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Dor oncológica

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Dor oncológica 
Introdução 
A dor é um sintoma relativamente comum nos pacientes com diagnóstico de câncer e sua prevalência estimada varia de 14 a 100%. Por ocasião do diagnóstico, cerca de 20 a 75% dos adultos referem dor, enquanto 23 a 100% dos pacientes com doença avançada sentem dor. As crianças com câncer têm experiências dolorosas semelhantes. Como o risco de desenvolver dor associada ao câncer é elevado, sempre se deve fazer uma triagem em todos os pacientes que têm neoplasias malignas e que buscam atendimento em uma clínica, ou quando são internados nos hospitais. Qualquer queixa de dor deve justificar uma avaliação abrangente.
As conseqüências do alívio insatisfatório da dor associada ao câncer são significativas, inclusive agravamento do estresse fisiológico, depressão do sistema imunológico, limitação da mobilidade, maior risco de pneumonia e tromboembolia e aumento do esforço respiratório e do consumo de oxigênio pelo miocárdio. Além disso, a dor pode comprometer a qualidade da vida. Vários grupos, inclusive crianças, idosos, minorias, indivíduos de grupos socioeconômicos mais baixos sem cobertura de seguro, mulheres, indivíduos que não falam o idioma local, pacientes com história de abuso de substâncias e sobreviventes do câncer, são mais suscetíveis a não ter sua dor tratada adequadamente. A avaliação e o tratamento inadequados causam limitação funcional, aumentam o risco de desenvolver depressão e ansiedade e, por fim, comprometem a qualidade de vida do paciente.
Avaliação da dor
A dor associada ao câncer pode ser classificada de várias maneiras, inclusive com base na duração (aguda versus crônica), na intensidade (leve, moderada ou intensa), na qualidade da dor (neuropática, nociceptiva ou mista) e no seu padrão temporal (contínua, exacerbação ou ambas).
Em geral, a avaliação da dor começa com a triagem, que utiliza uma das ferramentas unidimensionais disponíveis, como a Escala de 0 a 10 de Intensidade da Dor. Se os pacientes não conseguirem utilizar essa escala, as opções disponíveis são as escalas de termos descritivos verbais (dor ausente, leve, dor moderada ou dor intensa grave). Todos os pacientes que sentem dor, mesmo que leve, devem passar por uma avaliação cuidadosa. O Inventário Sucinto da Dor (Brief Pain Inventory) é um instrumento de avaliação da dor válido e clinicamente útil e tem sido amplamente utilizado em pacientes com câncer. Esse instrumento inclui um diagrama para assinalar a localização da dor, perguntas referentes à intensidade da dor (atual, média e pior, com base em uma escala de 0 a 10) e também itens que aferem o grau de limitação causada pela dor
Alodinia em pacientes oncológicos 
A alodinia (estímulos normais são percebidos como dolo- rosos) é um sinal relativamente comum de neuropatia. Um exemplo é a alodinia tátil da neuropatia periférica pós-herpética ou pós-quimioterapia. A avaliação da alodinia tátil consiste em realizar estímulos suaves na região com uma escova ou uma bola de algodão. A alodinia térmica é avaliada aplicando-se suavemente um objeto frio ou quente na pele. Essa queixa é um indício de neurotoxicidade aguda comumente encontrada durante a infusão de oxaliplatina e os pacientes relatam que o contato com um objeto frio parece causar queimação. A alodinia térmica ocorre em 85 a 95% dos pacientes e também pode incluir dor mandibular ou orbitária, ptose e dor no membro da infusão. Um percentual pequeno dos pacientes (1 a 2%) pode referir disestesia faringolaríngea. Para evitar isso, os pacientes são orientados a evitar ingerir líquidos gelados durante e alguns dias depois da infusão do fármaco.
A avaliação motora
observação da marcha e também a avaliação da força e do tônus muscular. Isso também fornece informações iniciais quanto à segurança para se começar a planejar a utilização dos dispositivos auxiliares caso o paciente tenha instabilidade, assim como a avaliar a necessidade de outras medidas de segurança domiciliar. Por exemplo, as talas simples para os tornozelos podem evitar quedas dos pacientes que têm pé caído causado por metástases vertebrais e fraqueza motora secundária. Durante a realização do exame físico, é importante observar para as questões de segurança potenciais. A deambulação está limitada e há indicação de uso de bengala ou outro dis- positivo auxiliar? O paciente tem parestesias significativas que o colocam sob risco de traumatismo, assim como os pacientes diabéticos estão sob risco de desenvolver infecção depois de traumatismo mínimo das mãos ou dos pés? O encaminhamento a um terapeuta ocupacional pode determinar o nível funcional e a necessidade de utilizar dispositivos auxiliares. As enfermeiras de saúde domiciliar podem fazer visitas para avaliar a segurança do ambiente doméstico; em geral, essas visitas são reembolsadas pela maioria das seguradoras de saúde.
AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
Por exemplo, a dorsalgia evidenciada na ressonância magnética como sinal de compres- são iminente da medula espinhal deve ser tratada agressiva- mente para evitar compressão total com paralisia. As cintigrafias ósseas podem demonstrar a existência de metástases como causa da dor, enquanto os marcadores tumorais podem fornecer indícios de disseminação da neoplasia maligna.
Síndromes dolorosas específicas associadas ao câncer
As síndromes dolorosas associadas ao câncer podem ser classificadas em vários grupos: agudas versus crônicas, nociceptivas (também conhecidas como somáticas) versus neuropáticas e causadas pela doença ou pelo tratamento. A exacerbação da dor constitui uma síndrome dolorosa par- ticularmente difícil e existem descritos vários tipos.
A. DOR AGUDA VERSUS CRÔNICA
A dor aguda geralmente é causada por procedimentos invasivos, como intervenções diagnósticas ou cirúrgicas, ou pelos efeitos da quimioterapia e dos outros tratamentos. Ex:Suscetibilidade à dor óssea depois do tratamento hormonal.
As síndromes dolorosas crônicas geralmente têm envolvi- mento dos ossos, dos tecidos moles, das vísceras e do sistema nervoso. As metástases ósseas são as causas mais comuns de dor nos pacientes com câncer de mama, pulmão ou próstata e têm evolução crônica. O linfedema que ocorre em cerca de 20% das mulheres submetidas a dissecção de linfonodos axilares é um exemplo de dor referida aos tecidos moles e está associada a morbidade física e psicológica significativa. A dor visceral descrita como espasmódica, mal localizada e difusa pode originar-se da invasão tumoral do fígado, dos intesti- nos, dos rins, do peritônio, da bexiga ou de outros órgãos.
B. DOR NOCICEPTIVA VERSUS NEUROPÁTICA
A dor nociceptiva pode ser somática ou visceral, geral- mente é descrita como dolorida ou em pontadas e na maioria dos casos é causada pelas complicações musculoesqueléticas do câncer. Exemplos de dor nociceptiva são as metástases ósseas e a invasão dos tecidos moles pelo tumor. A dor abdominal em aperto, corrosiva ou espasmódica pode ser causada pela compressão das cápsulas dos órgãos ou pelo estiramento do mesentério ou de outras estruturas viscerais. 
A dor neuropática descrita como latejante, em queimação, em choque ou em ferroadas sugere lesão das estruturas centrais ou periféricas do sistema nervoso. Exemplos desse tipo de dor são as neuropatias periféricas causadas pela quimioterapia e a dor radicular secundária às metástases vertebrais com compressão das raízes nervosas.
C. DOR CAUSADA PELA DOENÇA VERSUS DOR CAUSADA PELO TRATAMENTO
A massa tumoral geralmente causa dor. O tratamento do câncer (inclusive cirurgia, quimioterapia, radioterapia, terapias hormonais e biológicas) também pode causar dor A avaliação cuidadosa é essencial, assim como a descrição dos objetivos do tratamento. A dor relacionada com o tratamento pode causar interrupções, alterar o protocolo antineoplásico e,em alguns casos, motivar a suspensão definitiva do tratamento.
D. EXACERBAÇÃO DA DOR
Os episódios intermitentes de dor moderada a intensa que ocorrem apesar do controle da dor basal contínua são muito comuns nos pacientes que padecem dor associada ao câncer. Apesar da prevalência da exacerbação da dor, alguns estudos sugeriram que, muitas vezes, os analgésicos de ação curta não são administrados e que os pacientes não os utilizam nas doses permitidas. Os pacientes com câncer têm exacerbação da dor algumas vezes ao dia, que persiste por alguns instantes a muitos minutos e geralmente começa sem aviso. Os três tipos gerais de exacerbação são os seguintes: dor incidente, dor espontânea e dor ao final do efeito da última dose. 
1. Dor incidente — a dor incidente está associada a atividades específicas como tossir ou caminhar. Em um estudo com pacientes portadores de câncer terminal, 93% tinham exacerbação da dor e 72% dos episódios estavam relaciona- dos com os movimentos ou com a sustentação de peso. Os pacientes devem ser orientados a utilizar analgésicos de ação rápida e duração curta antes de realizarem as atividades ou os eventos que provocam dor. Quando possível, pode ser usado o mesmo fármaco que o paciente já utiliza para aliviar a dor basal (p. ex., morfina de ação prolongada e morfina de liberação imediata). A dose do analgésico utilizado para tratar a exacerbação da dor deve ser ajustada e titulada com base na intensidade da dor esperada ou da gravidade e na duração do evento desencadeante.
