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PONTOS PRINCIPAIS DE PSICOLOGIA MÉDICA DISCENTE: ANNA BEATRIZ FONSECA – MEDFTC2020.1 – 2º SEMESTRE – TURMA A – TUT3 PSICOLOGIA MEDICA E RELAÇÃO MÉDICO – PACIENTE RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE /PORTO O encontro entre o paciente e o médico desperta uma grande variedade de sentimentos e emoções. Contudo, esta não é uma relação habitual, pois nela está inserida uma grande carga de sentimentos que determina uma relação dialética entre o ser doente e aquele que lhe oferece ajuda. O estudo desse relacionamento deve partir das seguintes premissas: o A relação médico-paciente constitui a parte fundamental da prática médica; O exame clínico, especialmente a anamnese, continua sendo o elemento principal da medicina moderna; É necessário adquirir uma boa compreensão dos mecanismos psicodinâmicos envolvidos no processo; A aprendizagem da relação médico-paciente está interligada à aprendizagem do método clínico; É indispensável a aquisição de conhecimentos básicos das Humanidades, pois a relação médico-paciente ultrapassa o âmbito dos fenômenos biológicos. Relação médico-paciente e princípios bioéticos: 1. Beneficência: Buscar fazer sempre o bem para o paciente; 2. Não maleficência: Não fazer nada de mal ao paciente; 3. Justiça: Fazer sempre o que é justo ao paciente; 4. A bioética acrescentou o respeito à autonomia, que possibilita que o paciente decida sobre o tratamento, aceitando-o ou não, depois do devido esclarecimento. A beneficência e a não maleficência são perfeitamente compreensíveis na prática clínica. No entanto, a ideia de justiça não é, igualmente, de fácil compreensão ou aplicação, uma vez que implica considerar princípios de justiça social no acesso à saúde e ao atendimento. o A justiça deve ser apreendida como uma atitude fundamental ao atendimento médico. Ao examinar o paciente, o profissional precisa levar em conta o gênero, a cor, as questões morais, sociais e religião, para não descriminá-lo. A justiça é o pilar da equidade, e esta torna-se base do atendimento médico. A equidade é vista como "tratar de forma desigual os desiguais" na tentativa de oferecer oportunidades semelhantes a toda a sociedade. Outros valores se tornam necessários no cotidiano: o O respeito à alteridade: Respeitar a diferença no outro, respeitar a diversidade; o Sigilo: Respeitar o segredo sobre as informações do paciente. A boa relação médico-paciente é por si só uma atitude preventiva, que evita mal-entendidos que possam evoluir para situações muito desagradáveis e desgastantes para o médico. O ser humano não nasce ético, nem antiético; nasce aético. A ética é apreendida no processo de humanização pelo qual o indivíduo passará ao longo de sua vida. É adquirida com o desenvolvimento biológico, psíquico e social. Na bioética da relação médico-paciente está o conflito entre o emocional e o racional. Na prática, o que mantém os vínculos efetivos são a confiança, a empatia e a compaixão. O médico não deve se esquecer de que quem o procura é um paciente e não uma doença. Aspectos psicodinâmicos da relação médico – paciente: 1. Ensino médico: A medicina voltou-se mais para a enfermidade do que para o atendido, abstendo-se de contemplar a tentativa de compreender o homem como um ser que pensa e sente, e que vive inserido em uma sociedade. A relação médico-paciente é assimétrica por natureza. Pressupõe-se que o profissional tenha conhecimento científico sobre os aspectos da doença e que o paciente domine apenas os conceitos do senso comum. Entretanto, a assimetria desta relação tem sido reduzida pela facilidade de acesso do paciente à informação científica por intermédio das várias mídias, em que pode causar algum impacto no médico ou mesmo criar atritos na relação entre o profissional e seu paciente. Ao analisarmos as características do encontro médico- paciente e levar em conta fatores como a estrutura psicológica de cada um, as modificações que a enfermidade ocasiona, os sentimentos despertados pela duração da doença e as condições do tratamento, é possível, didaticamente, distinguir três níveis ou tipos de relacionamento: o Médico ativo/paciente passivo: Nesta condição, o paciente abandona-se por completo e aceita passivamente os cuidados médicos, sem mostrar necessidade ou vontade de compreendê-los. Essa é a situação característica da medicina de urgência e emergência. Quanto mais ativo e seguro se mostrar o médico, mais tranquilo e seguro ficará o paciente. o Médico direciona/paciente colabora: O profissional assume seu papel de maneira, até certo ponto, autoritária. O paciente compreende e aceita tal atitude, procurando colaborar. Um exemplo clássico dessa situação é a relação entre o médico e o paciente internado em regime hospitalar. o Médico age/paciente participa ativamente: O clínico define os caminhos e os procedimentos, e o paciente compreende e atua conjuntamente. As decisões são tomadas após troca de ideias e análise de alternativas. Exemplo dessa situação é a relação médico- paciente na Estratégia da Saúde da Família. 2. Transferência, contratransferência e resistência: o Transferência diz respeito aos fenômenos afetivos que o paciente passa (transfere) para a relação que estabelece com o médico. Ao entrar em contato com o médico, o paciente revive, em nível inconsciente, sentimentos vivenciados nas relações primárias como se fossem situações novas. Em contrapartida, cabe ao profissional compreender que este o fenômeno que faz nascer o respeito do paciente pelo médico. Pode-se dizer que o médico trabalha na Transferência. Como? A maneira como o médico recebe o paciente, o modo de tratá-lo no decorrer do exame clínico e o tempo que o médico dispõe são fatores de suma importância no desenvolvimento dos mecanismos de transferência. A transferência positiva se define pelo momento em que o paciente vive o relacionamento de maneira agradável. A transferência negativa ou resistência. Chama- se resistência qualquer fator ou mecanismo psicológico inconsciente que comprometa ou atrapalhe a relação médico-paciente. Problemas no comportamento do médico durante o exame clínico, como má apresentação, pressa, indiferença, uso de palavras difíceis, podem ser a causa da transferência negativa. Cabe ao médico a tarefa de detectar essas manifestações procurando desenvolver mecanismos que as neutralizem. A contratransferência seria a passagem de aspectos afetivos do médico para o paciente, originados de sentimentos já vividos pelo médico em relações