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1 O Mundo do Novo Testamento O Mundo do Novo Testamento IBETEL Site: www.ibetel.com.br E-mail: ibetel@ibetel.com.br Telefax: (11) 4743.1964 - Fone: (11) 4743.1826 2 3 O Mundo do Novo Testamento (Org.) Prof. Pr. VICENTE LEITE O Mundo do Novo Testamento 4 5 O Mundo do Novo Testamento Apresentação Estávamos em um culto de doutrina, numa sexta-feira destas quentes do verão daqui de São Paulo e a congregação lotada até pelos corredores externos. Ouvíamos atentamente o ensino doutrinário ministrado pelo Pastor Vicente Paula Leite, quando do céu me veio uma mensagem profética e o Espírito me disse “fale com o pastor Vicente no final do culto”. Falei: - Jesus te chama para uma grande obra de ensino teológico para revolucionar a apresentação e metodologia empregada no desenvolvimento da Educação Cristã. Hoje com imensurável alegria, vejo esta profecia cumprida e o IBETEL transbordando como uma fonte que aciona apressuradamente com eficácia o processo da educação teológico-cristã. A experiência acumulada do IBETEL nessa década de ensino teológico transforma hoje suas apostilas, produtos de intensas pesquisas e eloqüente redação, em noites não dormidas, em livros didáticos da literatura cristã com uma preciosíssima contribuição ao pensamento cristão hodierno e aplicação didática produtiva. Esta correção didática usando uma metodologia eficaz que aponta as veredas que leva ao único caminho, a saber, o SENHOR e Salvador Jesus Cristo, chega as nossas mãos com os aromas do nardo, da mirra, dos aloés, da qual você pode fazer uso de irrefutável valor pedagógico- prático para a revolução proposta na gênese de todo trabalho. E com certeza debaixo das mãos poderosas do SENHOR ser um motor propulsor permanentemente do mandamento bíblico: “Conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor...”. Por certo esta semente frutificará na terra boa do seu coração para alcançar preciosas almas compradas pelo Senhor Jesus. Dr. Messias José da Silva In memorian 6 7 O Mundo do Novo Testamento Prefácio Este Livro de O Mundo do Novo Testamento, parte de uma série que compõe a grade curricular do curso em Teologia do IBETEL, se propõe a ser um instrumento de pesquisa e estudo. Embora de forma concisa, objetiva fornecer informações introdutórias acerca dos seguintes pontos: O MUNDO POLÍTICO; O MUNDO SOCIAL E ECONÔMICO; A SOCIEDADE PAGÃ; AQUISIÇÕES CULTURAIS e O MUNDO RELIGIOSO. Esta obra teológica destina-se a pastores, evangelistas, pregadores, professores da escola bíblica dominical, obreiros, cristãos em geral e aos alunos do Curso em Teologia do IBETEL, podendo, outrossim, ser utilizado com grande préstimo por pessoas interessadas numa introdução ao Mundo do Novo Testamento. Finalmente, exprimo meu reconhecimento e gratidão aos professores que participaram de minha formação, que me expuseram a teologia bíblica enquanto discípulo e aos meus alunos que contribuíram estimulando debates e pesquisas. Não posso deixar de agradecer também àqueles que executaram serviços de digitação e tarefas congêneres, colaborando, assim, para a concretização desta obra. Prof. Pr. Vicente Leite Diretor Presidente IBETEL 8 9 O Mundo do Novo Testamento Declaração de fé A expressão “credo” vem da palavra latina, que apresenta a mesma grafia e cujo significado é “eu creio”, expressão inicial do credo apostólico -, provavelmente, o mais conhecido de todos os credos: “Creio em Deus Pai todo-poderoso...”. Esta expressão veio a significar uma referência à declaração de fé, que sintetiza os principais pontos da fé cristã, os quais são compartilhados por todos os cristãos. Por esse motivo, o termo “credo” jamais é empregado em relação a declarações de fé que sejam associadas a denominações específicas. Estas são geralmente chamadas de “confissões” (como a Confissão Luterana de Augsburg ou a Confissão da Fé Reformada de Westminster). A “confissão” pertence a uma denominação e inclui dogmas e ênfases especificamente relacionados a ela; o “credo” pertence a toda a igreja cristã e inclui nada mais, nada menos do que uma declaração de crenças, as quais todo cristão deveria ser capaz de aceitar e observar. O “credo” veio a ser considerado como uma declaração concisa, formal, universalmente aceita e autorizada dos principais pontos da fé cristã. O Credo tem como objetivo sintetizar as doutrinas essenciais do cristianismo para facilitar as confissões públicas, conservar a doutrina contra as heresias e manter a unidade doutrinária. Encontramos no Novo Testamento algumas declarações rudimentares de confissões fé: A confissão de Natanael (Jo 1.50); a confissão de Pedro (Mt 16.16; Jo 6.68); a confissão de Tomé (Jo 20.28); a confissão do Eunuco (At 8.37); e artigos elementares de fé (Hb 6.1- 2). A Faculdade Teológica IBETEL professa o seguinte Credo alicerçado fundamentalmente no que se segue: (a) Crê em um só Deus eternamente subsistente em três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo (Dt 6.4; Mt 28.19; Mc 12.29). (b) Na inspiração verbal da Bíblia Sagrada, única regra infalível de fé normativa para a vida e o caráter cristão (2Tm 3.14-17). (c) No nascimento virginal de Jesus, em sua morte vicária e expiatória, em sua ressurreição corporal dentre os mortos e sua ascensão vitoriosa aos céus (Is 7.14; Rm 8.34; At 1.9). (d) Na pecaminosidade do homem que o destituiu da glória de Deus, e que somente o arrependimento e a fé na obra expiatória e redentora de Jesus Cristo é que o pode restaurar a Deus (Rm 3.23; At 3.19). 10 (e) Na necessidade absoluta no novo nascimento pela fé em Cristo e pelo poder atuante do Espírito Santo e da Palavra de Deus, para tornar o homem digno do reino dos céus (Jo 3.3-8). (f) No perdão dos pecados, na salvação presente e perfeita e na eterna justificação da alma recebidos gratuitamente na fé no sacrifício efetuado por Jesus Cristo em nosso favor (At 10.43; Rm 10.13; 3.24- 26; Hb 7.25; 5.9). (g) No batismo bíblico efetuado por imersão do corpo inteiro uma só vez em águas, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, conforme determinou o Senhor Jesus Cristo (Mt 28.19; Rm 6.1-6; Cl 2.12). (h) Na necessidade e na possibilidade que temos de viver vida santa mediante a obra expiatória e redentora de Jesus no Calvário, através do poder regenerador, inspirador e santificador do Espírito Santo, que nos capacita a viver como fiéis testemunhas do poder de Jesus Cristo (Hb 9.14; 1Pe 1.15). (i) No batismo bíblico com o Espírito Santo que nos é dado por Deus mediante a intercessão de Cristo, com a evidência inicial de falar em outras línguas, conforme a sua vontade (At 1.5; 2.4; 10.44-46; 19.1-7). (j) Na atualidade dos dons espirituais distribuídos pelo Espírito Santo à Igreja para sua edificação conforme a sua soberana vontade (1Co 12.1-12). (k) Na segunda vinda premilenar de Cristo em duas fases distintas. Primeira - invisível ao mundo, para arrebatar a sua Igreja fiel da terra, antes da grande tribulação; Segunda - visível e corporal, com sua Igreja glorificada, para reinar sobre o mundo durante mil anos (1Ts 4.16.17; 1Co 15.51-54; Ap 20.4; Zc 14.5; Jd 14). (l) Que todos os cristãos comparecerão ante ao tribunal de Cristo para receber a recompensa dos seus feitos em favor da causa de Cristo, na terra (2Co 5.10). (m) No juízo vindouro que recompensará os fiéis e condenará os infiéis,(Ap 20.11-15). (n) E na vida eterna de gozo e felicidade para os fiéis e de tristeza e tormento eterno para os infiéis (Mt 25.46). 11 O Mundo do Novo Testamento Sumário Apresentação 5 Prefácio 7 Declaração de fé 9 Capítulo 1 O MUNDO POLÍTICO 13 1.1 O Império Romano 13 1.2 O Cristianismo e os Fatos Históricos 20 1.3 O Governo Provincial 21 1.4 Os Reinos Helenísticos 23 1.5 As Conquistas de Alexandre 23 1.6 Os Selêucidas na Síria 25 1.7 Os Ptolomeus do Egito 25 1.8 Efeitos Culturais 26 Capítulo 2 O MUNDO SOCIAL E ECONÔMICO 29 2.1 O Mundo Social 29 2.2 A Sociedade Judaica 29 Capítulo 3 A SOCIEDADE PAGÃ 31 3.1 A Aristocracia 31 3.2 A Classe Média 31 3.3 A Plebe 31 3.4 Os Escravos e os Criminosos 32 Capítulo 4 AQUISIÇÕES CULTURAIS 35 4.1 Literatura 35 4.2 Arte e Arquitetura 36 4.3 Música e Drama 36 4.4 Arena 36 4.5 Línguas 37 4.6 Ciências 38 4.7 Escolas 40 4.8 Padrões Morais 41 4.9 O Mundo Econômico 41 4.10 Agricultura 42 4.11 Indústria 42 4.12 Finanças 43 4.13 Transportes e Viagens 43 12 Capítulo 5 O MUNDO RELIGIOSO 47 5.1 O Panteão Grego-Romano 47 5.2 O Culto ao Imperador 48 5.3 As Religiões-Mistério 49 5.4 A Adoração do Culto 50 Glossário 53 Referências 55 13 O Mundo do Novo Testamento Capítulo 1 O Mundo Político 1.1 O Império Romano No tempo em que o Novo Testamento foi escrito, todo o mundo civilizado, exceto o pouco conhecido reino do remoto Oriente, estava sob o domínio de Roma. Desde o Oceano Atlântico, a Ocidente, ao Rio Eufrates e Mar Vermelho, a Oriente; e desde o Ródano, Danúbio, Mar Negro e Montanhas do Cáucaso, ao Norte até o Saara, ao Sul, estendia-se um vasto império sob a chefia e ditadura virtual do imperador chamado, no Novo Testamento, tanto “rei” (1Pe 2.17) como “Augusto” (Lc 2.1). O nome de Império Romano veio da cidade capital da Península Itálica, de que proveio o Estado romano. Fundada em 753 a.C. foi primeiramente uma comunidade que compreendia a união de pequenas aldeias vizinhas e governadas por um rei. Nos começos do século V a.C. alcançou um grau sólido de organização política sob governo de forma republicana. Por meio de alianças com as comunidades circunvizinhas e através duma longa sucessão de guerras centrais, os etruscos, ao Norte, contra outras tribos do sul, Roma tornou-se senhora da Península Itálica por volta de 265 a.C. Os povos conquistados ficavam