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1 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Doença celíaca Doença celíaca Doença celíaca entra na suspeita diagnóstica de várias sintomatologias gastrointestinais, pois possui uma ampla variedade de apresentações clínicas, tanto de sintomas gastrointestinais quanto de sintomas extra intestinais. Não é uma condição rara; existe uma prevalência que pode chegar em torno de 1,3% em algumas populações, sendo sempre um diagnóstico a ser considerado. Essa prevalência deve ser bem maior em consequência da subdiagnostificação da doença, exatamente em decorrência das manifestações atípicas. É uma doença de aparência incomum. Definição É uma doença sistêmica imunomediada em indivíduos que possuem predisposição genética. O glúten é uma proteína do endosperma com duas frações: as prolaminas, que são as frações tóxicas para quem é celíaco, e as gluteninas, que não são tóxicas. Dependendo da substância, cada uma tem uma prolamina; a do glúten é a gliadina. Ocorre uma resposta inflamatória que pode levar a uma alteração inflamatória de mucosa com atrofia vilositária. Essa atrofia leva a uma síndrome de má absorção, porém essa resposta inflamatória leva a produção de autoanticorpos e mediadores inflamatórios que também pode atingir outros tecidos. Dessa forma, é uma doença sistêmica; o acometimento não está limitado apenas ao intestino, gerando sintomas extra intestinais. Introdução • Prevalência de 0,32 a 1,3% na população; • Essa grande variabilidade clínica que faz com que o subdiagnóstico seja realizado. Além disso, deve-se tomar cuidado atualmente com o superdiagnóstico ou diagnóstico errado, por conta que as pessoas estão começando a saber mais da doença. • Para se ter um diagnóstico correto da doença celíaca, é necessário lembrar da definição: indivíduo predisposto geneticamente e desenvolve uma resposta imunológica com enteropatia. São necessárias essas quatro condições: manifestações clínicas dependentes do glúten + anticorpos específicos + haplotipos HLADQ2 e DQ8 (95%) + enteropatia. É necessário esse conjunto de sinais e sintomas para se ter a doença. “Só pode ser celíaco quem pode ser celíaco, e não quem quer”, apesar dos padrões alimentares do mundo atual. • As prolaminas tóxicas do glúten são: gliadina (trigo), hordeina (cevada) e secalina (centeio). A avenina da aveia não é tóxica para o celíaco, mas o problema da aveia é a contaminação cruzada. O trigo sarraceno é um tipo de trigo que não tem glúten, porém sofre com contaminação cruzada. O que acontece na doença celíaca? O glúten sofre uma digestão parcial no intestino delgado e vai penetrar no epitélio. Essa fração do glúten quebrada (no caso do trigo será a gliadina) vai sofrer um processo de desaminação pela transglutaminase tecidual da lâmina própria, na submucosa. Essa transgutaminase é uma enzima que participa de processos de adesão celular, de composição de matriz, de uma série de processos relacionados a manutenção do epitélio. Então, a transglutaminase faz a deaminação da gliadina que gera a gliadina deaminada, que é o que tem uma grande imunogenicidade para aqueles indivíduos que tem HLA-DQ2 ou DQ8, onde a gliadina deaminada induz a cascata inflamatória com células apresentadoras de antígeno mediada por LT helper 1 que levam a produção de metaloproteinases e algumas enzimas que levam a destruição e a inflamação provocando a atrofia vilositária e a hiperplasia de criptas. Há também a indução de resposta por LT helper 2 que é o que leva a produção de anticorpos contra as substâncias que participam da cascata, ou seja, contra a própria substância tóxica que é a gliadina, particularmente a anti-gliadina deaminada, embora se produza anticorpos contra a própria gliadina nativa, antes de iniciar a desaminação, temos também 2 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Doença celíaca o anticorpo contra a transglutaminase que faz a desaminação da gliadina e temos anticorpos contra o endomísio que é mais voltada para a transglutaminase do tipo 2 que está no endomísio no tecido conjuntivo. Toda essa resposta, gera os anticorpos que utiliza-se para medir na doença celíaca, então temos a anti- transglutaminase tecidual (Anti-tTG), anti-gliadina (particularmente