anteriores. É praticamente impossível que um médico entreviste um paciente evitando relacionar os fatos por ele relatados com episódios de sua própria vida ou de sua família. É natural, e até necessário, que o médico sinta afeto pelo paciente, mas também é preciso saber dosar adequadamente esse sentimento. Contratransferência não é contra a transferência ou algo em sentido contrário. É a própria transferência do médico para o paciente, que reage nessa relação como pessoa, tal como o paciente. Do ponto de vista psicanalítico, admite-se que, em toda relação humana, há impulsos que trabalham a favor e impulsos contra esta relação. Esses aspectos devem ser conhecidos, compreendidos e detectados pelo médico quando se transformarem em dificuldades para o paciente. Inclusive, é aconselhável que estes aspectos sejam analisados em conjunto. GRUPOS BALINT E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM EM MEDICINA: Os grupos Balint surgiram com o objetivo de ajudar médicos (e profissionais de saúde) generalistas a alcançar uma melhor compreensão do que foi chamado de "aspecto psicológico" da prática médica geral, sendo observada considerável mudança em suas ideias e atitudes nas relações interpessoais com a utilização destes grupos. Balint criou uma forma de resgataro ensino da medicina centrada na pessoa. Estudantes e médicos (incluindo residentes) geralmente desenvolvem maiores habilidades no tocante à empatia e aos relacionamentos interpessoais. Os Balint referiam-se ao potencial do próprio médico como remédio e à boa relação médico-paciente como terapêutica. Origem e contemporaneidade: Na década de 1950, Michael Balint e sua esposa Enid Balint começaram a realizar seminários de treinamento psicológico para médicos generalistas. Uma das mudanças mais significativas foi no modo como os médicos se sentiam em relação aos doentes. Desde os primeiros dias, os grupos de Balint espalharam-se pelo mundo. Até 2009, eram contabilizados 22 países. Algumas mudanças aconteceram ao longo do tempo: por exemplo, nos dias atuais os grupos Balint não se restringem apenas aos médicos de família, havendo relatos de grupos de médicos de outras especialidades, enfermeiros, psicólogos e agentes comunitários de saúde. Em geral, os grupos Balint atuais envolvem de 6 a 12 participantes e dois facilitadores. No início dessas discussões centradas em casos, um participante se oferece para contar sobre um encontro de paciente que lhe tenha gerado sentimentos mais intensos e/ou difíceis lidar. Os casos são motivados por uma dificuldade que o clínico está vivenciando no relacionamento com um paciente em particular. Os participantes são convidados a considerar e imaginar suas próprias reações, emoções e comportamentos, a partir das perspectivas não apenas do médico, mas também do paciente. Balint, empatia e profissão médica: Um aspecto central nos grupos Balint é a concepção de que os pacientes são seres humanos, portanto os problemas que apresentam ao médico estão inseridos em um meio cultural e social, exigindo atenção ao contexto do paciente. Segundo Mercer e Reynolds, a empatia do médico é a sua capacidade de “compreender a situação, a perspectiva e os sentimentos do paciente, comunicar essa compreensão, verificar sua precisão e atuar nesse entendimento com o paciente de forma útil. Grupo Balint e a faculdade de medicina: Médicos recém-formados costumam apresentar dificuldades na relação médico-paciente, como conciliar seu treinamento hospitalar científico com as incertezas humanas da prática geral. Além disso, as evidências mostram que ao longo da formação médica, a empatia por parte dos alunos tende a diminuir. Em estudo publicado em 2014, os autores observaram que estudantes que participavam de grupos Balint mostraram ter uma abordagem mais empática. Nesse estudo, participantes demonstraram uma melhor habilidade em considerar a dimensão afetiva entre o médico e o paciente. Grupo Balint e sua importância na residência médica: A participação de residentes em grupos Balint tem-se mostrado uma ferramenta primorosa nessa fase, com diferentes benefícios aos envolvidos: desenvolvimento da autoconsciência, melhora da qualidade das consultas e da relação profissional. Com os grupos Balint os residentes são encorajados a explorar circunstâncias da vida do seu paciente, entender sua interação familiar e social, além de incluir uma perspectiva psicossocial nos seus diagnósticos. Um dos benefícios observados para os participantes dos grupos é a diminuição no esgotamento profissional, conhecido como “burnout”. Médicos em “burnout” mostram-se mais propensos a cometerem erros e fornecerem cuidados inadequados aos pacientes. Os residentes, que participam dos grupos Balint, relataram uma melhoria na capacidade de utilizarem a consulta, de fazerem decisões de tratamento mais adequadas, com base em necessidades psicológicas dos pacientes. Médicos de família e grupo Balint: O treinamento em grupos Balint tornou-se uma parte estabelecida do currículo de medicina comportamental em muitas residências de medicina de família e comunidade. Os grupos Balint têm auxiliado os médicos de família e comunidade a progredirem em habilidades de comunicação com seus pacientes, na melhora da percepção psicológica da consulta e nas relações interpessoais. É destacado que muitos médicos encontram no grupo um espaço no qual podem descarregar suas angústias, afinal “os doentes problemáticos e exigentes ainda não desapareceram” e nas suas formações não lhes foi ensinado como cuidar deles. REFLEXÕES ACERCA DA IATROGENIA E EDUCAÇÃO MÉDICA A iatrogenia poderia ser entendida como qualquer atitude do médico. Entretanto, o significado mais aceito é o de que iatrogenia consiste num resultado negativo da prática médica, seja um dano material ou psíquico causando ao paciente pelo médico. Michael Balint1 reformulou este conceito ao afirmar que todo médico é, em graus variáveis, iatrogênico, de modo que ele deve sempre considerar esse aspecto quando trata seu paciente Nesse âmbito, a denominação mais adequada poderia ser "iatropatogenia", termo que enfatiza a noção maléfica do ato médico, isto é, um ato que provocará prejuízos ao paciente. Iatrogenia abrange, portanto, os danos materiais (uso de medicamentos, cirurgias desnecessárias, mutilações, etc.) e psicológicos - psicoiatrogenia - causados ao paciente não só pelo médico como também por sua equipe. Situações que favorecem a ocorrência de iatrogenias: 1. Quanto ao Modelo Biomédico: A filosofia cartesiana, que inspirou a conduta médica ocidental está baseada apenas nas doenças, com a crescente desvalorização da escuta, contribuindo para o estabelecimento de uma visão fragmentada do paciente, ou seja o médico perde a sensibilidade de enxergar o paciente como um todo biopsicossocial (sujeito na sua integralidade), tratando apenas dos sintomas aparentes. O profissional pouco se dedica às outras questões relevantes no estabelecimento da enfermidade em questão: os fatores sociais, ambientais, hereditários, psicológicos, culturais, religiosos e políticos. Esse é um dos motivos pelos quais a sociedade vem exigindo o retorno do "médico de família". A superespecialização, acompanhando o progresso da tecnologia e o crescente fenômeno da medicalização da sociedade, faz com que o paciente se sinta pressionado a visitar diversos profissionais para o acompanhamento de determinado transtorno. 