obrigados a conservarem a paz e, gradualmente, eram absorvidos pelo domínio romano. Durante os dois séculos seguintes, Roma esteve empenhada numa grande luta contra Cartago, que detinha o poder marítimo do Mediterrâneo Ocidental. Cartago foi, na sua origem, uma colônia fenícia. Mas, com a derrota que Alexandre infligiu à pátria-mãe, a colônia viu-se compelida a atuar independentemente. Seguindo o exemplo dos fenícios, tornou-se uma nação rica e poderosa. Os seus barcos realizaram o comércio do Mediterrâneo. A sua civilização era caracteristicamente oriental e sua sociedade tinha forma duma oligarquia mantida por um exército mercenário e era governada por um poder autocrático. À medida que Roma se ia expandindo, começava a entrar em conflito com os postos avançados do Império Cartaginês. Juntamente com o fato de as duas civilizações serem alheias uma à outra na origem racial e na teoria política, também não havia lugar bastante para ambas no mesmo território: uma tinha forçosamente que sucumbir. As 14 guerras entre as duas terminaram em 146 a.C., quando o general romano Cipião Emiliano tomou a cidade de Cartago e a arrasou completamente. Assim, Roma estabeleceu o seu domínio na Espanha e no Norte da África. Ao mesmo tempo, a Macedônia tornou-se província romana e, com o saque de Corinto, no mesmo ano (146 a.C.) também a Acaia ficou sob o domínio de Roma. Em 133 a.C. morreu o Rei de Pérgamo, que legou o seu reino aos romanos. Sobre ele organizaram a província da Ásia. As guerras na parte oriental da Ásia Menor continuaram até que Pompeu completou a conquista do Ponto e do Cáucaso. Em 63 a.C. transformou a Síria numa província e anexou a Judéia. De 58 a 57 a.C. César dirigiu as famosas campanhas da Gália e transformou-a numa região romana. E, assim, em cinco séculos de guerra quase ininterrupta, Roma transformou-se de uma cidade obscura nos bancos do Tibre num império senhor do Mundo. A rápida expansão territorial, contudo, provocou grandes mudanças na vida do povo romano. À medida que os chefes militares iam ganhando gosto pelo poder, começaram a usar os seus exércitos não só para as conquistas no estrangeiro, mas também para alcançarem a supremacia na sua terra. O século entre a conquista de Cartago e da Grécia e a morte de Júlio César foi assinalado por uma sucessão constante de guerras civis. Mário, Sila, César, Antônio e Otaviano – uns a seguir aos outros, lutaram para se tornarem senhores do governo de Roma, até que por fim Otaviano, ou Augusto, como lhe chamava o Senado, conseguiu exterminar os seus opositores em 30 a.C. e se tornou o primeiro imperador. Augusto (de 27 a.C. a 14 d.C.) Durante o seu governo, o império romano, ou o poder estado imperial, estabeleceu-se por completo. O povo cansado da guerra ansiava pela paz. Augusto tornou-se o príncipe, i.e., o primeiro cidadão da terra. Governou bem e sabiamente. Politicamente, o novo principado era um compromisso entre a velha república e a ditadura que Júlio César tinha advogado. Conservou-se o Senado teoricamente como corpo legislativo. Em 27 a.C. este conferiu a Augusto a função de comandante-chefe das forças armadas do Império. Em 23 a.C. alcançou o poder governamental vitaliciamente, o que significava o seu controle nas assembléias populares e a sua nomeação permanente como representante do povo. Foi-lhe dada a prerrogativa de, no Senado, apresentar o tópico da discussão e o direito de convocar as suas assembléias. Todos os seus poderes tinham uma base constitucional e não assentavam em qualquer posse arbitrária do poder. Durante o domínio de Augusto efetuaram-se muitas reformas. O Senado foi libertado dos membros indignos. Uma grande parte do exército foi desmobilizada e os veteranos licenciados foram colocados em colônias ou 15 O Mundo do Novo Testamento em terras adquiridas para esse fim. Criou-se um exército profissional regular que se tornou uma escola de cidadãos. Além de se retirarem das fileiras o veterano, deu-se-lhes um bônus e foram colocados em colônias nas províncias, onde podiam viver bem e ao mesmo tempo ser guias da comunidade, na lealdade a Roma. Augusto procurou também melhorar a moral do povo. Renovou a religião do Estado e construiu muitos templos. O culto imperial, uma adoração de Roma como Estado, foi introduzido nas províncias. Em muitos lugares o próprio imperador foi venerado como Dominus et Deus (Senhor e Deus), embora não exigisse tal culto. Para consolidar o império, ordenou um censo da população e de toda a propriedade como base do recrutamento do exército e para cobrança de impostos. A Espanha, a Gália e os distritos Alpinos foram subjugados. Melhorou a defesa das fronteiras, embora os exércitos tivessem sofrido uma derrota terrível nas mãos dos germanos, na floresta de Tentaburgo. Augusto organizou em Roma a polícia, os serviços de incêndio e designou um superintendente para distribuição de trigo. Augusto gloriou-se de que tinha encontrado uma Roma de tijolo, tornando-a numa Roma de mármore. Durante os 41 anos de seu governo, conseguiu fazer surgir a ordem do meio do caos. Restaurou a confiança no governo, fortaleceu o tesouro, deu origem a um eficiente departamento de obras públicas, promoveu a paz e prosperidade. Tibério (de 14 a 37) Por morte de Augusto, foi escolhido para seu sucessor, seu filho adotivo Tibério.O império ou poder, que Augusto recebera, segundo as regras constitucionais e por um período limitado foi conferido a Tibério para toda a vida. Tinha 56 anos ao tempo da sua sucessão, e tinha estado ligado aos serviços de Estado durante a maior parte da sua vida, pelo que não era noviço na política. Infelizmente, Augusto tinha insistido em que ele se divorciasse de sua esposa a quem amava e casasse com Júlia, filha de Augusto, uma mulher de vida publicamente devassa. A amargura desta experiência azedou para sempre o seu temperamento. Era solitário, altivo, desconfiado e irascível. Apesar de ser imparcial e sábio no seu trato, nunca foi popular, duma maneira geral, foi temido e odiado. Durante o seu governo, os exércitos romanos sofreram reveses na Germânia. Perturbações de política interna escureceram os seus últimos anos. Em 26 d.C. retirou-se para Capri, deixando o governo nas mãos do prefeito da cidade. A ausência de Tibério deu oportunidade a Élio Sejano, capitão da guarda pretoriana, de forjar uma conspiração para tomar conta do poder. Cerca de 31 d.C., quando 16 tinha quase realizado o seu plano, Tibério descobriu tudo. Sejano foi executado, a conspiração desfeita, mas os efeitos dela foram desastrosos para Tibério. Tornou-se ainda mais desconfiado e cruel, de maneira que a mais simples sugestão contra algum homem provocava imediatamente a desgraça deste. Quando morreu, em 37 d.C., o Senado pôde mais uma vez respirar livremente. Calígula (37 a 41) Caio Calígula, ou “botinhas”, como afetuosamente lhe chamava a soldadesca, foi eleito, pelo Senado, sucessor de Tibério. No começo do seu governo foi tão popular quanto Tibério tinha sido impopular. Anistiou os presos políticos, reduziu os impostos, promoveu festas públicas e fez-se estimar pela população em geral. Em breve, contudo, começou a mostrar sinais de fraqueza mental. Fez-se adorar como deus, o que afastou os judeus no seu reino. Quando Herodes Agripa visitou Alexandria, os cidadãos insultaram-no publicamente, escrevendo pasquins contra ele e seu séqüito, e então tentaram obrigar os judeus a adorar a imagem de Caio. Os judeus apelaram para o imperador que, não só não lhes deu atenção, como também ordenou ao seu legado na Síria que lhe erigisse uma estátua no templo de Jerusalém. O legado foi bastante inteligente em atrasar o cumprimento da ordem, que talvez precipitasse uma rebelião armada, e a morte de Calígula, em 41, evitou que esta questão provocasse uma crise. Há quem pense que a referência de Marcos à “abominação da desolação” (Mc 13.14) seja um reflexo dessa ameaça de se erigir a estátua do imperador no templo de Jerusalém. Calígula gastou negligentemente os fundos que Augusto e Tibério tinham juntado com tanto cuidado e assim esgotou rapidamente o tesouro público. Para voltar a restaurá-lo recorreu a meios violentos: confisco de propriedades privadas, legados compulsórios e extorsões de toda ordem. A sua tirania tornou-se finalmente tão insuportável que acabou por ser assassinado por um tribuno da guarda imperial. Cláudio (41 a 54) Depois da morte de Calígula, o Senado debateu a idéia de restaurar a república, mas a questão decidiu-se rapidamente, quando a guarda pretoriana saudou Tibério Cláudio Germânico como imperador. Era já de meia-idade e tinha vivido na obscuridade comparativa durante os reinados de Tibério e Calígula. Apesar de ter sofrido uma enfermidade física, que deixou sua feição deformada, tinha boa capacidade mental e assim, governou melhor do que se esperava. Sob o seu governo, Roma tornou-se burocrática, governada por juntas e secretários. Estendeu o privilégio de cidadania aos 17 O Mundo do Novo Testamento provinciais. Os seus generais conseguiram estabelecer um ponto de apoio na Bretanha e conquistá-la até ao Rio Tamisa, como limite norte. Por esta altura, a Trácia, por morte do seu príncipe, que tinha sido um aliado de Roma, foi transformada em província. Durante o governo de Cláudio, os judeus foram expulsos de Roma por causa de alguns tumultos que, segundo Suetónio, “se tinham dado por instigação de um tal Chrestus”. É incerto se Suetónio entendia por Chrestus, Cristo, e se referia a alguns distúrbios entre os judeus, ocasionados pela pregação de Jesus, como o Cristo. Ou se Chrestus era o nome autêntico de algum dos insurgidos. Em qualquer caso a expulsão dos judeus terá sido, porventura, aquela