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Escola e Cultura: Uma Relação Histórica

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DEFINIÇÃO
Noção de cultura como um conceito histórico usado para compreender as tensões humanas. A
relação entre escola e cultura ao longo do tempo.
PROPÓSITO
Apresentar as diversas possibilidades de vínculo entre cultura e escola historicamente,
destacando o espaço escolar como palco de relações sociais, culturais e políticas complexas,
conhecimento essencial para os profissionais da educação.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar os conceitos atribuídos historicamente à cultura 
 
MÓDULO 2
Identificar as características da educação no Ocidente em diferentes períodos históricos
MÓDULO 3
Definir a dinâmica da cultura escolar na contemporaneidade
INTRODUÇÃO
A escola, entendida como espaço onde professores ensinam conteúdos considerados
obrigatórios aos estudantes, é uma das instituições mais importantes do mundo ocidental,
tendo se transformado intensamente ao longo do tempo. Seja qual for o recorte histórico, ela
sempre foi muito mais do que um prédio no qual professores ensinam alunos. A escola é um
conjunto de relações sociais que dialoga com outros.
A escola na Atenas Clássica, por exemplo, era marcada pelos valores políticos da pólis
democrática, especialmente a isonomia, que afirmava a igualdade entre os cidadãos,
considerando os critérios excludentes que definiam a cidadania na época. Na Idade Média, o
ambiente escolar era atravessado pelas premissas teológicas e hegemônicas naquelas
sociedades. Na modernidade iluminista, a crença na razão e na Ciência orientou a cultura
escolar. Na contemporaneidade, é impossível discutir a instituição escolar sem levar em conta
as ideias de multiculturalidade, diversidade, representatividade, bem como a noção de
flexibilização, característica do vocabulário neoliberal.
Neste tema, exploraremos as diversas possibilidades de relações entre escola e cultura a fim
de explicitar a escola como um espaço social complexo, palco de conflitos, negociações e
relações de poder. Para isso, dividimos nossa reflexão em três módulos:
Exploraremos a polissemia do conceito de cultura, definido de diversas formas no debate
acadêmico e no senso comum.
 
 
Faremos um breve histórico da instituição escolar no mundo ocidental, da antiguidade grega
até a modernidade iluminista.
 
 
Comentaremos as atuais discussões a respeito da cultura escolar, destacando as agendas do
multiculturalismo, da diversidade, da representatividade e da financeirização do mercado
educacional, que vêm provocando vigorosas disputas políticas no Brasil e no mundo.
IDENTIFICAR OS CONCEITOS ATRIBUÍDOS
HISTORICAMENTE À CULTURA
A POLISSEMIA DO CONCEITO DE CULTURA
Poucas palavras são mais polissêmicas no vocabulário ocidental do que cultura. Podemos
dizer coisas muito diferentes a depender do jeito que usamos esse termo. Por isso, é
necessário saber com cuidado os usos possíveis desse conceito para que possamos escolher
criteriosamente de qual sentido desejamos nos apropriar, ou até mesmo combinar sentidos
diferentes, que não obrigatoriamente são excludentes entre si. O crítico literário brasileiro
Alfredo Bosi nos ajuda a entender a polissemia do conceito de cultura. Bosi afirma que:
POLISSEMIA
É um conceito da área da Linguística e tem origem no termo grego polysemos, que
significa "algo que tem muitos significados".
Fonte: Significados.
 
Alfredo Bosi, autor desconhecido. Fonte: Academia Brasileira de Letras.
No seu sentido etimológico mais elementar, o termo cultura pertence aos assuntos do campo,
pois culta era a terra que acumulava em si o trabalho de muitas gerações e cultus significava o
terreno trabalhado e cultivado por gerações passadas. Cultura originalmente remete ao
repertório de uma sociedade, ao acúmulo das realizações coletivas. Esse sentido básico
permaneceu, ainda que outros significados tenham se somado ao longo do tempo.
Ainda está com dúvida? Polissemia significa que você precisa aumentar sua rede de
informações para compreender bem o conceito, uma só voz não basta. Prepare-se para, ao
longo deste tema, relacionar e conhecer muitas vozes a fim de estar mais preparado para
elaborar a sua.
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Na antiguidade grega, a partir dos escritos de Heródoto (485-425 a.C.), reconhecido como o
pai dos estudos históricos, outro significado foi agregado ao conceito de cultura. Heródoto teve
a preocupação de colocar lado a lado as narrativas gregas e não gregas em um exercício de
reconhecimento da alteridade até então incomum entre o seu povo.
O historiador francês François Hartog, autor de um trabalho fundamental sobre o texto
herodoteano, argumenta que:
GREGA
A remissão à cultura grega não é um exercício de pedantismo intelectual. De fato, as
bases do pensamento Ocidental se apoiam no pensamento greco-romano.
FRANÇOIS HARTOG
É diretor de pesquisas na École de Hautes Études en Sciences Sociales (Paris), onde
ocupa a cadeira de Historiografia Antiga e Moderna, desde 1987.
Fonte: IEAT
Heródoto desenvolveu uma retórica da alteridade, que ao atribuir ao não grego, ao bárbaro, o
estatuto de objeto digno de conhecimento, fundou a ideia de que cultura não é patrimônio
exclusivo de um povo que se entende superior, como era o caso dos gregos em relação aos
outros povos.
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François Hartog (1946 - ), autor desconhecido. Fonte: UFMG/IEAT.
Ao narrar para os gregos os costumes e as crenças dos bárbaros, Heródoto ampliou o sentido
original do termo cultura, que passou a ser pensado também na perspectiva da pluralidade e
da diversidade, o que não exclui uma possível postura etnocêntrica no trato com sociedades
consideradas estranhas. François Hartog argumenta que:
O relato de Heródoto não está imune a julgamentos e, na verdade, funciona como uma espécie
de espelho narrativo. Isso porque, ao narrar sobre os bárbaros para os gregos, Heródoto o faz
como um grego, e não poderia ser diferente. Sua narrativa seria mais um espelho do
pensamento grego do que uma descrição literal dos bárbaros. Ainda assim, o texto de
Heródoto é fundamental para tradição ocidental e seu legado chegou à modernidade.
 
François Hartog (1946 - ), autor desconhecido. Fonte: UFMG/IEAT.
A CULTURA NA MODERNIDADE
No século XVI, as grandes navegações intensificaram os contatos culturais, possibilitando o
encontro entre sociedades que até então não se conheciam. Os índios, como ficaram
conhecidos os habitantes nativos da América (o Novo Mundo), transformaram-se em
personagens constitutivos do imaginário dos europeus.
Como exemplo, podemos destacar dois dos mais importantes tratados da filosofia ocidental
moderna que têm o índio americano como personagem principal: A Utopia, de Thomas Morus,
publicada em 1516, e o Contrato Social, de Jean Jacques Rousseau, publicado em 1762 .
Tanto Morus como Rousseau idealizam o outro, representado pela figura do indígena:
 
Thomas Morus (1478-1535), Hans Holbein, 1527. Fonte: Eloquence.
A América é a utopia manifestada na Terra, onde as pessoas são livres e a vida é farta e
próspera.
O índio americano é a manifestação mais genuína dos bons sentimentos humanos que foram
corrompidos pela sociedade civil.
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Jean Jacques Rousseau (1712-1778), Maurice Quentin de La Tour, século XVIII. Fonte:
MLWatts.
Se essa era a visão europeia, como a cultura popular sobreviveu até os dias atuais?
Nem só de idealização é feita a relação da Europa moderna com os outros. Houve também
muita violência e extermínio, o que não excluiu investimentos direcionados ao estudo da
variedade das culturas humanas. O que podemos genericamente chamar de cultura popular
passou a ser representado na Europa pelo termo folclore, do inglês folklore, que significava
conhecimento do povo. O primeiro a utilizar esse termo foi o escritor inglês William John
Thoms.
Thoms tinha interesse em estudar o que ele chamava de antiguidades populares, ou seja, os
hábitos, os rituais religiosos, as festas e o vocabulário das comunidades europeias
consideradas arcaicas e estranhasppor parte de uma elite letrada.
THOMAS MORUS
Thomas More, Thomas Morus ou Tomás Moro foi filósofo, homem de estado, diplomata,
escritor, advogado e homem de leis, ocupou vários cargos públicos e, em especial, de
1529 a 1532, o cargo de "Lord Chancellor" de Henrique VIII da Inglaterra.
Fonte: Wikipedia
Segundo o programa de estudos formulado por Thoms, popular era sinônimo de iletrado,
comportamento considerado genuíno, ou seja, característico das sociedades rurais e
ritualizadas, sem a distinção entre Estado e religião (tão cara à laicidade moderna).
Com o tempo, os estudos folcloristas ampliaram seu universo de interesse para os povos não
europeus, principalmente na África e na América. O termo folclore foi se transformando e
passou a ser entendido como o conjunto de hábitos considerados lúdicos, engraçados e
fantasiosos, sendo sempre associado às culturas não europeias.
 
