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MÓDULO DOR ABDOMINAL – P4 | Luíza Moura e Vitória Neves ABDOME AGUDO INTRODUÇÃO O abdome agudo é uma condição clínica em que o paciente apresenta afecção abdominal caracterizada por: Dor aguda e súbita, que leva a procurar imediatamente serviço de emergência; Intensidade variável associada ou não a outros sintomas; Geralmente com duração de horas até 4 dias, não ultrapassando 7 dias; Requer tratamento clínico ou cirúrgico de urgência ou emergência. É uma das principais emergências da prática médica, com alta incidência e elevado risco de gravidade, podendo levar ao óbito, muitas vezes pela dificuldade de se estabelecer o diagnóstico correto. Quando não tratado adequadamente e no tempo correto, o paciente evolui com: Piora dos sintomas; e Progressiva deterioração do estado geral. Deve fazer o maior esforço para realizar um diagnóstico específico; Porém, devido à gravidade em alguns casos, não há tempo hábil para muitos exames e a principal decisão é se o paciente deve ou não ser operado. O diagnóstico correto, às vezes, é feito apenas durante a operação, após abertura e exame detalhado da cavidade peritoneal. ETIOLOGIA E QUADRO CLÍNICO Devido às inúmeras possibilidades etiológicas da dor abdominal não traumática, há algumas classificações para auxiliar no diagnóstico. As dores abdominais podem ser classificadas segundo: Anatomia; Causas abdominais e extra-abdominais; Processo desencadeante. 1. Anatomia: pela localização da dor se pode indicar as possíveis causas ou órgãos acometidos Legenda: Classificação anatômica da dor abdominal 2. Causas abdominais e extra-abdominais Legenda: classificação do abdômen agudo segundo causas abdominais MÓDULO DOR ABDOMINAL – P4 | Luíza Moura e Vitória Neves Legenda: classificação do abdômen agudo segundo causas extra-abdominais 3. Processo desencadeante: geralmente utilizada pela cirurgia de urgência. ________________________________________ Só que os cirurgiões classificam o abdômen agudo segundo a natureza do processo determinante, em: Inflamatório; Perfurativo; Obstrutivo; Vascular; e Hemorrágico. Além disso, diante dessa CLASSIFICAÇÃO, há um QUADRO CLÍNICO ESPECÍFICO para cada tipo, sendo também descrito a seguir. INFLAMATÓRIO As principais causas são: Apendicite, colecistite aguda, pancreatite aguda, diverticulite, doença inflamatória pélvica, abscessos intra-abdominais, peritonites primárias e secundárias, dentre outros. Os pacientes cursam com: Febre; Intervalo entre o início dos sintomas e o atendimento médico; Dor súbita ou insidiosa; Sinais de infecção ou sepse; Quadro abdominal de peritonite evidente. A!! Hemograma e raio-x simples de tórax. PERFURATIVO As principais causas são: Úlcera péptica, neoplasia GI perfurada, amebíase, febre tifoide, divertículos do cólon, dentre outros. Os pacientes cursam com: Dor súbita de forte intensidade localizada, que se torna difusa com o passar das horas; Intervalo entre o início da dor e o atendimento médico; Sinais de infecção e sudorese; Hipotensão arterial e taquicardia; Sinais evidentes de peritonite à palpação e descompressão. A!! Raio-x de tórax e abdome mostrando pneumoperitônio. Legenda: pneumoperitônio sob a cúpula diafragmática direita. OBSTRUTIVO As principais causas são: Aderências intestinais, hérnia estrangulada, fecaloma, obstrução pilórica, volvo, intussuscepção, cálculo biliar, corpo estranho, bolo de áscaris, dentre outros. Os pacientes cursam com: Náuseas e vômitos; Parada de eliminação de gases e fezes; Dores abdominais em cólicas e episódicas; Peristaltismo abdominal visível; Distensão abdominal; Sinais de peritonite (acompanhados de isquemia intestinal); Ruídos hidroaéreos aumentados à ausculta. A!! Raio-x de abdome mostra distensão de alças intestinas e níveis hidroaéreos característicos. MÓDULO DOR ABDOMINAL – P4 | Luíza Moura e Vitória Neves Legenda: níveis hidroaéreos em paciente com obstrução intestinal por neoplasia de sigmoide. VASCULAR As principais causas são: Isquemia intestinal, trombose mesentérica, torção do omento, torção de pedículo de cisto ovariano, infarto esplênico, dentre outros. Os