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CAPÍTULO 14 3 - Filosofia Período Helenismo

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CAPÍTULO 14.3: As correntes filosóficas do Helenismo
RENAN MENEGHELLI·SEXTA-FEIRA, 20 DE JULHO DE 2018·10 MINUTOS
“Os cínicos” 
A “filosofia cínica”, que foi fundada por “Antístenes” cerca do ano 400 a.C. em Atenas, parte desta atitude de Sócrates. Antístenes tinha sido discípulo de Sócrates. Os “cínicos” defendiam que a verdadeira felicidade não dependia de coisas exteriores, como o luxo material, o poder político e uma boa saúde. A verdadeira felicidade significava não se tornar dependente dessas coisas casuais e efêmeras. Precisamente por não repousar sobre essas coisas, a felicidade podia ser alcançada por todos. E uma vez alcançada não se podia voltar a perder. O cínico mais conhecido era “Diógenes”, um discípulo de Antístenes. Conta-se que morava num tonel e que só possuía um manto, um bastão e um saco para o pão. (Não era fácil roubar-lhe a sua felicidade!). Certo dia, estava a tomar um banho de sol à frente do seu tonel quando Alexandre Magno o visitou. Alexandre apresentou-se ao sábio e disse-lhe que lhe daria o que ele desejasse. Diógenes pediu a Alexandre que não lhe tapasse o sol. Foi assim que Diógenes demonstrou que era mais rico e mais feliz do que o grande homem. Tinha tudo o que desejava. Segundo os cínicos, o homem não se deve preocupar com a sua saúde, com a dor e com a morte. Também não se devia atormentar com a dor dos outros. Hoje, os termos "cínico" e "cinismo" exprimem quase sempre a impassibilidade perante o sofrimento dos outros. 
“Os estóicos”
Os cínicos foram muito importantes para o desenvolvimento da “filosofia estóica” que surgiu em Atenas cerca do ano 300 a.C.. O seu fundador, “Zenão”, era oriundo de Chipre, mas juntou-se aos cínicos de Atenas após um naufrágio. Reunia os seus ouvintes num pórtico. O nome estóico vem do termo grego que designa "pórtico" (“stoa”). O estoicismo iria adquirir posteriormente uma grande importância para a cultura romana. Tal como Heráclito, os estóicos achavam que todos os homens participavam da mesma razão universal - ou do mesmo “logos”. Para eles, cada homem era um mundo em miniatura, um "microcosmos" que refletia o "macrocosmos". Esta teoria levou à convicção de um direito universalmente válido, o direito natural. O direito natural baseia-se na razão intemporal do homem e do universo, por isso não se altera no tempo e no espaço. Neste aspecto, os estóicos tomavam o partido de Sócrates contra os sofistas. O direito natural é válido para todos os homens, inclusivamente para os escravos. As leis dos diversos Estados eram para os estóicos cópias imperfeitas de um direito que se baseava na própria natureza. Assim como os estóicos aboliam a diferença entre o indivíduo e o universo, também contestavam uma oposição entre "espírito" e "matéria". Segundo eles, há apenas uma natureza. Esta concepção é denominada “monismo” (ao contrário, por exemplo, do claro dualismo de Platão, a bipolarização da realidade). Como verdadeiros filhos do seu tempo, os estóicos eram cosmopolitas. Estavam, portanto, mais abertos à cultura contemporânea do que os "filósofos do tonel" (os cínicos). Segundo eles, a comunidade dos homens devia interessar-se por política, e muitos estóicos foram estadistas ativos, como, por exemplo, o imperador romano “Marco Aurélio” (121180 d.C.). Contribuíram para que a cultura e a filosofia gregas fossem difundidas em Roma principalmente graças ao orador, filósofo e político “Cícero” (106-43 a.C.), que criou o conceito de “humanismo”, ou seja, uma concepção do mundo que tem o indivíduo como centro. O estóico “Sêneca” (4 a.C.-65 d.C.) disse alguns anos mais tarde que o homem era sagrado para o homem, afirmação que se tornaria o mote de todo o humanismo. Além disso, os estóicos sublinharam que todos os processos naturais - por exemplo, a vida e a morte - seguiam as leis constantes da natureza. Por isso, o homem tem de se reconciliar com o seu destino. Segundo eles, nada acontece por acaso. Tudo acontece por necessidade, e de pouco serve lamentarmo-nos quando o destino nos bate à porta. Mesmo as situações felizes da vida devem ser aceites com uma grande serenidade. Esta posição é semelhante à dos cínicos, para quem todas as coisas exteriores do mundo eram indiferentes. Ainda hoje falamos de uma "serenidade estóica", quando alguém não se deixa arrebatar pelos seus sentimentos. 