Fonte: Shutterstock
 SAIBA MAIS
A tradição judaico-cristã, por exemplo, repleta de profetas abrindo mares, virgens engravidando
e messias ressuscitando após a morte, não é considerada folclórica, ainda que seja
atravessada por narrativas que trazem elementos de magia e fantasia. Nessa perspectiva
etnocêntrica, folclóricos são o Saci-Pererê, a mula sem cabeça ou os orixás do candomblé. O
folclore passou a ser uma prática de disciplinarização de tradições não europeias que, ao
serem rotuladas como folclóricas, são relegadas a um lugar menor no inventário das
manifestações culturais humanas.
A ANTROPOLOGIA ENTRA EM CENA
Na primeira metade do século XX, o esforço europeu em compreender outros sistemas
culturais ganhou a forma de uma ciência especializada, que passou a ser conhecida como
Antropologia. O escritor polonês Bronislaw Malinowski é reconhecido como um dos
fundadores da ciência antropológica, que nasce vocacionada aos estudos de culturas não
ocidentais, ágrafas e de comunicação basicamente oral.
 
Bronislaw Malinowski (1884-1942), autor desconhecido. Fonte: Hoodinski.
O livro Argonautas do Pacífico Ocidental, escrito por Malinowski e publicado em 1922, é um
dos textos de fundação da Antropologia disciplinar, que se estabeleceu como uma ciência
especializada na alteridade cultural.
DE FATO, PODEMOS CONSTATAR NAS SOCIEDADES
NATIVAS A EXISTÊNCIA DE UM ENTRELAÇADO DE
DEVERES, FUNÇÕES E PRIVILÉGIOS INTIMAMENTE
ASSOCIADOS A UMA ORGANIZAÇÃO TRIBAL,
COMUNITÁRIA E FAMILIAR BASTANTE COMPLEXA.
AS SUAS CRENÇAS E OS SEUS COSTUMES SÃO
COERENTES, E O CONHECIMENTO QUE OS NATIVOS
TÊM DO MUNDO EXTERIOR LHES É SUFICIENTE PARA
GUIÁ-LOS EM SUAS DIVERSAS ATIVIDADES E
EMPREENDIMENTOS. SUAS PRODUÇÕES ARTÍSTICAS
SÃO PRENHES DE SENTIDO E BELEZA. A FUNÇÃO,
PORTANTO, SEMPRE SIGNIFICA, POR CONSEGUINTE,
A SATISFAÇÃO DE UMA NECESSIDADE, DO MAIS
SIMPLES ATO DE COMER À AÇÃO SACRAMENTAL NA
QUAL COMUNGAR ESTÁ RELACIONADO A TODO UM
SISTEMA DE CRENÇAS DETERMINADO POR UMA
NECESSIDADE CULTURAL DE UNIFICAÇÃO COM O
DEUS VIVO.
(MALINOWSKI, 1978)
Mas eu ouvi que Antropologia não é ciência. Como posso ter certeza que alguma coisa é
ciência?
O “podemos constatar” de que fala Malinowski aponta para um programa metodológico,
fundamental para que todo conhecimento consiga ser um campo científico autônomo. No caso
específico da Antropologia, esse programa metodológico fez da Etnografia, entendida como
observação participante, o seu procedimento basilar.
O antropólogo seria o cientista que vai ao campo, ao território da cultura estranha a ser
analisada, para observar o funcionamento daquela sociedade.
A missão do antropólogo seria, tal como já preconizava Heródoto na antiguidade grega,
transformar o exótico em familiar, disciplinando a cultura estranha em uma narrativa explicativa
direcionada à sua própria cultura.
 
Fonte: Electron.
Bronislaw Malinowski com os nativos nas IlhasTrobriand, 1918.
Com base na ideia de que os seres humanos são naturalmente produtores de cultura, a
Antropologia científica se insere em uma longa tradição de pensamento, que começa em
Heródoto e passa pelos folcloristas, na qual o mundo ocidental tenta disciplinar povos e
culturas não ocidentais, caracterizando-os de exóticos e estranhos.
 
Norbert Elias (1897-1990), Rob Bogaerts, 1987. Fonte: Pauline-Lucia Walksinderl.
O sociólogo alemão Norbert Elias foi outro autor que criou um complexo sistema de
interpretação da sociedade baseado na polissemia do conceito de cultura.
Elias é autor do livro O processo civilizatório, publicado pela primeira vez em 1939, sendo
certamente um dos textos mais importantes escritos no século XX. O objetivo de Elias nesse
livro era examinar a construção das civilizações modernas, marcadas por um eficiente controle
do comportamento social.
CONTROLE DO COMPORTAMENTO SOCIAL
O autor analisa os manuais de etiqueta que circularam na corte francesa de Versalhes no
século XVIII, buscando entender como foi construído um modelo de conduta que passou
a classificar os comportamentos humanos em educados e mal-educados. Assoar o nariz
em público ou soltar puns à mesa são atualmente considerados comportamentos
inadequados e censurados em quase todos os espaços sociais.
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O que Elias mostra em seu trabalho é que os conceitos de educado e mal-educado não têm
nada de natural. Trata-se de uma construção histórica, de um grande processo civilizatório que
disciplinou os costumes e cuja força reside, justamente, na sua aparente naturalidade.
Em sua análise, Elias tem o cuidado de explorar a polissemia dos conceitos de civilização e de
cultura, cujos significados estão sempre sendo disputados, a depender da dinâmica social em
que as palavras são usadas. No mundo europeu, civilização e cultura muitas vezes são
palavras usadas para afirmar a particularidade das nações europeias, definindo-as como
superiores em relação a outras sociedades.
Então toda a Europa possuía a mesma visão sobre o que era civilizado?
É GRANDE A DIFERENÇA ENTRE A FORMA COMO
INGLESES E FRANCESES EMPREGAM A PALAVRA
(CIVILIZAÇÃO), POR UM LADO, E OS ALEMÃES POR
OUTRO. PARA OS PRIMEIROS, O CONCEITO RESUME
EM UMA ÚNICA PALAVRA SEU ORGULHO PELA
IMPORTÂNCIA DE SUAS NAÇÕES PARA O
PROGRESSO DO OCIDENTE E DA HUMANIDADE. JÁ
NO EMPREGO EM QUE É DADO PELOS ALEMÃES
(ZIVILLISATION), SIGNIFICA ALGO DE FATO ÚTIL,
MAS, APESAR DISSO, APENAS UM VALOR DE
SEGUNDA CLASSE, COMPREENDENDO APENAS A
APARÊNCIA EXTERNA DE SERES HUMANOS, A
SUPERFÍCIE DA EXISTÊNCIA HUMANA. A PALAVRA
PELA QUAL OS ALEMÃES SE INTERPRETAM, QUE
MAIS DO QUE QUALQUER OUTRA EXPRESSA-LHES O
ORGULHO EM SUAS PRÓPRIAS REALIZAÇÕES E NO
PRÓPRIO SER, É KULTUR.
(ELIAS, 1994)
A discussão proposta por Elias é fundamental porque mostra que a linguagem nunca é ingênua
e seu uso jamais é desinteressado. No uso comum que fazemos das palavras, termos como
civilização e cultura são acionados, muitas vezes inconscientemente, como ferramentas de
controle e disciplinarização de corpos e condutas.
O espaço da sala de aula costuma ser atravessado por esse uso da linguagem. Quantas
vezes, no cotidiano escolar, o comportamento de determinado aluno é censurado com as
palavras civilização e cultura? Vejamos alguns exemplos:
SOCIOLOGIA E A CULTURA COMO
PROBLEMA SOCIAL
Também Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) nos ajudam a entender como a
cultura pode ser utilizada para fortalecer relações de poder. Em 1846, Marx e Engels
finalizaram o primeiro texto que escreveram juntos: os manuscritos do que, posteriormente,
seria o livro A ideologia alemã. Por motivos que os biógrafos dos autores jamais esclareceram,
o texto não foi publicado na época, mas apenas em 1931, postumamente.
 
