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AULA 4 - DA PROPRIEDADE EM GERAL O direito de propriedade é considerado o mais extenso dos direitos reais, sendo que na atualidade entende-se que há multiplicidade das propriedades informadas pela noção da função social. Conceito: Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “o direito de propriedade pode ser definido como o poder jurídico atribuído a uma pessoa de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, em sua plenitude e dentro dos limites estabelecidos na lei, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha” (Direito Civil brasileiro). Constata-se ainda que foi atribuída à função social da propriedade o patamar de direito fundamental, nos termos da redação do artigo 5º, inciso XXIII, consoante a técnica empregada pelo legislador constituinte de 1988. Terminologia: normalmente são empregados dois termos para identificação do instituto: propriedade e domínio. Há quem os considere sinônimos e, portanto, os utiliza indiscriminadamente para designar o mesmo instituto. No entanto, prevalece a concepção doutrinária segundo a qual o termo “propriedade” é mais abrangente do que a expressão “domínio”; este se refere à dominação sobre coisas corpóreas, enquanto a propriedade compreende outros bens além das coisas. Certo é que o CC de 2002 suprimiu a maior parte das referências ao domínio, optando pelo termo propriedade. Características do direito de propriedade : As características da propriedade estão indicadas no art. 1.231, CC: a plenitude e a exclusividade. A essas características a doutrina soma outras três: perpetuidade, elasticidade e oponibilidade erga omnes. A propriedade é considerada plena quando se encontrarem nas mãos do proprietário todas as faculdades que lhe são inerentes (usar, gozar, dispor e reivindicar), estando o mesmo sujeito apenas às limitações impostas no interesse público. Contrapondo-se a noção de propriedade plena, acima abordada, temos a propriedade limitada, que se caracteriza: a) quando estiver sujeita a algum ônus real; b) quando for resolúvel. A exclusividade significa que a mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas. O direito de um sobre determinada coisa exclui o direito de outro sobre a mesma coisa. Isso não se choca com a ideia de condomínio, pois cada condômino é proprietário, com exclusividade, de sua parte ideal. A propriedade é perpétua, pois não se extingue pelo não-uso. Não estará perdida enquanto o proprietário não a alienar ou ocorrer algum dos modos de perda previstos em lei, como a usucapião, a desapropriação, o perecimento etc. Ademais, é transmissível aos herdeiros. A característica da elasticidade decorre da possibilidade de serem transferidos alguns dos poderes a terceiros. O fenômeno inverso chama-se retração. Exemplo: mediante ajuste de vontades, e o devido registro, destaco as faculdades de usar e fruir um imóvel, em favor do usufrutuário, permanecendo com um direito limitado de propriedade (nuapropriedade). Uma vez extinto o usufruto, aquelas faculdades retornam, consolidando o meu direito pleno de propriedade. Estrutura e função - Este item objetiva cuidar de ambos os aspectos do direito de propriedade: a) aspecto estrutural; b) aspecto funcional. Aspectos gerais – O art. 1.228, do CC traduz o aspecto estrutural do direito de propriedade, a saber: a) uso; b) gozo (ou fruição); c) disposição; d) reivindicação da coisa. Uso – (ius utendi) Consiste na possibilidade de o proprietário retirar da coisa todos os serviços e utilidades que ela proporcionar. É a faculdade de colocar a coisa a serviço do proprietário de acordo com sua destinação econômica e social, sem modificação na sua substância. O parâmetro da efetividade da atividade de usar é sua utilização civiliter já que o uso se vincula à observância das normas de boa vizinhança, não sendo admitido o abuso do direito (CC, art. 1.228, § 2°). Gozo – (ius fruendi) A fruição, ou gozo da coisa, consiste na atividade de retirar os frutos que ela periodicamente produz. Corresponde à exploração econômica da coisa mediante a extração de frutos, produtos e pertenças. A atividade de fruir se realiza basicamente pela percepção dos frutos, sejam os naturais, industriais ou civis. Neste contexto, também incluem-se os atos de utilização dos produtos da coisa (CC, art. 1.232), além das pertenças. Disposição – (ius abutendi) Consiste na atividade de alienar e transformar a coisa, como nos casos de venda, doação, desmembramento do terreno, entre outros. Relativamente aos bens consumíveis (como nos