que causou a saída de Áquila e Priscila de Roma (At 18.2)? Por influência de um dos seus libertos, por nome Palas, Cláudio foi persuadido a tomar como quarta esposa sua sobrinha Agripina. Esta estava resolvida a obter a sucessão para Domínio, seu filho de um casamento anterior. Domínio foi realmente adotado por Cláudio, com o nome de Nero Cláudio César. Em 53, Nero casou com Otávia, filha de Cláudio. Um ano mais tarde morreu Cláudio, deixando a Nero a sucessão do trono imperial. Nero (54 a 68) Os primeiros cinco anos do reinado de Nero foram pacíficos e prósperos. Com Apránio Burro, comandante da guarda pretoriana, e Lúcio Aneu Sêneca, filósofo e escritor como seus conselheiros, Nero governou o seu império muito bem. Agripina, contudo, procurou manter ascendência sobre ele, o que o ofendeu e aos seus conselheiros. Em 59, mandou assassinar sua mãe e tomou conta do governo sozinho. Nero era por temperamento mais um artista do que um governador. Estava mais interessado em tomar parte numa carreira de teatro do que ser notável administrador político. A sua negligência e extravagância esvaziaram o tesouro público e, como Calígula, lançou mão da opressão e da violência para voltar a restaurá-la. Por essas ações incorreu no ódio do Senado, cujos membros temiam que a qualquer altura ordenasse a morte deles e o confisco dos seus bens. Em 64, houve em Roma um grande incêndio que destruiu uma significativa parte da cidade. Suspeitou-se que Nero o tivesse deliberadamente originado para poder construir sua nova Casa Dourada, esplêndido palácio que construiu no Monte Esquilino. Para desviar a culpa de si próprio, foram acusados os cristãos de terem causado o desastre. A sua atitude de afastamento do paganismo e o que diziam acerca da derradeira destruição do Mundo pelo fogo deu plausibilidade à acusação. Muitos deles foram sujeitos a julgamento e torturados até à morte. Diz a tradição que Pedro e Paulo pereceram nesta perseguição, a primeira realizada pelo Estado. 18 Há reduzida evidência que nos mostre quão extensa tenha sido esta perseguição. Provavelmente não afetou nenhum território fora de Roma e subúrbios mais chegados, embora as províncias possam ter sido ameaçadas com ela (1Pe 4.12-19). Entretanto, os excessos de Nero tornavam-no cada vez mais impopular. Várias conspirações contra ele falharam e foram abafadas pela execução dos seus inimigos. Finalmente, foi bem sucedida uma revolta das tropas e províncias na Gália e Espanha. Nero fugiu de Roma e foi morto por um dos seus libertos. Galba (68 d.C.) A revolta das legiões mostrara que o império realmente era dirigido pelo exército, visto que este podia designar e entronizar o seu candidato sem a recomendação do Senado. Galba, o sucessor de Nero, não foi escolha unânime das legiões. Quando adotou Lúcio Calpúrnio Pisão como seu sucessor, Otão, que o tinha ajudado no desejo de se tornar imperador, persuadiu a guarda pretoriana a matar Galba e a fazê-lo a ele imperador. Otão (69) Seu governo durou pouco. O senado concorreu para a sua nomeação, mas Vitélio, legado da Germânia, marchou sobre Roma com as suas tropas. Otão morreu em combate e Vitélio tomou o seu lugar. Vitélio (69) Ele foi reconhecido pelo senado, mas era incapaz de controlar a soldadesca e nem podia estabelecer qualquer governo estável. O exército do Oriente interveio nos negócios do Estado e fez imperador o seu general Vespasiano. Nesta altura, Vespasiano estava ocupado com o cerco a Jerusalém. Deixando-o a cargode seu filho Tito, foi para o Egito, onde tomou conta do governo da província e cortou o abastecimento de mantimentos a Roma. O seu lugar-tenente, Muciano, partiu para a Itália. A despeito da briosa resistência das tropas de Vitélio, os partidários de Vespasiano tomaram e saquearam Roma. Vitélio foi morto e Vespasiano proclamado imperador. Vespasiano (69 a 79) Era um genuíno veterano, frugal nos seus hábitos e vigoroso na administração. Suprimiu as revoltas entre os batavos e entre os gauleses, enquanto Tito completava a conquista de Jerusalém. A cidade foi completamente destruída e a província entregue a um legado militar. 19 O Mundo do Novo Testamento Fortaleceu as fronteiras, reduzindo os principados dependentes à categoria de províncias. Tornou o tesouro solvente por meio duma economia severa e pela imposição de novos impostos. Construiu o famoso Coliseu. Morreu em 79, deixando o seu cargo a Tito, a quem tinha feito seu co-regente. Foi o primeiro da dinastia dos Flávios que abrangeu seus filhos, Tito e Domiciano. Tito (79 a 81) A brevidade do governo de Tito não concedeu muito tempo para a realização de qualquer feito notável. A despeito de certa desvantagem, foi, contudo, um dos imperadores mais populares que houve em Roma. A magnificência dos divertimentos públicos que ele apadrinhou e a sua generosidade pessoal desarmou o possível antagonismo do Senado, que temia que ele viesse a ser um ditador como fora o pai. Durante o seu governo ocorreu a catastrófica destruição de Pompéia e Herculano, cidades da baía de Nápoles, pela erupção do Vesúvio. Tito designou uma comissão e fez tudo para salvar o maior número possível de sinistrados. Poucos meses depois Roma sofreu um terrível incêndio que destruiu o novo Capitólio, o Panteon e o Balneário de Agripa. Tito até vendeu alguma da sua mobília privada para contribuir para a necessidade geral. Erigiu novas construções e também um grande anfiteatro. Domiciano (81 a 96) Tito morreu em 81 sem deixar filhos e o Senado concedeu poder a seu irmão mais novo, Domiciano. Este era um perfeito autocrata. Tentou levantar o nível moral da sociedade, restringindo as corrupções do teatro romano e refreando a prostituição pública. Foram reconstruídos os templos dos velhos deuses e suprimidas as religiões estrangeiras, especialmente as que procuravam conquistar adeptos. Foi-lhe atribuída uma perseguição aos cristãos, embora falte qualquer testemunho de alguma legislação ou ação contra eles no seu reinado. Exigiu que lhe prestassem adoração e insistiu em se fazer aclamar como Dominus et Deus. Como economista, foi um bom governante. Os negócios do império foram dirigidos eficientemente pelos seus subordinados. Domiciano era inflexível por natureza e receava o aparecimento de rivais. Não tendo a afabilidade de seu irmão Tito, arranjou numerosos inimigos. Quando as conspirações destes eram descobertas, exercia vingança cruel. Os últimos anos do seu governo foram um pesadelo para o Senado, que era mantido sob constante terror de espias e informantes. Nem a sua própria família se sentia segura e finalmente, por defesa própria, conseguiu que fosse assassinado. 20 Nerva (96 a 98) Sucessor de Domiciano, foi eleito pelo Senado. Era já de idade avançada, de feitio indulgente, e provavelmente considerado pelo poder senatorial como candidato “seguro”. A sua administração geral foi benigna e relativamente livre de tensões internas. O exército tinha sentido o assassinato de Domiciano, porque os Flávios tinham popularidade nos círculos militares. Nerva, contudo, foi bastante astuto para providenciar Trajano como seu sucessor, que era capaz de manter as tropas em sujeição e de administrar o governo com mãos fortes. Trajano (98 a 117) Morrendo Nerva em 98, sucedeu-lhe Trajano. Era espanhol de nascimento, soldado de profissão, enérgico e agressivo de temperamento. Anexou a Dácia, o norte do Danúbio, e começou a alargar as fronteiras orientais pela conquista da Armênia, Assíria e Mesopotâmia. A revolta dos judeus, no Oriente Próximo, foi suprimida em 115, mas novas insurreições na África, na Bretanha e nas margens do Danúbio provocaram a sua chamada a Roma. Morreu a caminho da capital, na Cilícia, em 117. 1.2 O Cristianismo e os Fatos Históricos Neste ambiente de expansão imperial, a cristandade progrediu de uma “seita” obscura do judaísmo até se tornar uma religião mundial. Jesus nasceu no reinado de Augusto (Lc 2.1); o Seu ministério público e a Sua morte ocorreram no tempo de Tibério (Lc 3.1); o grande período de expansão missionária decorreu no império de Cláudio (At 18.2) e de Nero (At 25.11,12). Segundo a tradição, o Apocalipse foi escrito no governo de Domiciano e as alusões ao poder imperial e tirania governamental podem ter sido reflexo das condições dominantes naquele tempo. A relativa escassez de alusões, no Novo Testamento, aos acontecimentos contemporâneos no mundo romano, não nos surpreende. O interesse nacional dos Evangelhos e da maior parte de Atos, que são as obras principalmente históricas, reside mais no judaísmo do que em Roma. Além de que a mensagem do Novo Testamento foi dirigida às vidas interiores dos seus leitores e não às circunstâncias exteriores. Insistia-se mais no espiritual do que no político e no eterno do que no temporal. Contudo, em numerosos lugares, o Novo Testamento relaciona-se com o ambiente político do primeiro século e sua importância histórica deve ser interpretada de acordo com essa relação. 