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Marcadores laboratoriais em reumatologia – Dra. Joara Martins Marcadores laboratoriais em reumatologia O diagnóstico das doenças reumáticas pode ser realizado por critérios como manifestações clínicas e alterações laboratoriais, esses que também pode auxiliar no prognóstico e no seguimento do paciente. De modo geral, os exames mais solicitados incluem dosagem de proteínas de fase aguda, identificação de autoanticorpos, dosagem do complemento total e frações, caracterização de crioglobulinas e detecção de antígenos de histocompatibilidade humana. 1) Pesquisa de autoanticorpos Os autoanticorpos são imunoglobulinas capazes de reconhecer antígenos presentes nas células e órgãos do próprio indivíduo, estando presente em inúmeras doenças reumatológicas com altos títulos e especificidade restrita. Todavia, também podem ser encontrados em indivíduos assintomáticos sem doença autoimune ou em condições inflamatórias crônicas, ocorrendo em baixos títulos. Sabe-se que alguns anticorpos são marcadores extremamente específicos para determinadas doenças – como anticorpos anti- DNA nativo e anti-Sm no LES – mas a maioria não tem papel patogênico e é útil no diagnóstico e na monitoração da patologia. Fator antinuclear (FAN): é o padrão-ouro para pesquisa de autoanticorpos contra antígenos celulares como DNA, proteínas nucleares e citoplasmáticas, fosfolipídios, entre outros. É realizado pelo método de imunofluorescência indireta com mistura do soro do paciente em uma cultura de células HEp-2, de modo que o anticorpo anti nuclear gruda nas células, misturando um conjugado fluorescente para demonstrar o padrão encontrado. Assim, pode-se encontrar um FAN negativo ou positivo, devendo verificar também a titulação da amostra – quantidade de vezes que ela deve ser diluída para continuar positiva, geralmente devendo ser maior que 1:160. O FAN também pode ser analisado de acordo com seu padrão, esse que varia conforme a patologia e o autoanticorpo presente. Como exemplo de padrões cita-se: Homogêneo: anticorpos antihistonas, dsDNA, ssDNA, antinucleossomo. Periférico: anticorpos para dsDNA e desoxirribonucleoproteína. Pontilhado típico grosso: presença de autoanticorpo anti-Sm e anti-RNP. Pontilhado atípico fino: relaciona-se com a presença de anti-Ro, anti-La. Centromérico: proteínas associadas ao centrômero. Assim, o FAN é um teste de triagem, devendo ser solicitado testes de autoanticorpos específicos se positivo. Todavia, se negativo não deve-se descartar a presença de doença reumatológica, já que também depende dos fatores clínicos. Algumas pessoas normais podem apresentar FAN positivo sem patologias, principalmente no padrão pontilhado fino (5 a 13%). O exame de autoanticorpos pode ser feito por ELISA, imunofluorescência indireta, nefelometria, entre outros. Anticorpos anti-DNA nativo: são encontrados quase exclusivamente em pacientes com LES, tendo maior titulação durante a atividade da doença, principalmente com nefrite lúpica, e diminuíndo em fases de remissão. Para realização do exame conta como substrato o protozoário Crithidia luciliae. Anticorpos contra antígenos nucleares extraíveis (anti- ENA): como anti-La, anti-Ro (ribonucleoproteínas), anti-RNP, anti-SM, anti-Scl-70 e anti-Jo-1. Anti-dsDNA LES e nefrite lúpica Anti-Sm LES Anti-RNP Doença mista do tecido conjuntivo, LES, artite reumatoide Anti-Ro Síndrome de Sjogren, lúpus cutâneo subagudo, SAF, bloqueio cardíaco congênito Anti-La Acompanha o anti- Ro Anti-histona Lúpus induzido por drogas e LES Anticardiolipina SAF FAN padrão homogêneo Marcadores laboratoriais em reumatologia – Dra. Joara Martins Fator reumatoide: é um autoanticorpo caracterizado por uma IgM contra a porção Fc de uma IgG, devendo ser feito por nefelometria ou por aglutinação em látex (aglutina na presença). É presente em patologias como síndrome de Sjogren, artrite reumatoide, crioglobulinemia, LES e até mesmo em infecções e indivíduos saudáveis. Não é patognomônico pra nenhuma doença, mas pode auxiliar no diagnóstico se associado à fatores clínicos, podendo também ser utilizado para mensurar o prognóstico do paciente. Está relacionado à manifestação extra-articular na artrite reumatoide. Anticorpos anti-citoplasma de neutrófilos (ANCA): a metodologia de realização depende de um meio com presença de neutrófilos fixados no etanol por imunofluorescência indireta, auxiliando no diagnóstico e no acompanhamento das vasculites ANCA. Pode se apresentar nos padrões: C-ANCA: cora no citoplasma, sendo característico na granulomatose com poliangiíte durante a atividade de doença. P-ANCA: cora perinuclear, característico de poliangiíte microscópica e glomerulonefrite rapidamente progressiva. Um padrão p-ANCA atípico é frequente na hepatite autoimune do tipo 1, retocolite ulcerativa e colangite esclerosante primária. Anticorpos antifosfolípide: são autoanticorpos com reatividade para fosfolipídios de carga negativa, estando relacionada à síndrome do anticorpo antifosfolípide. Anticorpos para peptídeos citrulinados cíclicos (Anti-CCP): são autoanticorpos direcionados para peptídeos que sofreram citrulinização pela transformação da arginina em citrulina num estado inflamatório. Tem alta especificidade na artrite reumatoide, aparecendo já nas fases precoces da doença. 