gêneros alimentícios), a disposição da coisa é representada pela sua fruição e, conseqüentemente, seu desaparecimento. Reivindicação da coisa - Consiste na possibilidade de recuperação do poder físico sobre a coisa, tratando-se de aspecto exterior ao direito de propriedade. Cuida-se de meio de defesa em que o proprietário busca sancionar a pessoa que passou a, injustificadamente, possuir a coisa em decorrência da violação do dever geral de abstenção. Extensão - A questão deve ser analisada sob o aspecto real do poder de disposição que é reconhecido ao proprietário. Tal poder recai em coisas determinadas ( bens móveis e imóveis), devendo ser identificado qual é sua extensão, especialmente em se tratando de bem imóvel. Há, portanto, duplo aspecto relacionado ao tema da extensão do direito de propriedade: a) a extensão ao espaço aéreo e ao subsolo (a denominada extensão vertical); b) a extensão às partes integrantes. Quanto ao primeiro aspecto, o art. 1.229, do CC, prevê que a propriedade do solo (superfície) abrange o espaço aéreo e o subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não sendo possível ao proprietário se opor a atividades que terceiros realizem a uma altura ou profundidade tais que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las. No que tange às partes integrantes, tudo que for incorporado permanentemente ao solo, sem possibilidade de ser retirado sem destruição, modificação, fratura ou dano, ou intencionalmente empregado pelo proprietário em sua exploração industrial, aformoseamento ou comodidade, passa a pertencer ao proprietário diante da sua condição de partes integrantes essenciais. Tais partes não podem ser objeto de propriedade distinta daquela referente ao imóvel. Com base no princípio da acessão, toda construção ou plantação realizada no solo se presume feita pelo proprietário. Mas tal presunção é relativa e, portanto, admite prova em contrário, daí as regras constantes dos arts. 1.253 e seguintes, do CC em vigor. Ação reivindicatória Com o exercício da faculdade de reivindicar a coisa objeto da sua propriedade, o proprietário intenta buscar a coisa nas mãos alheias, retomando-a do possuidor, recuperando-a do detentor. A pretensão de reivindicação consiste numa tutela conferida ao proprietário, conseqüente à lesão ao seu direito de propriedade, devido ao desrespeito genérico de abstenção que é imposto à toda a coletividade. A principal ação petitória é a ação de reivindicação da coisa. A ação de reivindicação se origina diretamente do direito de sequela que é reconhecido a todo titular de direito real e sua finalidade é a recuperação das faculdades dominiais que deixaram de ser exercidas pelo proprietário devido à atuação de outra pessoa que causou lesão ao direito de propriedade. A ação reivindicatória é imprescritível, uma vez que a sua pretensão versa sobre o domínio, que é perpétuo, somente se extinguindo nos casos previstos em lei (usucapião, desapropriação etc.). Embora imprescritível, a reivindicatória pode esbarrar na usucapião, matéria que pode ser alegada pelo réu em sua defesa (Súmula 237 do STF). Acolhida a alegação de usucapião, a sentença afastará a pretensão do reivindicante, mas não produzirá efeitos erga omnes. Para tanto, é necessária a propositura de ação de usucapião, com citação de todos os interessados. Aspectos processuais da ação reivindicatória- A ação de reivindicação da coisa corresponde à uma ação proposta em juízo pelo proprietário que, circunstancialmente, não se encontra na posse da coisa, em face da pessoa não proprietária que está com a coisa sob seu poder, aparentemente sem uma razão jurídica. Legitimado ativo para a ação de reivindicação é o proprietário e, do outro lado da relação processual, como legitimado passivo há o possuidor e o detentor da coisa. A jurisprudência tem admitido que o promitente comprador adimplente de todas as prestações do compromisso de venda de imóvel possa ajuizar a ação reivindicatória, mesmo que não tenha obtido o título. O possuidor, como legitimado passivo, não é apenas o denominado possuidor com posse injusta, mas todo aquele que não tiver uma causa jurídica que ampare sua posse. Acerca dos aspectos processuais da ação de reivindicação da coisa, considera-se que a função social da posse fez inserir mais um requisito para o exercício do direito de ação, a saber, a prova de que o proprietário, autor da ação, cumpre a função social da propriedade. Ademais, deverá demonstrar o cumprimento do ônus fiscal do imóvel, conforme art. 1.276, § 2°, do CC. Restrições legais de interesse