21 O Mundo do Novo Testamento 1.3 O Governo Provincial Diferente da República Federativa do Brasil, onde a autoridade federal preside os Estados que são geralmente uniformes no governo e na organização, o Império Romano era uma miscelânea de cidades independentes, estados e territórios – tudo sujeito ao governo central. Alguns deles tinham-se tornado parte do império por meio de alianças voluntárias; outros tinham sido anexados por conquista. À medida que Roma estendia a sua soberania a esses povos aliados ou conquistados, a sua maquinaria governamental desenvolvia-se no sistema provincial romano. A palavra latina provincia, de que derivou “província”, significa originalmente o encargo de prosseguir com a guerra, ou um posto de comando. Aplicada às autoridades de um general estendia-se à sua esfera de autoridade e por isso ao território conquistado por ele, que se tornava a sua província. Quando Roma conquistou novos domínios estes formaram organizadas províncias que se tornaram parte do sistema geral imperial. A aquisição de províncias feitas por Roma começou com a Sicília, conquistada a Cartago na primeira guerra Púnica, 264-241 a.C. Sucessivamente juntou-se-lhe a Sardenha (237 a.C.), duas províncias na Espanha (197 a.C.). A Ásia não foi tomada pelas armas, mas antes legada ao povo romano pelo seu rei, em 133 a.C., e organizada em província em 129 a.C. Depois foram Transalpina e Cisalpina, cerca de 118 a.C., Cirene foi legada a Roma em 96 a.C., Pompeu anexou a Cilícia e Creta em 63 a.C. e ainda tomou posse da Palestina e pô-la na província da Síria. Com exceção da Itália, a maior parte do mundo romano era composta de territórios de governo provincial. Este governo era de duas espécies. As províncias relativamente pacíficas e leais a Roma estavam subordinadas a procônsules (At 13.7) que eram responsáveis perante o Senado romano. As províncias mais turbulentas estavam debaixo da autoridade do imperador que freqüentemente aí estacionava exércitos e eram governadas por prefeitos, procuradores ou propretores designados pelo imperador e responsável diretamente perante ele. À primeira espécie pertencia a Acaia, de que Gálio era procônsul, quando da visita de Paulo (At 18.12). A Palestina, no tempo de Cristo, estava sob a direção do imperador, de quem antes Pôncio Pilatos era representante (Mt 27.11, traduzido “governador”). Os procônsules desempenhavam o seucargo por designação anual e eram geralmente mudados todos os anos. Os procuradores e propretores desempenhavam o seu cargo por tanto tempo quanto o imperador os desejasse no seu posto. 22 Debaixo da administração destes oficiais, as províncias gozavam de uma considerável liberdade. Às cidades-estado particulares permitia-se-lhes que mantivessem a sua soberania local e até que cunhassem moeda. Os romanos nunca interferiram na liberdade religiosa dos povos que submetiam, de maneira que os cultos indígenas mantiveram-se, segundo o costume, em cada lugar. Habitualmente os legisladores romanos tinham em conta as opiniões e os conselhos provinciais na sua administração. Os oficiais que roubavam os seus súditos eram sujeitos a julgamento e demitidos. Embora seja verdade que alguns dos procônsules e procuradores se entregassem ao antigo passatempo da fraude, a maioria, provavelmente, deu às províncias em sabedoria administrativa mais do que recebeu em dinheiro. Foram construídas estradas, levantados edifícios públicos e o comércio desenvolveu-se rapidamente. Com o fim de unir mais as províncias à cidade-mãe Roma, criaram-se pequenas colônias de romanos em centros estratégicos nas províncias. Gradualmente a civilização romana foi-se difundindo de tal maneira que dentro em pouco as províncias se tornaram mais romanas do que Roma. No século segundo, quando Roma ainda usava o grego como língua predominante, a Gália, a Península Hispânica e a África eram predominantemente latinas. O culto ao imperador tinha o maior número dos seus seguidores nas províncias. A adoração do Estado romano e do imperador reinante começou com Augusto. Mandou que, em nome de Júlio César, fossem em Éfeso e Nicéia erigidos templos pelos cidadãos romanos aí residentes e autorizou os naturais da região a estabelecerem santuários em sua própria honra. A adoração prestada ao Estado foi estimulada pelos conselhos locais que assumiram a responsabilidade de dirigirem o culto provincial. Uma boa ilustração de um conselho provincial aparece em At 19.31, quando são mencionados os “asiarcas”. Eram os magistrados considerados chefes responsáveis pela província e que podiam ter sido sumo sacerdotes dos cultos do Estado. Em Atos são apresentados como favoráveis a Paulo, visto que o admoestou a não se expor à violência da multidão no teatro. As províncias romanas mencionadas no Novo Testamento são: Espanha (Rm 15.24), Gália (2Tm 4.10, variante), Ilíria (Rm 15.19), Macedônia (At 16.9), Acaia (Rm 15.26), Ásia (At 20.4), Ponto (1Pe 1.1), Bitinia (At 16.7), Galácia (Gl 1.2.), Capadócia (1Pe 1.1), Cilícia (Gl 1.21; At 6.9), Síria (Gl 1.21), Judéia (Gl 1.22), Chipre (At 13.4), Panfilia (At 13.13) e Lícia (At 27.5). Algumas delas são mencionadas mais do que uma vez e no caso da Ilíria, o seu nome posterior, Dalmácia, aparece nas Epístolas Pastorais (2Tm 4.10). Paulo, geralmente, ao aludir às divisões do império, empregava os nomes das 23 O Mundo do Novo Testamento províncias, enquanto que Lucas usava também as divisões nacionais. Muitas vezes as províncias incluíam mais do que um grupo étnico, que pertenciam à província da Galácia, tais como as Licaonianas de Listra e Derbe (At 14.6, 11). Os oficiais públicos ambicionavam o governo das províncias, pois achavam que era uma boa fonte de receita. Alguns desses administradores eram tão ávidos que as províncias empobreciam rapidamente, devido aos pesados impostos. Outros, mais patriotas, aplicavam sabiamente os impostos na construção de estradas e portos, de maneira que o comércio prosperava e o nível econômico da vida subia de uma maneira geral. Roma considerava as províncias como seu legítimo campo de exploração. Até o tempo de Constantino, foram tributárias do governo. 1.4 Os Reinos Helenísticos A atmosfera cultural do primeiro século deveu a sua origem não somente à organização política de Roma, mas também à difusão do espírito helênico que tinha penetrado tanto no Ocidente como no Oriente. As conquistas de Roma absorveram as colônias gregas que tinham sido estabelecidas ao longo das costas marítimas da Gália e da Espanha, na Sicília, e no sul da Península Itálica. A conquista de Acaia, terminada pelo saque de Corinto em 146 a.C., tinha posto à disposição dos romanos imensos tesouros de arte, que eles transportaram para adornarem as suas próprias vilas. Escravos gregos, muitos dos quais eram mais ilustrados do que seus senhores passaram a fazer parte do pessoal dessas casas romanas. Muitas vezes não eram somente empregados nas tarefas servis da casa, mas também como professores, médicos, peritos em contabilidade, capatazes das quintas ou de negócios. Além disso, os jovens da aristocracia romana acorriam às universidades gregas de Atenas, Rodes, Tarso e doutras cidades, para aprenderem a falar o grego, da mesma maneira que os ingleses do séc. XIX aprendiam o francês, como língua da diplomacia e da cultura. Os vencidos gregos conquistaram culturalmente os seus vencedores duma maneira tão completa que a própria Roma se tornou uma cidade de fala grega. Juvenal, um dos famosos escritores satíricos do seu tempo queixava-se: “Amigos romanos, não posso suportar uma cidade inteiramente grega”. 1.5 As Conquistas de Alexandre A maior parte dos acontecimentos do Novo Testamento ocorreram na metade oriental do mundo romano, onde a expansão da civilização grega se iniciou com os negociantes que levaram por toda a parte o comércio do Peloponeso. Já em 600 a.C. se conheciam na Babilônia instrumentos musicais gregos e armas gregas, e mercenários gregos combateram nos exércitos de Ciro, 24 como o confirma a bem conhecida Anábase, ou Retirada dos Dez Mil, de Xenofonte. A helenização do Oriente teve um rápido incremento com as campanhas de Alexandre, o Grande. Seu pai, Filipe, Rei da Macedônia, tinha organizado os macedônios num Estado militar unido. Com os robustos camponeses e pastores do seu país montanhoso, organizou um exército de mobilidade e resistência incomum. No curto espaço de 20 anos conseguiu Filipe submeter à Macedônia as cidades-estado gregas. Quando Filipe morreu em 337 a.C. tinha já concluído com os gregos uma aliança, por meio da qual contava ele conquistar a Ásia. Alexandre tinha a agressividade e o gênio militar de seu pai dourados com uma mais espessa camada de cultura grega. Tinha sido educado com a Ilíada de Homero, sob a tutela de Aristóteles, de sorte que tinha profunda admiração pelas tradições e pelos ideais. Em 334 a.C. fez a travessia da Helesponto (denominação antiga do estreito de Dardanelos), passando à Ásia Menor, e derrotou as forças persas na batalha do Rio Granico. Libertou as cidades helênicas da costa e internou-se depois no interior. Derrotou, de novo, os persas na batalha de Isso, o que lhe deu o domínio de toda a Ásia Menor, e, a seguir, voltou para o sul, ao longo da costa da Síria em direção ao Egito, onde fundou a cidade de Alexandria. Depois de ter subjugado a Síria e o Egito, dirigiu-se para Leste e infligiu a derrota final aos persas em Arbela. Em rápida sucessão, ocupou a Babilônia e as capitais da Pérsia: Susa e Persépoles. Os três anos seguintes foram despendidos na consolidação do novo império. Alexandre estimulou o casamento dos seus soldados com as mulheres orientais. Deu início à educação de três mil persas na língua grega. Por meio de posteriores campanhas na Índia alargou os limites dos seus domínios até o Rio Indo. Estabeleceu numerosas colônias e descobriu territórios que, naquele tempo, não tinham sido ainda vistos pelos europeus. No seu regresso à Babilônia, começou Alexandre os seus preparativos para a invasão da Arábia, o que, aliás, não chegou a realizar. Conseguiu-se sucesso em helenizar parcialmente o Oriente, também este em parte o orientalizou. Foi crescendo cada vez mais na atitude de déspota oriental e tornou-se cada vez mais arbitrário e desconfiado. A luxúria e as foliasda Babilônia enfraqueceram a sua constituição física e, assim, apanhou febres e morreu em 324 a.C., com a idade de trinta e dois anos. O império de Alexandre não sobreviveu à sua morte. Não deixou herdeiros capazes de o governar, e foi finalmente dividido entre os seus generais. Ptolomeu ficou com o Egito e a Síria meridional e, Seleuco exigiu a maior parte do território da Síria setentrional e, para o Oeste, através da Ásia 25 O Mundo do Novo Testamento Menor, incluindo a Frigia; Lisímaco obteve a Trácia e a parte ocidental da Ásia Menor, e Cassandro dominou a Macedônia e a Grécia. O reino de Lisímaco pouco durou, tendo sido incorporado ao território dos Selêucidas. A hostilidade constante entre os Selêucidas da Síria e os Ptolomeus do Egito conservou a Palestina entre o malho e a bigorna. A planície costeira de Saron foi o corredor por onde estas duas potências marchavam para a guerra. As conseqüências várias dos conflitos punham a Palestina ora sob o domínio de uma, ora sob o domínio da outra. 