Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
SCIENCE OF BEER INSTITUTE TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO SOMMELIER DE CERVEJA ALUNO: ANDRÉ DOURADO DE BARROS RECIFE 2018 1 INTRODUÇÃO 1.1 Contextualização Diante de um cenário cada vez mais globalizado, o mercado cervejas vem se destacando bastante nas últimas décadas no mundo e mais recentemente no Brasil, devido a um nicho específico, o das cervejas artesanais, que está proporcionando uma mudança nos produtos, no marketing e no comportamento do consumidor. No mesmo rumo tomado por países como Inglaterra, Bélgica, Alemanha e Estados Unidos, o Brasil vem amadurecendo no mercado das cervejas, principalmente as artesanais, tomando como base e se deixando influenciar fortemente pelas escolas cervejeiras dos países supracitados. A exemplo do que ocorreu com o vinho há alguns anos, o despertar do brasileiro para as cervejas ditas "especiais" vem crescendo exponencialmente a reboque das importações cada vez mais numerosas. Hoje, por aqui, estima- se que já existam mais de mil rótulos importados disponíveis, e o número vem crescendo, literalmente a cada dia. Está em cena, ainda, a silenciosa explosão de microcervejarias artesanais em solo nacional, elaborando cervejas nobres, muitas das quais em nada são devedoras às melhores europeias (BELTRAMELLI, 2014, p. 120). Conforme o Instituto da Cerveja Brasil (2016) o cenário para o mercado de cervejas artesanais nacional é promissor e, de acordo com dados do Sebrae (2017), apesar das cervejas artesanais corresponderem a um percentual menor do que 1% do market share do mercado de consumo nacional de cervejas, há um enorme espaço para crescimento. Nesta conjuntura de expansão, vários estilos e subestilos de cerveja estão surgindo em nosso país, cada um com características específicas e trazendo uma diversidade de sabores e aromas que, a cada dia, vem conquistando cada vez mais os apreciadores de cerveja e modificando o hábito de consumo e o comportamento dos consumidores dessa bebida tão fantástica. 1.2 Objetivo Este trabalho de conclusão do curso Sommelier de Cerveja do Science of Beer Institute tem como objetivo apresentar cinco subestilos cervejeiros tendo como base o guia de estilos do Beer Judge Certification Program (BJCP), edição 2015. Os subestilos de cerveja escolhidos pelo autor foram: • O Belgian Dubbel (26B), o Belgian Tripel (26C), e o Belgian Dark Strong Ale (26D), que fazem parte do estilo Trappist Ale (26); • O English India Pale Ale (12C), que faz parte do estilo Pale Commonwealth Beer (12), e; • O American IPA (21A), que faz parte do estilo IPA (21). A apresentação de cada subestilo foi dividida nos seguintes subtópicos: • História; • Justificativa de escolha; • Característica da escola pertencente; • Descrição; • Exemplos comerciais clássicos, e; • Serviço e harmonização. 2 SUBESTILOS CERVEJEIROS 2.1 Belgian Dubbel (26B), o Belgian Tripel (26C), e o Belgian Dark Strong Ale (26D) 2.1.1 História Conforme Morado (2009), a cerveja tem uma relação com a religião católica bastante antiga, remontando ao século IX, pelo fato de que a fabricação de cervejas se tornou parte dos afazeres diários dos monges e padres medievais. A cerveja começou a ser produzida para fazer parte da dieta dos monges durante o período de jejum, pois este líquido não “quebrava” esse período religioso. Há registro de produção de cerveja datado no ano de 820, na Abadia de Sankt Screamed, na Suíça. Os próprios monges cultivavam as matérias-primas e produziam as cervejas e doavam o produto excedente aos andarilhos e peregrinos que passavam por esses locais. Após conturbados períodos devido ao fortalecimento da monarquia no século XVI, a Reforma Protestante do século