particular e interesse público Na perspectiva atual, a propriedade como situação jurídica complexa, composta por poderes, deveres, sujeições, ônus e, portanto, limitações, o proprietário não desfruta mais de uma posição jurídica de absoluta soberania. O direito de propriedade deixou de ser absoluto, Assim, o proprietário pode sofrer limitações no exercício das faculdades de usar, gozar e dispor, bastando citar os direitos reais sobre coisa alheia, os direitos de vizinhança, o direito de renovação compulsória do contrato de locação comercial e industrial e o poder de polícia, da sujeição à desapropriação e à requisição, além do proprietário se sujeitar à desapropriação judicial privada. Classificação - Há, substancialmente, três principais critérios de classificação das limitações (em sentido amplo) ao direito de propriedade: fonte, extensão, finalidade e fundamento. Sob o aspecto da fonte, as limitações ao direito de propriedade são classificadas em: a) limitações legais i) de direito constitucional; ii) de direito administrativo; iii) de direito civil; b) limitações jurídicas – relacionadas à noção do predomínio dos princípios da normalidade do exercício do direito e da repressão ao abuso do direito; c) limitações voluntárias (ou restrições) que podem vir expressas em cláusulas testamentárias, cláusulas de contratos de doação ou de compra e venda (exemplo da retrovenda). No que diz respeito à extensão, as limitações ao direito de propriedade podem atingir o direito em si (como no exemplo da desapropriação) ou algumas de suas faculdades, como restringindo a faculdade de disposição consistente na cláusula testamentária de indisponibilidade (inalienabilidade) do bem deixado em legado. Relativamente à finalidade, as limitações podem ser: a) limitações de interesse público ou de utilidade pública, como no exemplo das limitações impostas ao direito de construir pelo Código de Postura Municipal em razão do interesse público; b) limitações de interesse privado ou de utilidade privada, tal como se verifica na proibição de abrir janelas a metro e meio do prédio vizinho. Finalmente, quanto ao fundamento, as limitações ao direito de propriedade podem ser classificadas como limitações que se inspiram no interesse público ou aquelas que se baseiam na idéia de coordenação de interesses privados (como no exemplo dos direitos de vizinhança). Diante da sua maior importância, serão tratadas as limitações quanto à fonte. Limitações (ou restrições) legais - São aquelas impostas pelo ordenamento jurídico, expressas na CF/88 ou nas Constituições dos Estados, nas leis (em sentido amplo), como o próprio CC e regulamentos administrativos, caracterizando-se pela imposição coativa ao proprietário. Dentre as limitações legais ao direito de propriedade, encontram-se as limitações que pertencem ao campo do Direito Constitucional e do Direito Administrativo. Tais limitações legais de direito constitucional e de direito administrativo têm como fundamento o interesse público ou coletivo, caracterizando-se pela unilateralidade eis que não estabelecem vínculos recíprocos. As limitações urbanísticas à propriedade são: a) restrições urbanísticas, que limitam o caráter absoluto da propriedade; b) servidões urbanísticas, que limitam o caráter exclusivo; c) desapropriação urbanística, que limita o caráter perpétuo Art. 5º, XXIV, CR: possibilidade de desapropriação por utilidade ou necessidade pública ou por interesse social; O instituto da desapropriação representa a limitação mais enérgica à propriedade. A desapropriação é ato pelo qual o Estado, por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, se substitui ao particular na titularidade de certa coisa, mediante o pagamento de determinada indenização. Servidão administrativa Entende-se por servidão administrativa como o “ônus real de uso, imposto pela Administração à propriedade particular, a fim de assegurar a realização e manutenção de obras e serviços públicos ou de utilidade pública, mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário”. A servidão administrativa é imposta em prol da coletividade devendo o particular suportar os ônus de tal instituto, possuindo natureza diversa das demais servidões instituídas por leis, como, por exemplo, a servidão predial. Por se tratar de uma obrigação pessoal a qual impõe ao proprietário o ônus de suportar a passagem, por exemplo, de fios de energia elétrica, sendo uma obrigação de fazer, requer, para tanto, que o Poder Público indenize o proprietário observado o prejuízo efetivo causado ao imóvel, além