempo de trabalho. Neste livro, utilizarei os termos "intercâmbio igual" e "intercâmbio desigual", referindo-me ao intercâmbio igual (ou desigual) de tempos de trabalho. Observe-se que o intercâmbio desigual não viola o princípio de conservação de valor na troca, porque o que uma das partes ganha em valores é exatamente igual ao que a outra parte perde. A quantidade total de valor não se vê afetada pela ocorrência do intercâmbio desigual, pois ocorre uma transferência de valor de um agente para o outro. Não há inconsistência alguma entre a possível existência do intercâmbio desigual e o princípio de que, no total, o valor agregado de todas as mercadorias produzidas, expressa o tempo de trabalho investido em produzi-las. Quando somamos ou fazemos a média de todas as mercadorias produzidas, os casos de troca desigual se cancelam; e, na soma, o valor agregado em dinheiro é uma expressão exata do total de tempo de trabalho social. Formas do Dinheiro e o Valor do Dinheiro Uma vez compreendido que a forma dinheiro do valor é inerente às relações entre mercadorias, devemos considerar as diferentes formas do dinheiro, quer dizer, os diferentes dispositivos sociais que foram desenvolvidos para realizar as funções monetárias. Marx centra sua atenção nos problemas dos sistemas em que alguma mercadoria, como o ouro por exemplo, converteram-se no equivalente geral; esse tipo de mercadoria chama-se mercadoria dinheiro. Quando uma mercadoria produzida se converte no equivalente geral, a unidade monetária deve ser definida como certa quantidade dessa mercadoria dinheiro. Marx chama a esta unidade monetária de padrão de preços. A quantidade de ouro pela qual se troca qualquer mercadoria depende da relação entre o tempo de trabalho contido na mercadoria e o tempo de trabalho contido em uma onça de ouro. Posto que estes tempos de trabalho constantemente se modificam de acordo com o progresso tecnológico na produção das mercadorias e do ouro, o preço em ouro das mercadorias se encontrará em um estado de fluxo contínuo. Por outro lado, a quantidade de ouro contida no padrão de preços - digamos, o dólar - é um assunto de convenção social (igual a regulação das normas de pesos e medidas) e normalmente acaba sob o controle do Estado. Em um regime com padrão-ouro, o Estado define que o dólar corresponde, digamos, a 1/20 de onça de ouro. Para saber o preço em dólares de uma mercadoria, primeiro devemos descobrir a quantidade de ouro que contém a mesma quantidade de tempo de trabalho que essa mercadoria e depois converter esta quantidade de ouro em dólares, utilizando a relação estabelecida convencionalmente e legalmente entre o dólar e certa quantidade de ouro. Por exemplo, suponhamos que o ouro e outras mercadorias se trocam ao seu valor (quer dizer, em proporção direta a quantidade de tempo de trabalho neles contida), que uma onça de ouro contém dez horas de trabalho, e que um bushel de trigo contém duas horas de trabalho. Então uma onça de ouro servirá para adquirir 5 bushels de trigo. Se o dólar for definido legal e convencionalmente a 1/20 de onça de ouro, o preço em dinheiro de um bushel de trigo será de 4 dólares. O problema da determinação do valor do dinheiro, à primeira vista, resolve- se fácil e transparentemente em um sistema de mercadoria dinheiro. O dólar corresponde a certa quantidade de ouro, o qual contém certa quantidade de tempo de trabalho, e esta definição estabelece a relação entre a unidade monetária, o 5 dólar, e o tempo de trabalho social. (Quando o ouro se vende acima ou abaixo de seu valor em relação as outras mercadorias, devido a intervenção de certos fatores, esta equivalência tem que se modificar na mesma proporção). Deve-se reconhecer que essa teoria do valor do dinheiro é incompatível com a teoria quantitativa do dinheiro: a idéia de que os preços em dinheiro das mercadorias variam em proporção direta com a quantidade de dinheiro existente. Para Marx os preços em dinheiro das mercadorias variam em proporção inversa ao trabalho contido na mercadoria dinheiro e em proporção direta com o trabalho contido nas mercadorias particulares, sem importar a quantidade de mercadoria dinheiro existente. Em um sistema monetário em que o equivalente geral é uma unidade abstrata de conta, por exemplo um sistema no qual o dólar não