2. No Âmbito da Relação Médico-Paciente: O futuro médico deve compreender que o paciente, pela condição em que se encontra, idealiza uma série de expectativas quanto à figura deste e ao desenvolvimento da consulta. Deve-se dar a importância devida aos fenômenos contidos em toda relação médico-paciente, os quais são estudados por alunos de Medicina mormente na disciplina de Psicologia Médica. o O paciente crônico, que percorre vários profissionais a fim de obter um diagnóstico "seguro" para a sua enfermidade ou uma "segunda opinião", costuma não estabelecer vínculos afetivos com o médico, o que pode contribuir para o estabelecimento de situações iatrogênicas; o O mesmo ocorre quando médico e paciente procuram não se envolver emocionalmente. Predomina a linguagem técnica, a frieza; o Anamnese dirigida, que camufla a hostilidade do médico; o Quando o envolvimento do médico com seu paciente se torna muito intenso, favorecem a geração de respostas emocionais no médico, como submissão, indiferença ou excesso de dedicação ao paciente. Pode-se dizer que existe aqui um desequilíbrio nos fenômenos de transferência/contratransferência, que se tornam patológicos. A relação passa então a ser assimétrica, com repercussões negativas, este fenômeno é conhecido como indução iatrogênica. Conflitos neuróticos do médico podem se manifestar como iatrogenias, sendo eles a insegurança (manifestada pelo excesso de pedidos de exames complementares), o narcisismo (o paciente é tratado com desdém), o sadismo inconsciente (conforme ocorre com os pacientes submetidos a sucessivos examesinvasivos) e, por fim, os conflitos inerentes às diferentes especialidades. o A linguagem não-verbal influencia sobremaneira a conduta terapêutica e é percebida pelo paciente: gestos, linguajar, trajes, disposição dos móveis, cor das paredes do consultório. 3. Outras Situações Causadoras de Iatrogenia: o As más condições de trabalho, queixa frequente entre médicos: o profissional trabalha mais tempo por dia, em diferentes locais, atendendo uma quantidade crescente de pacientes, em consultas rápidas; o As condições físicas do estabelecimento, como o prontuário médico acaba sendo preenchido de maneira inadequada, incompleta, não sendo registradas ali informações relevantes acerca das características do paciente e do seu processo de adoecer. O fato de o paciente idealizar o médico não permite que ele tolere falhas justamente daquele que "deve ser capaz de curar e salvar vidas". 4. No Âmbito da Formação Médica: Ao longo da formação acadêmica, a identidade do médico vai sendo constituída. A vocação médica pode, nesse momento, ser sobrepujada por outros interesses como busca de reconhecimento, desejo dos pais, ganhos financeiros. o Nem todos os indivíduos aptos no processo seletivo (vestibular) possuem inclinação para o curso médico. A avaliação do vestibular é falha, porque se baseia estritamente em critérios mnemônicos; o Os professores possuem destacado papel na constituição de uma identidade iatrogênica ou saudável. Os alunos estão atentos a suas atitudes, gestos, a maneira de lidar com os alunos e com os pacientes são aspectos que poderão ser reproduzidos em suas relações com os sujeitos enfermos; o O ensino na maioria das instituições médicas tende a valorizar a especialização precoce, despreocupando-se com as demais disciplinas. Quando se gradua, o médico tem de fazer um esforço excessivo para reunir todos os conhecimentos adquiridos e lidar com o paciente. Os alunos por vezes decidem que área irão seguir ainda durante o curso, pois assim se sentem mais seguros para lidar com o sofrimento alheio. Algumas repercussões da iatrogenia: 1. O Médico Omite Sua Falha: Especialmente nas relações pouco consistentes, cuja personalidade do médico é deveras narcísica, médico e paciente passam a ver no "erro" uma forma de fracasso. A relação torna-se fragilizada ou mesmo cessa após o episódio. Geralmente, culmina com processo jurídico. 2. O Médico Admite a Culpa: Esse comportamento, ao contrário do anterior, predomina nas relações mais bem estruturadas. O profissional lança mão de sua capacidade para ver, na sua humildade, a falha como uma busca do conhecimento. O paciente concede nova oportunidade ao médico. Não podemos olvidar que o médico possui significativa importância no processo. A despeito das grandes conquistas tecnológicas na área médica, reitero que a carência afetiva, a necessidade do toque, atendimento nos horários corretos, escuta ativa dos sofrimentos dos pacientes, disponibilidade para atender o paciente em situações de emergência, paciência e tolerância e tantos outros aspectos relacionados ao contato humano são deveras valorizados pelo sujeito enfermo. Sobre a prevenção de iatrogenias: Importância da educação médica: Não só os médicos e os professores como também todas as equipes de saúde são responsáveis pela prevenção da iatrogenose. o O futuro médico precisa ser mais bem informado, e a educação médica lhe fornecerá instrumentos para refinar sua sensibilidade social e desenvolver responsabilidade pessoal e profissional; o Deve-se priorizar o ensino médico pautado na busca da integralidade, em que o aluno possa lidar com diferentes profissionais de saúde, introjetando ademais o fato de que o trabalho em equipe é importante para o estabelecimento da integralidade; o O futuro médico deve compreender e respeitar o paciente como pessoa, identificando os reais fatores que o levaram a buscar os serviços médicos. Perestrello fala sobre a necessidade de adotar uma "visão transpessoal" do paciente e salienta que o profissional deve ser autêntico. É preciso que os profissionais aprendam a "ouvir" o