“Os epicuristas” 
Como vimos, Sócrates queria descobrir como é que o homem pode viver uma vida feliz. Cínicos e estóicos afirmavam que o homem se devia libertar do luxo material. Mas Sócrates teve também um discípulo que se chamava “Aristipo”. Para Aristipo, a finalidade da vida era obter o máximo prazer sensível. O supremo bem era o prazer, e o grande mal era a dor. Por isso, queria desenvolver uma arte de viver que evitasse todas as formas de dor. (O objetivo que norteava os cínicos e os estóicos era suportar todas as formas de dor, algo bem diferente de procurar evitá-la intencionalmente). Cerca do ano 300 a.C., “Epicuro” (341-270 a. C.) fundou em Atenas uma escola de filosofia. Desenvolveu a ética do prazer de Aristipo e combinou-a com a teoria atomista de “Demócrito”. Segundo se diz, os epicuristas reuniam-se num jardim. Por isso, foram também designados "filósofos do jardim". Por cima do portão do jardim diz-se que estaria escrito: "Estranho, aqui serás feliz. Aqui, o prazer é o bem supremo". Epicuro esclareceu que o resultado agradável de uma ação tem de ser sempre confrontado com os seus eventuais efeitos secundários. Epicuro pretendia confrontar um resultado agradável, em curto prazo, com um prazer maior, mais duradouro ou intenso em longo prazo. Mas Epicuro também sublinhava que "prazer" não era necessariamente o mesmo que prazer físico - por exemplo, chocolate. Também a amizade e a contemplação de uma obra de arte podem ser agradáveis. Uma condição para a fruição da vida são também antigos ideais gregos como o autodomínio, a temperança e a serenidade, porque a concupiscência tem de ser refreada. Deste modo, a serenidade também nos ajudará a suportar a dor. Os freqüentadores do jardim de Epicuro eram principalmente homens atormentados com angústias de natureza religiosa. Neste sentido, a teoria atomista de Demócrito era um remédio útil contra a religião e a superstição. Para termos uma vida feliz, é bastante importante superarmos o medo da morte. Nesta questão, Epicuro recorre à teoria de Demócrito sobre os "átomos da alma". Talvez te lembres que Demócrito não acreditava na vida além da morte porque os "átomos da alma" se dispersavam em todas as direções. "Porque é que haveríamos de ter medo da morte?", perguntava Epicuro. Porque enquanto existimos, a morte não está aqui, e logo que ela vem, nós não existimos." (Com efeito, nunca um homem se afligiu por estar morto). O próprio Epicuro resumia a sua filosofia libertadora através daquilo “a que chamou o remédio quádruplo: Não precisamos temer os deuses. Não precisamos de nos preocupar com a morte. É fácil atingir o bem. O mal se suporta facilmente”. Na Grécia, não era uma novidade comparar a tarefa do filósofo à do médico. Segundo Epicuro, o homem deve munir-se de uma "farmácia portátil filosófica" que, como dissemos, contém quatro medicamentos importantes. Ao contrário dos estóicos, os epicuristas interessavam-se pouco por política e pela sociedade. "Vive escondido!" era o conselho de Epicuro. Podemos talvez comparar o seu jardim com o modo de viver de algumas comunidades de hoje. Também no nosso tempo muitos procuram um lugar onde se possam refugiar para fugir à sociedade. Após a morte de Epicuro, muitos epicuristas orientaram-se apenas no sentido de uma busca constante de prazeres. O seu mote passou a ser: "vive o momento!". O termo "epicurista" é hoje aplicado pejorativamente a uma pessoa que vive apenas para o prazer. 
