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Alergia e Imunologia Clínica Adriely Blandino 82 A Reações de Hipersensibilidade a Medicamentos Profª Cynthia Mafra - Medicina Ufal 2021 INTRODUÇÃO E CONCEITOS O médico deve ter cuidado com a medicação prescrita, pois qualquer medicamento pode gerar reação de hipersensibilidade. Muitas pessoas acham que tem hipersensibilidade e se privam de tomar a medicação mesmo não tendo hipersensibilidade. Situação subestimada e ao mesmo tempo superestimada. Conceito de reação adversa a drogas (RAD) segundo a OMS: Qualquer efeito não terapêutico decorrente do uso de um fármaco nas doses habitualmente empregadas para a prevenção, diagnóstico ou tratamento das doenças. REAÇÕES ADVERSAS Ocorrem em 15 a 30% dos pacientes internados. Óbito 0,1% pacientes clínicos e 0,01% pacientes cirúrgicos. Dados subestimados. Pacientes ambulatoriais: 5% adultos. De todas as reações adversas, 10 a 15% correspondem às reações de hipersensibilidade. OBS.: Nem toda reação adversa é uma reação de hipersensibilidade. As RAD’s são classificadas em: 1- Previsíveis 2- Não previsíveis 1- Previsíveis Estão relacionadas aos efeitos diretos do medicamento. Podem ocorrer em qualquer indivíduo. São aquelas descritas na bula. São conhecidas e “esperadas”. Obs. Toxicidade (em dose normal): indica que o pct tem algum problema na metabolização. Superdosagem Efeito colateral Efeito secundário Interações medicamentosas 2- Imprevisíveis Não estão relacionadas diretamente com o efeito da droga. Estão mais relacionadas com a interação do hospedeiro com o fármaco. Não dá pra prever se o paciente vai ter a reação. Pode ser que o paciente não produza determinada enzima, que seja um mau metabolizador etc. Intolerância - maior sensibilidade do paciente, mesmo em pequenas doses. Não há o envolvimento de mecanismos imunológicos. O paciente não apresenta uma boa resposta à medicação. Idiossincrasia - não tem relação com o propósito do medicamento. São reações decorrentes de defeitos enzimáticos-genéticos. É algo bem individual. Hipersensibilidade - qualquer reação iniciada por um estímulo definido e que possa ser reproduzida (World Allergy Organization). É dita alérgica quando desencadeada por um mecanismo imunológico, ou, não alérgica quando desencadeada por outro mecanismo. As reações de hipersensibilidade são patológicas. Depende da predisposição individual do paciente que vai receber o medicamento. As reações de hipersensibilidade podem ser divididas em alérgicas ou não alérgicas, de acordo com uma definição mais antiga. Definições mais atuais trazem os termos “IgE mediada e Não IgE mediada”. Os medicamentos podem desencadear qualquer um dos 4 tipos de reação de hipersensibilidade. A clínica é completamente diferente nas diferentes reações de hipersensibilidade. →Por que devemos estudar hipersensibilidade a medicamentos? São eventos comuns na prática clínica diária - em qualquer área. Prevalência estimada de 7% da população. Grave problemática de saúde pública - paciente toma medicamentos que não poderia tomar ou Alergia e Imunologia Clínica Adriely Blandino 82 A deixa de tomar medicamentos importantes por achar que tem “alergia”. Causa importante de morbimortalidade. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA A maioria dos medicamentos apresentam baixo peso molecular (<1000 Daltons). Pouco imunogênicos. Os alérgenos proteicos são imunogênicos. As formas pelas quais um medicamento pode sensibilizar o organismo ainda são discutidas. Podem desencadear qualquer um dos quatro mecanismos de hipersensibilidade. 1ª Teoria: os medicamentos funcionam como haptenos. Medicamento se liga covalentemente a uma proteína plasmática → forma um antígeno completo (complexo medicamento-proteína) → resposta imune. A resposta imune só vai ser desencadeada se o hospedeiro apresentar predisposição. O complexo é reconhecido pela célula dendrítica, é apresentado por Th0 e o Th0 vai se diferenciar em Th1 ou Th2, mostrando uma resposta imunológica contra o antígeno (medicamento + proteína do hospedeiro). 