Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CASO 11- doença das vias biliares________________________________________________________________________________________ Anatomia: A vesícula biliar é um órgão em forma de saco, mede entre 7 e 10 cm de comprimento, com formato similar ao de uma pera e situa- se na face visceral do fígado, na junção do lobo direito e do lobo quadrado. Sua função é armazenar a bile, líquido produzido pelo fígado que atua na digestão de gorduras no intestino. A bile é formada pela mistura de várias substâncias, entre elas o colesterol, responsável pela imensa maioria da formação de cálculos (pedras), que podem impedir o fluxo da bile para o intestino e causar uma inflamação chamada colecistite. Doenças: CÁLCULO BILIAR______________________________________________________________________________________________________ Epidemiologia: bem prevalente no ocidente, a chance de ter aumenta após os 50 anos. São mais prevalentes nas mulheres. Os cálculos biliares são formados devido a uma composição anormal da bile. Eles se dividem em dois tipos principais: cálculos de colesterol e cálculos pigmentares. Os cálculos de colesterol são responsáveis por mais de 90% de todos os cálculos nos países ocidentais industrializados. Os cálculos de colesterol costumam conter >50% de monoidrato de colesterol mais uma mistura de sais de cálcio, pigmentos biliares, proteínas e ácidos graxos. Os cálculos pigmentares são constituídos principalmente por bilirrubinato de cálcio; contêm <20% de colesterol e são classificados em tipos “pretos” e “marrons”, sendo os últimos formados em razão de infecção biliar crônica. CÁLCULOS DE COLESTEROL E LAMA BILIAR: colesterol é essencialmente insolúvel na água e depende de sua dispersão aquosa dentro de micelas ou vesículas, sendo em ambos os casos necessária a presença de um segundo lipídeo para solubilizar o colesterol. O colesterol e os fosfolipídeos são secretados e lançados na bile como vesículas unilamelares formando duas camadas, que são transformadas em micelas mistas que consistem em ácidos biliares, fosfolipídeos e colesterol pela ação dos ácidos biliares. Se houver excesso de colesterol em relação aos fosfolipídeos e ácidos biliares, observa-se a persistência de vesículas instáveis ricas em colesterol, que se agregam em grandes vesículas multilamelares a partir das quais ocorre a precipitação dos cristais do colesterol. Fisiopatologia: Existem vários mecanismos importantes na formação da bile litogênica. O mais importante é a secreção biliar aumentada de colesterol. Fatores associados: obesidade, síndrome metabólica, dietas com alto conteúdo calórico e ricas em colesterol ou medicamentos (p. ex., clofibrato) e pode resultar do aumento de atividade da hidroximetilglutaril-coenzima A (HMG-CoA), a enzima limitadora de velocidade da síntese hepática de colesterol, e da captação hepática aumentada de colesterol a partir do sangue. Além dos fatores ambientais, como as dietas com alto conteúdo calórico e ricas em colesterol, os fatores genéticos desempenham um papel importante na doença calculosa biliar. Um distúrbio adicional do metabolismo dos ácidos biliares que contribui provavelmente para a supersaturação da bile com colesterol é a transformação acelerada do ácido cólico em ácido desoxicólico, com a substituição do reservatório de ácido cólico por um reservatório ampliado de ácido desoxicólico. Isso pode resultar da desidroxilação exacerbada do ácido cólico e maior absorção do ácido desoxicólico recém-formado. Uma secreção maior de desoxicolato está associada à hipersecreção de colesterol e seu lançamento na bile. Embora a supersaturação da bile com colesterol seja um importante pré-requisito para a formação de cálculos biliares, em geral isso não é suficiente, por si só, para produzir a precipitação do colesterol in vivo. A maioria dos indivíduos com bile supersaturada não desenvolve cálculos, pois o tempo necessário para que os cristais de colesterol possam sofrer nucleação e crescer é maior do que o período durante o qual a bile permanece na vesícula biliar. Um mecanismo importante é a nucleação dos cristais de monoidrato de colesterol, muito acelerada na bile litogênica humana. A nucleação acelerada do monoidrato de colesterol na bile pode ser devida a excesso de fatores pronucleação ou à deficiência dos fatores antinucleação. Mucina e certas glicoproteínas não mucina, principalmente as imunoglobulinas, parecem ser fatores pronucleação, enquanto as apolipoproteínas A-I e A-II, assim como outras glicoproteínas, parecem ser fatores antinucleação. A nucleação dos cristais de monoidrato de colesterol e o crescimento dos cristais ocorrem provavelmente dentro da camada de gel de mucina. A fusão das vesículas dá origem aos cristais líquidos, os quais sofrem nucleação e se transformam em cristais sólidos de monoidrato de colesterol. O crescimento contínuo dos cristais ocorre por nucleação direta das moléculas de colesterol a partir das vesículas biliares uni ou multilamelares supersaturadas. Um terceiro mecanismo importante na formação dos cálculos biliares de colesterol é a hipomotilidade da vesícula biliar. Se a vesícula descarregasse completamente toda a bile supersaturada ou que contém cristais, não poderia haver crescimento de cálculos. Um alto percentual dos pacientes com cálculos biliares exibe anormalidades do esvaziamento da vesícula. Os estudos ultrassonográficos mostram que os