1.6 Os Selêucidas na Síria O domínio Selêucida na Ásia Menor ia diminuindo gradualmente à medida que os povos locais afirmavam a sua independência e fundavam reinos de si próprios. Na Síria, no entanto, mantinha-se o governo dos Selêucidas e a sua influência era poderosa nos negócios políticos da Palestina. Em 201-200 a.C., Antíoco III, o Grande, derrotou o exército egípcio no comando do general Scopas, na batalha de Paníade, perto da nascente do Jordão na Palestina Setentrional. Em dois anos Antíoco conseguiu o domínio de toda a Palestina e tornou-se o novo senhor dos judeus. A sua tentativa para helenizar os judeus originou a revolta dos Macabeus, que suscitou o avivamento da comunidade judaica. Acabou o domínio dos Selêucidas quando Pompeu fez da Síria uma província romana em 63 a.C. Foram tremendos os efeitos do domínio dos Selêucidas. Antioquia, a capital dessa monarquia tornou-se, no tamanho, a terceira cidade do Império Romano e era o lugar de reunião de leste a oeste. A língua e a literatura gregas estavam largamente por todo o Oriente Próximo e forneciam um meio comum aos povos orientais e aos povos ocidentais. Muitas das cidades da Palestina, particularmente na Galiléia, eram bilíngües e as suas religiões tinham um paladar tanto das divindades orientais como das ocidentais. 1.7 Os Ptolomeus do Egito O reino dos Ptolomeus no Egito assemelhava-se com o reino dos Selêucidas. Havia entre os dois reinos uma amarga rivalidade que deu origem a numerosas guerras de variados resultados. Cleópatra, que morreu em 30 a.C., foi a última representante da dinastia dos Ptolomeus. Roma anexou então o Egito, que lhe serviu de celeiro. A cidade de Alexandria cresceu em importância e tornou-se num notável empório comercial e centro de educação. Sob o patrocínio dos Ptolomeus foi fundada uma grande biblioteca, que conservou os principais tesouros literários da Antigüidade. Os seus bibliotecários foram notáveis eruditos e iniciaram o estudo da gramática grega e da crítica dos textos. 26 A influência judaica em Alexandria era grande, desde a fundação da cidade. Alexandre, em pessoa, determinou um lugar para os colonos judeus e concedeu-lhes plena cidadania. No reinado de Ptolomeu Filadelfo (285-247 a.C.) foram traduzidos para o grego as Escrituras judaicas. Esta versão, que é conhecida por Septuaginta, tornou-se a Bíblia popular dos judeus da Dispersão e foi geralmente usada pelos escritores do Novo Testamento. Quando usavam o Antigo Testamento, tiravam da Septuaginta a maior parte das suas citações. O seu grego varia de qualidade de livro para livro. Parte da tradução é polida e outra parte grosseiramente literal. É, no entanto, um auxiliar valioso para o estudo atual da Bíblia, porque mostra como os tradutores interpretavam as Escrituras hebraicas e provêm dum contexto hebraico que difere malcriadamente daquele que hoje existe. As guerras constantes entre Selêucidas e Ptolomeus ocasionaram um grande aumento dos impostos sobre as terras em que dominavam. O escoamento do tesouro público era de tal ordem que os camponeses, sobre quem recaía o fardo mais pesadamente, ficavam reduzidos à mais completa pobreza. As guerras Púnicas liquidaram os mercados ocidentais do Egito e, em conseqüência disso, o comércio estava agonizante. A intranqüilidade popular culminava em revolta contra o governo, ou no abandono da propriedade, que não podia continuar a dar lucros devido aos impostos excessivos. Era evidente o acentuado declínio nos haveres dos dois reinos no primeiro século a.C., o que explica a facilidade com que Roma os venceu. 1.8 Efeitos Culturais Os efeitos políticos da conquista helenística do Oriente não foram duradouros. Os Selêucidas e os Ptolomeus eram considerados dinastias estrangeiras que não provinham do povo e, se bem que fossem apoiados pela hierarquia dominante, nunca tiveram êxito em dar aos seus reinos um caráter helênico completo. Pelo contrário, estes reis assumiram o absolutismo dos monarcas orientais que exigiam obediência dos seus cortesãos. O livre companheirismo da democracia grega ou até a mais formal organização da corte Macedônica foram eclipsados pelo despotismo caprichoso de reis que pretendiam ser considerados divindades. Jesus aludia aos Selêucidas e Ptolomeus quando disse que os reis dos gentios se chamam a si próprios “benfeitores” (Lc 22.25), porque a palavra grega “euergetes” (benfeitor) era um dos seus títulos. As massas que eles dominavam pagavam-lhes impostos e prostravam-se diante deles, não teriam feito o mesmo perante outro senhor, qualquer que ele fosse. Culturalmente, os Selêucidas e os Ptolomeus introduziram a cultura e os costumes gregos no Oriente. A arquitetura grega prevaleceu nos centros urbanos onde eles viviam. O grego era a linguagem da corte e tornou-se a fala comum do povo, como se vê pelos papiros. Cartas 27 O Mundo do Novo Testamento de amor, contas, recibos, amuletos, ensaios, poesia, biografias e cartas comerciais, tudo era escrito em grego. No Egito, as designações dos funcionários do povo eram em grego, mesmo no tempo da ocupação romana. Os dirigentes do governo procuravam unir a cultura helenística com a vida do povo. Aos deuses locais eram dados nomes gregos e nas cidades maiores edificavam ginásios e anfiteatros. Foi por meio desta cultura que o Evangelho de Cristo era disseminado nos seus primitivos esforços missionários. Usando a Bíblia em grego e com a língua grega como meio universal de comunicação, o Evangelho depressa atingiu os postos avançados da civilização. 28 29 O Mundo do Novo Testamento Capítulo 2 O Mundo Social e Econômico 2.1 O Mundo Social O mundo do primeiro século não era muito diferente do mundo atual. Viviam lado a lado ricos e pobres, homens virtuosos e homens criminosos, homens livres e homens escravos, e as condições sociais e econômicas predominantes eram semelhantes às dos tempos presentes. 2.2 A Sociedade Judaica Tanto no judaísmo como no mundo pagão havia uma aristocracia do dinheiro. No judaísmo era um grupo religioso, constituído principalmente das famílias sacerdotais e dos dirigentes rabinos. A tribo dos Hasmoneus tinha dominado a sociedade palestiniana, desde os dias dos Macabeus até o tempo de Herodes, o Grande. Durante o seu reinado e o de seus filhos, o sacerdócio hasmoniano tinha nas suas mãos o poder. Os reflexos da hierarquia, que aparece nos evangelhos, mostram que eles eram os governantes virtuais da Judéia. Dirigiam o movimento comercial relacionado com o templo e tinham sociedade nos lucros provenientes da venda de animais para os sacrifícios e do câmbio de dinheiro envolvido nos tributos do templo. Entre os membros do Sinédrio, que era o conselho supremodo judaísmo, havia homens abastados, como Nicodemos e José de Arimatéia. Eram provavelmente proprietários de terras, que arrendavam as suas fazendas, tendo a sua parte nas colheitas. A maioria do povo da Palestina era pobre. Uns eram lavradores, outros viviam do comércio. A escravidão não era grande no judaísmo e, sem dúvida, a grande maioria dos palestinianos judeus eram cidadãos livres. Outros, como os pescadores que se tornaram discípulos, possuíam pequenas empresas independentes, de que viviam em boas condições. As categorias sociais entre os judeus eram um tanto restringidas pelas obrigações comuns que a lei impunha sobre os seus seguidores. Se todos eram igualmente responsáveis perante Deus pela obediência à Lei, 30 em conseqüência, eram moralmente iguais perante Deus. Embora os judeus considerassem o homem rico como uma pessoa excepcionalmente abençoada pelo favor de Deus e, por conseqüência, como justo, não havia razão para que qualquer pessoa não pudesse merecer favor igual pela prática de boas obras. Ainda que uma aristocracia tenda a tornar-se perpétua, havia pelo menos uma igualdade moral inerente que preservava a oligarquia judaica de tornar-se demasiada opressora. 31 O Mundo do Novo Testamento Capítulo 3 A Sociedade Pagã 3.1 A Aristocracia No mundo pagão do século I, as camadas sociais eram mais vigorosamente diferenciadas. As guerras civis de Roma que tinham precedido a instituição do governo imperial tinham dilacerado inteiramente a vida social. As antigas populações livres, possuidoras de terras da Península Itálica, tinham desaparecido. Muitas das mais antigas famílias senatoriais tinham acabado nas lutas civis, enquanto que outras tinham sobrevivido. No lugar desses, levantou-se uma nova aristocracia, os proprietários que dirigiam as terras públicas com a sua influência e que compravam baratas as terras particulares daqueles cujas famílias tinham empobrecido por causa da guerra ou pela impossibilidade de conseguirem viver duma pequena herdade. A exploração das províncias recentemente conquistadas patenteou uma outra possibilidade de lucros e os comerciantes que atuavam como contratadores e especuladores por conta do governo faziam uma enorme colheita. Os prazeres a que essas condições davam incremento enfraqueciam a aristocracia e desanimavam as classes inferiores, que sentiam que, apesar de suas canseiras, iam prosperando menos à medida que os anos passavam. 