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Resumo aula + Tratado de Pediatria Flavia de Souza Febre Reumática · Definição: A febre reumática (FR) é uma doença inflamatória que ocorre como manifestação tardia de uma faringotonsilite causada pelo estreptococo beta-hemolitico do grupo A (Streptococcus Pyogenes), em indivíduos geneticamente predispostos. As manifestações da doença são variadas e acometem principalmente as articulações, o coração e os SNC. Onde a agressão cardíaca pode causar lesões irreversíveis, sendo a cardiopatia reumática crônica a principal causa de cardiopatia em menores de 25 anos. O período assintomático de 2 a 3 semanas, observado entre a faringite e o inicio dos sintomas da FR, sugere a participação de um processo de autoimunidade, baseado no mimetismo molecular, o qual estará induzindo uma resposta imune humoral e celular. · Epidemiologia e incidência: · 10 – 20 milhões de casos – países em desenvolvimento. · Incidência estimada 100 – 206 casos por 100.000 crianças por ano. · Rara antes dos 5 anos e após os 25 anos. · Máxima incidência entre 5 – 15 anos. · Discreto predomínio no sexo feminino · No BR é a doença reumática mais comum · Impacto social: · Causa mais frequente de cardiopatia adquirida em crianças · Principal causa de óbito (antes dos 40 anos) por doença cardiovascular, nos países em desenvolvimento. · Importante ônus econômico e social · Prevalência de insuficiência cardíaca. Devido a lesão valvular que ela desencadeia na vida adulta. · Brasil 22% (1998) · Brasil 8.000 – 10.000 cirurgias cardíacas por ano · Brasil: custo anual maior que 50.000.000 USD · Quadro Clínico: As manifestações clinicas da FR surgem em média após um período de latência de 2 – 3 semanas após a infecção estreptocócica, geralmente em escolares ou adolescentes, e são bastante variadas. Critérios de Jones: · Critérios maiores: Os 5 principais critérios maiores são artrite, cardite, coreia, nódulos subcutâneos e eritema marginado. A identificação de pelo menos 1 deles é essencial para o diagnostico de FR. · Artrite: é definida pela presença de edema na articulação ou limitação do movimento, ou sua associação. Onde principalmente é manifestada por uma poliartrite (75% da FR) acometendo as grandes articulações como JOELHOS, TORNOZELOS, PUNHOS, COTOVELOS E OMBROS. Podendo se manifestar artrite de forma migratória entre as articulações. Uma característica importante é sua rápida resposta a AINH que faz cessar a dor em 24 horas. · Cardite: É o segundo critério maior e mais frequente na FR. Sendo a complicação mais grave e costuma ser diagnosticada nas 3 primeiras semanas da fase aguda. Apesar de poder apresentar-se como uma pancardite, a característica diagnostica é de endocardite onde tem a presença de sopros em 40 -50% dos pacientes. As válvulas mais acometidas na FR são a mitral e a aórtica. Durante o surto agudo, o sopro mitral é mais comum causando a regurgitação. A pericardite ocorre em 5 – 10% e nunca vem como manifestação isolada, sempre com envolvimento do miocárdio e insuficiência cardíaca causada por valvulite. · Coreia: A coreia da FR tem maior período de latência do que outros critérios maiores, variando de 1 a 6 meses. Por isso, muitas vezes é difícil de associar a evidencia da estreptococcia previa. Cerca de 40 – 80% dos casos de coreia acompanham-se de cardite e de 10 – 30% de artrite. A coreia instala-se de forma insidiosa caracterizando-se pela presença de sintomas comportamentais (hiperatividade, desatenção, labilidade emocional e ate tiques e transtornos obsessivos-compulssivos) e movimentos rápidos, incoordenados e involuntários mais presentes nas extremidades distais dos membros. Sendo autolimitada cuja evolução varia em media de algumas semanas a 6 meses, com media de 3 meses. Podendo chegar ate 6 meses sendo chamada de coreia crônica. · Nódulos subcutâneos: ocorrem em apenas 2 -5% dos casos, geralmente em paciente com cardite grave. São estruturas de consistência firme, indolores, simétrica e em diferentes tamanhos e números variados. Possui um aparecimento mais tardio aparecendo algumas semanas do inicio do surto agudo. · Eritema marginado: é bastante raro (1 – 3%) e também esta associado a cardite. Surge geralmente no inicio da doença como maculas circulares, ovaladas, róseas, que se expandem centrifugamente, deixando uma área central clara, com margem externa e contornos bem delimitados. Não é pruriginoso, tem duração