pacientes cursam com: Intervalo entre o início da dor e o atendimento médico; Arritmias cardíacas e doenças arteriais prévias; Distensão abdominal; Tendência à hipotensão arterial e ao choque; Ruídos hidroaéreos ausentes à ausculta. Legenda: distensão e edema de alças intestinais em paciente com trombose mesentérica. HEMORRÁGICO As principais causas são: Gravidez ectópica rota, ruptura do baço, ruptura de aneurisma de aorta abdominal, cisto ovariano hemorrágico, necrose tumoral, endometriose, dentre outros. Os pacientes cursam com: Dor súbita localizada tornando-se generalizada; Hipotensão; Taquicardia; Mucosas descoradas; Choque hemorrágico; Alteração significativa das dosagens de hematócrito e hemoglobina; Sinais de peritonite. A!! Decorrente de traumas anteriores. Legenda: TC de abdome, que mostra lesão traumática de lobo direito do fígado. Legenda: TC de abdome, que mostra lesão traumática de baço e hemoperitônio. MÓDULO DOR ABDOMINAL – P4 | Luíza Moura e Vitória Neves DIAGNÓSTICO O diagnóstico do abdome agudo é realizado inicialmente pela anamnese e exame físico. ANAMNESE Na anamnese alguns dados são de extrema importância, como: Tempo de evolução do quadro; Características da dor: em aperto, fisgada, queimação, respiratório dependente, intensidade etc.; Localização da dor; Fatores de alívio ou piora dos sintomas; Sintomas associados: ênfase em sintomas gastrointestinais, urinários e respiratórios; Idade; Doenças associadas; Uso de medicações; Cirurgias prévias; Data da última menstruação; e Histórico gineco-obstétrico. EXAME FÍSICO No exame físico, deve-se analisar: Ectoscopia; Sinais vitais; e Semiologia abdominal. ECTOSCOPIA Deve avaliar: Mucosas hipocoradas: sinais de perda sanguínea; Mucosas secas e olhos encovados: indicativos de desidratação; Manchas características na gengiva: intoxicação por chumbo; Pele: procurar púrpuras, que podem ser causa de abdome agudo, e lesões como herpes-zoster e equimoses. SINAIS VITAIS Os sinais vitais devem ser observados e, caso alterados, devem servir de alerta para provável gravidade do quadro. Temperatura discretamente elevada: fase inicial do abdome agudo inflamatório, perfurativo e hemorrágico Quando a dor abdominal é precedida de temperatura muito elevada, deve suspeitar de processo infeccioso renal ou pulmonar. A alteração mais expressiva da PA e do pulso é o choque, presente na hipovolemia, sepse e de falso abdome agudo, como no infarto do miocárdio. SEMIOLOGIA ABDOMINAL O exame abdominal deve seguir a sequência: Inspeção; Ausculta; Percussão; e Palpação. Na inspeção devem ser observadas: Forma do abdome, alterações cutâneas, alterações vasculares e cicatrizes; Sinal de Gray-Turner (equimose em flancos) ou Sinal de Cullen (equimose em região peribilical), sugerem pancreatite aguda grave. MÓDULO DOR ABDOMINAL – P4 | Luíza Moura e Vitória Neves Legenda: sinal de Gray-turner Legenda: sinal de Cullen Na ausculta dos ruídos hidroaéreos fornece um importante dado sobre: Peristaltismo abdominal com atenção na distribuição, frequência e timbre. Na percussão fornece dados sobre: Densidade do conteúdo abdominal, ou seja, timpânico (gasoso) ou maciço (denso). A palpação deve ser realizada com o paciente em decúbito dorsal e com a bexiga vazia, iniciandopelas áreas indolores até as áreas álgicas. Palpação superficial: regiões de dor, massas superficiais e possíveis defeitos de parede abdominal. Palpação profunda: irritação peritoneal, distribuição e tamanho dos órgãos e estimativa do conteúdo das alças intestinais e massas abdominais (tamanho, mobilidade, densidade, sensibilidade, movimentação). Alguns sinais que devem ser investigados durante o exame físico: Sinal de Blumberg: dor a compressão com piora a descompressão do QID do abdome, relacionado com apendicite aguda. Sinal de descompressão brusca: dor a descompressão brusca do abdome, relacionado com peritonite no local da dor. Sinal de Giordano: dor a punho-percussão lombar à direita ou esquerda, indicativo de processo inflamatório renal. Sinal de Jobert: timpanismo a percussão em toda região hepática, indicativo de pneumoperitônio. Sinal de Muphy: dor à palpação