XVI, a hegemonia napoleônica, e a Revolução Industrial, a vida monástica, apesar desses entraves e dificuldades, não teve a sua tradição completamente extinta, e as receitas especiais sobreviveram e continuam sendo utilizadas para produzir cervejas ainda hoje (MORADO, 2009). Morado (2009) e Beltramelli (2014) afirmam que, dentre os mosteiros sobreviventes, uma ordem em particular é responsável por manter essa tradição cervejeira: a ordem dos monges trapistas. Oficialmente esta ordem é denominada Ordem dos Cistercienses Reformados de Estrita Observância (Order of Cistercians of the Strict Observance – OCSO), e é uma congregação religiosa católica que derivada da Ordem de Císter, datada do século XII, seguidora da regra de São Bento “ora et labora” (orar e trabalhar). Os monges trapistas vivem em grande austeridade e profundo silêncio, passando toda a sua vida nos mosteiros. Além disso, esses monges fazem três votos: pobreza, castidade e obediência. De acordo com Morado (2009) o termo trapista deriva do mosteiro de Notre-Dame de La Trappe, na Nomandia, que foi reconstruído no final do século XIX. Atualmente, conforme o site da OCSO, existem 169 mosteiros trapistas espalhados pelo mundo, porém destes, apenas 14 são produtores de cervejas trapistas e associados à International Trappist Association (ITA), que detêm o direito do uso exclusivo do nome “trapista” e criadores do selo específico informando a autenticidade dos produtos trapista. Dos 14 mosteiros cervejeiros, 8 estão na Holanda. Para uma abadia poder utilizar selo trapista nos seus produtos (além de cervejas, são produzidos pães, queijos, chocolates, vinhos e demais produtos), é necessário que ela atenda três rigorosos critérios: • Todos os produtos devem ser elaborados nas imediações da abadia; • A produção deve ser realizada sob a supervisão dos monges ou monjas, e; • Os lucros devem ser destinados às necessidades da comunidade monástica e para fins solidários dentro da Ordem Trapista, ou para projetos de desenvolvimento/reforma e obras de caridade. 2.1.2 Justificativa A justificativa para a escolha do estilo Trappist Ale foi embasada na história e diversidade da escola belga, como também no gosto pessoal por cervejas com maior complexidade e no interesse do autor deste trabalho em aprofundar os seus conhecimentos nesta escola que surpreende qualquer nível de entusiasta e profissional da cerveja. 2.1.3 Características de escola pertencente Morado (2009), e Beltramelli (2014) ressaltam que a Bélgica, devido a sua localização geográfica, sofreu várias invasões e ocupações por vários povos ao longo da sua história, principalmente durante as duas Grandes Guerras, e isso fez com que os belgas absorvessem a cultura de outros povos, como da França, por exemplo, que, além de dividir sua fronteira, compartilha também muitas de suas tradições. Essa mistura de tradições se reflete não somente na alimentação e estilo de vida, como também na cultura cervejeira, na qual é famosa em fabricar cervejas com apelo gastronômico, o que foi primordial para a resistência à adesão ao estilo Pilsen que ocorreu no resto do mundo (BELTRAMELLI, 2014). De acordo com Morado (2009), a Bélgica é conhecida como "o paraíso das cervejas" devido à sofisticação e à grande variedade de estilos disponíveis, sendo mundialmente conhecida pela sua arte de enriquecer e propor variações, combinações e inovações no mundo cervejeiro, além de propor várias harmonizações da bebida com diversos pratos. Outra característica da cultura cervejeira da Bélgica é a tradição milenar das abadias e mosteiros trapistas, sendo importantes símbolos de valorização e incentivo à preservação dessa cultura. Beltramelli (2014) complementa que, apesar da Bélgica ter um