de via de regra de ser constituída via decisão judicial. Ou ainda por acordo extrajudicial celebrado entre as partes. A servidão administrativa, “como todo ônus real” só se efetiva com a inscrição no Registro de Imóveis competente, para conhecimento e validade erga omnes, o que é confirmado pelo art. 168, I, ´f́ , da Lei de Registros Publicos (Lei 6.015/73), que impõe inscrição para as “servidões em geral”, abrangendo, obviamente, as civis e as administrativas, aparentes ou não”. Limitações jurídicas - Representam a aplicação de determinados princípios jurídicos de incidência em todo o universo dos direitos subjetivos e que se especializam sob alguns aspectos no âmbito do direito de propriedade. Nos termos do art. 1.228, § 2°, do CC, são proibidos os atos do proprietário que não lhe trazem qualquer comodidade ou utilidade, sendo realizados e animados apenas com a intenção de prejudicar outrem. Consoante o princípio da normalidade do exercício dos direitos em geral, o uso da coisa pode transformar-se em abuso se o titular exercer os poderes sem legítimo interesse ou de modo contrário aos fins econômicos e sociais, aos bons costumes ou à boa fé objetiva. No âmbito do abuso do direito também desempenha importante papel no segmento das limitações ao direito de propriedade o princípio da boa fé. Tal princípio, especialmente na vertente subjetiva, atua no poder de disposição quanto às imputações dominiais definitivas de acordo com certos critérios, como nas hipóteses de acessão (construção ou plantação), de benfeitorias, nas presunções registrarias, além da tradição em casos de propriedade aparente. Limitações voluntárias - (ou restrições ao direito de propriedade) podem resultar da própria vontade do proprietário, como por exemplo na hipótese de instituição de um direito real titularizado por outrem sobre a coisa objeto da propriedade (caso do usufruto), ou na instituição do bem de família nos moldes da previsão do art. 1.711, do CC. O proprietário pode determinar, por ato unilateral ou por contrato, que a coisa por ele transmitida a outra pessoa obrigue esta a satisfazer determinados encargos,ou que, durante certo tempo, não se transmita a outra pessoa, ou ainda, que a coisa permaneça inalienável por certo tempo, bem como seja conservada para transmissão a outra pessoa, desde que realizada certa condição ou verificado o termo a que esteja subordinado. Entre as principais limitações voluntárias ao direito de propriedade, encontram-se aquelas estipuladas no testamento, na doação, no contrato de compra e venda ou na constituição de renda periódica. Função social da propriedade - Trata-se do papel que a propriedade desempenha nas relações jurídicas, econômicas e sociais, representado pelo aspecto dinâmico. Adverte-se que surge nova concepção da propriedade que, apesar de continuar como direito subjetivo individual e de natureza privada, deve ser exercida de modo tal que seu titular utilize a coisa objeto do direito sem impor sacrifício ao maior número de outras pessoas. Haveria, assim, certos interesses que são protegidos de forma especial, impondo obrigações e deveres jurídicos aos particulares, de modo que a sociedade é favorecida ou protegida, sem se tornar uma função exclusivamente pública, nem uma função individual pura e simples. Seria o interesse social, satisfeito pela função social que incide sobre certos direitos, mais especificamente sobre o de propriedade. No que tange à definição de função social da propriedade, embora se trate de tarefa árdua, não se pode admitir que ela continue sendo caracterizada como uma limitação do direito à propriedade ou, ainda, que a norma que a reconhece não seja dotada de qualquer efetividade. De fato, atualmente, os limites da atividade econômica e a função social dos institutos civis passam a integrar uma nova ordem pública constitucional e, assim, devem ser concebidos como meios de ampla tutela às situações jurídicas existenciais da pessoa humana. http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11319246/artigo-168-da-lei-n-6015-de-31-de-dezembro-de-1973 http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11321036/inciso-i-do-artigo-168-da-lei-n-6015-de-31-de-dezembro-de-1973 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1034888/lei-de-registros-publicos-lei-6015-73 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1034888/lei-de-registros-publicos-lei-6015-73 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1034888/lei-de-registros-publicos-lei-6015-73
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