do bordo inferior do fígado durante uma inspiração forçada, indicativo de colecistite aguda. Sinal do Psoas: dor em QID do abdome a elevação contra resistência da coxa ipsilateral, relacionado com apendicite, pielonefrite e abscesso em QI do abdome. Sinal de Rovsing: compressão do QIF do abdome com dor no QID, indicativo de apendicite aguda. Sinal de Torres-Homem: percussão dolorosa em região hepática, relacionado com abscesso hepático. Sinal do Obturador: rotação interna da coxa previamente fletida até o seu limite externo, determinando dor referida no hipogástrio, e está presente em foco inflamatório pélvico como a apendicite pélvica e a pelviperitonite. Caso não seja possível determinar o diagnóstico do paciente após anamnese e exame físico, exames complementares devem ser solicitados. EXAMES LABORATORIAIS Os exames laboratoriais que auxiliam no diagnóstico são: Simples, rápidos e de fácil obtenção. A avaliação inicial deve ter: Hemograma completo; Exame qualitativo de urina (urina rotina); MÓDULO DOR ABDOMINAL – P4 | Luíza Moura e Vitória Neves Amilase e lipase; e Teste de gravidez (mulheres em idade fértil). HEMOGRAMA COMPLETO Dá informações sobre: Anemia e suas características, auxiliando no diagnóstico e fornecendo ao cirurgião elementos para a indicação de transfusão de sangue, com vistas à eventual operação de urgência. A contagem global e específica dos leucócitos fornece informações sobre a natureza do processo que está determinando o abdome agudo. Leucocitose ocorre, principalmente, na infecção bacteriana grave ou necrose tecidual; Leucopenia pode significar infecção grave e de mau prognóstico. EXAME DE URINA É muito útil para a caracterização de: Processos urológicos e renais, determinantes de dores abdominais agudas, por vezes excluindo outros quadros infecciosos abdominais e vice- versa. A leucocitúria, particularmente sob forma de aglomerados de leucócitos, indica: ITU, podendo também estar presente em processos infecciosos de vísceras abdominais que mantêm relações anatômicas com o ureter – por exemplo, a apendicite aguda. Os pigmentos biliares podem indicar: Processos obstrutivos de vias biliares. A hematúria indica: Presença de cálculos urinários, necrose tubular aguda, cistite necrosante, anemia falciforme ou traumas renais. AMILASE E LIPASE São muito úteis para o diagnóstico das pancreatites agudas, sua evolução ou nas recidivas agudas das pancreatites crônicas. A amilasemia deve ser sempre solicitada a pacientes com dor abdominal aguda com antecedente de etilismo. A hiperamilasemia acontece desde as primeiras horas de instalação da pancreatite aguda e permanece por 2 a 5 dias, decrescendo gradativamente. Tende a aumentar com o passar dos dias, vindo a decrescer posteriormente. A!! Em geral, não há relação entre o grau de elevação da amilase sérica e a gravidade da doença pancreática aguda. A elevação da amilase também acontece na/no: Cetoacidose diabética; Infarto agudo do miocárdio; Obstrução intestinal; Trombose mesentérica; Gravidez ectópica rota; Insuficiência renal; e até mesmo em Broncopneumonias. ________________________________________ Dependendo das hipóteses diagnósticas, outros exames laboratoriais devem ser solicitados, como: Coagulograma; Provas de função hepática; Teste de gravidez; Teste de Watson-Schwartz ou do aldeído de Ehrlich (porfiria aguda intermitente); Pesquisa de pontilhado basófilo nas hemácias (intoxicação por chumbo); Sorologias específicas e outras. As dosagens de ureia e creatinina séricas informam sobre: Função renal; MÓDULO DOR ABDOMINAL – P4 | Luíza Moura e Vitória Neves As dosagens de sódio e potássio no plasma, medida do pH plasmático e gasometria, muitas vezes são necessárias para verificar: Distúrbios hidroeletrolíticos e do equilíbrio acidobásico. EXAMES DE IMAGEM Após esta primeira avaliação, se não foi possível a confirmação diagnóstica: Deve iniciar uma avaliação radiológica, partindo da raio-x de abdome em decúbito dorsal e ortostático. Avança para USG de abdômen, TC e, em alguns casos, arteriografia e ressonância magnética. A!! É fundamental que o cirurgião forneça ao radiologista todas