paciente e, nesse sentido, condena a anamnese dirigida. o Finalmente, devem ser resgatados os demais atributos do médico, como intuição, empatia, humildade, capacidade de comunicação e resiliência. O professor possui destacada importância nesse processo. DPOC CUIDADO E DOENÇA CRÔNICA, VISÃO DO CUIDADOR FAMILIAR NO NORDESTE BRASILEIRO A avaliação da qualidade do cuidado, seu entendimento nas condições crônicas severas, o autocuidado de pacientes crônicos, modelos educativos para cuidados em saúde e a qualidade de vida do doente determinada pelo nível de cuidado, são algumas das inquietações da comunidade científica mundialmente. O cuidado torna-se, então, desafiador, porém necessário no contexto da enfermidade crônica. Nesse sentido, as experiências permeiam as dimensões objetiva e subjetiva, pessoal e coletiva, universal e cultural. Resultados da pesquisa: 1. Dividindo sofrimento: O cuidador familiar compartilha a dor e o sofrimento da pessoa com DPOC de modo mais frequente e, muitas vezes, mais profundo que o profissional. É fonte tanto de angústia e estresse para o doente quanto de apoio. O cuidador presencia a depressão, a impaciência, a agitação, as reclamações de que o remédio não tem efeito, a tristeza do paciente por causa do seu problema, a baixa autoestima, crises de tosse ou de falta de vontade de viver. Vivenciar o dia-a-dia do doente permite ao mesmo acompanhar a evolução dos sintomas e perceber sua influência na restrição de atividades da vida diária. As “esposas-cuidadoras” relataram mudanças no ato sexual que atingiu à total abstinência pela falta de ar do esposo. A esposa-cuidadora também acompanha a dificuldade do marido para pegar peso. As mesmas ainda sofrem ao observar a culpa que o esposo coloca em si por adquirir a doença, ao ouvir histórias de arrependimento de seus maus comportamentos na juventude e seu desabafo sobre o medo da morte. Obs.: Os sofrimentos de algumas começam muito antes do surgimento da doença quando presenciava as farras do marido e o seu exagero em bebidas e cigarros. Cuidadores familiares ao mesmo tempo que tem que trabalhar, precisar dar atenção ao doente, presenciando o sofrimento do mesmo de não poder sair sozinho, de ser visto por outras pessoas como “extraterreste” e de deixar de frequentar lugares que gosta, por exemplo. Além de vivenciar essas situações, precisa conviver com a falta de compreensão de muitos sobre as limitações. Outro desgaste para o cuidador é a hospitalização. Saber que o estado de saúde de seu familiar é ruim e vê-lo morrendo (em crise) é muito pesado. Também é ruim, ao receber o diagnóstico da doença, ouvir do profissional que aquela foi a primeira crise mas não a última. Além da sobrecarga de cuidados do paciente durante o dia, o cuidador também sofre durante a noite com o barulho gerado pelo aparelho de oxigênio, não descansando o suficiente para enfrentar o dia seguinte. As crises de tosse durante a noite também incomodam Apesar de sentimentos ruins permearem o dia a dia do cuidador, também há momentos em que este se sente feliz e realizado como, ao conseguir o aparelho de oxigênio para seu familiar ou uma vaga para iniciar o Programa de Reabilitação Pulmonar. São vitórias no que diz respeito ao tratamento e uma esperança para melhorar a falta de ar. 2. Atitudes e comportamentos percebidos e vivenciados pelos cuidadores: Ao evoluir, a DPOC invade a vida do doente, conduzindo-o a mudanças de comportamento e a atitudes facilmente percebidas por aquele que está diariamente do lado. Consequentemente, o cuidador modifica sua rotina, acompanhando o doente ao Programa de Reabilitação Pulmonarpara aprender e estimulá-lo a realizar os exercícios em casa, também dorme no mesmo ambiente para não deixá-lo sozinho durante a noite e ajuda durante o banho. Diante das dificuldades apresentadas pela enfermidade, tanto o cuidador como o paciente se envolvem com a oração, a religião e a crença. O cuidador percebe que atividades manuais como crochê, pontos de cruz e exercícios de Yoga desviam a mente dos doentes sobre seus problemas familiares, acalmando a respiração e evitando uma crise de falta de ar. A tarefa de cuidar, para nossos informantes, é árdua por relacionar-se a uma doença crônica. Apesar de orientar, apoiar e ajudar há momentos em que a impotência surge diante de estados depressivos do paciente ou de uma crise inesperada. Sentem-se incapacitados de controlar a situação e de aliviar o sofrimento do ente querido. A doença crônica conduz à inversão de papéis, como, por exemplo, filhos passarem (por conta própria ou não) a cuidar dos pais. Em que muitos desses renunciam de liberdade, trabalho lazer e fazem de prioridade o cuidado com os pais. Esses cuidados são refletidos, em muitos casos, em ganho de peso, nos banhos sem ajuda, na vontade em realizar os exercícios, ou seja, uma melhora física e emocional significativa. Está explícito, assim, o amor e a dedicação dos sujeitos desta pesquisa, por seus familiares, que cuidam de maneira incondicional e aprendem a conviver com a doença. O fato de o marido ter DPOC não significa para Fátima, 35 anos, mulher que aprendeu a trabalhar fora de casa para melhorar a renda familiar, a separação ou o abandono do esposo no meio das dificuldades. A convivência com a cronicidade gera no cuidador a conformação, aceitação do fato de que não podem mais fazer nada, somente tocar a vida pra frente. Torna-se mais fácil ou menos pesado, quando tanto o cuidador como o paciente entendem que a doença não tem cura, mas que podem viver bem na medida em que aprende sobre a enfermidade, entende os seus limites e estratégias de controle dos sintomas. “O médico foi explicando, a gente foi se adaptando, foi se acostumando. A gente já está levando mais ou menos. ” 3. Conclusão: A carga de estresse dos cuidadores nos domicílios é bastante significativa, uma vez que envolve um contexto social e econômico bastante afetado negativamente. A situação mais forte associada ao estresse das famílias relacionou-se por nossos cuidadores nordestinos que passaram a ajudar nas atividades básicas dos doentes. Adicionalmente, a carga desse estresse é amplificada pelas condições de pobreza urbana e de violência estrutural. o Nesse estudo é explícita a representação de filhos ou cônjuges como cuidador familiar que mudaram suas rotinas e aumentaram a carga de trabalho para assumir o seu papel. Ao aplicar o questionário Family Dynamics Measure encontraram que as esposas de pacientes com doença crônica apresentavam mais responsabilidade por