transitória e aparece e desaparece em alguns dias. · Critérios menores: existem 4 critérios menores - febre, artralgia, aumento do espaço PR no eletrocardiograma e aumento dos reagentes de fase aguda (VHS e PCR). · Febre: A febre geralmente esta presente quando há artrite e acompanha-se de mal-estar, prostação e palidez. Sendo autolimitada mesmo sem tratamento em 2 – 3 semanas. Os pacientes com cardite podem ter febres baixas, já os com coreias são afebris. · Artralgia: É a presença de dor articular sem limitar os movimentos e costuma envolver as grandes articulações. Só pode ser contato como critério menor na ausência de artrite (critério maior). · Intervalo PR: Aumento do intervalo PR no ECG não é especifico de FR, mas pode estar presente com ou sem cardite. · Evidencia de estreptococcia prévia: O diagnostico de FR requer a comprovação de uma infecção estreptocócica previa, seja por historia de escarlatina ou por comprovação laboratorial (cultura de orofaringe ou ASO + e anti-DNae +). · Componentes do estreptococo do grupo A: Algumas crianças desenvolve, devido a proteínas encontradas no estreptococcus, principalmente a proteína M (principalmente a M3 e M18). Onde algumas crianças terão reação imunomediada (histocompatibilidade) principalmente no tecido cardíaco decorrente do contato com a bactéria, causando uma hipersensibilidade · Patogênese: A patogênese baseia-se na persistência de atividade inflamatória causada pela bactéria, recrutando citocina pró inflamatórias (IL-1, IL-6, TNF-alfa) na fase aguda. Com essa persistência de células T ativadas ocasiona o dano nos tecidos cardíacos, válvulas e miocárdio. Onde muitas vezes no histopatológico desse paciente conseguiremos ver Miocitos de anistschkow e os nódulos de aschoff. · Fatores predisponentes: Quando o paciente esta com uma faringoamigdalite, sempre indicamos Amoxiacilina por 7/10 dias. Sendo quase sempre caracterizadas por as placas brancas na amigdalite e caracterizando o patógeno que poderá ser o Estrepcoccus Beta-hemolitico do grupo A. Em alguns casos, podemos aumentar para 14 dias o tratamento para que elimine todo o MO nas vias aéreas superiores e não ocasione a FR. · Critérios diagnósticos: · Evidência de infecção estreptocócica anterior: · Cultura positiva ou teste de triagem rápida para estreptococo do grupo A. · Títulos elevados ou ascendentes de anticorpos anti-estreptococicos. ASLO/ASO (anti estrepto lisina O) que fica positivo por alguns meses (3 -6 meses) após a infecção por estreptococos A. · Escarlatina: pode se manifestar de duas maneiras, após um processo febril com aparecimento de varias lesões grosseiras na pele. Ou pode aparecer e desaparecer de forma rápida, e como manifestação após resolução terá uma descamação das mãos em dedo e luvas. · Artrite: Acomete principalmente joelho, tornozelo, cotovelo e punho. · 60 – 80% dos casos · É migratória, transitória (1 – 3 dias em cada articulação) · Auto limitada ( 6 – 8 semanas) · Acomete joelhos, tornozelos, cotovelos e punho. · Dor importante, calor e limitação funcional, raramente derrame. · Boa resposta aos anti-inflamatorios e resolução sem sequelas. · Sinais de cardite ativa: · Sopro, em crianças sem histórico anterior. · Cardiomegalia · ICC · Atrito pericárdico · Derrame pericárdico · Manifestações menos frequentes cardíacas: · 40-50% dos casos · Pancardite · Pericardite (5 – 10%), miocardite (10%), endocardite (mais frequente) · Sopro mitral e aórtico (Raramente isolado). OBS: Comprometimento mais raro - Pneumonite por processo inflamatório imunomediado. · Coreia de Sydenham: · Conhecida como St vitus dance · 10 – 40% dos pacientes(40% associada com a cardite). · Mais frequente em meninas · 1 a 6 meses após a infecção orofaríngea (diagnostico difícil) · Eventos da fase aguda em remissão · Raramente VHS elevada · Raramente ASO elevada · Apresentação da coreia: · Incordenação motora · Movimentos involuntários · Fraqueza muscular · Disartria · Labilidade emocional · Manifestações cutâneas: · Nódulos subcutâneos (Meynet): Indolores e móveis, de poucos mm a 1-2 cm, aparecimento e desaparecimento rápido, em superfícies extensoras das articulações, na região occipital, sobre os processos espinhosos na coluna. · Erythema maginatum ou Anular: tipicamente anular, evanescente, no tronco ou abdome. Aparece mais frequentemente na fase aguda associado a cardite. · Sinais sistêmicos: dor abdominal, taquicardia, anemia, epistaxe e dor