2) Dosagem do complemento total e frações As frações do complemento são proteínas séricas e de superfície produzidas no fígado que sofrem proteólise e ativação sequencial para participarem da imunidade humoral e inata. Como funções do complemento tem-se opsonização para ajudar na fagocitose de microrganismos, síntese de anafilotoxinas que amplificam o processo inflamatório, clearence de imunocomplexos e formação do complexo de ataque à membrana (MAC) para promover a lise das células. De modo geral, o complemento pode ser ativado pelas vias clássica, alternativa e das lectinas, essas que convergem em uma via comum. C-ANCA P-ANCA Marcadores laboratoriais em reumatologia – Dra. Joara Martins A via clássica ocorre pela ligação do antígeno-anticorpo ao complexo C1 ativado (subunidades q, r e s), promovendo ativação de C4 que é clivado em C4a (anafilotoxina) e o C4b (opsonina que se fixa no alvo). O C4b recruta o C2, que será clivado em C2a e C2b, sendo que o C2a se junta com o C4b e forma uma convertase (C4bC2a) para clivar o C3. Na via alternativa – que já é espontânea – o C3b se liga ao microrganismo e chama o fator B, de modo que ele será clivado pelo fator D em Ba (anafilotoxina liberada) e Bb, de modo que o complexo C3bBb é estabilizado pela properdina para se tornar uma C3 convertase. A via da lectina ligadora de manose ocorre pela formação de um complexo da proteína ligadora de manose (MBL) junto com MASP1 e MASP2, que se liga ao microrganismo, tendo ativação de C4 que é clivado em C4a (anafilotoxina) e o C4b (opsonina). O C4b recruta o C2 e o cliva em C2a e C2b, em que o C2a se junta com o C4b e forma uma convertase (C4bC2a) para clivar o C3. Na via comum, o C3 será clivado pela convertase em C3a e C3b, em que o C3b se liga à sua convertase para formação da C5 convertase que cliva o C5 em C5a (anafilotoxina) e C5b, de modo que o C5b se liga com C6, C7, C8 e C9 para formação do complexo de ataque à membrana e gerar lise celular. A depleção dos níveis de fração do complemento pode ser verificada em doenças hepáticas, já que o fígado é o local de produção, além de poder estar presente em doenças com produção de imunocomplexos e em deficiências congênitas de complemento. Um consumo do complemento associado a sintomas sistêmicos pode ser indicativo de LES, crioglobulinemia tipo II e III, vasculite urticariforme, endocardite, glomerulonefrite pós estreptocócica, glomerulonefrite membranoproliferativa, viremia, algumas formas de artrite reumatoide,entre outras. Assim, a dosagem do complemento pode ser empregada para analisar os períodos de atividade e remissão das doenças reumatológicas, verficiando o consumo das frações e redução do total. Existem testes funcionais que medem a capacidade lítica e testes quantitativos para dosagem dos componentes individuais. Complemento hemolítico total (CH50): é um teste funcional em que adiciona o soro do paciente em uma mistura de hemácias de ovelha revestidas com imunoglobulinas específicas de coelho. Assim, se o soro do paciente tiver presença de complemento vai ocorrer a lise das células por formação do MAC, de modo que a intensidade da hemólise será proporcional à quantidade de complemento – avaliando a via clássica. Dosagem de C2: realizada por imuno-hemólise, em que se acrescenta soro humano depletado de C2 ao sistema de hemácias de carneiro revestidas de imunoglobulinas de coelho, estando normal se > 70% da atividade obtida de um pool de soros normais. Dosagem de frações C1q, C3 e C4: são realizadas por nefelometria – que analisa a luz dispersa no material – por detecção de imunocomplexos. Esse procedimento também pode ser aplicado às demais frações. Se houver baixa de C3 e C4 pode-se ter uma ativação da via clássica, enquanto que níveis normais de C4 e redução de C3 podem indicar um consumo pela via alternativa. A deficiência congênita de C4 e/ou C1q pode cursar com baixos níveis de C3 e C4, fato que aumenta o risco para autoimunidade. A deficiência de C2 aumenta as chances de desenvolvimento de formas semelhantes aos quadros brandos de LES, enquanto que a deficiência de C5 a C9 aumenta a predisposição a infecções por encapsulados – mas não conferem risco para a autoimunidade. 