a anti-gliadina deaminada pois apresenta dosagem e especificidade maior) e o anti- endomísio (anticorpo que é voltado contra transglutaminase 2 do endomísio no tecido conjuntivo). Fatores genéticos Nos indivíduos predispostos geneticamente, pela questão do HLA-DQ2 ou HLA-DQ8 que participam da cascata mediada por células apresentadoras de antígeno. Então, esses marcadores estão presentem em 95 a 98% dos pacientes celíacos, porém 30 a 40% dos pacientes não celíacos também apresentam esses marcadores positivos. Em particular, o HLA-DQ2 apresenta maior prevalência (≈ 95%) nos pacientes celíacos em comparação ao marcador HLA-DQ8 (≈ 5%). Existe a possibilidade de dosar o HLA-DQ2 e HLA- DQ8, porém é um exame caro, que não é coberto pelo SUS, e é um exame que, como dito anteriormente, 40% das pessoas não celíacas podem apresentar-se positivos. Então, não devemos utilizá-lo para diagnosticar doença celíaca. A importância desse exame é para se afastar a doença celíaca – mesmo tendo um valor preditivo negativo superior a 99%, também tendo celíacos com HLA-DQ2 ou DQ8 negativos; serve para dúvidas diagnósticas, ou seja, pacientes que, por exemplo, apresentem histologia positiva, com uma enteropatia na EDA e apresenta um marcador sorológico negativo; então, temos uma discrepância entre a sorologia e enteropatia, dessa maneira pode-se pedir HLA-DQ2 ou DQ8 para afastar a doença celíaca. DIAGRAMA DE VENN No diagrama de Venn, evidencia-se que de 30 a 40 % da população geral podem ser portadores de HLA- DQ2 ou DQ8 e apenas 1% da população apresenta doença celíaca. Então, esses marcadores são presentes no paciente celíaco, mas também podem ser presentes nos não celíacos. Papel dos autoanticorpos • São encontrados na mucosa intestinal e no soro de pacientes celíacos em uso de glúten; A tranglutaminase de outros tecidos também pode ser acessível aos autoanticorpos do intestino; • Autoanticorpos podem afetar as funções celulares da enzima transglutaminase, que atua na adesão e sobrevivência celular, estabilização da matriz e ativação do fator de transformação de crescimento β1. Os autoanticorpos estarão presentes, na maioria das vezes, nos pacientes celíacos, porém, pode-se encontrar falsos positivos e falsos negativos para esses marcadores, mas esses autoanticorpos são dosados no sangue ou no tecido para reforçar a possibilidade diagnóstica, mas isoladamente não confirmam a doença celíaca. Então, é necessário realizar a histologia (EDA) para confirmar o diagnóstico de doença celíaca. Qualquer lesão que haja no intestino, não só a celíaca, pode gerar um aumento de anticorpos contra a tranglutaminase, causando resultados falso positivos (infecções, traumas). Então, o ideal é que se faça biópsia sempre. E, como a transglutaminase está presente em outros tecidos, essa resposta inflamatória também pode acontecer em outros tecidos, levando as manifestações extra intestinais do paciente com doença celíaca. Apresentação clínica Esses pacientes que são predispostos geneticamente vão induzir uma resposta inflamatória e vão apresentar autoanticorpos e manifestações clínicas. A apresentação clínica do celíaca se dá por um amplo espectro de apresentação. Se inicia preferencialmente na infância e acomete todas as idades. As formas típicas da doença, ou seja, as que apresentam manifestações gastrointestinais, geralmente se manifestam na infância, porém, as 3 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Doença celíaca formas atípicas, com manifestações extra-intestinais, muitas vezessão subdiagnosticadas e geralmente só se apresentam na idade adulta. APRESENTAÇÕES DA FORMA CLÁSSICA • Má absorção intestinal sintomática: diarreia crônica, esteatorreia, dor abdominal crônica, distensão abdominal, hipoalbuminemia, hipotrofia muscular (principalmente de glúteo), perda de peso e flatulência. • Vômitos, constipação não responsiva; • Manifesta-se como uma SII padrão diarreia; • Alteração sorológica; • Alteração na biópsia; • Ocorrem principalmente na faixa de 6 a 24 meses. Muitas vezes também a forma clássica pode iniciar como uma síndrome do intestino irritável, apesar de não ser, porque a doença celíaca é uma doença orgânica e não um distúrbio funcional. Então o paciente chega com a queixa de dor na