3.2 A Classe Média Devido, em grande parte, ao aparecimento da escravidão, que provinha da utilização dos cativos militares, a classe média quase desapareceu no império. Muitos tinham sido mortos nas guerras e nas proscrições. Muitos outros não puderam competir com o trabalho escravo e foram enfraquecendo lentamente e sendo privados das suas pequenas quintas e propriedades. Foram gradualmente aumentando as multidões sem lar e sem pão que enchiam as grandes cidades, especialmente Roma, e o seu sustento ficou dependente do Estado. As multidões famintas e ociosas que estavam prontas a votar por qualquer candidato cujas promessas soassem melhor do que as do seu competidor constituíam um fator perigoso e imprevisível na vida social do império. 3.3 A Plebe A plebe, ou parte pobre da sociedade era numerosa e as condições em que se via lastimáveis. Muitos não tinham emprego firme e estavam piores do que 32 os escravos, que tinham pelo menos a certeza da alimentação e do vestuário. O proletariado sem emprego estava disposto a seguir qualquer homem que lhe desse uma esmola para alimentar o estômago e diversões para preencher as suas horas de ociosidade. Eram presas fáceis de qualquer demagogia. 3.4 Os Escravos e os Criminosos Os escravos eram em grande número no império romano. Não é possível dar números exatos, mas os homens livres do mundo romano eram, sem dúvida, menos da metade da sua população total, e relativamente poucos desses se podiam considerar cidadãos com todos os direitos. A guerra, as dívidas e o nascimento mantinham as fileiras da população escrava em rápido crescimento. Nem todos eles eram ignorantes. Muitos eram, de fato, médicos, peritos contabilistas, professores, artistas hábeis de várias espécies. Epicteto, o célebre filósofo estóico, era um deles. Realizavam a maior parte do trabalho nas grandes propriedades agrícolas. Exerciam também a função de cajados, a de empregados comerciais e de copistas. Os efeitos da escravidão eram degradantes. A propriedade de escravos tornava os senhores dependentes do trabalho e da capacidade dos seus servidores, a ponto de perderem toda a sua própria capacidade e ambição. A moralidade e o respeito próprio eram impossíveis entre aqueles cuja única lei era a vontade dum senhor arbitrário. A impostura, a adulação, a fraude e a obediência servil eram os melhores meios de o escravo obter o que queria dos seus superiores. Em muitos casos, as crianças eram confiadas ao cuidado destes criados, que lhes ensinavam todos os vícios e falsos artifícios que conheciam. E assim a corrupção dominante nas classes oprimidas da sociedade comunicava-se aos seus senhores. Havia indubitavelmente muitos exemplos de senhores e senhoras que tratavam bem os seus servidores, como havia também muitos escravos que trabalhavam no vínculo da amizade mais do que no do terror. Alguns deles conseguiam juntar pecúlios por meio das gratificações e dádivas, e com esses pecúlios compravam a sua liberdade; outros recebiam carta de alforria dada pelos seus donos, ou durante a vida destes, ou por sua morte. Conseqüentemente, uma firme corrente de homens livres entrava na vida do império, enchendo com trabalhadores competentes as fileiras das classes baixa e média, dizimadas pela guerra. Muitos destes libertos, como Palas, no reinado de Cláudio, tornaram-se proeminentes no governo e importantes no desenvolvimento da burocracia. Há no Novo Testamento alusões à escravidão, nele se usa freqüentemente o termo escravo e se fazem referências ocasionais à possessão de escravos. 33 O Mundo do Novo Testamento Em nenhuma parte das suas páginas é atacada ou defendida a escravatura. Segundo as cartas de Paulo às Igrejas, havia, entre os crentes, tanto escravos como donos de escravos. Os escravos eram exortados a obedecerem aos seus senhores e aos senhores mandavam que não fossem cruéis para com eles. Tal era, no entanto, o poder da sociedade cristã que a escravatura foi gradualmente enfraquecendo com o seu choque e, finalmente, desapareceu. As incessantes hordas de desempregados – os gatunos que marchavam para as cidades, com o fim de roubar a sociedade, os desesperados e os deserdados – constituíam um terreno fértil para a criação do criminoso. Talvez seja injusto dizer que o crime prevalecia no império, pois havia nele um grande número de bons cidadãos; mas, em vista do caráter imoral e sem escrúpulos de muitos imperadores e altos funcionários, não é surpreendente que a sociedade em geral estivesse cheia de toda a espécie de males. O horrível quadro do mundo pagão que temos em Romanos 1.18 a 32, não é nenhum exagero. Não havia padrão inerente no paganismo que reprimisse o impulso da queda moral. 34 35 O Mundo do Novo Testamento Capítulo 4 Aquisições Culturais 4.1 Literatura No tempo de Augusto, houve um avivamento literário em Roma. O poeta Virgílio tornou-se o profeta da nova era. A sua Eneida representa um esforço para glorificar a Roma de Augusto; mostrando através da aventura épica do seu herói, a origem e o destino divinos do império. A esperança de uma futura cidade de ouro é apresentada nas suas obras e, pelo menos uma das Éclogas (a quarta), pareceevidenciar que Virgílio tinha algum conhecimento do Antigo Testamento. A época de Augusto foi o período áureo da poesia romana, adornada por Horácio, que vazou a poesia latina nos moldes gregos, e por Ovídio, cujas histórias da mitologia grega e romana revelam as atitudes morais contemporâneas do povo romano. Nada de notável foi produzido entre os períodos de Augusto e Nero. Sêneca, o moralista estóico e tutor de Nero produziu ensaios filosóficos e tragédias dramáticas. Petrônio, o rico árbitro das elegâncias da corte de Nero, compôs uma novela, que é ainda hoje uma das melhores fontes de conhecimentos da vida comum dos seus tempos. No último terço do séc. I, Plínio, o Velho, escreveu a sua História Natural, uma das primeiras tentativas da descrição científica do mundo da natureza. Essa obra era enciclopédica no alcance e revelou uma grande soma de investigações, ainda que fosse inteiramente desprovida de crítica e defeituosa quando julgada pelos padrões modernos. Quintiliano escreveu extensamente sobre gramática e retórica. Marcial, cujos epigramas picantes ainda constituem leitura mordaz, era o cronista de jornal do seu tempo. Nos governos de Nero, Trajano e Adriano, a literatura tomou o rumo da anticrítica. Os historiadores Tácito e Suedônio narravam a história dos Césares em linguagem franca. Tácito em particular, visto que estava ligado à velha aristocracia republicana, não tinha muita simpatia pelos imperadores. Os conteúdos dos seus Anais e das suas Histórias evidenciam os sentimentos contra o principado latente sob a superfície da opinião pública. O satirista Juvenal também escreveu no século II. Como Marcial, era também um crítico acerbo dos costumes e da moral do seu tempo. Mesmo que nos pudessem garantir que algumas das suas caricaturas sejam exageradas, não as deixam revelar a corrupção predominante na alta sociedade romana e de confirmar em geral as impressões deixadas pelo seu predecessor Marcial. 36 4.2 Arte e Arquitetura Durante os reinados dos imperadores do século I, Roma desenvolveu-se materialmente, e novas construções eram feitas continuamente. Se bem que os romanos não fossem singularmente originais nas suas artes decorativas, eram, contudo, excelentes na ereção de perduráveis monumentos de caráter utilitário. Muitas das suas pontes e aquedutos, teatros e balneários ainda se conservam, como testemunho da sua capacidade em matéria de construção. Souberam como usar o princípio do arco para bons efeitos e eram artistas em edificar com tijolo e argamassa. Na arte ornamental e decorativa criavam grande variedade em estatuária, com que geralmente representavam pessoas de preferência e idéias abstratas. Decorações funerárias nos túmulos e sarcófagos, bustos e estátuas eqüestres dos imperadores reinantes e esculturas históricas, como o Arco de Tito em Roma, eram comuns. 4.3 Música e Drama A música e o teatro tinham mais por objetivo divertir a multidão, do que estimular o pensamento dos intelectuais. O teatro romano degenerou-se rapidamente e contribuiu diretamente para a degradação moral do povo. As farsas e os mimos do princípio do império eram grosseiros e baratos. As suas intrigas representavam a mais baixa qualidade de vida apresentada vergonhosamente. As representações teatrais do séc. I d.C. eram muito diferentes das dos grandes trágicos gregos, como Ésquilo e Eurípedes, que eram não só dramaturgos como filósofos e teólogos. Música de toda a espécie era vulgar no império. Usavam-se principalmente instrumentos de cordas e flautas, mas se usavam de vez em quando instrumentos de latão, de sopro, tambores e címbalos. A lira e a harpa eram os instrumentos mais populares. Os ritos e as procissões eram geralmente acompanhados por música e a aristocracia divertia os seus hóspedes com jantares com música preparados pelos seus escravos. 