Fonte: К.Лаврентьев.
Friedrich Engels (1820-1895), autor desconhecido,1879.
No prefácio do livro Contribuição à crítica da economia política, publicado em 1859, Marx
comenta a não publicação dos manuscritos de A ideologia alemã. Ele diz que:
 
Karl Marx (1818-1883), John Jabez Edwin Mayall, 1875. Fonte: Jacek Halicki.
“Abandonamos tanto mais prazerosamente o manuscrito à críticaroedora dos ratos, na medida
em que havíamos atingido nosso fim principal: ver claro em nós mesmos.” (MARX, 2015)
Para Marx, o trabalho em conjunto com Engels, ainda que não vindo a público, mesmo
“abandonado aos ratos”, havia sido fundamental para que os autores fossem capazes de
elaborar para si mesmos as diretrizes gerais do tipo de pensamento que formulariam a partir de
então.
Fundamental no argumento dos autores é que o patrimônio coletivo é resultado direto do
que os autores denominam vida material, entendida como o esforço cotidiano de reprodução
da existência. Em outras palavras, são as táticas que adotamos todos os dias para conseguir
recursos que nos permitam viver, como comer, morar, vestir e beber. Segundo Marx e Engels,
nossos hábitos, valores, nossas percepções da realidade, ou − por que não? −, nossa cultura,
variam de acordo com a posição que ocupamos nesse ciclo produtivo social.
Na teoria formulada pelos autores, existem, basicamente, duas posições, ou seja, duas classes
sociais:
BURGUESIA
Composta pelos proprietários, que controlam os meios de produção.
PROLETARIADO
Formada pelos despossuídos, cuja única propriedade é a própria força de trabalho.
O modo como as pessoas pensam e agem, seus critérios de certo e errado, seus gostos
e hábitos, para Marx e Engels, não é o simples resultado de suas vontades. É, antes de
tudo, a projeção da vida material no plano do comportamento individual.
O materialismo histórico, que é como chamamos o sistema de pensamento formulado por
Marx e Engels, nos ajuda a compreender a dinâmica social de uma sala de aula.
 
Thomas Morus (1478-1535), Hans Holbein, 1527. Fonte: Eloquence.
Por que determinado professor age de uma forma e outro se comporta de maneira
completamente diferente?
Por que alguns alunos têm extrema dificuldade em compreender determinados conteúdos
enquanto têm grande facilidade de entender outros temas?
 
Jean Jacques Rousseau (1712-1778), Maurice Quentin de La Tour, século XVIII. Fonte:
MLWatts.
A explicação pode estar na localização dessas pessoas no processo produtivo.
Agora que estudamos o materialismo histórico, vamos conhecer os estudos sociais
contemporâneos, discutindo o conceito de cultura utilizado e desenvolvido pelo antropólogo
norte-americano Clifford Geertz (1926-2006).
CULTURA E CONTEMPORANEIDADE
 
Fonte: Shutterstock
Clifford Geertz é autor do livro A interpretação das culturas, publicado pela primeira vez em
1973. Nesse texto, Geertz propôs um conceito de cultura que se tornou bastante influente e
que também nos ajuda a pensar o ambiente escolar.
A cultura para Geertz são redes de sentido dentro das quais homens e mulheres se movem.
Se, por um lado, essas redes são elásticas o suficiente para permitir alguma liberdade de
movimento, por outro, sua elasticidade tem limites, o que acaba constrangendo de alguma
forma o comportamento humano.
O aspecto mais importante da reflexão proposta por Geertz é a afirmação de que o
comportamento individual deve ser sempre analisado em rede, pois, ao agir no mundo, os
sujeitos acionam teias de sentido compartilhadas coletivamente. Logo, nenhum ato é isolado,
pelo contrário, está sempre dialogando com outros atos e com outras redes de significado.
A partir dessa reflexão, podemos pensar novamente o ambiente escolar. O que acontece
dentro da escola tem relações diretas com a realidade externa, assim como a escola está
enredada a outras instituições e com elas dialogando o tempo inteiro. A disputa também é um
tipo de diálogo.
Tivemos o cuidado de pensar a cultura a partir de diversas perspectivas com o objetivo de
sofisticar nossa percepção dos fenômenos da cultura escolar. No próximo módulo, faremos um
exercício semelhante com a própria ideia de escola.
CULTURA
Neste vídeo, conheceremos mais sobre o conceito e a evolução de cultura. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
 ATENÇÃO!
Para desbloquear o próximo módulo, é necessário que responda corretamente a uma das
seguintes questões.
1. APESAR DA POLISSEMIA QUE CARACTERIZA O TERMO CULTURA,
SEU SENTIDO ETIMOLÓGICO ELEMENTAR SOBREVIVEU AO LONGO DO
TEMPO. ASSINALE, ENTRE AS OPÇÕES A SEGUIR, AQUELA QUE
MELHOR DEFINE ESSE SENTIDO.
A) Em seu sentido etimológico elementar, cultura significa arte erudita, sentido que sobrevive
até hoje, pois entendemos como cultura apenas as sofisticadas manifestações estéticas.
B) Em seu sentido etimológico elementar, cultura remete às práticas agrícolas e ao acúmulo do
trabalho das gerações anteriores no trato com a terra. De alguma forma, a associação entre
cultura e repertório coletivo sobrevive até hoje.
C) Em seu sentido etimológico elementar, cultura significa tolerância e respeito aos costumes
diferentes, o que fez com o que o conceito já nascesse vocacionado para a alteridade, não
admitindo a possibilidade de etnocentrismos.
D) Em seu sentido etimológico elementar, cultura significa o conjunto de artimanhas acionado
pelos poderosos para mentir e enganar os mais pobres. Por isso, Marx e Engels, formuladores
do conceito ideologia, são os grandes representantes dos estudos antropológicos no mundo
ocidental.
2. NO TRATADO HISTÓRIAS, HERÓDOTO ELABOROU UMA FORMA DE
LIDAR COM AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS QUE CHEGOU ATÉ A
MODERNIDADE. ASSINALE ENTRE AS OPÇÕES ABAIXO AQUELA QUE
MELHOR APRESENTA ESSE LEGADO.
A) Para Heródoto, apenas as manifestações culturais gregas eram dignas de serem narradas,
premissa que fundou a postura etnocêntrica característica da colonização moderna.
B) Para Heródoto, apenas as manifestações religiosas dos bárbaros eram dignas de serem
narradas, justamente por serem semelhantes às manifestações cristãs.
C) Para Heródoto, interessava apenas os conflitos políticos travados entre cidades gregas, o
que fez com que seu texto tivesse clara dimensão etnocêntrica e preconceituosa.
D) Heródoto produziu uma retórica da alteridade. Seu interesse era colocar lado a lado os
grandes feitos de gregos e bárbaros, igualmente dignos de lembrança. Ganhou força, assim, a
ideia de que culturas diferentes também são dignas de serem estudadas.
GABARITO
1. Apesar da polissemia que caracteriza o termo cultura, seu sentido etimológico
elementar sobreviveu ao longo do tempo. Assinale, entre as opções a seguir, aquela que
melhor define esse sentido.
Parabéns! A alternativa "B " está correta.
 
À luz da discussão desenvolvida por Alfredo Bosi, o termo cultura, originalmente, refere-se às
técnicas agrícolas e remete ao acúmulo do trabalho humano na terra ao longo do tempo.
2. No tratado Histórias, Heródoto elaborou uma forma de lidar com as manifestações
culturais que chegou até a modernidade. Assinale entre as opções abaixo aquela que
melhor apresenta esse legado.
Parabéns! A alternativa "D " está correta.
 
O texto de Heródoto é marcado pela preocupação de traduzir a alteridade, o bárbaro, para o
grego, fundando a ideia de que existem culturas diferentes dignas de serem observadas e
estudadas.
O CONTEÚDO AINDA NÃO ACABOU.
Clique aqui e retorne para saber como desbloquear.
VOCÊ CONSEGUIU DESBLOQUEAR O MÓDULO
2!
E, com isso, você:
 Identificou os conceitos atribuídos historicamente à cultura.
 Retornar para o início do módulo 1
IDENTIFICAR AS CARACTERÍSTICAS DA
EDUCAÇÃO NO OCIDENTE EM DIFERENTES
PERÍODOS HISTÓRICOS
A RELAÇÃO ENTRE A ESCOLA E A
EDUCAÇÃO
A transmissão de conhecimento entre as gerações não é prerrogativa das sociedades
ocidentais. Talvez seja a manifestação mais elementar da existência humana. Sempre,
independente do conjunto de cultura de uma sociedade, veremos pessoas em interação
intelectual, transmitindo conhecimento umas às outras, desde as lições mais básicas de
agricultura até os conteúdos mais complexos da Física Quântica.
No entanto, a transformação dessa prática em rito institucional regulado pelo poder público é
uma invenção da modernidade ocidental. Reconstruir essa história é o nosso objetivo.
GRÉCIA CLÁSSICA
Começamos pelo que é considerado o inícioda história da escola no mundo ocidental: a
Paideia na Grécia Clássica, entendida como a formação intelectual necessária para o exercício
da cidadania. Entendemos por Grécia Clássica o período da história grega compreendido entre
os séculos VI e IV a.C., quando ocorreu a formação das pólis, que eram cidades-estados com
autonomia política.
As principais cidades-estados do período clássico foram Atenas e Esparta, que dominaram a
geopolítica e disputaram frequentemente a hegemonia na Hélade, o que envolveu, entre outras
coisas, uma série de conflitos, destacando-se a Guerra do Peloponeso.
O período clássico tem duas características fundamentais:
ATENAS
A CONSOLIDAÇÃO DA EXPERIÊNCIA POLÍTICO-
DEMOCRÁTICA
O FORTALECIMENTO DA FILOSOFIA COMO
DISCURSO PÚBLICO HEGEMÔNICO
Podemos situar a construção da democracia em Atenas entre os séculos VII e VI a.C., quando
uma série de transformações alterou as instituições políticas atenienses. Até esse momento, o
poder político ateniense era controlado pelos grandes proprietários de terra: os eupátridas, ou
bem-nascidos.
O princípio fundamental da democracia é a isonomia, que afirma a igualdade entre todos os
cidadãos diante das leis e dos direitos políticos.
 