tem nenhum equivalente em ouro definido legal ou convencionalmente, o valor do dinheiro determina-se historicamente, mediante as decisões dos produtores de mercadorias em relação aos preços. Circulação de Dinheiro e Entesouramento (O Capital 1.3.2a, 2b, 3a, 3b) Em um sistema de mercadoria dinheiro, quanto dinheiro se necessita para permitir a circulação normal de mercadorias? Do ponto de vista de Marx, os preços das mercadorias determinam-se por suas condições de produção. Portanto, o valor total das mercadorias que necessitam circular mediante o dinheiro, quer dizer, vender-se e comprar-se em troca de dinheiro, determina-se por esses condições de produção e pela quantidade de mercadorias produzidas. A quantidade de dinheiro necessária para realizar estas transações durante certo período depende de quantas transações uma peça normal de dinheiro, digamos uma moeda, pode realizar nesse período, isto é, depende da velocidadedo dinheiro. Se uma moeda pode participar em média de 10 transações durante um ano (através do agente que a recebe em uma venda e a gasta em uma compra) e se o preço total das mercadorias que circulam é de 3 bilhões de dólares, o sistema necessita 300 milhões de dólares para permitir a circulação. Esta relação, chamada de equação quantitativa na linguagem econômica tradicional, deve-se modificar drasticamente, quando consideramos sistemas nos quais o crédito desempenha um papel importante no financiamento das transações. Na teoria quantitativa do dinheiro, a equação quantitativa emprega-se como base para chegar a conclusão de que os preços das mercadorias devem subir ou baixar em proporção direta com a quantidade de dinheiro existente na economia, através da suposição de que a velocidade do dinheiro e o valor das mercadorias produzidas sejam constantes. Ao contrário, Marx afirma que a equação quantitativa determina a quantidade de dinheiro necessária para manter a circulação das mercadorias. Essa linha de pensamento acarreta então as seguintes perguntas; onde pode o sistema obter mais dinheiro, se aumentar a circulação de mercadorias? e; aonde vai o dinheiro excedente se a circulação de mercadorias, se reduz-se ou se eleva-se a velocidade do dinheiro? Marx responde a estas perguntas assinalando a existência de entesouramentos: reservas de mercadoria dinheiro que não circulam. Uma mudança na quantidade de dinheiro que necessita a economia para permitir a circulação das mercadorias pode levar a uma mudança nesses entesouramentos, liberando ou absorvendo suficiente quantidade de mercadoria dinheiro para permitir que a circulação continue sem problemas. Esta formulação contrasta fortemente com a teoria quantitativa do dinheiro, que postula uma demanda estável de dinheiro que evita que se ajustem dessa maneira as reservas inativas da mercadoria dinheiro. 6 Em um sistema monetário em que não existe mercadoria dinheiro e sendo equivalente geral do valor a unidade de conta abstrata, como ocorre nas economias capitalistas do final do século XX, o problema de adaptar os meios de pagamento as necessidades de circulação é um problema relacionado com a expansão e contração do crédito, antes que com a expansão e contração do entesouramento. Ainda assim, a análise de Marx a respeito da equação quantitativa permanece importante no nível teórico. Sugere que em um sistema monetário com uma unidade abstrata de conta, quer dizer, em um sistema em que as formas de crédito atuam como meio de pagamento, a ordem correta para a explicação dos fenômenos monetários vai das necessidades de circulação aos mecanismos que satisfazem tais necessidades. Esta ordem opõe-se ao que sugere a hipótese quantitativa, segundo a qual as necessidades de circulação se adaptam a quantidade de dinheiro mediante a mudança nos preços médios em dinheiro. É preciso compreender que, na análise de Marx os determinantes do valor do dinheiro são distintos dos determinantes da quantidade de dinheiro. Em um sistema de mercadoria dinheiro, o valor do dinheiro determina-se pelo tempo de trabalho requerido para produzir a mercadoria dinheiro e pelo padrão de preços que traduz certa quantidade de mercadoria dinheiro em unidades monetárias. A quantidade de dinheiro determina-se pelos requerimentos de circulação através da equação quantitativa. Uma quantidade