“O neoplatonismo” 
Vimos que cínicos, estóicos e epicuristas se baseavam na doutrina de Sócrates. Além disso, recorriam aos pré-socráticos Demócrito e Heráclito. Por seu lado, a mais notável corrente filosófica da Antiguidade tardia inspirava-se principalmente na teoria dasidéias de Platão, sendo por isso, designada por "neoplatonismo". O neoplatônico mais importante foi “Plotino” (por volta de 205-270 d.C.), que estudou filosofia em Alexandria, e se transferiu posteriormente para Roma. Devemos notar que ele vinha de Alexandria, cidade que era já há muitos séculos o grande ponto de encontro da filosofia grega e da mística oriental. Plotino levou consigo para Roma uma doutrina de salvação que se tornaria uma séria concorrente do cristianismo que começava a afirmar-se. Mas o neoplatonismo também haveria de exercer uma forte influência na teologia cristã. Lembras-te da teoria das idéias de Platão???
Sabes que ele distinguia o mundo inteligível do mundo sensível. Desse modo, também distinguia claramente a alma do homem do seu corpo. Assim, o homem tornou-se um ser duplo: segundo Platão o nosso corpo é constituído por terra e pó, tal como todas as outras coisas que pertencem ao mundo sensível, mas possuímos também uma alma imortal. Esta concepção já estava difundida na Grécia muito antes de Platão. Plotino estava também familiarizado com concepções asiáticas semelhantes. Plotino via o mundo separado em dois pólos. Num extremo está a luz divina, que ele designava por “Uno”. Por vezes, chamava-lhe também “Deus”. No outro extremo reina a escuridão total que a luz do Uno não alcança. Mas para Plotino, essa escuridão não existe de fato. É apenas uma ausência de luz - sim, não é. A única coisa que existe é Deus ou o Uno, mas tal como uma fonte luminosa se perde progressivamente na escuridão, também há um limite para o alcance dos raios divinos. Para Plotino, a luz do Uno ilumina a alma, ao passo que a matéria é a escuridão que na realidade não existe. Mas as formas da natureza também possuem um fraco reflexo do Uno. Imagina uma enorme fogueira que arde de noite, Sofia. Do fogo jorram centelhas em todas as direções. Em redor da fogueira a noite fica iluminada, e a alguns quilômetros de distância ainda se pode ver um débil clarão. Se nos afastarmos ainda mais, vemos um minúsculo ponto luminoso, como uma lanterna à noite. E se nos afastarmos ainda mais da fogueira, deixamos de ver a luz. Os raios luminosos perdem-se algures na noite, e quando está totalmente escuro, não vemos nada. Nessa altura, não há sombras nem contornos. Imagina agora a realidade como se fosse esse fogo. O que arde é Deus - e a escuridão exterior é a matéria gelada de que homens e animais são feitos. Junto de Deus estão as idéias eternas que são os arquétipos de todas as criaturas. A alma humana é principalmente uma "centelha do fogo". Mas em toda a natureza brilha um pouco dessa luz divina. Podemos vê-la em todos os seres vivos, inclusivamente uma rosa ou um jacinto têm esse reflexo divino. A terra, a água e as pedras são os seres mais afastados de Deus. 
Em tudo o que vemos há algo do mistério divino. Vemos que ele cintila num girassol ou numa papoula. Temos uma idéia mais clara desse mistério impenetrável numa borboleta que levanta vôo de um ramo - ou num peixe dourado que nada no seu aquário. Mas estamos mais próximos de Deus na nossa própria alma. Só aí podemos unir-nos ao grande mistério da vida. Em momentos raros podemos sentir que nós mesmos somos esse mistério divino. As imagens que Plotino usa fazem-nos recordar a parábola da caverna de Platão. Quanto mais nos aproximamos da entrada da caverna mais nos aproximamos da origem de tudo o que existe. Mas, ao contrário da clara bipartição da realidade em Platão, o pensamento de Plotino denota uma experiência do todo. Tudo é Uno - porque tudo é Deus. Mesmo as sombras na caverna de Platão são um fraco reflexo do Uno. Plotino experimentou algumas vezes no decurso da sua vida a fusão da sua alma com Deus. Damos a isso o nome de “experiência mística”. Plotino não era o único a ter essas experiências, que foram relatadas por homens de todos os tempos e culturas. Podem descrever a sua experiência de um modo completamente diferente, mas as suas descrições apresentam muitas semelhanças importantes. Vamos analisar algumas dessas semelhanças.

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