Fonte: Shutterstock
A Escola de Atenas, Rafael Sanzio, 1509. Fonte: Sailko.
Pode-se dizer então que a democracia em Atenas era perfeita?
A cidadania ateniense era excludente, sendo restrita aos homens, maiores de dezoito anos,
filhos de pais atenienses e nascidos em Atenas. Eram exatamente esses que deveriam
frequentar as academias filosóficas. Ou seja, a Paideia atendia aos mesmos critérios de
exclusão da democracia. Nas palavras de Moses Finley (1912-1986) uma das maiores
autoridades em história antiga grega:
PARA PLATÃO (...) OS HOMENS SÃO CRIADOS
DESIGUAIS; NÃO MERAMENTE NO SENTIDO
SUPERFICIAL DA DESIGUALDADE NO FÍSICO, NA
RIQUEZA OU POSIÇÃO SOCIAL, MAS DESIGUAIS NA
ALMA, MORALMENTE DESIGUAIS. ALGUNS HOMENS
SÃO POTENCIALMENTE CAPAZES DE UMA CONDUTA
COMPLETAMENTE RACIONAL E, POR CONSEGUINTE,
DE JUÍZO MORAL CORRETO; A MAIOR PARTE NÃO O
É. POR CONSEGUINTE, A GOVERNAÇÃO DEVERIA
SER ENTREGUE À MINORIA MORALMENTE SUPERIOR
– IDEALMENTE, NAS MÃOS DOS FILÓSOFOS
AUTÊNTICOS.(...).
(FINLEY, 1963)
A construção da democracia ateniense foi acompanhada da definição da Filosofia, logos, como
discurso público hegemônico, em detrimento do mito, que foi circunscrito à esfera privada. A
diferença fundamental entre logos e mito está na possibilidade de comprovação.
 SAIBA MAIS
Enquanto o mito se fundamenta em uma concepção mágica de verdade, exigindo crença, que
sempre é, em última instância, uma escolha particular, o logos exige a possibilidade de
comprovação. 
 
Por exemplo: acreditar em ressurreição significa crer em uma verdade mitológica, pois exige
crença, ou seja, a aceitação do mistério. Já o teorema de Pitágoras, relativo ao triângulo
retângulo, afirma que o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos,
podendo ser comprovado. Todo e qualquer triângulo retângulo comprova a verdade do teorema
de Pitágoras.
O fato de a democracia se fundamentar no princípio da isonomia faz com que as
particularidades das convicções mítico-religiosas precisem ser restritas ao espaço privado,
chamado de oikos pelos gregos. O espaço público passa a ser reservado, então, para o tipo de
conhecimento passível de ser comprovado empiricamente, por meio do estatuto da prova. Essa
é a matéria da filosofia e da educação gregas, da Paideia. Era isso que deveria ser ensinado
nas academias, onde os homens eram preparados para o exercício da Filosofia e da cidadania.
 IMPORTANTE
Não podemos achar que a exclusão formal das mulheres do exercício da cidadania implicava
sua total irrelevância política. Há diversas formas de contornar as restrições formais. Há
diversas maneiras de interferir na vida política fora dos canais formais. 
 
É isso que mostra Aristófanes (447-386 a.C.), na comédia As mulheres na Assembleia ,
encenada pela primeira vez em 392 a.C.
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Fonte: Tagishsimon.
Aristófanes (447-386 a.C), autor desconhecido, séc. XVII.
AS MULHERES NA ASSEMBLEIA
A peça alegoriza a possibilidade da intervenção feminina na política, ao mostrar as
mulheres de Atenas fazendo greve de sexo para obrigar os homens a decretarem o fim
da guerra. Com isso, o autor pretendia mostrar que a política não se resume ao voto e
aos discursos na praça pública, sendo também uma prática privada e protagonizada por
aquelas que eram excluídas da cidadania formal.
Parte da herança político-pedagógica da Paideia ateniense chegou a Roma, que durante
séculos foi o centro político e cultural do mundo ocidental. As relações entre as culturas grega
e romana são marcadas por diferenças e semelhanças.
Alguns valores são semelhantes, como, por exemplo, o princípio da soberania popular. Porém,
a democracia em Roma possuía outro funcionamento bastante distinto da democracia grega.
Se as pólis gregas eram caracterizadas pela autonomia das cidades-estados, a civitas romana
era caracterizada pela expansão imperial do centro do poder, que era localizado na Península
Itálica.
 
Tanto para os gregos quanto para os romanos, a educação era uma atividade destinada a
preparar os homens para a vida política. Ou seja, saber ler, escrever, conhecer as regras da
matemática e as lições da história eram consideradas habilidades fundamentais para o
exercício da política. Não existia a separação entre pedagogia e política . Essa cultura
pedagógica ecoa até os nossos dias. Não é incomum ouvirmos dizer que um povo mal
educado vota mal, sendo a educação entendida como acesso ao ensino formal ministrado nos
sistemas educacionais. A educação e o ensino ainda são considerados requisitos fundamentais
para o pleno exercício dos direitos políticos.
PEDAGOGIA E POLÍTICA
No século II a.C., foram organizadas em Roma escolas segundo o modelo grego,
destinadas a dar uma formação gramatical e retórica, voltada à língua grega. No século I
a.C. foi fundada uma escola de retórica latina, que reconhecia total dignidade à literatura
e à língua dos romanos. Pouco tempo depois, o espírito prático, próprio da cultura
romana, levou a uma sistemática organização das escolas, divididas por graus e providas
de instrumentos didáticos específicos (manuais).
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Entre todas a competências, a retórica, conhecida como a arte de convencimento por meio do
uso da palavra, era a mais valorizada no pensamento pedagógico romano. Um homem
considerado educado e culto dominava as técnicas do discurso público. Por isso, as escolas
latinas adotavam os tratados de retórica como material didático obrigatório.
 
Marcus Tullius Cícero (106-43 a.C), autor desconhecido. Fonte: Jbribeiro1.
 
Quintiliano (35 d.C – 96 d.C), autor desconhecido. Fonte: Prosopee.
Entre os principais tratados retóricos estavam o De oratore, e o De inventione, ambos escritos
por Cícero (106-43 a.C.), o Institutio Oratoria, de Quintiliano (35-96 d.C.), e o Ad Herenniun,
cuja autoria é desconhecida. Tanto Cícero como Quintiliano associam o estudo da retórica à
vida política. No pensamento pedagógico grego, o aluno típico era o futuro varão ilustre, o
homem público que ocuparia a tribuna do Senado ou qualquer outro cargo público para fazer
política.
IDADE MÉDIA
Durante o período medieval na Europa, o ensino foi controlado pela Igreja Católica que, a partir
do século VI, tornou-se o único poder capaz de estabelecer uma dominação relativamente
universal.
Mas o que queremos dizer exatamente quando usamos o conceito de Idade Média ?
O historiador brasileiro Hilário Franco Jr. mostra como Idade Média é um conceito que, em
última instância, não pertence à Idade Média, mas sim ao futuro da Idade Média, quando as
pessoas se esforçaram pra entender aquele período. Assim, procedem os estudos históricos,
sempre por meio de conceitos, que muitas vezes têm mais relação com o momento em que
são criados do que com a realidadeque pretendem esclarecer.
Nas palavras de Cynthia Veiga, estudiosa especializada na história da educação no mundo
ocidental:
A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA FOI BASICAMENTE
MONOPÓLIO DA IGREJA. DURANTE UM BOM TEMPO,
OS REPRESENTANTES ECLESIÁSTICOS
CONTROLAVAM OS PROCEDIMENTOS RELATIVOS ÀS
FORMAS DE TRANSMISSÃO DO CONHECIMENTO, DE
DEFINIÇÃO DOS SABERES E DOS MÉTODOS DE
TRANSMISSÃO, BEM COMO OS PROCESSOS DE
CONCESSÃO DE LICENÇA PARA ENSINAR.
(VEIGA, 2007)
A autora mostra que, durante a Idade Média, o ensino era controlado pela Igreja, possuindo a
seguinte estrutura:
IGREJA
ESCOLAS PAROQUIAIS
Destinadas à formação dos sacerdotes
ESCOLAS MONÁSTICAS
Destinadas à formação dos monges
ESCOLAS PALATINAS
Surgiram no século XIII e eram caracterizadas por um currículo mais complexo (Direito,
Medicina, Retórica e Teologia)
ESCOLAS CATEDRAIS
Escolas urbanas caracterizadas pela abertura da atividade intelectual ao exterior
Não pense que a educação medieval foi exclusivamente vinculada ao misticismo religioso.
Nesse período, observou-se uma abundante atividade intelectual. Por volta do século XII,
ocorreu um movimento de complexificação da educação medieval com o surgimento das
universidades.
Começaram a surgir universidades na Europa medieval quando estava em curso o processo de
urbanização do continente, marcado pela intensificação das trocas comerciais e da circulação
de pessoas. No início, as universidades surgiram, diz Cynthia Veiga (2007), como um tipo
bastante particular de corporação: as Universitas studii, uma associação de alunos e mestres
para transmissão e aprendizagem de conhecimentos “desinteressados”, ou seja, sem
aplicabilidade imediata. 
 