assumirem a parte financeira da casa antes de responsabilidade do marido. Porém, devido ao exaustivo trabalho manual e aos baixos salários das mulheres nordestinas que ganham, em média, 300 reais por mês, o ônus de complementar a renda familiar parece ser uma carga ainda mais pesada. o A baixa escolaridade dos pacientes nordestinos (maioria somente com o ensino fundamental) exige uma adaptação de materiais educativos para facilitar a compreensão. o A esposas nordestinas se mostraram disponíveis a cuidar dos seus familiares até o último momento. o Pesquisa qualitativa realizada no Brasil, utilizando discurso do sujeito coletivo com 16 cuidadores de idosos portadores de doenças crônicas atendidas em um Centro de Saúde Escola em São Paulo, aponta prejuízo da vida social do cuidador e insatisfação da maioria dos sujeitos com seus familiares que, segundo eles, poderiam ajudar, mas não o fizeram. o A afetação da DPOC na vida dos pacientes não depende da evolução econômica ou social de um país, porém a forma de como sua evolução será enfrentada, se com mais ou menos recursos. A DPOC afeta significativamente tanto a vida dos doentes como de seus familiares próximos, em especial o que se encarrega do cuidado. Porém, apesar da pobreza, da violência estrutural, do desemprego, do preconceito social e dos baixos salários endêmicos no nordeste brasileiro, os cuidadores descobrem como lidar com a cronicidade e criam estratégias para amenizar o sofrimento causado pela doença. GRUPO DE CONVIVÊNCIA COM PESSOAS COM DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA, SENTIMENTOS E EXPECTATIVAS Práticas educativas desenvolvidas em grupos vêm se constituindo em uma prática cada vez mais frequente e valorizada, pois permite ampliar conhecimentos, possibilitando as pessoas superarem suas dificuldades, adquirindo maior autonomia e o viver melhor com sua condição de saúde. O grupo de convivência visa o crescimento pessoal que abrange várias dimensões do processo de viver, a partir de necessidades comuns reveladas pelas pessoas, podendo manifestar um sentimento de união e vínculo. Categorias analisadas pelo grupo de apoio: 1. 1ª categoria: A tristeza e o sofrimento ocasionado pela doença: É uma reação do organismo quando o mesmo se depara profundamente com a sua fragilidade. A partir da fala das pessoas com DPOC percebe-se em muitos momentos, que esses sentimentos aparecem como “castigo” ou ao contrário, o oferecimento de oportunidade de “salvação”, dando a conotação de aspectos de fé e religiosidade inerente à cultura e crenças individuais. Alguns percebem, também, que a tristeza e o sofrimento estão diretamente relacionados com as limitações impostas pela doença crônica pulmonar, porém, em muitas ocasiões, visualizam casos muito mais graves e complexos de outros. o A tristeza e o sofrimento podem contribuir para o estabelecimento de quadros depressivos. Tais pacientes são geralmente mais sintomáticos, têm maior comprometimento funcional na vida diária, maiores dificuldades na adesão ao tratamento farmacológico e mudanças de hábitos de vida. É importante perceber que algumas manifestações como alterações do apetite ou peso, sono, diminuição da energia, sentimentos de menos valia ou culpa, são comuns à pessoa com DPOC e que podem estar sendo reforçadas por transtornos depressivos. 2. 2ª categoria: As limitações e incapacidades físicas do cotidiano: A incapacidade para realização de tarefas consideradas simples e corriqueiras passa a ser extremamente desgastante para estas pessoas, virando fonte de sofrimento e angustia. O surgimento de sentimentos de menos valia, de invalidez, de dependência e a da vergonha de tossir, são retratados conforme os depoimentos das pessoas com DPOC. o A retroalimentação negativa fica clara quando nota-se que grande parte da tristeza declarada é devido ao “eu sinto vontade de fazer e não posso” A fisioterapia especificamente na abordagem da pessoa com DPOC, tem como objetivos o condicionamento físico, ganho de força muscular global e treinamento da respiração no intuito de diminuição da dispneia e melhor conforto respiratório. 3. 3ª categoria: A esperança da melhora e persistência: Observa-se que houve também uma maior adesão ao tratamento fisioterápico, com a diminuição de faltas e dedicação durante a sessão, provocando maior cuidado na alimentação, o uso correto de medicamentos e manter-se ativo o máximo possível nas atividades de vida diária são itens reforçados pelo grupo como aspectos positivos. Percebe-se que a melhora e a estabilização do quadro clínico tem sido motivadora. O resgate desta motivação se reflete em vários sentidos, mas principalmente se reflete na maior alegria e felicidade na vida destas pessoas e suas famílias. Este aspecto deve ser o principal, e mais importante a ser considerado, quando levamos à frente,propostas de educação em saúde. Em oposição ao tecnicismo que predomina atualmente nas práticas de saúde, percebemos que muitas das técnicas e tecnologias utilizadas em prol do paciente não surtem efeitos, talvez porque estejam, na maioria das vezes, focadas na doença e não no doente. As três categorias podem atuar juntas, ou não. Obs.: O artigo trás e a percepção que a educação em saúde, através de grupos de convivência pode contribuir para melhorar a qualidade de vida de pessoas com doença pulmonar obstrutiva crônica. O trabalho em grupo é uma alternativa que traz resultados satisfatórios pela ação conjunta das pessoas que dele participam no compartilhar de saberes e experiências buscando um novo olhar para um viver mais saudável. TUBERCULOSE SIGNIFICADOS DAS EXPERIÊNCIAS CORPORAIS DE PESSOAS COM TUBERCULOSE PULMONAR: A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA IDENTIDADE A problemática da tuberculose se caracteriza por ser uma enfermidade que deveria estar sob controle – problema emergencial de saúde pública nos países em desenvolvimento -, no entanto está vinculada às precárias condições sociais. A permanência da doença, faz dela uma doença temida pelo seu risco de contágio e pelo forte estigma que gera sofrimento na família, além do seu risco de adoecer na coletividade e do seu ônus para o sistema de saúde. É essencial considerar a dimensão individual para a compreensão do adoecimento e suas implicações na vida das pessoas, nas famílias, nos serviços de saúde e na sociedade. Estudos referente às experiências de adoecimento busca compreender as dimensões subjetivas, sociais e culturais da doença como fatores importantes para o reconhecimento do complexo fenômeno da doença. Resultados: Os achados, apontam que os participantes manifestaram uma gama de significados atribuídos as experiências de adoecimento. As categorias trazem à tona a repercussão de um corpo que sofre pela presença da doença e também pelas mudanças impostas pela tuberculose advindas de um longo tratamento, que produz novos significados ao corpo. 