território do tamanho do Estado do Ceará, lá é possível encontrar mais de mil rótulos diferentes de cerveja. Pode-se dizer que as cervejas são tão importantes para os belgas como os vinhos são para os franceses, sendo a escola cervejeira belga extremamente respeitada e admirada pela preservação de suas tradições nopreparo das suas cervejas, com o uso comum de ervas, especiarias e frutas como o coentro, alcaçuz, gengibre, framboesa e cereja, além do lúpulo. Na Bélgica pode-se encontrar desde as cervejas mais leves, como a Witbier, como as mais complexas Dark strong ales ou as cervejas do tipo Lambic que são produzidas utilizando-se processos ancestrais de produção. 2.1.4 Descrição do subestilo, exemplos comerciais clássicos, harmonizações e serviço Conforme o BJCP (2015, p. 104), “os estilos de cervejas trapistas são caracterizados por uma elevada atenuação, alta carbonatação através de uma segunda fermentação na garrafa e um caráter interessante (e muitas vezes agressivo) da levedura”. O subestilo trapista Belgian Dubbel é caracterizado no BJCP (2015) por possuir aromas complexos e ricamente adocicado, com notas de chocolate, caramelo e/ou tostado (não torrado ou queimado) proveniente do malte. No aroma também são encontradas notas de ésteres frutados moderados como passas, ameixas e cerejas secas, como também banana ou maçã. Fenóis picantes, de moderado a muito baixo, e álcoois superiores (macio, mas nunca quente ou solvente) também são comumente identificados nas cervejas Belgian Dubbel. Porém, o aroma de lúpulo condimentado, herbal ou floral é classificado como baixo a ausente. As cervejas pertencentes ao subestilo Belgian Dubbel possuem, na sua aparência, coloração âmbar escuro a cobre, profundidade avermelhada, com espuma bege de alta formação e retenção (densa e cremosa). No sabor, as características do aroma se repetem, apresentando um complexo sabor de malte (médio a médio alto) que interage com os ésteres, álcool e fenóis (uma mistura de passa, frutas secas, cravo e pimenta picante – esses dois últimos são opcionais). Apesar de ser ricamente doce no palato, há um amargor médio-baixo de curta persistência no retrogosto, com final moderadamente seco. Da mesma forma que no aroma, há um baixo sabor de lúpulo condimentado, floral e herbal (opcional e geralmente não detectado). Na sensação de boca, a Belgian Dubbel apresenta um corpo médio a elevado, com carbonatação média-alta, suave, porém com baixo calor alcóolico e nunca quente ou solvente. De forma geral, a Belgian Dubbel é uma ale trapista com coloração vermelha acobreada profunda, complexa, com sabores de malte, ésteres de frutas escuras ou secas, álcool levemente presente e final bastante seco. Como exemplos comerciais clássicos podemos citar: a Chimay Première (ABV 7%), considerada a cerveja mais antiga da cervejaria Chimay, localizada na Abadia Scourmont (Chimay, Bélgica); a La Trappe Dubbel (ABV 7%), produzida pela Cervejaria De Koningshoeven, na Abadia Koningshoeven em Berkel-Enschot (Holanda); a St. Bernardus Pater (ABV 6.0%) produzida pela Cervejaria Brouwerij St. Bernardus, na cidade de Watou (Bélgica); a Trappistes Rochefort 6 (ABV 7,5%), a cerveja mais antiga produzida pela Abadia de Notre Dame de Saint Remy, localizada em Rochefort (Bélgica); e a Westmalle Dubbel (ABV 7,0%), produzida pela Abadia Trapista de Westmalle (Westmalle, Bélgica). No Brasil podemos encontrar alguns exemplares produzidos nacionalmente como a Wäls Dubbel (ABV 7,5%) da Cervejaria Wäls (Belo Horizonte – MG), e a Tupiniquim Dubbel (ABV 7,0%) da Cervejaria Tupiniquim (Porto Alegre – RS). De forma geral, as cervejas do subestilo Belgian Dubbel, devido a sua “robustez” e complexidade, harmonizam com carnes vermelhas mais