pacientes com cálculos biliares exibem um aumento do volume da vesícula durante o jejum e após uma refeição-teste (volume residual) e que o esvaziamento fracional após estimulação da vesícula é reduzido. LAMA BILIAR: é um material mucoso espesso que, ao exame microscópico, revela cristais líquidos de lecitina-colesterol, cristais de monoidrato de colesterol, bilirrubinato de cálcio e géis de mucina. A lama biliar forma uma camada semelhante a um crescente na porção mais baixa da vesícula biliar, sendo reconhecida por ecos característicos na ultrassonografia. A presença de lama biliar sugere duas anormalidades: (1) desarranjo do equilíbrio normal entre a secreção de mucina pela vesícula biliar e sua eliminação, bem como (2) ocorrência de nucleação dos solutos biliares. Várias observações que evidenciam a lama biliar pode ser uma forma precursora de doença calculosa. Deve ser enfatizado que a lama biliar pode formar-se nos distúrbios que causam hipomotilidade de vesícula, isto é, cirurgia, queimaduras, nutrição parenteral total, gravidez e contraceptivos orais – todos associados à formação de cálculos biliares. Contudo, a presença de lama biliar indica supersaturação da bile com colesterol ou bilirrubinato de cálcio. #Outras duas condições estão associadas à formação de cálculos de colesterol ou lama biliar: gravidez e uma rápida redução de peso mediante dieta com teor calórico muito baixo. Parece haver duas mudanças fundamentais durante a gravidez que contribuem para o “estado colelitogênico”: (1) aumento acentuado na saturação de colesterol da bile durante o terceiro trimestre e (2) lenta contração da vesícula em resposta a uma refeição padronizada, resultando em menor esvaziamento da vesícula biliar. Na gravidez costuma ser assintomática e resolve- se rapidamente após o parto. CÁLCULOS PIGMENTARES: Cálculos pigmentares pretos são compostos de bilirrubinato de cálcio puro ou de complexos tipo polímeros com cálcio e glicoproteínas mucinas. Eles são mais comuns em pacientes com estados hemolíticos crônicos (com aumento da bilirrubina conjugada na bile), cirrose hepática, síndrome de Gilbert ou fibrose cística. Os cálculos de vesícula nos pacientes com doenças ileais, ressecção ileal ou bypass ileal geralmente são cálculos pigmentares pretos. A reciclagem êntero-hepática da bilirrubina nos estados de doença ileal contribui para sua patogênese. Cálculos pigmentares marrons são compostos de sais de cálcio de bilirrubina não conjugada com quantidades variáveis de colesterol e proteínas. Eles são o resultado da presença de quantidades aumentadas de bilirrubina insolúvel não conjugada na bile, a qualse precipita e forma cálculos. Diagnóstico: USG da vesícula biliar é muito precisa na identificação da colelitíase, tendo substituído o colecistograma oral. Cálculos com apenas 1,5 mm de diâmetro podem ser identificados de forma confiável, desde que sejam utilizados critérios rígidos [p. ex., “sombreado” acústico de opacidades que estão dentro do lúmen vesicular e que se modificam com a posição do paciente (pela gravidade)]. A lama biliar é representada por um material com baixa atividade ecogênica que forma uma camada na posição mais baixa da vesícula biliar. Tal camada se desloca com as mudanças posturais, porém não produz sombreado acústico; essas duas características distinguem a lama dos cálculos biliares. A ultrassonografia pode ser também usada para determinar a função de esvaziamento da vesícula biliar. A radiografia simples de abdome pode detectar os cálculos biliares que contêm quantidades suficientes de cálcio a ponto de se tornarem radiopacos (10 a 15% de colesterol e cerca de 50% de cálculos pigmentares). Ela também pode ser usada para fazer o diagnóstico de colecistite enfisematosa, vesícula em porcelana, bile calcificada e íleo biliar. O colecistograma oral (CGO) tem sido historicamente um procedimento útil para o diagnóstico de cálculos biliares, mas foi substituído pela ultrassonografia e é considerado obsoleto. Pode ser usado para determinar a permeabilidade do ducto cístico e a função de esvaziamento da vesícula biliar. Além disso, o CGO pode delinear também o tamanho e número de cálculos biliares, bem como determinar se estão calcificados. Sintomas de doença biliar: Os cálculos biliares produzem habitualmente seus sintomas porque causam inflamação ou obstrução após sua migração para dentro do ducto cístico ou DC. O sintoma mais específico e característico de doença vesicular é a cólica biliar, uma dor constante e, na maioria das vezes, duradoura. A obstrução do ducto cístico ou do DC por um cálculo produz elevação da pressão intraluminal e distensão da víscera que não podem ser aliviadas pelas contrações biliares repetitivas. A dor visceral resultante é caracteristicamente uma plenitude ou dolorimento intenso e constante no epigástrio ou quadrante superior direito do abdome com frequente irradiação para a área interescapular, a escápula direita ou o ombro. A cólica biliar começa bruscamente e pode persistir com alta intensidade por 15 minutos a 5 horas, desaparecendo de modo gradual ou rápido. É muito mais constante que intermitente, como poderia sugerir a palavra cólica, que deve ser considerada uma designação incorreta, apesar de sua ampla utilização. Um episódio de dor biliar que persiste por mais de 5 horas deve despertar a suspeita de colecistite aguda. Náusea e vômitos acompanham com frequência os episódios de dor biliar. Um nível