as informações da anamnese e do exame físico, bem como as hipóteses diagnósticas mais prováveis. RAIO-X DE ABDOME O raio-x simples do abdome, pela simplicidade e facilidade em ser realizado e pelos subsídios importantes que pode trazer para o diagnóstico de qualquer uma das causas de abdome agudo, deve ser solicitado na maioria dos casos. Traz elementos diagnósticos para os quadros agudos dos tipos perfurativo, inflamatório e obstrutivo, nos quais os mais significativos são, respectivamente: Pneumoperitônio; Tumorações inflamatórias; Íleo paralítico; e Distensão de alças a montante da oclusão. Pode ver também: Elevação da cúpula frênica; Líquido intra-abdominal; Opacidade ou velamentos; Distensão de intestino delgado ou dos cólons; Edema de alças intestinais; Íleo regional; Dilatação colônica; Níveis líquidos hidroaéreos; Corpos estranhos; Imagens de abscesso e cálculos vesiculares, renais e ureterais. USG ABDOMINAL É um exame inofensivo, sem contraindicações, de baixo custo e disponível na maioria dos hospitais. A!! O fato de o paciente não estar em jejum é uma contraindicação para o exame, e o radiologista deve ser informado sobre o tipo e o horário da última refeição. É capaz de fornecer, com rapidez, imagens muito úteis e interessantes para o diagnóstico de abdome agudo. Os equipamentos portáteis permitem que seja feito na própria sala de emergência, imediatamente após o exame físico, no leito do paciente, propiciando maior rapidez para a obtenção do diagnóstico. A distensão abdominal por gases representa a maior dificuldade para a realização do exame. Ela é muito útil para confirmar ou afastar hipóteses diagnósticas diante de abdome agudo inflamatório, como: Apendicite, colecistite e diverticulite. Já a gravidez ectópica e as doenças inflamatórias pélvicas e do trato urinário são diagnosticadas com segurança. A!! É o exame de imagem de escolha nas pacientes grávidas. TC A TC vem ganhando importância no diagnóstico do abdome agudo. A tomografia helicoidal permite que o exame seja feito em menor tempo do que a tomografia axial. MÓDULO DOR ABDOMINAL – P4 | Luíza Moura e Vitória Neves É o exame de imagem ideal para: Diagnóstico, estadiamento e avaliação da evolução da pancreatite aguda e do abdome agudo vascular; e Estudo de coleções líquidas intra- abdominais. A!! Deve ser realizado preferencialmente com contraste intravenoso e, dependendo do caso, também com contraste via oral. A!! A distensãoabdominal com acúmulo de gases no interior das alças intestinais – fator que dificulta a USG – não é empecilho para a TC, devendo ser o exame de escolha se tal anormalidade for detectada. Ela também permite a detecção de: Lesões inflamatórias: apendicite, diverticulite e abscessos; Neoplásicas em cólon, pâncreas, fígado, retroperitônio, ovários; Vasculares: obstruções arteriais e venosas e aneurismas; e Hemorragias peritoneais e retroperitoneais: rotura de órgãos abdominais e trauma. ________________________________________ A videolaparoscopia e a laparotomia exploradora constituem-se nos meios diagnósticos definitivos, para: Casos em que toda a sequência de exames anteriores não foi suficiente; ou Como meio terapêutico, para os casos em que os exames definiram uma patologia cirúrgica como causa da dor abdominal. Outro aspecto importante sobre a videolaparoscopia em situação de emergência é a necessidade de equipes treinadas e cirurgiões experimentados, habituados com esta técnica. Caso não exista esta disponibilidade, deve optar pela laparotomia exploradora como técnica mais segura para o diagnóstico e tratamento; Há muitas variáveis a serem consideradas, porém, até o momento, foram apresentadas as diretrizes para o diagnóstico, ainda não tendo sido discutido as opções terapêuticas específicas. Frequentemente, o tratamento específico se refere a uma intervenção cirúrgica. Porém, em algumas situações de abdômen agudo, o tratamento específico é eminentemente clínico como na pancreatite aguda. Legenda: algoritmo para quadro de dor abdominal aguda, preconizado pelo Consenso do XXVI Congresso Brasileiro de Cirurgia.
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