1. 1º significado: O corpo sinalizador da doença: Para os participantes o corpo sinalizador da doença refere-se à presença de sintomas, com isso as pessoas perceberam estes sintomas como sinais de alerta ou identificara-os como algo errado, que até então elas não haviam sentido em seus corpos. Para eles, o corpo sinalizador significou que algo estava errado no próprio corpo, alterando a rotina da vida diária de trabalho, das relações, dos afetos, do lazer, dos hábitos alimentares, sono e locomoção. A partir disso desvelaram-se transformações pessoais, sociais e econômicas; sentir o impacto das alterações físicas provocadas pelos sintomas da tuberculose modificou as atividades cotidianas, aquelas essenciais para uma vida digna e à manutenção do bem-estar, como andar, conseguir se alimentar, ter um padrão de sono de qualidade, poder se relacionar com a família e o entorno social, assim como dar e receber amor por meio dessas relações e fez romper o vínculo com o trabalho. 2. 2º significado: O corpo doente: Para os participantes do estudo, o corpo doente significava que ter a tuberculose, é ser reconhecido como alguém que representa um risco para a saúde dos outros, afastamento dos familiares e amigos e mudanças sutis na relação com a família, no que diz respeito às atividades cotidianas traduzidas, principalmente pela separação de utensílios domésticos, simbólica e cotidianamente compartilhados por todos. o Os participantes atribuem significados de forma ambivalente ao ato de separar objetos, pois, ao mesmo tempo em que essa atitude indica cuidado com o outro, também promove o estigma. o O corpo doente também significa o sofrimento pela ruptura das relações com a equipe de saúde, falta de interação, diálogo e afastamento dos profissionais da unidade. Os profissionais são mal informados sobre a doença. o O corpo doente, significou para alguns, algo indesejável aos olhos dos próprios familiares, que levou as pessoas à exclusão de suas relações sociais. Para algumas pessoas de o afastamento familiar atua de maneira negativa, como despertar a mágoa e depressão; o corpo doente impõe para a vida do doente segregação física e quebra de afetuosidade. Para outras pessoas de forma positiva passando a compreendê-las, uma vez que tais atitudes estavam relacionadas na proteção dos familiares e no medo do contágio. o O corpo doente, para algumas pessoas, significou o autoisolamento, ou seja, esse ato foi voluntário. Esta atitude justificou-se pela preocupação de transmitir a tuberculose para os familiares, pois ela evitou ficar próxima aos seus filhos. 3. Discussão do texto: O corpo com tuberculose produziu diversos significados, os quais se modificam no decorrer do tempo e ao longo tratamento e criam estratégias efetivas para superar os momentos difíceis e vislumbram um recomeço de vida. o As pessoas sentem vergonha por ter tuberculose e associam a doença como algo ruim e perturbador. Há uma distinção popular entre o mundo da realidade objetiva e o da experiência subjetiva o que acaba refletindo no corpo social e político. Compreender o compromisso do enfermeiro no cuidado à pessoa com tuberculose demonstrou que este profissional é capaz de ajudar a pessoa a libertar-se do medo da doença, rompendo preconceitos e estigmas. Assim, é essencial que todos os profissionais assumam o compromisso de ajudar a pessoa a se recuperar de uma forma menos sofrida e, sobretudo, influenciar a família para encorajá-la no enfrentamento do adoecimento. o Enfatiza-se a preocupação de enfermeiras para superar a presença do estigma, preconceito e rejeição, tanto dentro das famílias, entre os amigos, como no trabalho. o Destacam-se os esforços das enfermeiras para não isolar a pessoa com a doença ou fazê-la se sentir inferior por estar com uma doença transmissível. Outro estudo revelou o impacto físico da tuberculose nas experiências corporais, que dificultou a adesão ao tratamento farmacológico pela presença dos sintomas debilitantes, e dificuldade em realizar movimentos e/ou atividades cotidianas. REDES SOCIAIS DE USUÁRIOS PORTADORES DE TUBERCULOSE: A INFLUÊNCIA DAS RELAÇÕES NO ENFRENTAMENTO DA DOENÇA O Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) prioriza a descentralização das medidas de controle para a atenção básica, visando à ampliação do acesso da população em geral e dos grupos mais vulneráveis. Essa descentralização diz respeito ao reconhecimento da Atenção Básica (AB) como protagonista na coordenação do sistema de atenção à saúde por meio do gerenciamento de mecanismos organizacionais e materiais que possam garantir a longitudinalidade do cuidado. As relações como as de familiaridade, parentesco, vizinhança e amizade podem ser entendidas como redes primárias. Já as redes que apresentam um interesse comum, formadas pelo desempenho coletivo de um grupo, instituição e movimento, são compreendidas como redes secundárias. As redes sociais estabelecem-se a partir da confiança entre seus agentes a obtenção de informações e recurso de ações instrumentais. Percepção dos sintomas e a busca pelo atendimento: A percepção pelo indivíduo do agravamento do seu quadro clínico, após uso ou não da automedicação ou medicamentos caseiros, relacionou-se com a motivação para busca ao serviço de saúde. o A persistência da tosse revelou uma condição de adoecimento para os doentes e para as pessoas que os cercavam, seja pelo incomodo provocado pelo barulho ou até mesmo pelo fato de pensar na possibilidade de ser TB. A ESF deve assumir o papel de porta de entrada preferencial do usuário ao serviço de saúde, mas é notório a escolha pela UPAs como primeira opção na busca pela resolução imediata do seuproblema de saúde. Isso se deve ao fato de essas unidades funcionarem 24 horas por dia, dispor de recursos de diagnóstico que podem definir a gravidade do quadro clínico do paciente e também pelo desconhecimento dos serviços oferecidos pelas unidades de atenção básica. A necessidade de qualificação dos profissionais dos serviços de saúde que funcionam como porta de entrada do usuário se torna fundamental para a detecção da doença e para o início do tratamento em tempo oportuno. O papel da rede