elevado de bilirrubina sérica e/ou de fosfatase alcalina sugere um cálculo coledociano. Febre ou calafrios (arrepios) com dor biliar sugerem habitualmente uma complicação, isto é, colecistite, pancreatite ou colangite. As queixas com curta duração de plenitude epigástrica indefinida, dispepsia, eructações ou flatulência, especialmente após uma refeição gordurosa, não devem ser confundidas com dor biliar. Esses sintomas são induzidos com frequência em pacientes com ou sem doença calculosa biliar, porém sem serem específicos de cálculos biliares. A cólica biliar pode ser desencadeada pela ingestão de refeição gordurosa, pelo consumo de grande refeição após um período de jejum prolongado ou pela ingestão de refeição normal; é mais frequentemente noturna, ocorrendo poucas horas após deitar-se. História natural: A doença calculosa biliar descoberta em um paciente assintomático ou cujos sintomas não podem ser atribuídos a uma colelitíase constitui um problema clínico comum. De 60 a 80% das pessoas com cálculos biliares assintomáticos permanecem assintomáticas ao longo de períodos de até 25 anos. A incidência anual de complicações é de cerca de 0,1 a 0,3%. É improvável que os pacientes que permaneceram assintomáticos por 15 anos venham a desenvolver sintomas durante qualquer período de acompanhamento adicional, sendo que a maioria dos pacientes que desenvolveram complicações em razão de seus cálculos biliares experimentou sintomas prévios de alerta. As complicações que tornam necessária uma colecistectomia são muito mais comuns nos pacientes com cálculos biliares que já desenvolveram sintomas de dor biliar. Pacientes jovens com cálculo biliar têm maior probabilidade de desenvolver sintomas devido a uma colelitíase do que os pacientes com mais de 60 anos na época em que é feito o diagnóstico inicial. Os pacientes com diabetes melito e cálculos biliares podem ser ligeiramente mais suscetíveis às complicações sépticas, porém ainda não foi definida a magnitude do risco de complicações biliares sépticas nos pacientes diabéticos. Tratamento: Cirúrgico: Nos pacientes assintomáticos com cálculos biliares, o risco de virem a desenvolver sintomas ou complicações que tornem necessária uma cirurgia é bastante pequena. Assim, a recomendação para realizar uma colecistectomia em um paciente com cálculos biliares deveria basear-se provavelmente na avaliação de três fatores: 1. Presença de sintomas suficientemente frequentes ou suficientemente intensos a ponto de interferir na rotina geral do paciente; 2. Presença de complicação prévia da doença calculosa biliar, isto é, história de colecistite aguda, pancreatite, fístula biliar, etc.; ou 3. Presença de condição subjacente que predisponha o paciente a maior risco de complicações devidas aos cálculos biliares (p. ex., vesícula biliar calcificada ou em porcelana e/ou um ataque prévio de colecistite aguda apesar do atual estado assintomático). Pacientes com cálculos biliares muito volumosos (>3 cm) e aqueles com cálculos biliares em vesícula biliar com alguma anomalia congênita também podem ser considerados para uma colecistectomia profilática. A idade jovem constitui um fator preocupante nos pacientes com cálculos biliares assintomáticos, porém poucos autores recomendam hoje colecistectomia de rotina em todos os pacientes jovens com cálculos silenciosos. Clínico (dissolução): Em pacientes cuidadosamente selecionados com vesícula biliar funcionante e cálculos radiotransparentes <10 mm, a completa dissolução pode ser conseguida em cerca de 50% dos pacientes dentro de 6 meses a 2 anos. Para a obtenção de bons resultados dentro de um período de tempo razoável, essa terapia deve ser limitada aos cálculos radiotransparentes com menos de 5 mm de diâmetro. A dose de AUDC (Ácido Ursodesoxicólico) deve ser de 10 a 15 mg/kg ao dia. Os cálculos cujo tamanho ultrapassa 10 mm raras vezes se dissolvem. Os cálculos pigmentares não respondem à terapia com AUDC. Provavelmente, ≤10% dos pacientes com colelitíase sintomática são candidatos a esse tipo de tratamento. No entanto, além do irritante problema dos cálculos recorrentes (30 a 50% ao longo de 3 a 5 anos de acompanhamento), existe o fator adicional de se tomar um medicamento extremamente caro por até 2 anos. As vantagens e o sucesso da colecistectomia laparoscópica reduziram, em grande parte, o papel da dissolução dos cálculos nos pacientes que desejam evitar ou que não são candidatos a colecistectomia eletiva. Contudo, os pacientes com doença induzida por cálculos biliares de colesterol que sofrem episódios recorrentes de coledocolitíase após colecistectomia devem receber tratamento a longo prazo com AUDC. COLECISTITE AGUDA E CRÔNICA__________________________________________________________________________________________ COLECISTITE AGUDA: A inflamação aguda da parede da vesícula em geral acompanha a obstrução do ducto cístico por um cálculo. A resposta inflamatória pode ser induzida por três fatores: (1) inflamação mecânica produzida por pressão e distensão intraluminais aumentadas com subsequente isquemia da mucosa e da parede da vesícula biliar, (2) inflamação química causada pela liberação de lisolecitina (devido à ação da fosfolipase sobre a lecitina na bile)e por outros fatores teciduais locais, assim como (3) inflamação bacteriana, os organismos frequentemente isolados por cultura da bile da vesícula nesses pacientes incluem Escherichia coli, Klebsiella spp., Streptococcus