Mapa das universidades fundadas durante a Idade Média. Fonte: getyourimage.
Foi nesse momento, segundo a autora, que começou um processo, ainda tímido, de laicização
do ensino, por meio do qual a Igreja Católica foi lentamente perdendo o controle sobre os
estabelecimentos de ensino.
MAS O QUE ERA ENSINADO NAS ESCOLAS
MEDIEVAIS?
Hilário Franco Jr. nos ajuda com a resposta:
DE UM LADO, A CULTURA ERUDITA, DE ELITE,
CULTURA LETRADA QUE, PELO MENOS ATÉ O
SÉCULO XIII, FOI ECLESIÁSTICA DO PONTO DE VISTA
SOCIAL, E LATINA DO PONTO DE VISTA LINGUÍSTICO.
CONSCIENTEMENTE ELABORADA (MAS SEM DEIXAR,
É CLARO, DE SER TRIBUTÁRIA DA MENTALIDADE),
ERA FORMALMENTE TRANSMITIDA (ESCOLAS
MONÁSTICAS, ESCOLAS CATEDRALÍCIAS,
UNIVERSIDADES). POR ISSO, TENDIA A SER
CONSERVADORA, A SE FUNDAMENTAR EM
AUTORIDADES. DE OUTRO LADO, ESTAVA A
CULTURA QUE JÁ FOI CHAMADA DE POPULAR,
LAICA OU FOLCLÓRICA, E QUE PREFERIMOS
DENOMINAR “VULGAR”, POIS PARA OS MEDIEVAIS
ESSA PALAVRA ROTULAVA SEM AMBIGUIDADE TUDO
QUE NÃO FOSSE CLERICAL. A CULTURA VULGAR
ERA ORAL, TRANSMITIDA INFORMALMENTE (NAS
CASAS, RUAS, PRAÇAS, TAVERNAS ETC.) POR MEIO
DE IDIOMAS E DIALETOS VERNÁCULOS.
(FRANCO JR., 2001)
Se a Igreja dominava tudo, principalmente as escolas, como ainda existia diversidade?
O fato de o ensino formal ser dominado pela Igreja não implicava o controle da circulação de
conhecimento no período medieval por essa instituição. Por mais forte que seja, nenhum poder
é capaz de exercer dominação total. Por isso, como explica Hilário Franco Jr. (2001), se é
verdade que a Igreja exercia grande controle sobre o pensamento pedagógico medieval, por
meio de suas instituições e do quase monopólio sobre o ensino formal, é também verdade que
aquelas sociedades encontravam outros espaços para fazer circular seus saberes: as festas
populares, as oficinas de artesanato, as feiras, a rua e tudo o que podemos chamar de cultura
popular.
 
Fonte: Anagoria
Festa da Aldeia, Gillis Mostaert, 1590.
RUMO À MODERNIDADE
A modernidade trouxe mudanças estruturais no mundo, incluindo, obviamente, as práticas de
transmissão de conhecimento, às quais chamamos genericamente de Educação.
O historiador alemão Hans Ulrich Gumbrecht (2015) nos ajuda a entender esse longo período
da história humana, compreendido entre os séculos XVI e XXI. O autor argumenta que:
 
Hans Ulrich Gumbrecht, 2015. Fonte: Uliandr.
Seria mais correto falarmos em modernidades, em cascatas de experiência humana que se
sobrepõem umas às outras.
A modernidade, segundo a argumentação de Gumbrecht, é formada por quatro cascatas de
experiência:
 
Estamos interessados especificamente na primeira cascata, pois foi nela que surgiram os
valores que fundam a cultura escolar moderna. Segundo Gumbrecht, a principal característica
da primeira cascata de modernidade foi o nascimento de uma nova cultura
epistemológica, ou seja, uma nova maneira de tratar a produção e a circulação do
conhecimento.
Gumbrecht afirma que, na modernidade, a autoridade superior do conhecimento deixou de
ser Deus e passou a ser o método científico.
 
Fonte: Shutterstock
IDADE MÉDIA MODERNIDADE
CONHECIMENTO VERDADEIRO PERTENCIA
A DEUS
MÉTODO CIENTÍFICO
CABE À INTELIGÊNCIA HUMANA A
POSSIBILIDADE DE INTERPRETAR O MUNDO
(DE FORMA LACUNAR E INCOMPLETA)
ABRE-SE À INTELIGÊNCIA
HUMANA A POSSIBILIDADE DO
CONHECIMENTO PERFEITO
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Toda e qualquer limitação para a capacidade humana de conhecer o mundo não é atribuída à
Deus, mas sim à insuficiência do método. A autoridade do conhecimento não é exatamente
subjetiva, pois não é atributo pessoal do cientista. É no método que está a autoridade. Nas
palavras do autor:
DURANTE A IDADE MÉDIA, AO CONTRÁRIO, A
AUTOIMAGEM PREDOMINANTE DO HOMEM O TERIA
APRESENTADO COMO PARTE DE UMA CRIAÇÃO
DIVINA, CUJA VERDADE OU ESTAVA ALÉM DA
COMPREENSÃO HUMANA, OU, NO MELHOR DOS
CASOS, ERA DADA A CONHECER PELA REVELAÇÃO
DE DEUS. MAIS DO QUE PRODUZIR CONHECIMENTO
NOVO, A TAREFA DA SABEDORIA HUMANA ERA
PROTEGER DO ESQUECIMENTO TODO SABER QUE
TIVESSE SIDO REVELADO – E TORNAR PRESENTE
ESSA VERDADE REVELADA PELA PREGAÇÃO, E,
SOBRETUDO, PELA CELEBRAÇÃO DOS
SACRAMENTOS. O DESLOCAMENTO CENTRAL RUMO
À MODERNIDADE, POR CONSEGUINTE, ESTÁ NO
FATO DE O HOMEM VER A SI MESMO OCUPANDO O
PAPEL DO SUJEITO DA PRODUÇÃO DO SABER (O
QUAL, NA TEOLOGIA PROTESTANTE, MUDA O
STATUS DOS SACRAMENTOS PARA O DE MEROS
ATOS DE COMEMORAÇÃO).
(GUMBRECHT, 2010)
 
René Descartes (1596-1650), autor desconhecido, Séc. XIX. Fonte: MRNurkova.
O filósofo que mais incorporou esses valores epistemológicos foi René Descartes (1596-1650),
autor do Discurso do Método, publicado pela primeira vez em 1650.
No texto, o autor delimita aqueles que, na sua perspectiva, seriam os quatro elementos
fundamentais do método científico:
 
1º: jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como
tal, isto é, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção;
 
2º: dividir cada uma das dificuldades que eu tenha e examinar em tantas parcelas quantas
possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las;
 
3º: conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais
fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos
mais compostos (...);
 
4º: fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tivesse a
certeza de nada omitir. (DESCARTES, 1979)
O que deveria ser ensinado era justamente esse método, pois a modernidade, especialmente
depois do iluminismo no século XVIII, alçou o conhecimento científico à posição de força
motora do progresso. Assim, a educação moderna está baseada na ideia de que os
estudos científicos devem ser ensinados visando o progresso do aluno e o da
sociedade. Essa maneira de pensar o objetivo da educação foi radicalmente transformada a
partir do final do século XX, como veremos a seguir.
 
