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SÍNDROME DE CUSHING A síndrome de Cushing está relacionada com o excesso de produção de cortisol devido ao excesso de secreção de ACTH (decorrente de tumor na hipófise ou tumor ectópico) ou à produção suprarrenal de cortisol independente de ACTH. As manifestações clínicas são resultantes da exposição crônica a um excesso de glicocorticoides de qualquer etiologia. O distúrbio pode ser dependente de ACTH (por exemplo adenoma corticotrófico hipofisário, secreção ectópica de ACTH por tumor não hipofisário) ou independente de ACTH (por exemplo adenoma adrenocortical, carcinoma adrenocortical, hiperplasia suprarrenal nodular), bem como iatrogênico (por exemplo administração de glicocorticoides exógenos para o tratamento de várias condições inflamatórias). O termo doença de Cushing refere-se, especificamente, à síndrome de Cushing causada por um adenoma de corticotróficos hipofisários. Se clinicamente suspeito com base em características fenotípicas, em pacientes que não estão tomando glicocorticoides exógenos, o exame laboratorial pode ser realizado com a mensuração das taxas de excreção de 24 horas da urina livre de cortisol ou um teste de supressão com dexametasona noturna. O cortisol salivar noturno tardio também é um exame de triagem sensível e conveniente. Mas é necessária uma avaliação posterior para confirmar o diagnóstico e identificar a etiologia específica da síndrome de Cushing. A terapia adequada depende da etiologia. Epidemiologia Costuma ser considerada uma doença rara. Sua incidência é de 1 a 2 por 100.000 indivíduos por ano. Entretanto, questiona-se se o excesso leve de cortisol pode ser mais prevalente entre pacientes com várias características da síndrome de Cushing, como obesidade centrípeta, diabetes tipo 2 e fraturas vertebrais osteoporóticas, tendo em vista o fato de que essas características são relativamente inespecíficas e comuns na população. Na maioria dos pacientes, a síndrome de Cushing é causada por um adenoma corticotrófico produtor de ACTH da hipófise. A doença de Cushing afeta mais as mulheres, exceto nos casos pré-puberais, quando é mais comum em meninos. Em contrapartida, a síndrome ACTH ectópico é identificada com mais frequência em homens. Apenas 10% dos pacientes com síndrome de Cushing apresentam uma causa suprarrenal primária da doença (por exemplo excesso de cortisol autônomo, independente de ACTH), e a maioria desses pacientes consiste em mulheres. De modo global, o uso clínico de glicocorticoides para imunossupressão ou para o tratamento de doenças inflamatórias constitui a causa mais comum da síndrome de Cushing. Etiologia Em pelo menos 90% dos pacientes com doença de Cushing, o excesso de ACTH é causado por um microadenoma corticotrófico hipofisário, frequentemente com apenas alguns milímetros de diâmetro. Os macroadenomas hipofisários (tumores com >1cm de tamanho) são encontrados em apenas 5 a 10 % dos pacientes. Os adenomas corticotróficos da hipófise costumam ocorrer de modo esporádico; todavia, muito raramente, podem ser encontrados no contexto da neoplasia endócrina múltipla tipo 1. Os pacientes com excesso de cortisol, independente de ACTH são, em sua maioria, portadores de adenoma suprarrenal produtor de cortisol; foram identificadas mutações intratumorais. Uma causa rara, porém notável, de excesso de cortisol suprarrenal é a hiperplasia suprarrenal macronodular com baixos níveis circulantes de ACTH, porém com evidência de estimulação autócrina da produção de cortisol por meio da produção intrassuprarrenal de ACTH. Manifestações clínicas Os glicocorticoides afetam quase todas as células do corpo, e, em consequência, os sinais de excesso de cortisol têm impacto em múltiplos sistemas fisiológicos, com suprarregulação da gliconeogênese, da lipólise e do catabolismo das proteínas, causando manifestações mais proeminentes. Os glicocorticoides em excesso também interferem nos sistemas reguladores centrais, levando à supressão das gonadotrofinas, com desenvolvimento subsequente de hipogonadismo e amenorreia, e supressão do eixo hipotálamo-hipófise- tireoide, resultando em diminuição da secreção do hormônio estimulante da tireoide (TSH). Os sinais e sintomas clínicos observados na síndrome de Cushing são, em sua maioria, relativamente inespecíficos e consistem em manifestações como obesidade, diabetes melito, hipertensão diastólica, hirsutismo e depressão, que são comumente observados em pacientes que não apresentam síndrome de Cushing. Por conseguinte, uma avaliação clínica cuidadosa constitui um importante aspecto na avaliação dos casos suspeitos. Deve-se considerar o diagnóstico de síndrome de Cushing quando são observadas várias manifestações clínicas no mesmo paciente, em particular quando são encontradas manifestações mais específicas. Esses achados incluem fragilidade da pele, com equimoses fáceis e estrias cutâneas largas (>1cm) e violáceas, e sinais de miopatia proximal, que se torna mais evidente quando o paciente tenta se levantar de uma cadeira sem a ajuda das mãos, ou quando sobe uma escada. As manifestações clínicas da síndrome de Cushing podem correr risco agudo de trombose venosa profunda, com embolia pulmonar subsequente, devido a um estado hipercoagulável associado à síndrome. A maioria dos pacientes também apresenta sintomas psiquiátricos, em sua maior parte na forma de ansiedade ou depressão; todavia, pode ocorrer também