spp e Clostridium spp. Clínica: costuma começar como uma crise de dor biliar que piora progressivamente. Cerca de 60 a 70% dos pacientes relatam já haver experimentado crises precedentes que regrediram espontaneamente. Porém, à medida que o episódio progride, a dor da colecistite aguda torna-se mais generalizada no quadrante superior direito do abdome. Como acontece com a cólica biliar, a dor da colecistite pode irradiar-se para a área interescapular, a escápula direita ou o ombro. Os sinais peritoneais de inflamação, como o agravamento da dor com a movimentação ou a respiração profunda, podem ser evidentes. O paciente apresenta-se anorético e, na maioria das vezes, nauseado. Os vômitos são relativamente comuns, podendo produzir sintomas e sinais de depleção volêmica vascular e extravascular. A icterícia é incomum no início da evolução da colecistite aguda, mas pode ocorrer quando as alterações inflamatórias edematosas acometem os ductos biliares e linfonodos circundantes. Caracteristicamente, a febre é baixa, porém os calafrios ou os arrepios não são incomuns. O QSD do abdome apresenta-se quase invariavelmente hipersensível à palpação. Uma vesícula biliar tensa e aumentada de volume é palpável em 25 a 50% dos pacientes. A respiração profunda ou tosse durante a palpação subcostal do QSD costuma produzir aumento da dor e parada inspiratória (sinal de Murphy). A descompressão dolorosa com hipersensibilidade localizada no QSD é comum, o mesmo ocorrendo com distensão abdominal e ruídos intestinais hipoativos em função do íleo paralítico, porém em geral faltam sinais peritoneais generalizados e rigidez abdominal na ausência de perfuração. Diagnóstico: é feito habitualmente com base em uma anamnese característica e um bom exame físico. A tríade de início súbito de hipersensibilidade no QSD, febre e leucocitose é altamente sugestiva. A leucocitose fica entre 10.000 e 15.000 células por microlitro com um desvio para a esquerda na contagem diferencial. A bilirrubina sérica torna-se levemente elevada [<85,5 μmol/L (5 mg/dL)] em menos da metade dos pacientes, enquanto cerca de 25% evidenciam elevações moderadas das aminotransferases séricas (em geral, elevação inferior a 5 vezes). A ultrassonografia demonstra a presença de cálculos em 90 a 95% dos casos, sendo útil na identificação dos sinais de inflamação da vesícula, como espessamento da parede, líquido pericolecístico e dilatação do ducto biliar. A cintilografia biliar com radionuclídeo (p. ex., HIDA) poderá confirmar o diagnóstico se for vista a imagem do ducto biliar sem a visualização da vesícula biliar. História natural: Cerca de 75% dos pacientes tratados clinicamente obtêm a remissão dos sintomas agudos dentro de 2 a 7 dias após a hospitalização. Porém, em 25% dos casos, uma complicação da colecistite aguda ocorre apesar do tratamento conservador (veradiante). Nestas circunstâncias, é necessária uma intervenção cirúrgica imediata. Dos 75% dos pacientes com colecistite aguda que conseguem a remissão dos sintomas, cerca de 25% têm recidiva da colecistite dentro de 1 ano, e 60% têm pelo menos um episódio recorrente dentro de 6 anos. Diante da história natural da doença, a colecistite aguda deve ser tratada preferencialmente com cirurgia precoce sempre que possível. A síndrome de Mirizzi é uma complicação rara na qual um cálculo biliar fica impactado no ducto cístico ou colo da vesícula biliar, causando compressão do colédoco, resultando em obstrução coledociana e icterícia. A ultrassonografia mostra cálculo(s) biliar(es) fora do ducto hepático. A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) ou a colangiografia transepática percutânea (CTP) ou a colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) costumam demonstrar a compressão extrínseca característica do colédoco. A cirurgia consiste em remover o ducto cístico, a vesícula biliar doente e o cálculo impactado. O diagnóstico préoperatório da síndrome de Mirizzi é importante para evitar uma lesão do colédoco. Tipos Colecistite acalculosa: Em 5 a 10% dos pacientes com colecistite aguda, nãose encontram cálculos obstruindo o ducto cístico durante a cirurgia. Em >50% desses casos não se encontra uma explicação plausível para a inflamação acalculosa. Um maior risco para o surgimento de colecistite acalculosa está associado especialmente a traumatismo grave ou queimaduras, ao período pós-parto subsequente a um trabalho de parto prolongado e ao pós-operatório de grandes intervenções cirúrgicas ortopédicas e de outra natureza não biliar. Ela pode complicar períodos de hiperalimentação parenteral prolongada. Para alguns desses casos, a lama biliar no ducto cístico pode ser o fator responsável. Outros fatores desencadeantes são vasculite, adenocarcinoma obstrutivo da vesícula biliar, diabetes melito, torção da vesícula biliar, infecções bacterianas “incomuns” da vesícula biliar (p. ex., Leptospira, Streptococcus, Salmonella o u Vibrio cholerae) e infestação parasitária da vesícula biliar. A colecistite acalculosa pode ser observada também com ampla variedade de outros processos patológicos sistêmicos (sarcoidose, doença cardiovascular, tuberculose, sífilis, actinomicose). As manifestações clínicas da colecistite acalculosa são indiferenciáveis daquelas da colecistite calculosa, porém a presença de inflamação aguda da vesícula biliar que complica uma enfermidade subjacente grave é característica da doença acalculosa. Exames de ultrassonografia