2. Dor espontânea — a dor espontânea ocorre de modo imprevisível e não está relacionada temporalmente com qualquer atividade ou evento. Essa dor é mais difícil de controlar. A utilização dos analgésicos coadjuvantes para a dor neuropática pode ajudar a reduzir a freqüência e a intensidade desse tipo de dor. Por outro lado, deve-se administrar tratamento imediato com um analgésico opióide potente de início rápido.
3. Dor ao final do efeito da última dose — essa queixa refere-se à dor que ocorre perto do final do intervalo habitual entre as doses de um analgésico administrado regularmente.
Tratamentos farmacológicos
A. ANALGÉSICOS NÃO-OPIÓIDES
1. Acetaminofeno — o mecanismo de ação do acetamino- feno é desconhecido. Esse fármaco é analgésico e antipiré- tico, mas produz pouco efeito antiinflamatório. Disponível para administração oral, a dose máxima recomendada é de 4.000 mg/dia. A overdose acidental é comum, porque o acetaminofeno é encontrado em muitas combinações de fármacos vendidos sem prescrição, inclusive medicamentos para res- friado e indutores do sono. O ajuste das doses deve ser realizado nos pacientes com disfunção hepática, inclusive metástases hepáticas.
2. Agentes antiinflamatórios não-esteróides — os AINE são analgésicos, antipiréticos e antiinflamatórios. Esse grupo de compostos inclui os fármacos não-seletivos mais antigos e os inibidores seletivos da ciclooxigenase-2 (COX-2).
B. OPIÓIDES
Os agonistas opióides puros são os principais fármacos para o controle da dor associada ao câncer. Os agonistas parciais ou os agonistas-antagonistas não têm uti- lidade no tratamento da dor causada pelo câncer.
C. ANALGÉSICOS COADJUVANTES
Entre os analgésicos coadjuvantes estão os antidepressivos, os anticonvulsivantes, os corticóides e os anestésicos locais. Esses fármacos são componentes fundamentais do tratamento multimodal necessário para o controle da dor, geralmente em combinação com opióides.
1. Antidepressivos — os antidepressivos tricíclicos parecem produzir analgesia por inibição da recaptação da norepinefrina e da serotonina. Uma mesa-redonda consen- sual realizada recentemente incluiu os antidepressivos entre os cinco principais tratamentos utilizados para o controle da dor neuropática. Em geral, os efeitos colaterais limi- tam a utilização desses fármacos no tratamento do câncer. Arritmias cardíacas, distúrbios da condução, glaucoma de ângulo fechado e hiperplasia prostática clinicamente signifi- cativa são contra-indicações relativas ao uso dos antidepres- sivos tricíclicos. A demora em obter alívio da dor (dias a semanas) pode impedir a utilização desses fármacos para aliviar a dor em pacientes com expectativa de vida reduzida. Por outro lado, seus efeitos de melhora do sono e do humor podem ser benéficos. 
	Alguns estudos mostraram que a venlafaxina, um antidepressivo atípico mais moderno, atenua a dor neuropá- tica associada à neuropatia induzida pela cisplatina e tem a vantagem adicional de controlar as ondas de calor. Estudos de casos sugeriram que a venlafaxina também é útil para atenuar a neuropatia associada à oxaliplatina.
D. TRATAMENTOS ANTINEOPLÁSICOS
1. Bifosfonatos — os bifosfonatos podem atenuar a dor associada à doença óssea metastática por inibição da reabsorção óssea mediada pelos osteoclastos . Esses fármacos também são utilizados para evitar complicações ósseas e corrigir a hipercalcemia. Os bifosfonatos não devem ser utilizados em pacientes que não apresentam evidências de metástases ósseas.
2. Radioterapia e radiofármacos — a radioterapia pode ser extremamente benéfica como alívio da dor causada por metástases ósseas ou por outras lesões. Em muitos casos, pode-se utilizar uma única fração da radioterapia com feixes externos para facilitar o tratamento. Estudos mostraram que os compostos marcados radioativamente, como o estrôncio-89 e o samário-153, são eficazes para atenuar a dor das metástases ósseas. Trombocitopenia e leucopenia são contra-indicações relativas porque o estrôncio-89 diminui as plaquetas em até 33% dos pacientes tratados e os leucócitos em até 10% dos casos. Esse tratamento deve ser considerado apenas para os pacientes com expectativa de vida estimada em mais de 3 meses, porque há um intervalo até o início do efeito terapêutico. Cerca de 10% dos pacientes tratados com estrôncio-89 referem aumento transitório da dor, e devem-se administrar antecipadamente analgésicos adicionais, bem como orientar os pacientes quanto a esta possibilidade.