psicose paranoide ou depressiva aguda. Diagnóstico A primeira etapa mais importante no manejo de pacientes com suspeita de síndrome de Cushing consiste em estabelecer o diagnóstico correto. Os erros no manejo clínico, que levam à realização desnecessária de exames de imagem ou de cirurgia, são cometidos, em sua maior parte, porque o protocolo diagnóstico não é seguido. Esse protocolo requer o estabelecimento do diagnóstico da síndrome de Cushing de forma irrefutável antes de recorrer a quaisquer exames usados para o diagnóstico diferencial da condição. Em princípio, após excluir o uso de glicocorticoides exógenos como causa dos sinais e sintomas clínicos, é preciso submeter os casos suspeitos a exames na presença de manifestações múltiplas e progressivas da síndrome de Cushing, sobretudo características com valor discriminativo potencialmente mais alto. A exclusão da síndrome de Cushing também está indicada para pacientes com massas suprarrenais descobertas de modo incidental. Pode-se considerar o diagnóstico de síndrome de Cushing como estabelecido se os resultados de vários exames forem consistentemente sugestivos da síndrome. Esses exames podem incluir aumento da excreção de cortisol livre na urina de 24 horas em três coletas separadas, incapacidade de suprimir de maneira apropriada o cortisol pela manhã após exposição noturna à dexametasona e evidência de perda do ritmo circadiano de cortisol com níveis elevados à meia-noite, o momento em que a secreção está fisiologicamente mais baixa. Diagnóstico diferencial A avaliação dos pacientes com síndrome de Cushing confirmada deve ser realizada por um endocrinologista e começa com o diagnóstico diferencial do excesso de cortisol dependente de ACTH e independente de ACTH. Em geral, os níveis plasmáticos de ACTH estão suprimidos nos casos de excesso de cortisol suprarrenal autônomo em consequência do feedback negativo aumentado para o hipotálamo e a hipófise. Em contrapartida, os pacientes com síndrome de Cushing dependente de ACTH apresentam níveis plasmáticos normais ou aumentados de ACTH, com níveis muito elevados observados em alguns pacientes com síndrome de ACTH ectópico. É importante assinalar que o exame de imagem só deve ser realizado após estabelecer se o excesso de cortisol é dependente ou independente de ACTH, visto que os nódulos da hipófise ou das suprarrenais constituem um achado comum na população geral. Nos pacientes com excesso independente de ACTH confirmado, indica-se um exame deimagem das suprarrenais, de preferência como tomografia computadorizada (TC) sem contraste. Isso permite examinar a morfologia das suprarrenais e determinar a densidade do tumor, o que ajuda a distinguir entre lesões suprarrenais benignas e malignas. Em todos os casos de síndrome de Cushing dependente de ACTH confirmada, são necessários exames adicionais para o diagnóstico diferencial da doença de Cushing hipofisária e da síndrome do ACTH ectópico. Tratamento A síndrome de Cushing está associada a um prognóstico ruim se não tratada. Na doença independente de ACTH, o tratamento consiste na remoção cirúrgica do tumor suprarrenal. Para os tumores menores, pode- se utilizar uma abordagem minimamente invasiva, enquanto se prefere uma cirurgia aberta para os tumores mais volumosos e aqueles com suspeita de neoplasia maligna. Na doença de Cushing, o tratamento de escolha consiste em remoção seletiva do tumor corticotrófico hipofisário, em geral por via transesfenoidal endoscópica. Todavia, mesmo após remoção inicial depois da cirurgia, o acompanhamento de longo prazo é importante devido à ocorrência de recidivas tardias em um número significativa de pacientes. Em alguns pacientes com síndrome de Cushing manifesta e muito grave (por exemplo com controle difícil da hipertensão hipopotassêmica ou psicose aguda), pode ser necessário introduzir a terapia clínica para controlar rapidamente o excesso de cortisol durante o período que se estende até a cirurgia. No caso da síndrome de ACTH ectópico, em que não é possível localizar o tumor, deve-se avaliar cuidadosamente se o tratamento farmacológico ou a suprarrenalectomia bilateral constituem a escolha mais apropriada, visto que esta última facilita a cura imediata, porém exige reposição de corticoesteroide por toda a vida. Os agentes orais de eficácia estabelecida na síndrome de Cushing são a metirapona e o cotoconazol. A metirapona inibe a síntese de cortisol em nível da 11B-hidroxilase, enquanto o antimicótico cetoconazol inibe as etapas iniciais da esteroidogênese. As doses iniciais típicas são de 500mg três vezes ao dia para a metirapona (dose máxima de 6g) e de 200mg três vezes ao dia para o cetoconazol (dose máxima de 1.200mg). Nos casos graves de excesso de cortisol, pode-se administrar etomidato para reduzir o cortisol. É administrado por infusão IV contínua em baixas doses não anestésicas. Após a remoção bem-sucedida de um tumor produtor de ACTH ou de cortisol, o eixo hipotalâmico-hipofisário-suprarrenal (HHSR) permanece suprimido. Por conseguinte, a reposição com hidrocortisona precisa ser iniciada no momento da cirurgia e reduzida lenta e gradualmente após a recuperação a fim de permitir uma adaptação fisiológica aos níveis normais de cortisol. Dependendo do grau e da duração do excesso de cortisol, o eixo HHSR pode necessitar de muitos meses ou até mesmo anos para reassumir a sua função normal.
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