ou tomografia computadorizada demonstrando uma grande vesícula tensa e estática sem cálculos e com evidência de esvaziamento precário durante um período prolongado podem ter alta utilidade diagnóstica em alguns casos. A taxa de complicações na colecistite acalculosa é mais alta do que na colecistite calculosa. O tratamento bem-sucedido da colecistite acalculosa aguda parece depender principalmente do diagnóstico e da intervenção cirúrgica precoces, com atenção meticulosa aos cuidados pós- operatórios. Colecistopatia acalculosa: A motilidade desordenada da vesícula biliar pode produzir dor biliar recorrente nos pacientes sem cálculos biliares. A infusão de um octapeptídeo de CCK pode ser realizada para medir a fração de ejeção vesicular durante a colecintilografia. Os achados cirúrgicos incluem anormalidades como colecistite crônica, hipertrofia da camada muscular da vesícula biliar e/ou ducto cístico extremamente estreitado. Alguns desses pacientes podem apresentar também antecedente de doença da vesícula. Os seguintes critérios podem ser usados para identificar os pacientes com colecistopatia acalculosa: (1) episódios recorrentes de dor típica no QSD característica da dor do trato biliar, (2) colecintilografia com CCK anormal demonstrando uma fração de ejeção vesicular de <40% e (3) infusão de CCK que reproduz a dor do paciente. Um indício adicional pode ser a identificação de vesícula biliar volumosa ao exame ultrassonográfico. Por fim, deve ser assinalado que uma disfunção do esfincter de Oddi também pode dar origem a um quadro de dor recidivante no QSD e anormalidades cintilográficas após a administração de CCK. Colecistite enfisematosa: Acredita-se que a denominada colecistite enfisematosa tenha início com uma colecistite aguda (calculosa ou acalculosa) seguida por isquemia ou gangrena da parede vesicular e infecção por organismos produtores de gases. As bactérias mais cultivadas nestas circunstâncias consistem em anaeróbios, como Clostridium welchii ou Clostridium perfringens, e aeróbios, como E. coli. Esta condição ocorre com mais frequência em homens idosos, assim como em pacientes com diabetes melito. As manifestações clínicas são essencialmente indiferenciáveis das da colecistite não gasosa. O diagnóstico costuma ser feito pela radiografia simples de abdome graças ao achado de gás dentro do lúmen da vesícula,infiltrando-se no interior da parede da vesícula para formar um anel gasoso, ou nos tecidos pericolecísticos. As taxas de morbidade e mortalidade na colecistite enfisematosa são consideráveis. A intervenção cirúrgica imediata combinada com antibióticos adequados é a conduta mandatória. COLECISTITE CRÔNICA: inflamação crônica da parede da vesícula está quase sempre associada à presença de cálculos biliares, e admite-se que resulta de episódios repetidos de colecistite subaguda ou aguda ou de irritação mecânica persistente da parede por cálculos biliares. Bactérias na bile são observadas em >25% dos pacientes com colecistite crônica. A presença de bile infectada em um paciente com colecistite crônica submetido a uma colecistectomia eletiva aumenta muito pouco o risco operatório. A colecistite crônica pode ser assintomática por vários anos, pode progredir para doença vesicular sintomática ou colecistite aguda ou manifestar-se com complicações. A colecistite xantogranulomatosa (CXG) é uma inflamação crônica da vesícula biliar cujo o grande diagnóstico diferencial consiste no carcinoma de vesícula biliar. Por se tratar de uma inflamação crônica, algumas complicações podem ser encontradas no momento do diagnóstico, como abscesso, perfuração, fístulas, extensão da inflamação ao fígado ou cólon e síndrome de Mirizzi. Se caracteriza por um processo inflamatório granulamatoso destrutivo, focal ou difuso com acumulação de macrófagos repletos de lípidos, tecido fibroso e células inflamatórias agudas e crónicas. Manifesta-se através de sintomas como dor no hipocôndrio direito, febre, nauseas e vomitos, porém, alguns pacientes podem se manter assintomáticos. Em relação a etiopatogenia, acredita-se que seja desencadeada pela obstrução da vesícula biliar ou do ducto cístico, ocasionando aumento da pressão intraluminal e ruptura dos seios de Rokitansky-Aschoff ou ulceração da mucosa, promovendo a passagem da bile para a parede da vesícula e consequente reação granulomatosa Complicações EMPIEMA E HIDROPSIA: O empiema da vesícula biliar resulta habitualmente da progressão de colecistite aguda com obstrução persistente do ducto cístico para superinfecção da bile estagnada com um organismo bacteriano formador de pus. O quadro clínico é semelhante ao da colangite com febre alta, dor intensa no QSD, leucocitose acentuada e, com frequência, prostração. O empiema da vesícula biliar tem alto risco de sepse Gram-negativa e/ou perfuração. A intervenção cirúrgica emergencial com cobertura antibiótica apropriada é necessária logo após suspeitar desse diagnóstico. A hidropsia ou mucocele da vesícula biliar também pode resultar da obstrução prolongada do ducto cístico, em geral por um grande cálculo solitário. Nesse caso, o lúmen vesicular obstruído é distendido progressivamente, durante um longo período, por muco (mucocele) ou por um transudato claro (hidropsia) produzido pelas células epiteliais mucosas. Ao exame físico é possível identificar massa visível, facilmente palpável e indolor que se estende por vezes desde o QSD até a fossa ilíaca direita. O