2ª Teoria: medicamentos se comportam como pró- haptenos. Os medicamentos ligam-se covalentemente a uma proteína após sua metabolização → formação complexo antígeno-protéina →reconhecimento por uma célula apresentadora de antígenos (APC) → apresentação e processamento para o linfócito T → linfócito T sensibilizado. 3ª Teoria: interação medicamento x receptores imulógicos (p-i concept) Determinados medicamentos podem se ligar diretamente ao receptor do linfócito T (TCR), sem a necessidade da APC, desencadeando uma resposta imune. TIPOS DE HIPERSENSIBILIDADE O medicamento, se comportando como antígeno (no caso dos protéicos – insulina, por exemplo) ou por se conjugar com proteínas do plasma (penicilina, por exemplo) pode desencadear qualquer uma dos 4 tipos de hipersensibilidade. Tipo I – Imediata. Envolve a participação de IgE, mastócitos e basófilos. O medicamento funciona como um alérgeno. Sintomas clínicos: anafilaxia (aguda, grave), urticária, angioedema, broncoespasmo... Acontece na primeira hora. Produção de IgE → ligação do antígeno ao FcRI (mastócitos ou basófilos) → liberação de mediadores pré-formados e neoformados → ocorre de 20 a 30 minutos → urticária aguda; edema; broncoespasmo; hipotensão A alergia IgE mediada ela acontece devido a um contato prévio. Era tolerado e passa a desenvolver alergia. Tipo II – Mediada por complemento. Com IgM, IgG, envolve fagocitose... ADCC: Citotoxicidade celular dependente de anticorpos. IgG se liga a células e tecidos e essa ligação anticorpo- célula vai causar a destruição de células e tecidos. O medicamento entra como um novo componente antigênico ao se unir com células e tecidos. O organismo produz o anticorpo para desfazer essa interação. Antígeno liga-se à superfície das células sanguíneas ou do interstício renal → altera as células, formando novos antígenos → passam a ser identificados por IgG e IgM específicos → leva a lise celular por ADCC → anemia hemolítica; trombocitopena; nefrite (induzida por drogas)... Tipo III – causada por imunocomplexos. Nessa reação, o antígeno do medicamento está circulando no vaso e o paciente tem uma predisposição a produzir grandes quantidades de anticorpos contra esse antígeno que está circulando no sangue. A ligação entre medicamento e anticorpos forma imunocomplexos, que se depositam nos vasos e vão causar inflamação. Vasculite, glomerulonefrite, artrite, febre, urticária, Doença do Sono... IgM e IgG expecíficos + antígeno → formação de complexos circulantes em excesso → ocorre depósito em diversos tecidos → doença do soro like Alergia e Imunologia Clínica Adriely Blandino 82 A Doença do sono: criança tomando amoxicilina. Quando chega quase no fim do tratamento, o paciente começa a ter lesões na pele, febre, dor articular... isso causa uma “confusão”, achando que o tratamento não está sendo efetivo, com piora da infeção. Entretanto, hemograma e proteína C reativa estarão normais. O paciente provavelmente fez a reação soro like, uma reação de imunocomplexo, com excesso de anticorpo contra a amoxicilina. Esse excesso de anticorpo se ligou ao antígeno da amoxicilina e formou imunocomplexos que se depositou nos vasos da pele, articulação... Antigamente,usava-se soro de cavalo para tratar doenças infecções. E as pessoas tinham doenças de hipersensibilidade em reação a esse soro. Por isso o nome “soro like”. Tipo IV – mediada por linfócitos. Não tem participação de anticorpos. Como as funções das subpopulações de linfócitos T são conhecidas, e como elas são completamente diferentes, coube separar. IVa – Th1 (ativação de macrófagos). Ex.: Dermatite de contato. IVb – Th2 (eosinófilos). Ex.: exantema maculopapular com eosinofilia. IVc – Linfócitos T CTL. Ex.: Exantema bulhoso maculopapular. IVd – Células T 17 – promovem a liberação de citocinas que vão recrutar neutrófilos. Ex.: Pustulose exantemática. OBS.: Reação por AINE’s. Geralmente são reações não mediada por IgE. O AINE age inibindo a produção de prostaglandina por inibição (seletiva ou não) da COX. Essa inibição da COX leva a um desequilíbrio da produção de leocotrienos e essa produção de leocotrienos vai levar a reação. O fato do paciente ter alergia a AINE não aumenta o risco dele ter alergia a outros medicamentos. No Brasil e na América Latina é a classe mais envolvida com reações alérgicas. →Quais são os medicamentos que podem desencadear reações de hipersensibilidade? Todos os medicamentos podem desencadear reações de hipersensibilidade. O importante é saber reconhecer quando se trata de uma reação de hipersensibilidade, tentar entender a histórica clínica, encaminhar para o especialista para investigar. QUADRO CLÍNICO As manifestações cutâneas são as mais comuns. Podem similar outras doenças e síndromes conhecidas. Os efeitos a manifestações variam de acordo com o paciente. →Erupções exantemáticas ou maculopapulares São as mais frequentes. Tempo de início: entre o 4º e 14º dia ou até 1 ou 2 dias depois do término do tto Prurido e febre podem acompanhar o quadro. Aguda: 1-2 semanas ou tardia Diagnóstico diferencial: infecções virais, erupções tóxicas, Doença de Kawasaki, doença de Still etc. Drogas envolvidas: AAS, AINE, beta-lactâmicos, anticonvulsivantes, barbitúricos, isoniazida, fenotiazinas, quinolonas, sulfonamidas, tiazídicos... Alergia e Imunologia Clínica Adriely Blandino 82 A →Urticária e angioedema Placas e/ou pápulas eritematosas transitórias, com prurido importante Isolados ou parte de reação sistêmica Mecanismos IgE dependentes ou não Gatilho para quadros crônicos Drogas envolvidas: ATB, relaxantes musculares, AINE... →Dermatite de contato Tipo mais comum de hipersensibilidade por células Drogas de uso tópico ou sistêmico, excipientes Drogas envolvidas: Neomicina, Benzocaína, etilenodiamina... →Fotodermatite Semelhante à dermatite de contato Áreas foto expostas Drogas envolvidas: amiodarona, clorpromazina, furosemida, quinolonas, sulfonamidas, tetraciclinas, tiazídicos, piroxican... →Erupção fixa por droga Uma ou poucas placas eritemato-edematosas arredondadas e bem delimitas, algumas vezes, com bolha no contro da lesão. Reativação das lesões a cada exposição. Drogas envolvidas: acetaminofeno, sulfonamidas, barbitúricos, anticonvulsivantes, penicilina, fenolftaleína, tetraciclinas, carbamazepina, dipirona, gingko biloba, metronidazol... →Vasculites Inflamação e necrose de vasos sanguíneos 1-3 semanas após a exposição Drogas envolvidas: alopurinol, cimetidina, sais de ouro, fenitoína, quinolonas, tiazídicos, AINE... →Anafilaxia Reações agudas, potencialmente fatais. É uma reação de hipersensibilidade do tipo I. Acometem pele, sistema respiratório e cardiovascular Mecanismos IgE e não IgE dependentes. Drogas envolvidas: AINES, antibióticos, relaxantes musculares (bloqueador neuromuscular), látex... →Farmacodermias graves Síndrome de Stevens-Johnson Necrólise epidérmica tóxica (NET) - quando acomete mais de 30% da superfície corporal. Descolamento da epiderme, com a formação de bolhas Alergia e Imunologia Clínica Adriely Blandino 82 A Drogas envolvidas: sulfonamidas, anti- convulsivantes aromáticos, AINE, oxicans, alopurinol e nevirapina Tratamento: suporte de UTI. Pustulose exantemática generalizada aguda – PEGA. Reação a drogas com eosinofilia e sintomas sistêmicos – DRESS. Eosinofilia, hepatite aguda, lesão de pele, exames alterados... Resumo: DIAGNÓSTICO Ponto principal: anamnese e exame físico. História clínica detalhada é fundamental. Incluindo a relação detalhada de todas as drogas utilizadas pelo paciente no momento da reação e nos dias antecedentes ao quadro. Em geral, a droga introduzida mais recentemente é a droga envolvida. O ponto de partida para a investigação de uma reação medicamentosa é estabelecido pela suspeita clínica. Teste de alergia não dá diagnóstico de alergia. Indica apenas uma sensibilização. Nem