4.4 Arena O anfiteatro tinha sobre o povo romano uma influência mais perniciosa do que o teatro. As lutas sangrentas entre homens e feras ou entre homens e homens eram promovidas pelo imperador, ou, de vez em quando, por aspirantes às funções políticas que desejavam ganhar o favor das multidões. Os que lutavam, gladiadores preparados, eram normalmente escravos ou prisioneiros de guerra, ou criminosos condenados, ou voluntários que 37 O Mundo do Novo Testamento procuravam fama na arena, como fazem os pugilistas modernos. Alguns deles conseguiam ganhar proteção e fortuna a ponto de se poderem retirar para uma vida privada e pacífica. A maioria morria na arena. Os espetáculos de gladiadores habituaram as assistências a verem o sangue derramado e até lhes fizeram aumentar o desejo de tais espetáculos cruéis. A fim de agradar aos seus patronos, os espetáculos eram normalmente elaborados e crescentemente horríveis. Se o teatro com as suas farsas e mimos grosseiros, desenvolvia no povo a obscenidade e a sensualidade, os espetáculos gladiatoriais glorificavam a brutalidade. 4.5 Línguas Eram quatro as principais línguas do mundo romano: latim, grego, aramaico e hebraico. O latim era a língua dos tribunais e da literatura de Roma. Como língua do povo era falada principalmente no mundo romano ocidental, particularmente na África do Norte, Península Ibérica, Gália e Bretanha, assim como na Península Itálica. Era a língua dos conquistadores e foi aprendida pelos povos submetidos que adaptaram rapidamente a sua pronúncia e vocabulário aos seus próprios dialetos. O grego era a língua da cultura no império, familiar a todas as pessoas intelectuais, e era também a língua franca da maioria da população de Roma. Até na Palestina se falava grego corretamente, e muito provavelmente Jesus e os seus discípulos também usavam a língua grega sempre que tinham de falar com os gentios. O aramaico era a língua predominante no Oriente Próximo. Paulo falou em aramaico ao povo de Jerusalém (At 22.2) quando de improviso, fez a sua defesa das escadas da Fortaleza de Antônia; também algumas registradas citações de Jesus indicam que ele usava habitualmente o aramaico (Jo 1.42; Mc 7.34; Mt 27.46). Aparecem também na fraseologia do primitivismo cristão, palavras como Aba (Rm 8.15), Maranata (1Co 16.22), que mostram que os cristãos primitivos falavam aramaico. O hebraico clássico, com o qual o aramaico está intimamente relacionado, tinha sido uma língua morta desde os tempos de Esdras, exceto entre os rabinos cultos, que a usavam como meio de transmissão do pensamento teológico. O povo comum não o entendia. O grande uso das primeiras três destas línguas é mostrado pela afirmação de que a inscrição da cruz, acima da cabeça de Jesus, estava escrita “em hebraico (aramaico), em latim e em grego” (Jo 19.20). Mesmo na Palestina eram todas três correntes e admitidas. Um tal uso concomitante de línguas no centro onde o Cristianismo teve a sua origem trazia em si a influência da civilização e da literatura representada por essas línguas e proporcionou ao Cristianismo um meio de expressão universal. Na história do Cristianismo, durante o primeiro século, nem o latim, 38 nem o hebraico, tiveram grande papel a desempenhar, mas tiveram-no o aramaico e o grego. A tradição diz que algumas das primeiras publicações com as palavras de Jesus foram compostas em aramaico, e que o fato do Novo Testamento como um todo ser escrito em grego quase desde o tempo da sua origem, é coisa por demais patente para que fosse necessário argumentar sobre ela. Todas as epístolas foram escritas em grego e os Evangelhos e Atos dos Apóstolos sobreviveram tão somente em grego, mesmo que pudesse garantir-se a existência de alguns documentos dos meados do primeiro século, contendo palavras de Jesus em aramaico. 4.6 Ciências Os romanos que dominaram o mundo do século I, não estavam interessados fundamentalmente em investigações matemáticas e científicas. Satisfazia-os inteiramente o dedicarem-se apenas a processos elementares, como osque usavam na medição das terras ou no cálculo de dinheiro. As aplicações científicas que realizavam, como, p.ex., os navios e os engenhos de guerra, tinham sido inventadas pelos gregos, de quem eles receberam essas invenções. Estes domínios do conhecimento encontravam-se já bastante explorados no tempo de Cristo. A geometria (que significa literalmente a ciência de medição da terra) tinha começado já com os babilônicos e com os egípcios, e foi trazida para o mundo grego por Tales de Mileto, se é verídica a tradição. Euclides de Alexandria (± 300 a.C.) desenvolveu tão completamente a geometria plana que as suas proposições têm sido estudadas com pequenas modificações até os dias atuais. A mecânica e a física foram estudadas por Arquimedes de Siracusa (287 a 212 a.C.), que desenvolveu a teoria da alavanca e descobriu o princípio do cálculo da composição dos corpos por meio da relação do peso do volume do líquido por ele deslocado. Descobriu a fórmula da razão da circunferência e do seu diâmetro e, assim, a aproximação básica do cálculo. Vários dos seus numerosos estratagemas de mecânica foram aplicados nas guerras de Siracusa contra Roma. A astronomia desenvolveu-se muito no mundo pré-cristão. A esfericidade da Terra e o movimento de rotação da mesma já eram conhecidos de alguns cientistas gregos no séc. IV a.C. Hiparco (± 160 a.C.) inventou a trigonometria, tanto a plana como a esférica, e fez o cálculo do tamanho da Lua e da sua distância da Terra. A teoria predominante acerca do movimento da Terra e dos planetas não era heliocêntrica, mas sim geocêntrica. Eratóstenes de Alexandria (273 a 192 a.C.) calculou a circunferência da Terra com um seqüente grau de precisão, a despeito dos toscos instrumentos de que dispunha. 39 O Mundo do Novo Testamento A geografia foi a ciência que deveu o seu maior progresso ao período que inclui o século I. Ptolomeu de Alexandria (127-151) escreveu uma obra de astronomia que permaneceu como modelo até o aparecimento da teoria de Copérnico nos tempos modernos. Fez mapas de todas as regiões conhecidas naquele tempo. A medicina floresceu em vários centros do mundo. A universidade de Tarso tinha um hospital no templo de Esculápio, onde os doentes eram tratados. Uma escola de medicina grega se iniciara em Roma durante o reinado de Augusto. Celso, médico no reinado de Tibério, escreveu um tratado de cirurgia que revelou extensos conhecimentos da técnica operatória. Um outro médico, Dioscórides, escreveu uma obra sobre cerca de 600 plantas e sobre a sua aplicação na medicina. Galeno (129-200) sistematizou os conhecimentos da medicina grega. Realizou experiências biológicas e descreveu por escrito as suas descobertas. Embora muitas das suas conclusões fossem erradas, exerceu uma poderosa influência na ciência médica até o fim da Idade Média. Os conhecimentos científicos dos romanos mostraram pouca originalidade e pequena curiosidade intelectual. A “História Natural” de Plínio era uma enciclopédia dos conhecimentos da sua época em 37 volumes. Abrangeu todos os assuntos, desde a agricultura à zoologia. Plínio usou de um estilo pesado, quer citando de outros escritores, que escrevendo as suas próprias observações. Pode ser considerado um testemunho honesto da cultura do seu tempo, mas foi incapaz de distinguir os fatos das fábulas, e, assim, nem sempre eram seguras as suas conclusões. Os hebreus não estavam verdadeiramente interessados nas ciências especulativas. No século I, nenhum deles se notabilizou em ciências matemáticas ou naturais. A Igreja que brotou da matriz judaica não se preocupara com as ciências como tais, porque os seus principais interesses estavam nos domínios da Ética e da Religião. Por outro lado, a revelação sobre que a Igreja baseava os seus ensinos não se opunha inerentemente à ciência. Paulo, ao falar de Deus, diz: “As perfeições invisíveis d’Ele, o seu poder eterno e a sua divindade, claramente se vêem desde a criação do mundo, sendo percebidos pelas suas obras” (Rm 1.20). Não há conflito entre a investigação teológica da revelação de Deus por meio do Seu Espírito e a investigação científica da sua revelação por meio da criação. O Novo Testamento não é primariamente um livro de ciência, nem foi escrita por homens cuja preparação se possa considerar científica no sentido pleno do termo na hora presente, mas não é anticientífico, nem nas suas afirmações nem no seu espírito. 40 4.7 Escolas Até o tempo de Vespasiano, os governadores não tiveram interesse ativo no sustento da educação pública. A educação das crianças na casa da família média em Roma começava com o paidagogo, que vinha a ser um escravo com a responsabilidade de ensinar as primeiras lições à criança e de levar e trazer de uma escola particular ao lugar onde vivia. Quando chegava o tempo do jovem assumir responsabilidades de adulto, o jovem romano ficava ainda na dependência do seu tutor. As escolas eram lugares lúgubres em recantos ou salões públicos onde estavam situados os mercados e as lojas. O mestre-escola pouco conhecia e pouco praticava a psicologia da educação, limitando-se a ensinar por repetição contínua, acentuada por castigos corporais. Com raras exceções as salas de aula eram salões vazios, frios, sem atração, desprovidos de lousas, mapas, decorações e outro mobiliário considerado essencial nas escolas modernas. O currículo era essencialmente prático. As matérias básicas do programa elementar eram a leitura, a escrita e a aritmética. Em estados mais adiantados estudavam os poetas gregos e latinos e decoravam longas passagens que tinham de declamar dando-lhe expressão adequada. Mais tarde podiam estudar elementos de oratória: como preparar um discurso e como proferi-lo com eloqüência. Por vezes, os jovens mais ricos saíam para realizar estudos nas universidades de Atenas, Rodes e Tarso ou Alexandria, ou podiam assistir às preleções dos filósofos itinerantes (que viajam, que percorrem itinerários). A educação do jovem judeu seguia mais ou menos o mesmo modelo, com a exceção de que o seu programa era mais restrito. Aprendiam a ler e escrever pelo Antigo Testamento. Entre os judeus da Dispersão, as escolas da sinagoga usavam, sem dúvida, tanto o grego como o hebraico. Aprendiam também as tradições dos pais e eram adestrados no ritual do judaísmo. Em alguns casos, era permitida a leitura de livros gentílicos. Se o estudante pretendia ser um erudito ia habitualmente estudar com qualquer notável rabino, exatamente como Paulo foi educado aos pés de Gamaliel, de acordo com os métodos restritos da lei dos seus antepassados (At 22.3). Não há dados convenientes pelos quais se possam tirar conclusões a respeito do estado de educação em cada canto do império. Parece que cada municipalidade do povo era, dentro dos seus confins, responsável pelo seu próprio programa de educação. No entanto, como se vê pelos papiros, mostra que o povo do século I atingia um certo grau de aptidão literária e que a 41 O Mundo do Novo Testamento leitura e a escrita eram exercidos até pelas classes mais baixas. É muito provável que as aquisições literárias do primitivo império se possam comparar favoravelmente com os da Idade Média, ou até com algumas partes da Europa no século XVIII. 