paciente com hidropsia da vesícula biliar costuma permanecer assintomático, embora possa ocorrer também dor crônica no QSD. A colecistectomia está indicada, visto que o empiema, a perfuração ou a gangrena podem complicar essa condição. GANGRENA E PERFURAÇÃO: A gangrena da vesícula biliar resulta da isquemia da parede e da necrose tecidual segmentar ou completa. As condições subjacentes costumam consistir em acentuada distensão da vesícula biliar, vasculite, diabetes melito, empiema ou torção que resulta em oclusão arterial. Em geral, a gangrena predispõe à perfuração da vesícula biliar, embora esta última possa ocorrer também na colecistite crônica sem sintomas premonitórios de alerta. As perfurações localizadas costumam ser contidas pelo omento ou pelas aderências produzidas pela inflamação recorrente da vesícula biliar. A superinfecção bacteriana do conteúdo da vesícula bloqueado resulta na formação de um abscesso. A maioria dos pacientes deve ser tratada de forma preferencial com colecistectomia, porém alguns pacientes gravemente enfermos podem ser controlados com colecistostomia e drenagem do abscesso. A perfuração livre é menos comum, porém está associada a uma taxa de mortalidade de cerca de 30%. Esses pacientes podem experimentar um alívio transitório brusco da dor no QSD quando ocorre a descompressão da vesícula distendida, o que é acompanhado por sinais de peritonite generalizada. FORMAÇÃO DE FÍSTULA E ÍLEO BILIAR: A formação de fístula para o interior de um órgão adjacente aderido à parede da vesícula pode resultar da inflamação e formação de aderências. As fístulas para o duodeno são extremamente comuns, seguidas em frequência por aquelas que acometem a flexura hepática do cólon, o estômago ou duodeno, a parede abdominal e a pelve renal. As fístulas bilioentéricas clinicamente “silenciosas” que ocorrem como complicação da colecistite aguda são encontradas em até 5% dos pacientes submetidos à colecistectomia. Às vezes, as fístulas colecistoentéricas assintomáticas podem ser diagnosticadas ao se identificar a presença de gás na árvore biliar nas radiografias simples de abdome. Os exames contrastados com bário ou a endoscopia do trato gastrintestinal alto ou do cólon podem demonstrar a fístula. O tratamento do paciente sintomático consiste habitualmente em colecistectomia, exploração coledociana e fechamento do trajeto fistuloso. Íleo biliar refere-se à obstrução intestinal mecânica que resulta da passagem de um cálculo biliar volumoso e sua penetração no lúmen intestinal. O cálculo em geral penetra no duodeno a partir de uma fístula colecistoentérica nesse nível. O local da obstrução pelo cálculo impactado fica habitualmente ao nível da valva ileocecal, desde que o intestino delgado mais proximal seja de calibre normal. A maioria dos pacientes não relata história de sintomas precedentes relacionados com o trato biliar ou queixas sugestivas de colecistite aguda ou formação de fístula. Admite-se que os cálculos volumosos, >2,5 cm de diâmetro, predisponham à formação de fístula em função da erosão gradual através do fundo da vesícula. A confirmação diagnóstica pode ser ocasionalmente obtida pela radiografia simples de abdome (p. ex., obstrução do intestino delgado com gás na árvore biliar e cálculo biliar ectópico calcificado) ou após seriografia gastrintestinal alta (fístula colecistoduodenal com obstrução do intestino delgado no nível da valva ileocecal). A laparotomia com extração do cálculo (ou propulsão para dentro do cólon) continua sendo o procedimento de escolha destinado a eliminar a obstrução. Deve ser realizada também a evacuação de grandes cálculos existentes dentro da vesícula biliar. Em geral, a vesícula biliar e suas aderências aos intestinos devem ser deixadas como estão. BILE TIPO LEITE DE CÁLCIO E VESÍCULA EM PORCELANA: Os sais no lúmen da vesícula biliar, quando presentes em uma concentração suficiente, podem produzir precipitação do cálcio e opacificação difusa e nebulosa da bile ou efeito de superposição de camadas na radiografia simples de abdome. Essa denominada bile tipo leite de cálcio costuma ser clinicamente inócua, apesar de a colecistectomia ser recomendada, sobretudo quando ocorre em vesícula biliar hidrópica. Na entidade denominada vesícula em porcelana, a deposição de sais de cálcio dentro da parede da vesícula biliar cronicamente inflamada pode ser identificada na radiografia simples de abdome. A colecistectomia é aconselhada em todos os pacientes com vesícula em porcelana, pois em um alto percentual dos casos esse achado parece estar associado ao surgimento de carcinoma da vesícula biliar. TRATAMENTO AGUDA: Apesar de a intervenção cirúrgica continuar sendo a base da terapia da colecistite aguda e suas complicações, um período de estabilização intra-hospitalar pode ser necessário antes da colecistectomia. Clínico: A ingestão oral deve ser eliminada, a aspiração nasogástrica pode estar indicada, e a depleção do volume extracelularbem como as anormalidades eletrolíticas são corrigidas. Meperidina ou AINEs são utilizados habitualmente para obter analgesia. A antibioticoterapia intravenosa costuma ser indicada aos pacientes com colecistite aguda grave, embora seja possível que a infecção bacteriana da bile não tenha ocorrido nos estágios iniciais do processo inflamatório. A antibioticoterapia deve ser orientada pelos organismos mais comuns que costumam estar presentes: E. coli, Klebsiella spp. e