maior ou menor de dinheiro, na teoria de Marx, não terá em si mesma nenhum efeito sistemático sobre o valor do dinheiro. O Papel Moeda em um Sistema de Mercadoria Dinheiro (O Capital 1.3.2c) Marx utiliza a teoria do equivalente geral do dinheiro para analisar vários problemas importantes na teoria monetária do século XIX. Alguns deles, tais como o problema de manter moedas de ouro com o peso correto ante o inevitável desgaste das moedas ao circular, não merecem nossa atenção. No entanto, o tratamento de Marx ao problema do papel moeda emitido pelo Estado sem garantia alguma de conversão a ouro a uma taxa fixa merece um interesse considerável. O fenômeno em questão surge quando o Estado, geralmente sobre a pressão das finança de guerra, começa a imprimir papel moeda para pagar suas contas, mas suspende sua promessa de restituir ouro por este papel a uma taxa de troca fixa. Os dois exemplos durante o século XIX são a emissão de libras em papel pelo governo britânico durante as guerras napoleônicas e os dólares emitidos pelo governo da União durante a Guerra de Secessão [EUA]. Marx analisa estes casos, seguindo os argumentos da Escola Bancária [Banking School] de teoria monetária, com a suposição de que o ouro segue funcionando como mercadoria equivalente geral e segue sendo o padrão dos preços. Assim, os preços em dólares das mercadorias seguem sendo regulados pelas condições relativas de produção do ouro e das mercadorias, sem importar a emissão de papel dinheiro pelo Estado. Marx afirma que uma emissão restrita de papel moeda pode-se absorver nas necessidades de circulação porque os agentes podem tornar a gastar o papel que recebem quase de imediato. Uma emissão reduzida de papel circula ao par, isto é, o dólar em papel terá o mesmo valor que o dólar em ouro. Se o Estado emite mais papel que pode ser absorvido na circulação, os agentes trataram de desfazer-se do excesso de papel utilizando-o para comprar ouro. Isto cria um mercado para o troca de papel moeda e ouro a um preço em tal mercado, geralmente conhecido como o desconto do papel em relação ao ouro. 7 O preço do dólar em papel poderia cair, por exemplo, a 50% do dólar-ouro, de maneira que se requeiram dois dólares em papel para comprar a quantidade de ouro contida no dólar-ouro. Nessas circunstâncias, os preços das mercadorias em termos do papel moeda refletiriam o desconto entre o papel dinheiro e o ouro. Se o preço em ouro de um bushel de trigo é de 4 dólares e o desconto do papel em relação ao ouro é de 50%, para comprar um bushel de trigo requerem-se 8 dólares em papel. No exemplo anterior, a emissão excessiva de papel moeda por parte do Estado eleva os preços das mercadorias em termos de papel moeda por meio do mecanismo de desconto entre o papel e o ouro. Essa conclusão poderia aparecer a primeira vista igual a que se obtém com a teoria quantitativa: que uma expansão sobre o abastecimento de dinheiro força a alta dos preços das mercadorias. No entanto existem importantes diferenças entre essas duas análises. A teoria quantitativa afirma que este efeito ocorrerá sem importar se a expansão da oferta de dinheiro ocorre em ouro ou em dinheiro. Ademais, a teoria quantitativa atribui a elevação nos preços das mercadorias a uma demanda excessiva sobre o mercado de todas as mercadorias, quando os agentes tentam gastar o excesso de dinheiro que tem. A análise de Marx aplica-se somente ao papel dinheiro, não ao ouro; e, de fato, a emissão de papel dinheiro não tem efeito algum sobre os preços em ouro das mercadorias. O mecanismo das mudanças de preços em papel dinheiro na teoria de Marx não tem nada a ver com a demanda excessiva dos mercados de mercadorias em geral, porque opera através do mercado no qual se troca o papel moeda por ouro; assim, a mudança dos preços em papel moeda é um mero reflexo do desconto entre o papel e o ouro. Todavia, esta análise não pode servir como base para a explicação do valor do dinheiro nos sistemas monetários contemporâneos onde não existe uma mercadoria dinheiro. A essência do tratamento de Marx a esse problema é que o ouro segue funcionando como mercadoria equivalente geral quando se emite o papel moeda. Nos sistemas monetários contemporâneos não existe uma mercadoria dinheiro comparável contra a qual se possa descontar o papel moeda.