René Descartes (1596-1650) , Frans Hals, séc XV. Fonte: Dedden.
A RELAÇÃO ENTRE A ESCOLA E A
CULTURA
Vimos que, na construção da sociedade ocidental, a cultura não é algo pétreo, facilmente
reconhecido, mas sim um conceito histórico, sociológico, antropológico e principalmente
humano. Trata-se de uma construção complexa e contínua,que passou pela formulação da
cadeira das Ciências Sociais e é fundamental a qualquer sujeito que deseje se dedicar à
Educação. Recuperamos também a relação entre a escola e o tempo. Repare que não
estamos lidando com a História da Educação, mas com o processo institucional, filosófico e
social chamado escola.
VEJA A LINHA DO TEMPO:
1
ESCOLAS GREGAS
Formavam poucos cidadãos
ESCOLAS ROMANAS
Formavam cidadãos e os preparavam para atuar em sua sociedade
2
3
ESCOLAS ECLESIÁSTICAS
Formavam novos quadros, grupos distintos que buscavam a educação
ESCOLA MODERNA
Valorizada com as elites, em especial burguesas, tentando incorporar e fomentar-se com seus
valores
4
Em cada uma dessas escolas estavam presentes a cultura social e seus anseios. Nosso
desafio é aprender a analisar a cultura e dinamizá-la com esses prédios – no caso da
contemporaneidade, os clássicos prédios das escolas.
Você reviu uma ideia de cultura que vem da interpretação humana e de sua capacidade de
emprestar sentido às opções e à dinâmica das relações humanas. Cultura e escola sempre
estiveram relacionadas e vivenciadas.
Uma vez conceituadas cultura e escola, passaremos a relacionar esses conceitos,
concentrados nas dinâmicas contemporâneas.
 
Fonte: Shutterstock
ESCOLA
Neste vídeo, conheceremos mais sobre o conceito de escola, sua origem, evolução e seu lugar
na contemporaneidade. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
 ATENÇÃO!
Para desbloquear o próximo módulo, é necessário que responda corretamente a uma das
seguintes questões.
A PAIDEIA ATENDIA AOS MESMOS CRITÉRIOS DE
INCLUSÃO/EXCLUSÃO DA DEMOCRACIA ATENIENSE. ASSINALE ENTRE
AS ALTERNATIVAS ABAIXO AQUELA QUE MELHOR RELACIONA A
PAIDEIA E A DEMOCRACIA NA ANTIGUIDADE GREGA.
A) Entre os gregos, já existia o projeto de inclusão geral e irrestrita, o que garantia às mulheres
e aos estrangeiros o mesmo acesso à educação e à atividade política.
B) Entre os gregos, a Educação, chamada de Paideia, era restrita ao espaço rural, uma vez
que era destinada ao ensino de técnicas agrícolas, fundamentais para a sobrevivência material
daquela sociedade.
C) Entre os gregos, a Educação, chamada de Paideia, era considerada como o preparo para o
exercício da cidadania na pólis democrática, sendo, por isso, condicionada aos mesmos
critérios de exclusão da cidadania: restrita a homens nascidos em Atenas.
D) Entre os gregos, a Educação, chamada de Paideia, era restrita aos iniciados nos mistérios
religiosos, sendo voltada, por isso, à formação dos oráculos, que naquela sociedade atuavam
com conselheiros dos governantes.
2. A MODERNIDADE TROUXE UMA GRANDE NOVIDADE
EPISTEMOLÓGICA QUE MUDOU ESTRUTURALMENTE A FORMA COMO
O MUNDO OCIDENTAL TRATAVA A TRANSMISSÃO DOS SABERES.
ASSINALE ENTRE AS ALTERNATIVAS A SEGUIR AQUELA QUE MELHOR
APRESENTA ESSA TRANSFORMAÇÃO ESTRUTURAL.
A) A modernidade recuperou o legado da antiguidade, fazendo da Educação o preparo para a
vida política.
B) A modernidade deslocou o centro da autoridade do conhecimento de Deus para o método, o
que foi incorporado por Descartes no livro Discurso sobre o método.
C) A modernidade deslocou o centro da autoridade do método para a figura divina, o que foi
incorporado por Tomás de Aquino e Santo Agostinho em seus tratados teológicos.
D) A modernidade deslocou o centro da autoridade do conhecimento de Deus para as artes, o
que foi incorporado pelos artistas renascentistas.
GABARITO
A Paideia atendia aos mesmos critérios de inclusão/exclusão da democracia ateniense.
Assinale entre as alternativas abaixo aquela que melhor relaciona a Paideia e a
democracia na antiguidade grega.
Parabéns! A alternativa "C " está correta.
 
A Paideia grega era vista como o preparo para o exercício da cidadania, atendendo aos
mesmos critérios de exclusão da democracia, contemplando apenas homens nascidos em
Atenas. Precisamos lembrar que a sociedade ocidental se considera herdeira da sociedade
greco-romana. Nesse sentido, o papel da Paideia é central na percepção dos conceitos que
construímos.
2. A modernidade trouxe uma grande novidade epistemológica que mudou
estruturalmente a forma como o mundo ocidental tratava a transmissão dos saberes.
Assinale entre as alternativas a seguir aquela que melhor apresenta essa transformação
estrutural.
Parabéns! A alternativa "B " está correta.
 
A modernidade fez do método a grande autoridade do conhecimento, ocupando o lugar que na
Idade Média era de Deus. A noção de modernidade baseia sua visão ao considerar que uma
grande e indiscutível ruptura foi recuperada, ao mesmo tempo em que a razão e sua condução
seria a verdade a ser desenvolvida.
O CONTEÚDO AINDA NÃO ACABOU.
Clique aqui e retorne para saber como desbloquear.
VOCÊ CONSEGUIU DESBLOQUEAR O MÓDULO
3!
E, com isso, você:
 Identificou as características da educação no Ocidente em diferentes períodos históricos
 Retornar para o início do módulo 2
DEFINIR A DINÂMICA DA CULTURA ESCOLAR
NA CONTEMPORANEIDADE
RELAÇÃO ENTRE CULTURA E ESCOLA
Vimos como o conceito de cultura se organiza ao longo do tempo e como a escola na
sociedade ocidental sempre foi relacionada à cultura em que estava imersa. Esse ponto é
fundamental. A escola não está descolada ou deslocada do mundo em que se encontra, e
é influenciada pela cultura, pelas disputas e pelos meios em que ela se insere.
As escolas são representantes do palco de disputa social. Se uma sociedade é marcada pelo
racismo, a escola poderá reproduzi-lo. Se a sociedade está imersa em uma crise ou no auge
de processos de produção, a escola possivelmente reproduzirá esses elementos. 
 
CAMPANHA 
ÁRVORES NA PRAÇA
Semana do meio ambiente
Escola + Você = Um mundo mais verde
Participe!
 
Agora que já entendemos o que é cultura e como a escola ocidental foi criada e repensada
pelas influências de sua sociedade chegamos ao desafio final:
Perceber de maneira complexa o contexto em que vivemos, a nossa cultura e, com isso,
entender melhor a escola que nós vivemos.
Uma vez fundamentado, queremos que você reconheça esse processo: cultura e escola no seu
próprio mundo.
CULTURA ESCOLAR: DESAFIOS
CONTEMPORÂNEOS
Atualmente, o ambiente escolar é atravessado por duas grandes questões dos nossos tempos,
pertencentes aos projetos do capitalismo neoliberal e da agenda da representatividade, que
não são exatamente excludentes entre si. Os cientistas políticos Pierre Dardot e Christian Laval
são autores de um importante estudo sobre a racionalidade neoliberal que vem pautando os
debates pedagógicos contemporâneos.
 
Pierre Dardot, autor desconhecido. Fonte: UFBA.
 
Christian Laval, autor desconhecido. Fonte: Huesca.
A razão neoliberal não é apenas um modelo de desenvolvimento econômico, tampouco pode
ser resumida apenas à máxima do Estado mínimo, como muitas vezes acontece no debate
público. A razão neoliberal prevê a intervenção do Estado na vida social, mas numa
perspectiva distinta daquelas que caracterizaram o keynesianismo e o socialismo, que
possuíam algum horizonte de justiça social.
A Educação tinha como objetivo compartilhar o conhecimento científico de maneira
democrática; como ela se tornou uma competição?
Segundo a razão neoliberal, o Estado deve criar condições para a livre competição entre
indivíduos, alterando radicalmente o projeto iluminista de educação forjado entre os séculos
XVI e XVIII. A educação não é mais vista como um projeto de difusão das luzes do
conhecimento científico, visando o progresso coletivo, mas sim como a aquisição de
competências que qualifiquem o sujeito para a disputa.
Stephen Ball, Ivor Goodson e Meg Maguire escreveram um livro sobre os efeitos dessa
racionalidade neoliberal na educação escolar e universitária.
A EDUCAÇÃO ILUMINISTA DEMANDAVA O TEMPO
LONGO, POIS O DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL E
COLETIVO NAS LUZES DA RACIONALIDADE
CIENTÍFICA ERA PROGRESSIVO, ERA UM TEMPO
PEDAGÓGICO DE ESPERA. NO CAPITALISMO
GLOBALIZADO E NEOLIBERAL, A CULTURA
PEDAGÓGICA PASSA A ESTAR CONDICIONADAA
OUTRO TIPO DE TEMPORALIDADE. É O TEMPO
CURTO DO CONSUMO, COM O OBJETIVO DE
PREPARAR O INDIVÍDUO PARA A COMPETIÇÃO
SOCIAL E MATERIAL.
(BALL; GOODSON; MAGUIRE, 2007)
A educação deixou de ser vista como um patrimônio coletivo para ser tratada como um
produto, que deve ser estrategicamente produzido em função do consumo. Isso explica,
segundo os autores, o uso do vocabulário empresarial no trato dos assuntos pedagógicos:
gestão, flexibilização, racionalidade, custos e lucro são termos comuns na rotina das empresas
que se especializaram no comércio de serviços educacionais.
Para os estudiosos, isso significa a perda de autonomia do trabalho pedagógico, que agora
atende, em primeiro plano, aos interesses do mercado e não aos seus próprios objetivos.
 