Streptococcus spp. Os antibióticos efetivos consistem nas ureidopenicilinas, como piperacilina ou mezlocilina, ampicilina sulbactam, ciprofloxacina, moxifloxacina e as cefalosporinas de terceira geração. A cobertura anaeróbia proporcionada por medicamentos como o metronidazol deve ser acrescentada quando se suspeita de colecistite gangrenosa ou enfisematosa. Imipenem/meropenem representam antibióticos parenterais potentes que proporcionam cobertura contra todo o espectro de bactérias que causam colangite ascendente. Entretanto, esses fármacos devem ficar reservados às infecções mais graves e ameaçadoras quando outros esquemas falharam. As complicações pós-operatórias de infecção da ferida, formação de abscesso e sepse são reduzidas nos pacientes tratados com antibióticos. Cirúrgico: A colecistectomia ou colecistostomia urgente é provavelmente apropriada na maioria dos pacientes nos quais há suspeita ou confirmação de complicação da colecistite aguda, como empiema, colecistite enfisematosa ou perfuração. Os pacientes com colecistite aguda sem complicações devem ser submetidos a colecistectomia laparoscópica eletiva precoce, de preferência dentro de 48 a 72 horas após o diagnóstico. A taxa de complicações não está aumentada nos pacientes submetidos a colecistectomia precoce em comparação com a intervenção mais tardia (>6 semanas após o estabelecimento do diagnóstico). A intervenção cirúrgica postergada deve ficar reservada provavelmente aos (1) pacientes cuja condição médica global impõe um risco inaceitável para a cirurgia precoce e (2) pacientes cujo diagnóstico de colecistite aguda é duvidoso. Assim, a colecistectomia precoce (dentro de 72 horas) constitui o tratamento de escolha para a maioria dos pacientes com colecistite aguda. Os pacientes gravemente doentes ou debilitados com colecistite podem ser manejados com colecistostomia e drenagem por tubo da vesícula biliar. A colecistectomia eletiva pode então ser realizada mais tarde. Complicações pós-cirurgia: complicações precoces após colecistectomia incluem atelectasia e outros distúrbios pulmonares, formação de abscesso (na maioria das vezes, subfrênico), hemorragia externa ou interna, fístula bilioentérica e vazamentos de bile. A icterícia pode indicar absorção de bile a partir de um acúmulo intraabdominal após vazamento biliar ou obstrução mecânica do colédoco devido a cálculos retidos, coágulos sanguíneos intraductais ou compressão extrínseca. Em um pequeno percentual de pacientes, um distúrbio dos ductos biliares extrahepáticos pode resultar em sintomatologia persistente. Essas denominadas síndromes pós-colecistectomia podem ser devidas a (1) estreitamentos biliares, (2) cálculos biliares retidos, (3) síndrome do coto do ducto cístico, (4) estenose ou discinesia do esfincter de Oddi e (5) diarreia ou gastrite induzida por sais biliares. COLEDOCOLITÍASE Fisiopatologia e manifestações clínicas: A passagem de cálculos biliares e sua penetração no colédoco ocorre em cerca de 10 a 15% dos pacientes com colelitíase. A incidência de cálculos coledocianos aumenta com a idade mais avançada do paciente, de forma que até 25% dos pacientes idosos podem apresentar cálculos no colédoco por ocasião da colecistectomia. Cálculos nos ductos que não são detectados são deixados em cerca de 1 a 5% dos pacientes colecistectomizados. A grande maioria de cálculos ductais é representada pelos cálculos de colesterol formados na vesícula biliar, que a seguir migram para a árvore biliar extra-hepática através do ducto cístico. Os cálculos primários com origem de novo nos ductos em geral são cálculos pigmentares marrons que se manifestam em pacientes com (1) parasitismo hepatobiliar ou colangite recorrente crônica; (2) anomalias congênitas dos ductos biliares (em especial a doença de Caroli); (3) ductos dilatados, esclerosados ou estreitados; ou (4) um defeito do gene MDR3 (ABCB4) que acarreta a secreção biliar alterada de fosfolipídeos (colelitíase de colesterol associada a baixos níveis de fosfolipídeos). Os cálculos coledocianos podem permanecer assintomáticos por anos, ser eliminados espontaneamente e penetrar o duodeno ou (na maioria das vezes) manifestar-se com cólica biliar ou uma complicação. Complicações COLANGITE: pode ser aguda ou crônica, e os sintomas resultam de inflamação, que é causada em geral por obstrução pelo menos parcial ao fluxo da bile. As bactérias estão presentes na cultura da bile em cerca de 75% dos pacientes com colangite aguda logo no início da evolução sintomática. A manifestação característica da colangite aguda envolve dor biliar, icterícia e picos febris com calafrios (tríade de Charcot). As culturas de sangue são positivas com frequência, e a leucocitose é típica. A colangite aguda não supurativa é extremamente comum, podendo responder com relativa rapidez às medidas de suporte e ao tratamento com antibióticos. Porém, na colangite aguda supurativa, a presença de pus sob pressão em um sistema ductal completamente obstruído dá origem a sintomas decorrentes da toxicidade acentuada – confusão mental, bacteremia e choque séptico. A resposta ao tratamento realizado apenas com antibióticos nestas circunstâncias é relativamente precária, múltiplos abscessos hepáticos estão presentes com frequência, e a taxa de mortalidade aproxima-se de 100%, a não ser quando se consegue o alívio endoscópico ou cirúrgico imediato da obstrução e a drenagem da bile infectada. O controle endoscópico da colangite