sempre é possível reproduzir o teste com a substância que causou a hipersensibilidade, pois, muitas vezes, a reação foi depois da substância ter sido metabolizada e os testes são feitos com a susbtâncias no seu estado “natural”. HISTÓRIA CLÍNICA Analisar a reação: as manifestações são compatíveis? Identificar todos os medicamentos em uso Histórico de administração da droga suspeita Início da administração e reação, exposição prévia História de outras reações a medicamentos Uso intermitente, datas de administração e suspensão, modificação de doses de todos os medicamentos em uso Dados complementares: Doença hepática ou renal concomitante Histórico familiar, atopia Efeito da suspensão do medicamento TESTES DIAGNÓSTICOS Quando apenas a histórica clínica e exame físico não são suficientes, testes in vivo e in vitro podem ajudar a afastar ou confirmar drogas suspeitas. Cada caso deve ser analisado de forma isolada: a avaliação do risco-benefício do procedimento deve ser sempre considerada. Os testes cutâneos de leitura imediata avaliam, de forma indireta, a presença de IgE específica. O teste de puntura é a forma mais fácil e segura de testar uma reação imediata por droga, mas sua sensibilidade é moderada. O teste intradérmico é mais sensível, mas pode ter reação irritativa e o resultado ser falso-positivo. E é perigoso pois pode desencadear uma reação anafilática. No Brasil, o Ministério da Saúde desenvolveu um teste de cutâneo de leitura imediata para investigação de reações imediatas à Penicilina G. Para isso, utiliza-se a Penicilina G potássica. A sensibilidade e especificidade são satisfatórias. O teste de contato pode ser muito útil para detectar reações tardias às drogas. OBS.: Teste cutâneo – TC e ID p/ penicilina – teste in vivo Não se faz teste com bezetacil. Não reproduz as substâncias que dão reações. Teste por reação mediada por IgE. Determinantes principais = Benzil-Penicilolyl- polylysine (PrePen). São responsáveis por reações mais leves. Alergia e Imunologia Clínica Adriely Blandino 82 A Determinantes secundários = benzilpenicilina, peniciloato, peniloato (MDM). São responsáveis por reações mais graves/anafiláticas. O componente usado para o teste cutâneo Penicilina Cristalina 10.000UI/L. Reproduz os componentes que dão reação. Exige treinamento para fazer. OBS.2: Anafilaxia intraoperatória Os que mais causam são os bloqueadores neuromusculares.TRATAMENTO 1ª medida: suspensão da droga suspeita. Retirar outros medicamentos menos necessários, avaliando risco x benefício. Tratamento farmacológico depende da gravidade do quadro clínico. Reações mais graves, como a anafilaxia, requerem tratamento de urgência. Após a eliminação das drogas suspeitas, o tratamento é realizado, basciamente, com anti-histamínicos e corticosteróides, de acordo com o mecanismo fisiopatológico envolvido. Para o tratamento de reações tardias, utiliza-se corticosteróides de uso tópico ou sistêmico. PROFILAXIA O médico precisa conhecer a farmacologia, dose, efeitos colaterais e interações com outras drogas. Prescrever medicações apropriadas e com indicações precisas. Os pacientes devem ser sempre questionados sobre ocorrência anterior de reação aos medicamentos. Deve- se levar em conta a possibilidade de reação cruzada. O paciente deve ser observado por, pelo menos, 1 hora após, dada a possibilidade de ocorrer reações anafiláticas nesse intervalo. DESSENSIBILIZAÇÃO Dessensibilização (só deve ser realizada pelo médico especialista). Utilizada em situações específicas, quando não há alternativas terapêuticas à droga que provocou a reação. Ex.: Tratamento da sífilis com penicilina, pacientes diabéticos tipo I com reação à insulina ou pacientes com câncer que apresentem reações aos quimioterápicos. REFERÊNCIAS Slides da professora Cynthia Mafra MARTINS, Milton de Arruda et al . FMUSP. Clínica Médica. 2. ed. São Paulo: Martins-Manole, 2009. Capítulo 10.
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