Fonte: Shutterstock
MULTICULTURALISMO E AS RUPTURAS
CONTEMPORÂNEAS
Desde meados do século XX, a agenda do multiculturalismo está posta no debate pedagógico
internacional. O trauma das duas guerras mundiais, marcadas pela radicalização do
nacionalismo e pela atuação bélica dos regimes autoritários de matriz fascista, despertou o
interesse pela defesa das diferenças culturais, preocupação que foi institucionalizada na
fundação da Organização das Nações Unidas em 1945.
 
O consenso global na época era de que um mundo estável e pacífico dependia diretamente da
capacidade das nações de conviverem umas com as outras, em um ambiente de respeito às
diversidades. Ainda que nas últimas décadas esse consenso global não tenha sido tão
consensual assim, o que explica a ocorrência de inúmeros conflitos, a agenda do
multiculturalismo se tornou canônica nos manuais pedagógicos ocidentais.
Como, na prática, funcionou essa valorização da diversidade?
A partir da década de 1990, aconteceu uma sensível transformação nessa agenda pedagógica,
e o elogio à diversidade deu lugar à busca por outras formas de ensinar, a partir de
conhecimentos locais, periféricos no mundo hegemonizado pelo ocidentocentrismo. Essas
perspectivas pedagógicas passam a ser chamadas de pós-colonial, quando se referem às
culturas asiáticas e africanas, e decolonial, quando se referem às culturas nativas americanas.
O multiculturalismo convidava o mundo ocidental a respeitar a diversidade, mas sempre a partir
de um lugar de pensamento e ensino, que era o próprio Ocidente. Já a pós-colonialidade e a
decolonialidade, partindo da premissa de que a colonização também assume uma forma
epistêmica, propõem a desocidentalização do pensamento como uma prática de
descolonização. O sociólogo peruano Aníbal Quijano é uma das principais referências nessa
discussão. Para Quijano:
O que está em jogo não é a pura negação dos paradigmas pedagógicos dominantes, mas sim
a denúncia da dimensão epistemológica do poder colonial, que ainda sobrevive no mundo,
apesar de a colonização institucional ter sido abolida no século XIX, para o caso das Américas,
e em meados do século XX, para o caso da Ásia e da África.
 
Aníbal Quijano (1928-2018), Cancillería del Ecuador, 2015. Fonte: Warko.
Os ecos do pensamento pós-colonial e decolonial chegaram aos debates pedagógicos na
forma da diversificação do conteúdo a ser ensinado. Nas suas críticas ao sistema de ensino
dos EUA, essa é a discussão proposta por Gloria Anzaldúa:
 
Gloria Anzaldúa (1942-), K. Kendall, 2007. Fonte: Flickr upload bot.
Por que as aulas de História devem contar a história a partir da perspectiva colonial?
Por que as aulas de Matemática somente ensinam a perspectiva ocidental?
Por que as aulas de Ciência também não abordam conteúdos não ocidentais?
 SAIBA MAIS
Anzaldúa (2000), critica o sistema escolar norte-americano, insensível às necessidades
práticas e às identidades daqueles que não se enquadravam no arquétipo estadunidense:
branco, puritano e anglo-saxão. As escolas do ensino regular, segundo a autora, não nos
ensinaram a escrever, nem nos deram a certeza de que estávamos corretos em usar nossa
linguagem marcada pela classe e pela etnia. 
 
Como mulher mestiça, chicana, Anzaldúa não se via representada naquele conteúdo escolar,
que, na sua percepção, não tinha nada de universal.
O erro do sistema educacional chancelado pelo Estado seria tratar certos conteúdos
pedagógicos como derivados de uma cientificidade universalmente válida, independente da
realidade e das vivências dos estudantes.
A TRADIÇÃO E O MODELO DECOLONIAL
NO BRASIL
No Brasil, Paulo Freire (1921-1997) foi um dos primeiros pensadores da educação a trazer a
crítica à colonização epistêmica para o centro de suas atenções, ainda que ele jamais tenha
usado o termo decolonial.
 
Paulo Freire (1921-1997), Slobodan Dimitrov, 1977. Fonte: Sdimitrov.
Freire ganhou notoriedade ao criar um método de alfabetização para jovens e adultos segundo
o qual o conteúdo a ser ensinado deveria ser idealizado a partir das experiências culturais dos
alunos. Ou seja, o aluno não deveria ser o objeto de uma intervenção pedagógica originada de
um lugar hierarquicamente superior. É a intervenção pedagógica que deve ser pensada a partir
das experiências e do cotidiano do próprio aluno.
A decolonialidade de Paulo Freire está na denúncia do ato de dominação que costuma
caracterizar a pedagogia dita tradicional, onde o professor estabelece relação hierárquica com
o aluno, que é visto como uma tábula rasa a ser preenchida por um conteúdo imposto
verticalmente. No pensamento pedagógico de Paulo Freire, não há sentido em diferenciar
cultura e escola. A escola está inserida em um sistema cultural mais amplo, dialoga com
ele, é afetada por ele e deve se moldar a ele.
POR QUE NÃO APROVEITAR A EXPERIÊNCIA QUE
TÊM OS ALUNOS DE VIVER EM ÁREA DA CIDADE
DESCUIDADAS PELO PODER PÚBLICO PARA
DISCUTIR, POR EXEMPLO, A POLUIÇÃO DOS
RIACHOS E DOS CÓRREGOS E OS BAIXOS NÍVEIS DE
BEM-ESTAR DAS POPULAÇÕES, OS LIXÕES E OS
RISCOS QUE OFERECEM À SAÚDE DAS GENTES?
POR QUE NÃO HÁ LIXÕES NO CORAÇÃO DOS
BAIRROS RICOS E MESMO PURAMENTE
REMEDIADOS DOS CENTROS URBANOS? (...) UMA
ESCOLA PÚBLICA POPULAR NÃO É APENAS A QUE
GARANTE ACESSO A TODOS, MAS TAMBÉM AQUELA
DE CUJA CONSTRUÇÃO TODOS PODEM PARTICIPAR,
AQUELA QUE REALMENTE CORRESPONDE AOS
INTERESSES POPULARES, QUE SÃO OS INTERESSES
DA MAIORIA: É, PORTANTO, UMA ESCOLA COM UMA
NOVA QUALIDADE, BASEADA NO EMPENHO, NUMA
POSTURA DE SOLIDARIEDADE, FORMANDO A
CONSCIÊNCIA SOCIAL E DEMOCRÁTICA. [...] O
PRIMEIRO PASSO É CONQUISTAR A ESCOLA VELHA
E CONVERTÊ-LA NUM CENTRO DE INVESTIGAÇÃO,
REFLEXÃO PEDAGÓGICA E EXPERIMENTAÇÃO COM
NOVAS ALTERNATIVAS DUM PONTO DE VISTA
POPULAR.
(FREIRE, Pedagogia da Autonomia).
ESCOLHAS ENTRE OS MUITOS CAMINHOS
POSSÍVEIS
Vimos que a escola não é um espaço isolado das questões culturais mais amplas que
atravessam a sociedade, suas hierarquias, suas disputas, suas violências. Como mostrou o
filósofo francês Michel Foucault (1926-1984):
A produção e a circulação de conhecimentos, atividades que caracterizam o espaço escolar,
são sempre manifestações de poder, de relações de conflito e negociação entre dominadores e
dominados.
 