primária no cuidado em saúde: É importante destacar a influência exercida pelas redes primárias no contexto da saúde, principalmente no que tange ao cuidado comunitário, podendo ser formadas por relações de familiaridade, parentesco, vizinhança e amizade. O papel da família e das redes sociais na atenção e promoção da saúde, atua no fortalecimento de relações que produzem saúde ou incrementam a capacidade de enfrentar situações críticas e mobilizar recursos adequados; no desenvolvimento da capacidade de manutenção e promoção de relações de suporte social; e na melhoria do acesso aos serviços de saúde, haja vista sua função de mediação e de conhecimento das oportunidades e dos critérios de acesso. Rede secundária e o seu papel no controle da tuberculose: Sendo consideradas redes secundárias, as unidades de saúde têm papel fundamental na relação com as redes primárias para juntas conseguirem agir sobre os determinantes coletivos dos problemas de saúde, assegurando assim uma assistência integral e resolutiva. A importância do vínculo como importante princípio do cuidado, visto que possibilitou a construção de uma relação de confiança, diálogo e respeito entre o profissional de saúde e o paciente, contribuindo assim para a aceitação do diagnóstico, compreensão da terapêutica adotada e adesão ao tratamento. o O Tratamento Diretamente Observado (TDO), tratamento padronizado com a supervisão da tomada da medicação e apoio ao paciente, mostrou-se como uma importante estratégia para o desenvolvimento das relações de acolhimento, vínculo e de corresponsabilização do doente perante o tratamento. o Os Agente Comunitário de Saúde (ACS) têm colaborado para a construção do elo entre o doente e o serviço de saúde. Obs.: Cabe à ESF atentar para as peculiaridades de cada situação e avaliar as limitações do usuário, visando à melhoria da condição de vida deste e buscando sempre facilitar o acesso e garantir a adesão ao tratamento. Outro ponto observado foi o desconhecimento dos serviços oferecidos pela clínica da família influenciando no atraso do início do tratamento adequado de alguns usuários entrevistados, no entanto o vínculo com a ESF tornou-se fundamental para o tratamento. Os diversos capitais da rede: Os dados coletados permitiram inferir que o capital social e o cultural contribuem e interagem diretamente com o capital econômico para fortalecer a determinação e reprodução da TB, visto que a perpetuação dessa doença está vinculada a populações que vivem em condições de pobreza, aglomeração humana e falta de saneamento básico. 1. O capital cultural: Aquele que acumula capacidades intelectuais e culturais, sob a forma de estado incorporado. Não podendo ser transmitido rapidamente, mas sim de forma instintiva, mantendo-se marcado pela condição primitiva de aquisição. A mensuração do capital cultural de maneira menos inexata se dá ao levar em consideração o tempo de aquisição que engloba a educação familiar, o investimento familiar. Sendo assim, pensar em estigma social e preconceito e como cada indivíduo teve que lidar com o diagnóstico da TB remete aos capitais em jogo nas redes dos usuários, visto que os capitais, sejam eles econômico, social ou cultural, determinam a posição social dos atores, influenciam nas atitudes e na forma de lidar com a doença, podendo exercer uma função protetora ou potencializadora do sofrimento no processo de adoecimento de cada indivíduo. DOENÇA DE CHAGAS A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E AS CONDIÇÕES DE CRONICIDADE A doença representa um ataque ao corpo, não só em sua dimensão anátomo-fisiológica, mas também às referências simbólicas que cada um possui a respeito deste corpo. O adoecer, enquanto ataque ao corpo, produz em cada sujeito reações particulares que terão relação com as condições individuais desenvolvidas inconscientemente para lidar com esse ataque. Ao cessar a doença, o sentimento depressivo irá regredir com a cura. Ocorre, porém, que nem sempre o restabelecimento se dá de maneira a trazer o retorno exato às capacidades com que contava o indivíduo no tempo anterior à doença. A cronicidade, a perda de funções pela doença, as restrições definitivas são possibilidades que exigem do médico um posicionamento diferente. O trabalho de luto: O que se pretende nestas circunstâncias é que o paciente se adapte à sua restrição, não em mera resignação passiva, mas em atitude ativa pela qual ele efetue um rearranjo da valoração subjetiva atribuída às áreas e funções de seu corpo. Isso implica em trabalho psíquico de desinvestimento progressivo das funções perdidas, com a consequente substituição daquelas por outras em que o paciente possa reencontrar possibilidades de alcance de satisfações. Cabe ao médico a tarefa de informar seu paciente, de maneira tão clara e franca quanto aquele indivíduo naquelas circunstâncias tem condições de aceitar, sobre seu estado e sobre as decorrências que dele se esperam. A partir daí, o médico, ou quem quer que o acompanhe em sua recuperação, deve contar com a instalação de um período de tristeza mesclada com inconformismo e superdimensionamento da perda. A ultrapassagem satisfatória do luto no sentido de um rearranjo tanto externo quanto interno passa por isso e tomará um tempo que não se pode prever. A superação do luto não coloca fim às peculiaridades do atendimento ao paciente cronicamente afetado. Tem-se que considerar que o vínculo que se estabelece entre um paciente cronicamente privado de algo de que usufruía e um médico que o trata sem poder curá-lo, deva ser campo para a interferência de intensos conflitos psíquicos. Transferência e cronicidade: A dependência, aqui se coloca não mais como algo passageiro, mas reflexo de alguma limitação funcional duradoura. Cada um traz em si posições particulares com relação a depender de outro, sendo para alguns uma situação bem compreendida e delimitada. Para outros, porém, é algo amplo e inconscientemente desejado. Ainda há outros que, lutam contra qualquer condição em que possam se ver em sujeição a algo ou a alguém. Se o primeiro caso não promete maiores dificuldades, já os dois últimos podem vir a ser importantes complicadores para a relação médico-paciente, como pode criar uma ferrenha resistência a submeter-se às exigências do tratamento. Outro ponto que se deve considerar e que faz parte da transferência é a expectativa de que o médico livre o paciente daquele mal-estar em uma ação onipotente e conduz a um estado de frustração. As reações que sobrevêm a isto tanto podem incluir