barriga, diarreia, alterações na dejeção, barriga mais inchada, mas nenhum sinal de alarme para se pensar em doença celíaca. Às vezes ele pode ficar com o diagnóstico de SII e só depois revelar a doença celíaca. O paciente com a forma clássica tem as manifestações clínicas intestinais, alterações sorológicas e na biópsia. Geralmente abre o quadro depois de exposição ao glúten mesmo, na faixa dos 6 aos 24 meses. Então um bebê de 3 meses de idade com o aleitamento materno NÃO tem como ter a doença celíaca, já que ele nunca foi exposto ao glúten. Para ter doença celíaca, TEM que estar exposto ao glúten. Então tem a alteração sorológica, qualquer alteração de endoscopia e tem que estar comendo glúten, porque senão eu não tenho NADA. Essa forma da imagem, apesar de ser clássica, hoje vemos cada vez menos, porque nenhuma criança está sendo diagnosticada com a doença celíaca com essa forma clássica. A doença celíaca está se apresentando cada vez menos dessa maneira, e sim cada vez mais precoce. A grande questão é: quais as formas mais comuns de aparecer? Quais são as mais subnotificadas? São as formas atípicas ou não clássicas. FORMA ATÍPICA OU NÃO CLÁSSICA • Presença de sintomas atípicos extraintestinais: anemia ferropriva sem resposta, anemia por deficiência de B12 e folato, osteopenia, dermatite herpetiforme, parada de crescimento, atraso puberal; • Hipoplasia de esmalte dentário, infertilidade (mulher que não consegue engravidar), irregularidade menstrual (adolescente), abortos de repetição, estomatite, elevação de transaminases e enzimas pancreáticas, artrite/artralgia; • Neuropatia, cefaleia, enxaqueca, epilepsia, manifestações psiquiátricas sem nenhuma outra causa; São pacientes nos quais você nem tá pensando em doença celíaca, mas que deve ser sempre lembrada como diagnóstico diferencial. • Ausência de sintomas ou poucos sintomas TGI; • Apresentação mais comum; • Alteração sorológica; • Alteração na biópsia. Uma característica bem associada à doença celíaca é a dermatite herpetiforme, bem sugestivo de doença celíaca. São essas lesões bolhosas, pruriginosas que acabam ficando mais escoriadas e pegam principalmente superfícies de joelhos, cotovelo, dorso, nádegas, perto de couro cabeludo. É altamente sugestivo de doença celíaca. Tem que ser investigado. Às vezes a sorologia dela é negativa, acaba tendo que biopsiar as lesões e assim achar os complexos de IgA. Esses pacientes também têm alterações sorológicas e de biópsia, só que a forma de manifestação é atípica, não tem manifestação intestinal ou pode ter algum sintoma gastrointestinal bem leve. O que predominam são as manifestações extra intestinais. Além dessas formas clássicas e não clássicas da doença celíaca, pode ter também algumas situações diferentes. FORMA ASSINTOMÁTICA OU SILENCIOSA • Diagnóstico ocasional → Indivíduos assintomáticos; • Alteração sorológica; • Alteração na biópsia. 4 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Doença celíaca Um menino, por exemplo, que engoliu uma bateria, faz a endoscopia para retirada e, ao olhar o duodeno, vê um aspecto de atrofia e faz a biópsia. Ocasionalmente se acha uma atrofia vilositária, alterações endoscópicas; fez sorologia e deu positiva, só que é uma criança totalmente assintomática. Esse paciente é celíaco com a forma assintomática ou silenciosa. Ele tem que fazer dieta isenta. Então o paciente não tem sintomas, mas tem alterações sorológicas e de biópsia. FORMA POTENCIAL • Acompanhamento regular; • Pacientes assintomáticos; • Alteração sorológica e positividade genética; • Biópsia normal ou discretamente alterada (MARSH 0/1) que não se considera doença celíaca. Podem ou não ter enteropatia ou outros sintomas. Ele tem que ter acompanhamento anual ou bianual, de perto; repetir sorologia e biópsia se necessário. Ele tem a forma potencial, então ele pode vir a desenvolver uma enteropatia ou sintomas de doença celíaca. FORMA REFRATÁRIA • DC sem resposta à dieta isenta de glúten. Em adultos tem a forma refratária da doença celíaca. Isso não é comum em crianças. Eles não respondem à dieta isenta de glúten, então sempre vão ter os processos inflamatórios e são predispostos a lesões neoplásicas. Até é considerado uma condição pré- neoplásica. Ela não é descrita em crianças. O