Michel Foucault (1926-1984), Exeter Centre. Fonte: Chronus.
A escola, apesar de muitas vezes ser pensada como o espaço que alinha, direciona e coloca
todos no mesmo discurso hegemônico é, na prática, ícone da diversidade cultural presente em
qualquer sociedade. Reproduz em seu cotidiano e é palco de importantes disputas que se
materializam sobre o estudo da cultura.
 SAIBA MAIS
Nas palavras de Michel Foucault: 
 
É evidente que, em um dispositivo como um exército ou uma oficina, ou um outro tipo de
instituição, a rede de poder possui uma forma piramidal. Existe portanto um ápice; mas, mesmo
em um caso tão simples como esse, o “ápice” não é a “fonte” ou o “princípio” de onde todo o
poder derivaria como de um foco luminoso (essa é a imagem que a monarquia faz dela
própria). O ápice e os elementos inferiores da hierarquia estão em uma relação de apoio e de
condicionamento recíprocos; eles se sustentam (o poder, “chantagem” mútua e indefinida). Mas
sevocê me pergunta: essa nova tecnologia de poder historicamente teve origem em um
indivíduo ou em um grupo determinado de indivíduos, que teriam decidido aplicá-la para servir
a seus interesses e tornar o corpo social passível de ser utilizado por elas, eu responderia: não.
Essas táticas foram inventadas, organizadas a partir de condições locais e de urgências
particulares. Elas se delinearam por partes antes que uma estratégia de classe as solidificasse
em amplos conjuntos coerentes. É preciso assinalar, além disso, que esses conjuntos não
consistem em uma homogeneização, mas muito mais em uma articulação complexa através da
qual os diferentes mecanismos de poder procuram apoiar-se, mantendo sua especificidade. A
articulação atual entre família, medicina, psiquiatria, psicanálise, escola, justiça, a respeito das
crianças, não homogeneíza essas instâncias diferentes, mas estabelece entre elas conexões,
repercussões, complementaridades, delimitações, que supõem que cada uma mantenha, até
certo ponto, suas modalidades próprias.
(FOUCAULT, 2006)
Veja no esquema a seguir um resumo desse processo:
CULTURA E ESCOLA
Vamos saber mais sobre a relação entre cultura e escola na contemporaneidade?
Neste vídeo, o professor nos apresenta a evolução histórica da relação entre cultura e escola,
alcançando sua visão contemporânea. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
 ATENÇÃO!
Para desbloquear o próximo módulo, é necessário que responda corretamente a uma das
seguintes questões.
1. UM DOS PROJETOS QUE ATUALMENTE PAUTAM A CULTURA
PEDAGÓGICA É A RACIONALIDADE NEOLIBERAL. ASSINALE ENTRE AS
ALTERNATIVAS A SEGUIR A QUE MELHOR DEFINE OS EFEITOS DA
RACIONALIDADE NEOLIBERAL NA CULTURA ESCOLAR.
A) No plano da Educação, a razão neoliberal fortaleceu a razão iluminista ao continuar
definindo a Educação como um projeto de emancipação coletiva por meio das luzes do
conhecimento científico.
B) No plano da Educação, a razão neoliberal fortaleceu a lógica pedagógica medieval, à
medida que reabilitou o prestígio público da Igreja Católica.
C) No plano da Educação, a razão neoliberal esvaziou a razão iluminista, à medida que passou
a tratar a Educação como um produto a ser consumido individualmente.
D) No plano da Educação, a razão neoliberal esvaziou a razão iluminista, à medida que passou
a tratar a Educação como um projeto coletivo de emancipação por meio do conhecimento
científico .
2. AS PERSPECTIVAS PÓS-COLONIAIS E DECOLONIAIS TORNARAM-SE
MUITO IMPORTANTES NO DEBATE PEDAGÓGICO CONTEMPORÂNEO.
ASSINALE, ENTRE AS ALTERNATIVAS A SEGUIR, AQUELA QUE MELHOR
DEFINE ESSAS PERSPECTIVAS.
A) As perspectivas pós-colonial e decolonial criticam o uso da racionalidade como instrumento
de dominação colonial, propondo então a emancipação de saberes historicamente dominados
e silenciados.
B) As perspectivas pós-colonial e decolonial criticam a dominação colonial no plano político e
econômico, silenciando o que se refere ao plano epistemológico.
C) As perspectivas pós-colonial e decolonial reforçam a narrativa iluminista da racionalidade
universal e, por isso, estão pouco preocupadas com outros projetos epistemológicos para além
daqueles desenvolvidos na Europa.
D) As perspectivas pós-colonial e decolonial reforçam a narrativa iluminista da racionalidade
universal e, por isso, estão muito preocupadas com outros projetos epistemológicos para além
daqueles desenvolvidos na Europa.
GABARITO
1. Um dos projetos que atualmente pautam a cultura pedagógica é a racionalidade
neoliberal. Assinale entre as alternativas a seguir a que melhor define os efeitos da
racionalidade neoliberal na cultura escolar.
Parabéns! A alternativa "C " está correta.
 
A razão neoliberal deixou de tratar a Educação nos termos iluministas, segundo os quais a
atividade pedagógica era o motor do progresso coletivo. O neoliberalismo a aproxima da
condição das dinâmicas econômicas, como muitas outras, em que o Estado não tem
responsabilidade direta e sua valorização deve ser estabelecida na dinâmica de valores
(financeiros) e na disposição de investimento. A ação do Estado deve ser garantir vínculos
mínimos a sujeitos para serem integrados nas dinâmicas econômicas.
2. As perspectivas pós-coloniais e decoloniais tornaram-se muito importantes no debate
pedagógico contemporâneo. Assinale, entre as alternativas a seguir, aquela que melhor
define essas perspectivas.
Parabéns! A alternativa "A " está correta.
 
As perspectivas decolonial e pós-colonial consistem em críticas à dimensão epistêmica do
poder colonial. Trata-se da discussão de temáticas localizadas versus discursos hegemônicos
com a educação sendo uma forma de rompimento de amarras históricas e representativas. Na
Educação, os sujeitos são solicitados a se reconhecer e a se rebelar contra sistemas que foram
naturalizados em suas dinâmicas sociais.
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E, com isso, você:
 Definiu a dinâmica da cultura escolar na contemporaneidade
 Retornar para o início do módulo 3
 
Conclusão
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste tema, percebemos a relação entre cultura e escola em experiências distintas ao longo da
história ocidental. Na antiguidade grega, a educação era considerada como o preparo para a
vida política, porque a democracia era o principal valor daquela sociedade. Na Idade Média, a
educação era atravessada por valores teológicos porque, naquelas sociedades, Deus era
considerado a potência organizadora do mundo. Logo, estudar significava interpretar os sinais
divinos.
Na modernidade, a educação foi marcada pelo princípio do método científico porque a Ciência
é o valor moderno mais importante, ocupando o lugar que já foi da política e da religião. Na
contemporaneidade, a flexibilização neoliberal e o horizonte da representatividade pautam as
discussões relativas à cultura escolar.
Foi possível observar a totalidade da construção do pensamento: entendemos como,
ocidentalmente e contemporaneamente, foi construído o conceito de cultura para perceber
como a escola mediou e experimentou dinâmicas diversas dessa cultura. Instrumentalizado
com esses conceitos, convidamos você a perceber as dinâmicas contemporâneas dessa
relação.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BOSI, A. Colo-Cultus-Cultura. In: BOSI, A.; MONTEIRO, P. M. Colony, cult and culture.
Dartmouth: University of Massachusetts Press, 2008.
DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São
Paulo: Boitempo, 2016.
DESCARTES, R. Discurso do método. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
ELIAS, N. O processo civilizatório. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
FRANCO JR., H. A Idade Média no Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001.
FINLEY, M. I. Os gregos Antigos. Coleção: Lugar da História, Lisboa: Edições 70, 1963.
FOUCAULT, M. Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanálise. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2006.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
HARTOG, F. O espelho de Heródoto. Belo Horizonte: UFMG, 1999.
HERÓDOTO. Histórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
MALINOWSKI, B. K. Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da
aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné melanésia. 2. ed. São Paulo: Abril
Cultural, 1978.
MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular, 2015.
PILETTI, C. E; PILLETTI, N. Filosofia e História da Educação. São Paulo: Ática, 2008.
QUIJANO, A. Colonialidade, modernidade e racionalidade. In: BONILLO, H. (Org). Bogotá:
Mundo Ediciones: FLACSO, 1992. pp. 437-449.
VEIGA, C. G. História da educação. São Paulo: Ática, 2007.
EXPLORE+
Para aprofundar seus estudos sobre cultura e escola, assista aos seguintes filmes:
Mudança de Hábito 2, dirigido por Bill Duke.
Escritores da Liberdade, dirigido por Richard LaGravenese.
A má educação, dirigido por Pedro Almodóvar.
Para se aprofundarnos estudos sobre cultura e escola, pesquise em seu navegador e
leia os seguintes artigos:
Diferenças culturais, cotidiano escolar e práticas pedagógicas, de Vera Maria Ferrão
Candau.
A escola como entreposto cultural: o cultural e o simbólico no desenvolvimento
democrático da escola, de Leonor Lima Torres.
Cultura de escola: entre as coisas e as memórias, de Rogério Fernandes.
CONTEUDISTA
Rodrigo Perez Oliveira
 CURRÍCULO LATTES
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