uma cobrança secreta sobre o médico ou outros membros da equipe de atendimento como, por outro lado, sentimento de culpa pela persistência do quadro. Os exemplos mais comuns de dentes crônicos seriam os quadros em que a impossibilidade de ultrapassar a perda e a de elaborar uma nova condição conduz a reações de inconformismo insuperável, com exigências descabidas sobre o médico, os familiares, o grupo social e a equipe técnica, muitas das vezes com a pretensão explícita de compensação pelo seu limite. O paciente transforma-se em alguém irritável e intolerante, com reações, de uma forma ou de outra, agressivas contra os que estão ao seu redor. Obs.: Quando o paciente manifesta odesejo de ser abandonado, ou quando suas atitudes sugerem desprezo pelos que o cuidam, oculta a expectativa de que a persistência dessas relações representa uma afirmativa implícita de acolhimento e aceitação em sua nova condição. Por outro lado, esta pode ser a oportunidade para manifestar uma raiva invejosa pelos que permanecem saudáveis. Contratransferência e cronicidade: O profissional fica também exposto a uma revisão contínua a suas perdas, fazendo com que reaja às do paciente com a sua capacidade de ultrapassá-las. Corre assim o risco de inspirar falsas esperanças, impedindo que o paciente trabalhe sobre suas perdas. Uma identificação inconsciente do médico com os efeitos da perda no paciente, funciona como uma manifestação disfarçada de seu próprio inconformismo. Negar ao paciente o direito de se queixar ou de construir seus sintomas é, provavelmente, expressão da incapacidade virtual do médico em lidar satisfatoriamente com a mesma perda. AS REPERCUSSÕES DA DOENÇA DE CHAGAS NO CONTEXTO DE VIDA E TRABALHO DE USUÁRIOS DE INSTITUTO DE PESQUISA A Doença de Chagas produz diversas repercussões tanto na vida pessoal como na vida laboral. Particularmente, essa doença se caracteriza pelo estigma, por ser incurável. Outrossim, também irá provocar mudanças nas subjetividades dos afetados, em seus modos de andar a vida, levando-se em consideração a centralidade do trabalho na vida das pessoas. A discussão do adoecimento pela Doença de Chagas e suas repercussões físicas e psíquicas e sua vinculação ao mundo do trabalho evidenciam seu caráter negligenciado, a incapacidade e limitações que ela pode gerar nos sujeitos acometidos, assim como o estigma e discriminação causados por ela. As pessoas relatam sua busca por cuidado, muito baseada naquilo que sua rede de contatos, tanto familiar como social em geral, colocam para ele como importante. No caso específico da Doença de Chagas, a rede de apoio familiar trouxe grande contribuição para a forma como o cuidado foi buscado, já que a doença geralmente acomete mais sujeitos de uma mesma família. Observa-se também que existe um conhecimento prévio sobre a doença, conhecimento que ele recebe dentro do meio familiar e que o orienta na busca de cuidado. Particularidades: 1. Conflito existente entre diferentes modelos de tratamento para a Doença de Chagas: o biomédico e ao mesmo tempo à prática espiritual. E não avisa ao médico sobre o modelo popular, sendo assim, pode se observar que o sujeito 'paciente' não adota uma atitude passiva diante da prática médica. 2. O tratamento reestruturou a forma de andar a vida, criando uma rotina de disciplina que gerou uma melhoria, como se fosse um ganho, já que, no passado, sua vida encontrava-se desestruturada pela 'falta de ordenamento e sentido'. Evidenciou um sentido positivo da doença e do tratamento como geradores de estrutura para vida do sujeito. 3. Os significados atribuídos pelo sujeito sobre sua própria doença podem não corresponder aos significados do médico, o que o leva a ações de negação ou ambivalência da doença. 4. Há paciente que encontra na religião e nas atividades da igreja uma forma de manter-se ativo, desde quando adquire a doença. 5. Na pesquisa, os entrevistados, em sua maioria, foram afastados de seu trabalho formal devido à doença. O medo de ser considerado incapaz de realizar seu trabalho e interromper seus sonhos de progressão na carreira militar está presente. Dessa maneira, observa-se, no percorrer das narrativas, que a Doença de Chagas opera mudanças radicais no contexto de vida e de trabalho desses sujeitos, mas que, diante desse novo panorama em que se encontram, buscam novas formas de enfrentamento das condições impostas pela nova situação causada a partir da doença. A atividade de trabalho em si caracteriza-se por um certo grau de imprevisibilidade, e é impossível listar completamente o que a constitui e, desta maneira, manifesta-se a chamada infidelidade do meio. De acordo com Schwartz, "o meio é sempre mais ou menos infiel, ele jamais se repete exatamente de um dia para outro ou de uma situação para outra". Os sujeitos entrevistados vivenciavam situações que não gostariam de estar, pois a doença é capaz de impor uma nova condição de vida e trabalho. O afastamento obrigatório do trabalho, por vezes, gera uma insatisfação, tendo em vista o caráter central que o trabalho ocupa na vida desses sujeitos. Foi recorrente também nas entrevistas analisadas que os sujeitos são expostos a diferentes e diversas infidelidades, pois sua nova situação de trabalho, muitas vezes informal e doméstica, como também sua nova condição física e demais restrições impõem tal condição. Tais condições adversas acabam conduzindo esses sujeitos no caminho de utilizar seus recursos e capacidades, e também suas escolhas conscientes e inconscientes para o enfrentamento de tais infidelidades. Por serem impedidos de trabalhar formalmente, os sujeitos são levados a encontrar novas formas de atividade, ou também formas de continuar no seu trabalho formal, a partir de renormatizações, com o intuito de continuar a trabalhar e adaptar- se a sua nova condição de saúde. o Durante o percurso das narrativas, conseguiu-se analisar que o sujeito 'paciente' não possui uma característica passiva. Na verdade, ele faz usos de si no trabalho e na vida e é capaz de buscar alternativas próprias ao seu tratamento. Também é detentor de um conhecimento sobre a sua doença, conhecimento este originado do seu contexto familiar e social. Muitas vezes o tratamento médico tradicional sozinho mostra- se incapaz de responder aos anseios e crenças desses sujeitos, que buscam novos caminhos, que podem ser tratamentos espirituais, práticas religiosas etc., que seguem em concomitância e complementares à prática médica tradicional.
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