bacteriana é tão eficaz quanto a intervenção cirúrgica. A CPRE com esfincterotomia endoscópica é segura e representa o procedimento inicial preferido tanto para o estabelecimento de um diagnóstico definitivo quanto para proporcionar uma terapia efetiva. ICTERÍCIA OBSTRUTIVA: A obstrução gradual do colédoco durante um período de semanas ou meses induz habitualmente manifestações iniciais de icterícia ou prurido sem sintomas associados de cólica biliar ou colangite. A icterícia indolor pode ocorrer nos pacientes com coledocolitíase, porém é muito mais característica da obstrução biliar secundária a uma malignidade da cabeça do pâncreas, dos ductos biliares ou da ampola de Vater. Nos pacientes cuja obstrução é secundária à coledocolitíase, a colecistite crônica calculosa associada é muito comum, e a vesícula biliar, nessas circunstâncias, pode ser incapaz de distender. A ausência de vesícula biliar palpável na maioria dos pacientes com obstrução biliar devida a cálculos ductais constitui a base para a lei de Courvoisier, isto é, que a presença de vesícula biliar aumentada de volume e palpável sugere que a obstrução biliar seja secundária muito mais a uma doença maligna subjacente do que a uma doença calculosa. A obstrução da via biliar causa dilatação progressiva dos ductos biliares intra-hepáticos à medida que as pressões intrabiliares aumentam. O fluxo de bile hepático é suprimido, e a reabsorção e a regurgitação da bilirrubina conjugada com sua penetração na corrente sanguínea resultam em icterícia acompanhada por urina escura (bilirrubinúria) e fezes de coloração clara (acólicas). A hipótese de cálculos coledocianos deve ser levantada em qualquer paciente com colecistite cujo nível sérico de bilirrubina seja >85,5 μmol/L (5 mg/dL). O nível máximo de bilirrubina apenas raramente será >256,5 μmol/L (15 mg/dL) nos pacientes com coledocolitíase, a não ser quando exista hepatopatia ou nefropatia concomitante ou algum outro fator que resulte em hiperbilirrubinemia acentuada. Os níveis séricos de bilirrubina ≥342 μmol/L (20 mg/dL) devem sugerir a possibilidade de obstrução neoplásica.O nível sérico de fosfatase alcalina mostra-se quase sempre elevado na obstrução biliar. A elevação da fosfatase alcalina costuma preceder a icterícia clínica, podendo ser a única anormalidade nas provas de função hepática de rotina. Pode haver também uma elevação de 2 a 10 vezes nas aminotransferases séricas, sobremaneira em associação com obstrução aguda. Após o alívio do processo obstrutivo, as elevações séricas das aminotransferases costumam normalizar-se rapidamente, enquanto o nível sérico de bilirrubina pode levar 1 a 2 semanas para retornar ao normal. O nível de fosfatase alcalina costuma cair de forma lenta, levando mais tempo do que a redução na bilirrubina sérica. PANCREATITE: A entidade associada mais observada em pacientes com pancreatite não alcoólica é a doença do trato biliar. A evidência bioquímica de inflamação pancreática complica a colecistite aguda em 15% dos casos e a coledocolitíase em mais de 30%, com o fator comum parecendo ser a passagem de cálculos biliares pelo colédoco. Uma pancreatite coexistente deve ser suspeitada nos pacientes com sintomas de colecistite que manifestam (1) dor nas costas ou à esquerda da linha média abdominal, (2) vômitos prolongados com íleo paralítico ou (3) derrame pleural, sobretudo no lado esquerdo. O tratamento cirúrgico da doença calculosa biliar está habitualmente associado à resolução da pancreatite. CIRROSE BILIAR SECUNDÁRIA: A cirrose biliar secundária pode complicar a obstrução ductal prolongada ou intermitente com ou sem colangite recorrente. Embora essa complicação possa ser vista em pacientes com coledocolitíase, ela é mais comum em casos de obstrução prolongada por estenose ou neoplasia. Uma vez estabelecida, a cirrose biliar secundária pode ser progressiva mesmo após a correção do processo obstrutivo, e a cirrose hepática cada vez mais grave pode evoluir para hipertensão portal ou insuficiência hepática e morte. A obstrução biliar prolongada pode estar associada também a deficiências clinicamente relevantes das vitaminas lipossolúveis A, D, E e K. Diagnóstico e tratamento: O diagnóstico de coledocolitíase costuma ser feito pela colangiografia, seja no pré-operatório com colangiografia retrógrada endoscópica (CRE) ou CPRM, seja no intraoperatório durante a colecistectomia. Até 15% dos pacientes submetidos a colecistectomia têm cálculos coledocianos. Quando há suspeita de cálculos coledocianos antes de colecistectomia laparoscópica, a abordagem preferida é a realização pré-operatória de CPRE com papilotomia endoscópica e extração do cálculo. Isso não apenas faz a eliminação do cálculo, como também define a anatomia da árvore biliar em relação ao ducto cístico. Os cálculos coledocianos devem ser suspeitados nos pacientes com cálculos biliares que apresentam qualquer um dos seguintes fatores de risco: (1) história de icterícia ou pancreatite ou (2) testes anormais da função hepática e (3) evidência ultrassonográfica ou por CPRM de colédoco dilatado ou cálculos no ducto. Como alternativa, se a colangiografia intraoperatória revelar cálculos retidos, poderá ser realizada CPRE pós-operatória. A EBE seguida por passagem espontânea ou extração do cálculo constitui o tratamento de escolha no atendimento dos pacientes com cálculos coledocianos, especialmente nos pacientes idosos ou de alto risco.
Compartilhar