precordial. · Diagnóstico: O diagnóstico de FR é baseado nos critérios de Jones. Sendo a presença de 2 critérios maiores ou 1 critério maior e 2 menores, apoiados na evidencia de infecção estreptocócica prévia, é suficiente para o diagnóstico do primeiro surto de FR. · Parâmetros laboratoriais: · Marcadores séricos de inflamação · VHS aumentado · PCR – proteína C reativa · Mucoproteinas ou alfa-1-glicoproteina acida · Alfa – 2 – globulina · ASO e anti-DNAase B - anticorpos anti-estreptococcus. Já a anti—estreptolisina O pode ser negativa em 20%. OBS: Valor de referencia para ASO é > 300 U, sendo positivo para infecção previa por strepcoccus. Quanto maior o valor de ASO maior será sua especificidade. · Outros anticorpos: anti-hialuronidade, anti-estreptoquinase, streptozyme. · Cultura para o estreptococo: 15 – 20% positiva na latência da infecção. · Confirmação diagnostica: ASO seriada, pelo menos duas determinações seriadas. · Dificuldades de diagnósticos: · Na fase inicial podem não preencher os critérios de Jones: · Cardite silenciosa ou de evolução insidiosa · Coreia isolada, quando já esgotados os outros possíveis diagnósticos. · Alta frequência de sopro inocente na população pediátrica: · Outras cardiopatias: congênitas, mixomatose valvular, endocardite bacteriana. · Critérios de Jones são inespecíficos: casos de Lupus com artrite e cardite, arterite de takayase. OBS: Critérios de Jones são validos apenas para o primeiro episodio. · Infecção streptocócicas: · Pelo menos 1/3 dos pacientes não reconhecem os sintomas. · As recorrências podem ser precedidas de infecções subclínicas. · A faringite estreptocócica pode ser altamente imunogênica sem causar sintomas importantes. · Faringite estreptocócia “parcialmente tratadas” pode também causa febre reumática em indivíduos susceptíveis. · Parâmetros radiológicos e eletrocardiográficos: · Alteração em 30% dos pacientes com cardite · Radiografia de tórax: cardiomegalia (miocardite ou pericardite) · ECG: prolongamento do intervalo PR ou QT. · Intervalo QT prolongado: há relação com o prognostico de cardite. · Ecocardiograma doppler: · Avaliar a função cardíaca, diagnosticar a valvulopatia e a pericardite. · Se for normal deve ser repetido a cada 2-3 semanas. · Lesões principais: espessamente de folhetos, dilatação de anel valvar, prolapso de folhetos, falha de coaptação das valvas. · Diagnósticos diferenciais: · Virais: mononucleose, rubéola, caxumba, varicela, echovirus, adenovírus, hepatite B e C, parvovirus B19. · Bacterianas: meningococo e gonococo. Precisa ter uma epidemiologia de infecção recente, comprometimento articular aguda com características variáveis, mono ou poliarticular. Sendo de curso autolimitado (dias ate 3-4 semanas) e sem sequelas ou recorrências. · Artrite reativa pós estreptocócica: · Tratamento: O tratamento da FR tem dois objetivos – erradicar o estreptococos que ainda pode estar presente e tratar as manifestações clinicas da doença. · Objetivos: · Erradicação do estreptococo: profilaxia primaria · Tratamento especifico de artrite, cardite e coreia. · Profilaxia anti-estreptococica: profilaxia secundaria · Tratamento da Cardite: Todos os casos de cardite devem ser tratados com corticoesteroides. · Prednisona: 1- 2 mg/kg/dia e já planejar a regressão em 8 semanas. · Repouso, diuréticos, vasodilatadores e digitálicos. · Monitorização por ecocardiograma (função miocárdica) · Tratamento da coreia reumática: Os benzodiazepínicos e o fenobarbital podem ser utilizados. · Haloperidol: 1 – 3 mg/dia em 1-3 doses (máximo de 5 mg) *PRIMEIRA ESCOLHA* · Acido valproico: 30 – 40 mg/kg/dia. · Pimozide: 1 – 6 mg/dia · Prednisona: 1 mg/kg/dia nas formas mais graves · Outros: plasmaferese, imunoglobulina intravenosa (anticorpos anti-neuronais) · Tratamento da artrite: O ácido acetilsalicílico (AAS) é o AINH mais utilizado, mas temos também o naproxeno. · AAS: 80 – 100 mg/kg/dia (máximo de 3g/dia) · Naproxeno: 10 – 20 mg/kg/dia · Tratamento antimicrobiano: · Erradicação do estrepcoco: todas as formas de apresentação da FR, inclusive a coreia pura, devem ser tratadas com antibióticos. A droga mais recomendada é a Penicilina G benzatina. · Profilaxia secundária: recomenda-se PB via intramuscular para prevenir recorrências com intervalo de 3 semanas entre as doses. A cada 21 dias, prescrevemos a penicilina benzatina de forma profilaxica. No mínimo ate 21 anos.
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