3. Quimioterapia — a quimioterapia paliativa consiste na utilização do tratamento antitumoral para aliviar os sintomas associados ao câncer. As metas estabelecidas pelo paciente, seu nível de desempenho funcional, a sensibilidade do tumor e os efeitos tóxicos potenciais devem ser cuidadosamente avaliados. Exemplos de sintomas que podem melhorar com a quimioterapia são a dor da parede torácica causada por úlcera do câncer de mama depois da terapia hormonal e a melhora da dispnéia depois da quimioterapia para câncer de pulmão.
Os quimioterápicos classificam-se em: 
 Alquilantes: Ciclo-inespecíficos agem em todas as fases do ciclo celular. 
 Antimetabólicos: Ciclo-específicos, fase-específicos, agem na fase de síntese. 
 Alcalóides: Ciclo-específicos, fase-específicos, agem na fase da mitose. 
 Antibióticos: Ciclo-específicos, fase inespecíficos, agem em várias fases do 
ciclo celular. 
 Miscelâneas: Medicamentos de composição química e mecanismos de ação 
pouco conhecidos. Ex.: Hidroxiuréia, procarbazina Lasparaginase. 
Síndromes dolorosas complexas associadas ao câncer e seu tratamento
Várias síndromes impõem desafios ímpares ao tratamento da dor associada ao câncer, inclusive dor óssea, obstrução intestinal e crises de dor
A. DOR ÓSSEA
A dor causada por metástases ósseas ou por fraturas patológicas pode ser difícil de tratar. Em geral, a dor óssea está associada a exacerbação intensa da dor quando o paciente tenta mover-se na cama, sentar-se ou ficar de pé. Embora os opióides de ação curta possam ser eficazes, quando o paciente pára de realizar movimentos, o opióide não é mais necessário porque a causa da dor regride, deixando-o sonolento quando está em repouso. A analgesia controlada pelo paciente pode ser eficaz enquanto ele aguarda a correçãocirúrgica ou a fixação da fratura. Se o paciente nunca tiver utilizado opióide, deve-se iniciar o tratamento com uma dose inicial em bolus seguida da titulação rápida para se determinar a dose mais eficaz para aliviar a dor. Se a dor for persistente, pode-se calcular uma taxa de infusão basal a partir da dose total em bolus necessários durante determinado intervalo de tempo. A dose intermitente é mantida junto com a infusão basal. Para os pacientes que já utilizam opióides, a dose oral pode ser convertida para infu- são basal, ou o opióide de ação prolongada é mantido e a dose intermitente é utilizada para controlar a exacerbação rápida da dor.
B. OBSTRUÇÃO INSTESTINAL MALIGNA
A obstrução intestinal é comum no câncer ginecológico (principalmente carcinoma de ovário) e colorretal avançado. Quando a obstrução não pode ser evitada ou postergada, várias abordagens podem reduzir a dor, as náuseas e os vômitos. As medidas paliativas incluem procedimentos cirúrgicos em alguns casos ou, mais comumente, administração venosa ou subcutânea de octreotídio, aspiração por sonda nasogástrica e gastrostomia para saída de secreção, além dos analgésicos e dos antieméticos.
CUIDADOS PALIATIVOS A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) define os Cuidados Paliativos como uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares diante de situações que ameaçam a continuidade da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento. Para tal, requer a identificação precoce, avaliação e tratamento impecável da dor e outras situações angustiantes de natureza física, psicossocial e/ou espiritual. Um dos pilares dos Cuidados Paliativos é o trabalho multiprofissional e interdisciplinar. O foco da atenção não é a doença a ser curada ou controlada, mas o doente, entendido como um ser biográfico, ativo, com direito à informação e à autonomia plena para de cisões a respeito do seu tratamento. A prática adequada dos Cuidados Paliativos preconiza uma atenção individualizada ao doente e à sua família, a busca da excelência no controle de todos os sintomas e a prevenção do sofrimento. Segundo a médica precursora do Movimento Hospice Moderno, CicelySaunders, os Cuidados Paliativos não são uma alternativa de tratamento, mas sim uma parte complementar e vital de todo o acompanhamento do paciente. Desta forma, o tratamento curativo e a abordagem paliativa podem ocorrer de maneira simultânea. À medida que a doença progride e o tratamento curativo perde o poder de oferecer um controle razoável da mesma, os Cuidados Paliativos crescem em significado, surgindo como uma necessidade absoluta na fase em que a incurabilidade se torna uma realidade irreversível

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