ICEBERG CELÍACO A maioria dos casos de doença celíaca permanecem indetectáveis se não são feitos rastreamentos na população. Além dessas formas de apresentação clínica, uma figura clássica da doença celíaca é o iceberg celíaco. O que ele representa? A ponta que nós vemos é a minoria dos pacientes celíacos. Os que se encontram no fundo correspondem aos pacientes assintomáticos e formas atípicas, que muitas vezes não são diagnosticados. O que vemos (ponta) é muito pouco comparado aos que não têm o diagnóstico ainda. Não é feito rastreamento populacional de rotina, só os grupos de risco, sintomáticos, mas não todo mundo. Provavelmente devem ter pacientes que são celíacos e nem sabem. Diagnóstico • Combinação de achados clínicos, sorológicos e histológicos. Então para eu diagnosticar, não adianta ter só a clínica ou só os achados sorológicos ou histológicos; precisa ter a combinação de todos. Se tem sorologia e histologia compatível, com sintomas típico ou atípico, é doença celíaca. Se tem sorologia positiva sem sintoma, tem a doença celíaca assintomática. Se tem só a sorologia positiva e sem enteropatia, tem a doença celíaca potencial. A nível de saúde pública, não é feito rastreio para todos. O rastreio populacional é feito da seguinte forma: rastreio com o marcador sorológico (mais barato e boa acurácia) – autoanticorpos. Uma coisa importante para ser ressaltada é que para fazermos essa triagem o paciente precisa estar comendo glúten. Se não tiver, dará um falso negativo. ANTICORPOS A SEREM DOSADOS • Antiendomísio (EMA) e anti-transglutaminase tecidual (TG); • Anti-gliadina que é o agente agressor. Pode ser o antigliadina nativa (AGA) e o anticorpo contra os peptídeos deaminados da gliadina (DGP) que é o que realmente fazemos. Todos esses anticorpos são baseados na imunoglobulina A (IgA) ou imunoglobulina G (IgG). Podemos dosar os dois, mas o que tem a melhor acurácia é o IgA, exceto para anti-gliadina deaminase que IgG é o melhor. QUEM INVESTIGAR • Pesquisar pessoas em situação de risco: por exemplo, parente de primeiro grau de celíaco, pacientes com doenças autoimunes, DM, síndrome de Down, pacientes com alteração na endoscopia. • Identificar pacientes para indicar biópsia; • Confirmar doença celíaca na presença de enteropatia característica demonstrada; • Verificar a adesão ao tratamento. QUANDO PESQUISAR? • Pacientes com sintomas clássicos de doença celíaca, são eles: retardo pondoestatural, perda de peso, baixa estatura, vômitos, diarreia, dor 5 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Doença celíaca abdominal recorrente, atrofia muscular, hipoproteinemia, irritabilidade e desconforto. • Em crianças que apresentem: sintomas gastrointestinaispersistentes (dor abdominal, constipação, vômitos, anorexia), dermatite herpetiforme, hipoplasia do esmalte dentário, osteoporose, baixa estatura, puberdade tardia, anemia ferropriva refratária. • Crianças assintomáticas com condições associadas à prevalência aumentada de doença celíaca. CONDIÇÕES MAIS PREDISPONENTES • Endócrinas: diabetes tipo I, Tireoidopatias autoimunes, hipoparatireoidismo, doença de Addison, Distúrbios reprodutivos, alopécia areata; • Neurológicas: ataxia cerebelar, neuroencefalopatia, enxaqueca crônica, epilepsia, cefaleia, neuropatia periférica; • Cardíacas: miocardiopatia dilatada idiopática, miocardite auto-imune. • Genéticas: parentes de primeiro grau (5-22%), deficiência de IgA, síndrome de turner, Síndrome de Down; • Hepáticas: cirrose biliar primária, hepatite auto- imune, colangite auto-imune, elevação de aminotransferase; • Outras: síndrome de Sjorgen, artrite crônica juvenil, síndrome da fadiga crônica, colite infecciosa, menarca tardia, abortamento recorrente, infertilidade sem causa aparente, osteoporose. Qual escolher? IgA tTG *t (anti-transglutaminase tecidual) é a que escolhemos pela sensibilidade e especificidade, custo e tecnologia. O antiendomísio também tem uma excelente sensibilidade e uma melhor especificidade que a anti-transglutaminase, só que o problema do antiendomísio é o custo e o fato de ser observador dependente. A anti-gliadina deaminase é inferior em termo de sensibilidade e especificidade comparado com o antiendomísio e anti transglutaminase, embora seja um bom exame