4.8 Padrões Morais A condição moral do império romano, considerada no seu todo, pode não ter sido tão negra como a pintavam alguns historiadores. Como de costume, as pessoas virtuosas passaram despercebidas exatamente devido a sua virtude, ao passo que os criminosos foram celebrizados e chegaram ao conhecimento de todos. As novidades consistiam tão somente no “crime”. No entanto todas as condições sobreviventes de História, Literatura, Drama, Arte, mostram um padrão de moralidade, em geral, mais baixo do que o nosso. A tremenda acusação de Rm 1.18 a 3.20 foi originalmente dirigida contra o império e todo o testemunho de que dispomos confirma a suaexatidão. A decadência moral não significa que houvesse pessoas razoavelmente decentes ou que a virtude estivesse completamente extinta. O que significa é que a diretriz prevalecente na sociedade é a de descer para a indulgência e para a desordem. A vida humana era tida em pouca conta e, portanto, eram freqüentes os assassinatos. O divórcio conseguia-se facilmente e era bem recebido na sociedade. O enjeitamento de criancinhas recém-nascidas era uma prática comum, bem revelada na muito conhecida carta de Hilarião à sua mulher Alis, “Gerando tu uma criança, se for um rapaz, que viva, se for uma rapariga, expõe-na”. Predominavam as superstições e falsidades de toda a natureza. Havia moralistas como Sêneca, tutor de Nero, que advogavam ideais sublimes nas suas obras e usavam palavras de sabedoria, mas os seus protestos tinham pouca influência contra os males invasores dos seus dias. Não comunicavam aos seus leitores força espiritual que pudesse tornar os seus preceitos efetivos e, como no caso de Sêneca, não davam o exemplo do que aconselhavam aos outros. O paganismo não tinha qualquer poder para se levantar acima de si próprio e a consciência crescente desta sua falta de poder trouxe sobre ele um pessimismo e depressão a que não pôde sobreviver. A corrupção política, a devassidão, a fraude no comércio, o dolo e a superstição religiosa tornavam a vida em Roma desanimadora para a maioria e insuportável para alguns. 4.9 O Mundo Econômico Os cristãos dos primeiros séculos, como os de hoje, tinham de ganhar a sua vida, num mundo laborioso. A propagação e a prática da sua fé eram 42 afetadas pelas prevalecentes condições quanto o são hoje as nossas. A agricultura, a indústria, as finanças, as viagens e transportes – tudo tinha relação com a difusão do evangelho. 4.10 Agricultura Durante o tempo de Cristo e do primitivismo cristão, ocupava o império romano todos os territórios em volta da bacia do Mediterrâneo. A julgar pelas ruínas das cidades existentes ainda hoje, os territórios do litoral eram mais férteis do que o são hoje. A África do Norte, que atualmente é semi-árida ou até largamente desértica, tinha enormes herdades, em que ou pastava gado ou se produzia frutas e vegetais. Na Itália havia latifúndios que os proprietários arrendavam a lavradores ou a caseiros, em que se podiam cultivar quase todas as espécies de frutas ou cereais. Nas províncias ocidentais da Bretanha, Gália e Germânia florescia a agricultura e algumas quintas eram dirigidas por planos governamentais estabelecidos por Augusto. 4.11 Indústria A fabricação industrial nunca foi tão importante nos tempos antigos como é hoje, porque as máquinas eram praticamente desconhecidas e as mercadorias tinham de ser produzidas pelo esforçado trabalho manual do indivíduo. Em muitos casos, as fábricas eram empresas particulares em que trabalhavam escravos. Havia, em regra, lojas pequenas e não por exceção. Certos tipos de mercadorias eram produzidos em localidades particulares: vasos de cobre, no campo; o linho e o papel vinham do Egito; a melhor qualidade de louça de barro era produzida no norte da Itália. As miudezas, o mobiliário e os artigos domésticos eram geralmente produzidos nas próprias localidades. Provavelmente todas as pequenas povoações do império tinham os seus operários que trabalhavam para todas as necessidades dos seus compatriotas. O próprio Jesus era carpinteiro (Mc 6.3) e Paulo de Tarso trabalhava, quando era preciso, como fazedor de tendas (At 18.3). As mercadorias de luxo eram importadas. O ouro, o marfim e as madeiras raras eram importados da África e do Oriente; as pérolas e jóias, da Índia. Os vestuários de peles vinham da Ásia central e da Rússia, e o âmbar vinha do longínquo norte. As caravanas levavam grandes cargas e estavam sujeitas a serem assaltadas por ladrões. Posto que o império tivesse um grande número de boas estradas, o transporte de veículos era feito por animais, devido à sua força, e assim esse tráfego era caro e lento. A marinha mercante fazia carreiras nos rios navegáveis e, nos meses de verão, no mar. A produção em massa de artigos baratos era praticamente impossível, dado que não havia máquinas nem transportes eficazes. 43 O Mundo do Novo Testamento 4.12 Finanças As moedas padrão eram o denarius (denário) e o aureus, ou libra. Uma libra valia 40 denários. O denário é mencionado muitas vezes no Novo Testamento, onde é traduzido por dinheiro. O seu valor monetário atual seria cerca de 17 centavos de dólar americano, embora o seu valor de compra fosse consideravelmente maior. Constituía o salário vulgar de um dia de trabalho de um homem no Oriente (Mt 20.2). Muitas das cidades do império tinham o direito de cunhar as suas próprias moedas e as moedas das nações conquistadas não eram retiradas de circulação, de sorte que eram usadas várias qualidades de dinheiro concomitantemente dentro do domínio. Os cambistas faziam um bom negócio com os viajantes, como mostra o episódio da purificação do templo por Jesus (Mt 21.12). O comércio bancário era geralmente praticado, se bem que não existisse o complicado sistema de finanças usado no mundo atual. Os bancos não eram subsidiados pelo Estado; o que havia usualmente eram sociedades particulares. Muitas vezes firmas comerciais com participações estrangeiras realizavam negócios para os seus clientes. Contrair empréstimos, conceder empréstimos, descontos e cambiais, tudo isso se realizava, assim como se passavam também cartas de crédito. Aos bancos eram muitas vezes supridos fundos por indivíduos particulares, visto que o banco atuava só como agente. Os juros variavam de 4 a 12 por cento, se bem que, por vezes, a taxa levada por corretores individuais fosse ainda maior. Bruto pagou, uma vez num empréstimo, a taxa de 48%. As parábolas dos talentos (Mt 25.15) e das minas (Lc 19.13) mostram que emprestar dinheiro era uma maneira comum de aumentar a fortuna. 4.13 Transportes e Viagens O domínio de Roma sobre as províncias era grandemente facilitado pelo seu excelente sistema de estradas, que até recentemente, era o melhor que o mundo tinha conhecido. Os romanos construíram as suas estradas tão direitas quanto possíveis, fazendo cortes através dos montes e usando viadutos para transpor vales e rios. Na construção das suas estradas escavavam o solo e enchiam o leito da estrada com três camadas diferentes de material, elevando o centro para escoamento das águas e pavimentando a parte superior com pedra. As estradas tinham, por vezes, uma largura superior a cinco metros, mas eram lisas e duráveis. Algumas delas ainda hoje são usadas. Ao longo destas estradas que, de Roma para a fronteira, se estendiam em todas as direções, marcharam os exércitos e as caravanas de comércio. O correio imperial levava as correspondências e tinha os seus próprios oficiais, enquanto que o comércio particular tinha os seus próprios correios. 44 Algumas destas estradas tornaram-se famosas na Antigüidade. A Via Ápia era a principal estrada de comunicação entre Roma e o sul da Itália. Ia de Roma até Brindes, por Cápua. Da costa ocidental do Ilírico, de onde a Via Egnácia corria através do Ilírico, da Macedônia até Tessalônica, e daí até Bizâncio, a Constantinopla atual. Uma outra estrada se dirigia de Trôade a Éfeso, na costa ocidental da Ásia Menor, seguindo depois para leste, por Laodicéia e Colossos até Antioquia de Psídia, e daí para o sul, por Icônio e Derbe até o desfiladeiro das Portas Cilicianas, através das quais continuava para Tarso e para Antioquia da Síria. Outras estradas conduziam de Antioquia para o Oriente até o Eufrates, onde encontravam os caminhos comerciais para a Índia. A Via Flamínia dirigia-se para o norte, de Roma para Arímino e daí para Mediolano. De Mediolano, várias estradas se dirigiam para ocidente, para a Gália, a Germânia, a Récia e Nórico. A Via Cláudia Augusta, iniciada