3) Crioglobulinas As crioglobulinas são imunoglobulinas insolúveis ao frio (< 37ºC) e solúveis quando reaquecidas, podendo estar presentes em neoplasias, infecção e autoimunidade – níveis patológicos são maiores que 80 μg/ mL. A coleta é realizada em um tubo pré-aquecido a 37ºC, deixando cerca de 48h a 4ºC e depois checando a presença de crioglobulinas. Para detecção do tipo encontrado na amostra faz-se imunofixação, de modo que elas serão diferenciadas quanto à presença de fator reumatoide (IgM contra a fração FC de uma IgG) e clonalidade da imunoglobulina. Serão classificadas nos tipos: Ativação via alternativa Ativação via clássica Deficiência de C1q ou C4 C3 Consumo Consumo Não altera C4 Não altera Consumo Consumo Marcadores laboratoriais em reumatologia – Dra. Joara Martins Tipo 1: monoclonal (IgG, IgM, IgA, cadeia leve), sem ação de fator reumatoide, apresenta pico monoclonal. Pode estar presentes em síndromes de hiperviscosidade com hipoperfusão periférica, tontura, síncope, entre outras causadas por neoplasias hematológicas – mieloma, macroglobulinemia e linfoma idiopático. Tipo 2: IgM monoclonal contra IgG policlonal, com presença de fator reumatoide, podendo ter aumento de C4 e transaminases. Pode ser encontrado em manifestações como nefrite, leucemia linfocítica crônica, síndrome de Sjogren, macroglobulinemia, artrite, entre outras. Tipo 3: IgM policlonal contra IgG policlonal, presença de imunocomplexos e ativação do complemento em situações como vasculites, artralgia, artrite, nefrite e infecções crônicas. Em casos de crioglobulinemias do tipo 2 e 3 tem-se ativação do complemento pela presença de imunocomplexos, fato que pode ser demonstrado laboratorialmente com consumo de frações. As crioglobulinas só devem ser dosadas na suspeita de doenças mediadas por imunocomplexos ou enfermidades que cursem com crioglobulinemia, tendo manifestações clínicas sugestivas – algumas condições como hepatite C pode cursar com crioglobulinemia sendo assintomático. 4) Reagentes de fase aguda Os reagentes de fase aguda são provas laboratoriais que auxiliam na detecção do dano tecidual, como em caso de infecções, neoplasias e traumas, não sendo exclusivos de doenças reumatológicas. Eles podem ser divididos em marcadores positivos que sofrem elevação proporcional ao grau de inflamação ou infecção (fibrinogênio, VHS, PCR, haptaglobulina, hepcidina, ferritina, pró-calcitonina) ou marcadores negativos que sofrem queda proporcional (albumina, transferrina e transtiretina). Velocidade de hemossedimentação (VHS): é o tempo que demora para que as hemácias se sedimentem. As citocinas inflamatórias estimulam o fígado a produzirem proteínas de fase aguda (como o fibrinogênio e globulinas) que se ligam ao eritrócito e o deixam mais pesado, de modo que o VHS aumenta – medido em mm/h. Existem algumas condições que o VHS é mais aumentado, como gravidez, anemia e sexo feminino por hemodiluição, enquanto que obesos e idosos possuem níveis altos por terem mais células adiposas com ação inflamatória. É um método indireto e muito influenciável, sendo que que o VHS muito alto deve ser indicativo de infecção, vasculite e malignidade. Do contrário, o VHS baixo pode ser indicativo de afibrinogenemia, agamaglobulinemia, policitemia vera e aumento da viscosidade do plasma. Proteína C reativa (PCR): é um método direto que sobe e cai rapidamente, já que é a proteína de fase aguda produzida pelo fígado após estímulo por citocinas inflamatórias. Tem função de se ligar à patógenos e células lesadas e iniciar sua eliminação por ativar complemento e fagócitos. Ele está relacionado com atividade de doenças reumatológicas como artrite reumatoide, espondiloartrites e vasculites, podendo também ser indicativo de infecção em pacientes com colagenoses e miopatias inflamatórias. Ele é mais específico e sensível, não sendo influenciável por outros índices. Em pacientes com artrite reumatoide e LES, a inflamação persistente pode ser medida por dosagens sequenciais de PCR, fato que implica em alta morbimortalidade associada ao aumento do risco cardiovascular. Eletroforese de proteínas séricas (EFPSE): é sensível em detectar inflamação, sendo que deve misturar o soro do paciente com um gel de agarose, submetendo a uma corrente elétrica. Assim, as proteínas serão divididas em cinco bandas de acordo com o peso molecular: albumina é a mais abundante, 1- globulinas (-1-antitripsina, -1-glicoproteína ácida e - fetoproteína), 2-globulinas (haptoglobulina, macroglobulina e PCR), -globulinas (LDL, transferrina, C3 e 2-microglobulina) e -globulinas (imunoglobulinas, com IgG predominante). Uma inflamação aguda tem consumo de albumina, já que o fígado prioriza a síntese de proteínas de fase aguda e consome albumina para esse processo. Além disso, tem aumento de 2-globulinas pela elevação da fração de PCR, sendo que, conforme a inflamação for ficando crônica a gamaglobulina aumenta. Uma hipergamaglobulinemia pode estar presente em imunodeficiências.
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