para pacientes menores que 2 anos. Triagem inicial: combinação de vários testes em vez de IgA TTG sozinho → pode aumentar a sensibilidade, mas reduz especificidade; não recomendado em baixo risco populacional, então, nesse caso, o ideal é que se faça só um exame. Entretanto, se você estiver com uma suspeita muito forte e faz um exame que veio negativo e você mantém a sua suspeita, aí você faz outro exame e outro exame e mesmo que ele venha negativo mas você está batendo firme que isso é uma doença celíaca tem que biopsiar. Exemplo: o pai da criança é celíaco, a criança chega com a bunda murcha, desnutrido e todos os exames dele vieram negativo, mas ele tem uma clínica e uma suspeita muito forte para doença celíaca → BIOPSIA ESSA CRIANÇA mesmo com sorologia negativa. Triagem • Ac. Antitransglutaminase IgA + IgA sérica total: acurácia > que outras combinações de teste. Ac. Antiendomísio IgA: método observador dependente • <2 anos: Ac anti-gliadina deaminada IgG/IgA (não usar em >2 anos como exame inicial) e Ac. Antitransglutaminase IgA. NOS PACIENTES COM DEFICIÊNCIA DE IGA • Ac. Anti-gliadina deaminada IgG e Ac. Antitransglutaminase IgG/antiendomísio IgG. Para decidir a sequência de anticorpos a ser dosada, depende da suspeita clínica. Sempre para começar antitransglutaminase tecidual IgA e lembrar de dosar junto o IgA sérico total, porque já foi dito que uma condição associada a doença celíaca é a deficiência de IgA, logo, se tiver deficiência de IgA, a dosagem do antitransglutaminase tecidual IgA vai vir negativo, logo, tem que pedir os dois, para ver se não é um falso negativo, porque tem uma deficiência de IgA. Se esse paciente tiver deficiência de IgA, já que o Antitransglutaminase veio negativo, aí dosa o IgG (antitransglutaminase, anti-gliadina deaminada, antiendomísio). 6 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Doença celíaca Em menores de 2 anos, tem chance de fazer falso negativo para o antitransglutaminase tecidual IgA, logo, tem que fazer IgA antitransglutaminase tecidual, o IgA total e pedir a gliadina deaminada IgG. IGA ANTI-TRANSGLUTAMINASE Falso negativo: dieta pobre em glúten, enteropatia perdedora de proteína, medicação imunossupressora e < de 2 anos de idade (tendem a ter menos anticorpo antitransglutaminase). Falso positivo: doenças autoimunes, infecções, tumores, lesão miocárdica, desordens hepáticas e psoríase. Na suspeita clínica, mesmo que venha negativo, biopsia ou pede outros marcadores sorológicos. E SE A SOROLOGIA FOR NEGATIVA? 5 – 16% - biópsia característica de DC e Ac Antitransglutaminase IgA negativo; Ac. Antiendomísio IgA negativo já foi descrito em DC confirmada por biópsia. Então... Ac. Antigliadina deaminada deve ser pesquisado (positivo em 26,3% a 50% dos pacientes com outros testes negativos) Se suspeita de DC é alta, a biópsia intestinal deve ser realizada mesmo se sorologias forem negativas. Caso o Antitransglutaminase venha negativo e a suspeita clínica é forte, pode pedir os outros marcadores: antiendomísio e antigliadina deaminada e mesmo se todos forem negativos, mas a suspeita clínica muito elevada, a EDA deve ser feita, mesmo com as sorologias negativas. Pode ser feito o diagnóstico de doença celíaca em pacientes que tem marcadores negativos. PESQUISA DE HLA Pesquisa de HLA-DQ2/DQ8: não usar rotineiramente no diagnóstico inicial de DC, pois está presente em 98% dos celíacos e 40% nos indivíduos não celíacos. Não aumenta a certeza diagnóstica se outros critérios não forem preenchidos. Não solicitar quando: TGA IgA+, se biópsia ou se TGA IgA>10x E e EMA+ O HLA não precisa ser pedido; só pede se tiver uma discrepância muito grande entre a histologia e a sorologia; aqueles pacientes com todas sorologias negativas, a biópsia deu atrofia vilositária, que é sugestiva, mas não é patognomônica de celíaco, tem outras condições que também podem provocar, pode pedir o HLA-DQ2/DQ8. Se vier positivo, não confirma diagnóstico, porque pode ser não celíaco e ter a positividade; se for negativo, afasta o diagnóstico de doença celíaca; rever o diagnóstico diferencial. Algoritmo diagnóstico Inicial: anti-tTG IgA + dosagem de IgA total (se tiver deficiência de IgA ou menor de 2 anos, pedir antigliadina deaminada IgG). EDA (?): confirmatório (para conduta sem biópsia); DGP-IgG: lactentes e pacientes com deficiência Iga. Genotipagem HLA: nos casos difíceis e grupos de risco (excluir predisposição) Biópsia intestinal (gold standart?) Então, não precisa pedir HLA DQ2/DQ8, se já tem sorologia e biópsia compatível, uma vez que não reforça diagnóstico, não servindo para nada. A sociedade europeia também traz que pode diagnosticar doença celíaca sem necessidade de biópsia se tiver anti-tTG IgA maior do que 10x o valor de referência e associado a isso, dosar o antiendomísio em outra amostra de sangue. Logo, se tiver o anti-tTG IgA > 10 o valor normal e o anti- endomísio positivo em outra amostra, pode abrir mão de fazer biópsia; não é feito de rotina aqui no Brasil, no entanto, é respaldado em literatura que pode ser feito. Padrão ouro: sorologia com biópsia compatível. Confirmação diagnóstica Endoscopia digestiva alta com múltiplas biópsias do duodeno: • No mínimo 1 biópsia do bulbo, pelo menos 4 biópsias do duodeno distal (da 2ª e 3ª porção); • Após dieta de exclusão do glúten não está indicada reavaliação endoscópica; • Ausência de resposta com adesão terapêutica adequada – repetir biópsias. Fez sorologia positiva, agora faz a endoscopia para confirmar. As lesões em DC não são contíguas, por isso que tem que fazer múltiplas biópsias, e algumas pessoas só possuem acometimento do bulbo duodenal. Não adianta pedir EDA se o paciente não estiver comendo glúten, porque pode vir sem alterações. 7 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Doença celíaca Quando diagnostica DC por sorologia e por EDA, não precisa fazer EDA outra vez depois que tirou o glúten para ver se melhorou. Só repete EDA se tiver dúvida no diagnóstico, o paciente está mantendo sintoma mesmo fazendo dieta de exclusão ou foi percebido que as biópsias não foram adequadas. Classificação histológica Lesão clássica: mucosa aplanada, criptas alongadascom aumento de mitoses, aumento de linfócitos intraepiteliais e infiltrado de linfócito (> 25) se plasmócitos na lâmina própria. Tem lesões muito características, porém não patognomônicas da DC; utiliza classificação de Marsh, Será vista atrofia vilositária, hiperplasia das criptas, infiltrado linfoplasmocitário. Será classificado de acordo com o grau de atrofia vilositária e de hiperplasia de cripta. As classificações de Mash 0 ou 1 não são de doença celíaca, pois a 0 é a mucosa normal e a 1 tem-se um infiltrado linfocitário menor; a partir da 2 já se tem hiperplasia de cripta, enquanto que em 3 e 4 já existe atrofia vilositária; Então, a partir do 2 já classifica como doença de celíaca. 1. Vilosidades íntegras (em dedinho de luva); quando é feita a endoscopia em um duodeno normal. 2. Atrofia vilositária com aspecto cerebriforme - o duodeno fica com um aspecto parecido com um cérebro, como se fosse uma terra seca no deserto rachado: doença celíaca. 1. Normal: vilosidades; impressões digitiformes, rugosidades. 2. DC: atrofia vilositária/numerosas aberturas na superfície das criptas subjacentes; local seco, sem nada, com presença de rachaduras devido as aberturas das criptas (hiperplasia). 1. Normal: vilosidades digitiformes, células epiteliais cilíndricas e glândulas crípticas com relação vilosidade e cripta 4/5:1. 2. DC: Atrofia vilositária, hiperplasia das glândulas crípticas, transformação cuboidal do epitélio e aumento dos linfócitos intra-epiteliais (>25); relação entre vilosidade e cripta diminui para < 2:1. Outras causas de atrofia vilositária • Espru tropical; • Enteropatia em AIDS; • Estados de imunodeficiência combinada; • Dano produzido por radiação; • Quimioterapia recente; • Doença enxerto contra hospedeiro; • Isquemia crônica; • Giardíase: é o que mais pode provocar. Deve sempre estar no diagnóstico diferencial. • Doença de Crohn: o mesmo que a giardia. • Gastroenterite eosinofílica; • Síndrome de Zollinger-Ellison; • Enteropatia autoimune; • Linfoma de células T associado a enteropatia; • Espru refratário; • Espru do colágeno. E SE A BIÓPSIA FOR NEGATIVA? Doença celíaca potencial: ❖ Sorologia positiva e mucosa intestinal normal, em uso de glúten = subsequentemente desenvolverão DC. ❖ Anormalidades imunológicas semelhantes às encontradas nos celíacos manifestos, mas sem critérios para o diagnóstico da doença. O QUE FAZER ENTÃO? • Pesquisa de HLA DQ2 e DQ8; • Repetir sorologia a cada 1 – 2 anos; 8 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Doença celíaca Ele pode ou não desenvolver enteropatia, pode ou não desenvolver os sintomas, devendo-se acompanhar esse paciente regularmente, a cada um ou dois anos. Nesse paciente, o glúten não é retirado, pois só retira em caso de pacientes sintomáticos típico e atípico e nos assintomáticos. Pacientes com sorologia positiva para doença celíaca e ausência de atrofia vilositária podem evoluir para lesão intestinal característica da doença. Diagnóstico • ESPGHAN: pode-se prescindir (abrir mão) da biópsia nas crianças com: ❖ Níveis de Ac.TTG IgA >10X maiores VN (não válido para IgG) + AC antiendomísio IgA positivo em outra amostra de sangue. ➢ Isso ocorre porque quanto maior o valor do anticorpo TTG maior a sua correlação histológica com Marsh 2 ou 3. ➢ Esse valor acima de 10x está associado a lesão 2 ou 3 de Marsh na EDA (superior a isso). • Pesquisa de HLA DQ2/HLA-DQ8 positivos e/ou sintomas característicos de DC não são obrigatórios. ❖ Esses dados acima não são necessários para a confirmação diagnóstica; ❖ Só o anti-endomísio e anti-transglutaminase positivos pode-se abrir mão de fazer a biópsia, sem necessidade de sintomas característicos de DC para fechar o diagnóstico. • Pais e pacientes compreendem diagnóstico e conduta dietética: ❖ Sempre que for feito o diagnóstico, deve-se discutir com os pais e explicar que está abrindo a mão de realizar a biópsia, mas o diagnóstico do paciente é para a vida toda, sendo necessária uma dieta sem glúten durante a vida inteira. Se não quiser/não for possível realizar a biópsia, como no caso de uma plaquetopenia importante, paciente tem contraindicação para fazer sedação, uma cardiopatia importante. Entretanto, na rotina, o DIAGNÓSTICO SEM BIÓPSIA não é muito feito por uma série de fatores, sejam eles sociais (às vezes não consegue fazer um anti-endomísio, e quando faz vem normal). Então o ideal é fazer os passos certinhos (sorologia + biópsia). RESUMO DO DIAGNÓSTICO 1. Sorologia positiva + Histologia negativa: revisar (ver se foi feita uma biópsia adequada – pelo menos 5 porções de duodeno e ver se o paciente tava comendo glúten) ou repetir a biópsia após 1-2 anos. Organizar o seguimento do paciente; classifica o paciente como celíaco potencial. 2. Sorologia positiva + histologia positiva: Doença celíaca confirmada; Se ele tiver sintomático → okay; se ele estiver assintomático → forma assintomática. Tem que retirar o glúten da dieta. 3. Sorologia negativa + Histologia positiva: Considerar outras causas de enterite; se não for encontrada nenhuma causa, tratar como Doença celíaca: Genótipo HLA; A endoscopia não é patognomônica. Individualiza se vai tirar o glúten ou não. 4. Sorologia negativa + Histologia negativa: O diagnóstico é descartado. Deve-se buscar outras suspeitas diagnósticas para o paciente. Nesses algoritmos (não dá pra enxergar nada, mas ... o TOC não me deixa tirar as imagens), observa-se um resumo do que já foi mencionado. 9 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Doença celíaca Após a realização da sorologia e da endoscopia compatível com DC, fecha-se o diagnóstico do paciente. Lembrar que... • A doença celíaca é somente uma das tantas possíveis reações ao glúten, mas tem outros transtornos do glúten, como: ❖ Alergia ao trigo: reação imunológica adversa desencadeada pelas proteínas de trigo, mediada por IgE. ❖ Sensibilidade não celíaca ao glúten - ¨não doença celíaca¨: o paciente tem sintoma do sistema gastrointestinal ou até extra-intestinal, mas sintomas bem inespecíficos, como por exemplo: distensão, flatulência, pouca alteração da consistência e frequência das fezes. Não tem método diagnóstico e não se sabe ao certo o que é esse evento dentro da cascata de imunomodulação/imunidade. Alguns estudos questionam se é uma condição pré-celíaca ou um distúrbio funcional exacerbado pelo glúten. Não se sabe ao certo a fisiopatologia. O diagnóstico é difícil e o tratamento vai ser retirar o glúten, mas ele não é obrigado a ficar sem comer glúten, porque não vai ter repercussão (tem apenas sintoma) na vida dele. É diferente do celíaco, que mesmo quando assintomático, se continuar ingerindo glúten, vai permanecer com resposta imunológica e pode desenvolver condições futuras. É parecido com intestino irritável. Quando come glúten, ele refere. Quando não come, ele melhora a sintomatologia. Além disso, ele pode referir sintomas extra-intestinais: cefaleia, dor no corpo, fadiga, sintomas bem inespecíficos. O tratamento vai ser feito durante toda a vida, pois não existe nenhum tratamento específico ainda que faça a retirada do glúten. As três condições conhecidas associadas à ingesta de glúten são: 1. doença celíaca (imunomediada com enteropatia); 2. alergia alimentar ao trigo com resposta IgE mediada e IgE não mediada, que pode vim com sintoma respiratório, sintoma cutâneo, sintoma gastrointestinal; 3. sensibilidade não celíaca ao glúten. Risco aumentado de complicações em celíacos não tratados Infertilidade não explicada; Doenças autoimunes; Osteoporose (30-40%); Fraturas ósseas (35%); Câncer (aumento total do risco 1.35): esôfago/faringe; Linfomas malignos (linfoma de Hodking); Neoplasiasdo intestino delgado (adenocarcinoma); Tumores orofaríngeos. Mesmo que um paciente celíaco esteja assintomático, ele nunca deve ingerir glúten, porque mesmo que não tenha sintoma, tá tendo inflamação contínua, o que predispõe a lesões, como por exemplo, linfoma e adenocarcinomas de intestino delgado. A dieta dele vai ser uma dieta sem glúten para a vida toda e, logo após parar de comer, é percebido melhora do peso, dos índices de IMC, das taxas de mineralização óssea. Tratamento • Dieta isenta de glúten por toda a vida; • Jamais retirar o glúten sem diagnóstico; • Retirar trigo, centeio e cevada; • Aveia não é tóxica em mais de 95% dos pacientes (contaminação): só vai poder comer aveia se não tiver contaminação; • Manejo por nutricionista experiente; • Dieta isenta de lactose não é usualmente necessária. Às vezes, no paciente com síndrome de má absorção importante, pode ter a má absorção de açúcares também. Se conseguir higienizar tudo adequadamente com água e sabão, não é obrigatório separar prato e talher. Se não houver garantia de que será tudo separado, tipo 10 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Doença celíaca assar um pão na assadeira no forno e em seguida pegar a mesma assadeira e colocar a banana da criança pra assar, pode ocorrer contaminação cruzada. Tem que garantir que tudo esteja limpo e separado. É importante recomendar separar, pois diminui muito a chance de acidentes. Tem que ter atenção com as buchas que lava os pratos para não contaminar os utensílios que serão utilizados para a criança. Hoje é obrigatória a descrição da composição (se tem glúten ou não) em todos os alimentos e medicamentos; isso é regulamentado pela ANVISA, o que já traz uma segurança maior. Sempre deve encaminhar o paciente para nutricionista, porque alimentos que possuem glúten possuem teor calórico maior e faz parte de grande parte da população, como macarrão, pão, massas, portanto com aporte energético grande. É necessário ter opções saudáveis para criança. Se não fechou ainda o diagnóstico de celíaco, é recomendado tirar a lactose para melhorar um pouco a sintomatologia da criança. Faz transitoriamente, não para a vida toda. Seguimento clínico SEGUIMENTO REGULAR • Sintomas e níveis de anti-TG; • Dieta por 12 meses: normalização do anti-TG; • Deve-se sempre acompanhar essas crianças anualmente ou semestralmente, a depender do paciente. • Os achados endoscópicos são variados, mas demora em torno de meses até um ano ou um pouco mais a depender da lesão inicial. REVISÃO ANUAL • IMC; • Anti-TG: • Hb, ferritina, folato, vitamina B12; • Avaliação nutricionista. Biópsia: repetir se não resposta clínica após investigação. Sempre lembrar de doença celíaca nos pacientes com sintomas gastrointestinais, mesmo os mais ¨bestas¨ possíveis, como por exemplo, dor na barriga, vômito, afta. Lembrar também das manifestações extra- intestinais. Se tiver rodando em outro ambulatório, como por exemplo gineco, e chega uma paciente com irregularidade menstrual ou em clínica médica e tem um paciente com anemia por vitamina B12, folato ... lembrar de doença celíaca, para não perder um diagnóstico de maneira mais precoce.
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