intensas como pernil de carneiro assado ou carne suína, carnes de caça, além de sobremesas à base chocolate, como petit gateau, combinam bem com o seu dulçor. Oliver (2012), comenta que as Belgian Dubbel, devido ao seu sabor adocicado, combinam com a maioria dos pratos intensos, como as carnes de caça ou com carne de cordeiro, que apresentam notas doces, harmonizando os sabores caramelizados e frutados da cerveja. A temperatura adequada de serviço vai de 8 a 12°C e recomenda-se a utilização do cálice trapista, também chamado de goblet, ideal para cervejas mais complexas pois mantém os aromas concentrados. O nome “Dubbel”, segundo informações coletadas no site da Abadia Trapista de Westmalle, surgiu em 1865 quando os monges desta abadia começaram a preparar uma cerveja trapista escura devido ao aumento da demanda por consumo de sua cerveja simples de mesa que era produzida desde 1856. Em 1926, os monges cervejeiros ajustaram a receita desta cerveja escura dobrando a quantidade de ingredientes crus para produzir uma cerveja nova e mais forte, daí o nome “Dubbel”, ou seja, o dobro. Até hoje, esta receita datada de 1926 permanece como a base da cerveja Westmalle Dubbel. O Belgian Tripel, outro subestilo das ales trapistas, segundo o BJCP (2015), possui no aroma um complexo bouquet de notas condimentadas/apimentadas (às vezes com fenóis de cravo) que variam de moderada à alta, ésteres frutados em nível moderado (frutas cítricas como laranja, por exemplo), podendo haver um suave caráter de banana em alguns exemplares. Possui um baixo, mas distinto, aroma de lúpulo floral, condimentado e, algumas vezes, perfumado. Tanto as notas de álcool quanto de malte são suaves e de baixa intensidade, sendo, este último, ainda responsável por um aroma ligeiramente granulado-doce, lembrando mel. Na aparência, as cervejas Belgian Tripel apresentam cor amarelo profundo ao dourado profundo. Apesar de o BJCP (2015) definir a transparência desse subestilo como “boa” (o que na prática, não é um termo correto), o guia de estilos da Brewers Association (2018) afirma que uma leve turbidez é aceitável a baixas temperaturas, e que as Belgian Tripel tradicionais podem exibir uma ligeira névoa de leveduras, no entanto, a levedura não deve ser intencionalmente “despertada”. Ainda na aparência, a espuma das cervejas Belgian Tripel deve ser “branca, cremosa e compacta, de longa duração, que resulta num rendado belga característico na taça, à medida que a espuma abaixa e se esvai (BJCP, 2015, p. 107). No sabor, as cervejas Belgian Tripel apresentam um equilíbrio de sabores condimentados; frutados – frutas cítricas como laranja e limão em intensidade baixa a moderada; e álcool – macio, picante e de baixa intensidade; com um suave toque adocicado de grãos maltados, podendo-se identificar leves notas de mel. Identifica-se também fenóis apimentados variando de baixo a moderado, como também, na mesma intensidade, um caráter apimentado de lúpulo. As cervejas Belgian Tripel possuem também um amargor de médio a alto resultante de uma junção do amargor proveniente dos lúpulos e dos compostos fenólicos derivados das leveduras. A carbonatação é considerada alta, com final seco, e no retrogosto um moderado amargor com notas condimentadas e frutadas de leveduras. Na boca a sensação das Belgian Tripel são definidas como cervejas que possuem um corpo médio-leve a leve, com carbonatação alta, com baixa ou nenhuma sensação de calor do álcool, apesar da sua presença enganadora, com uma alta percepção de um final seco. Como impressões gerais podemos resumir este subestilo como sendo uma cerveja trapista um pouco condimentada, seca e forte, com agradável sabor de malte, amargor firme e final seco. Possuem uma alta drinkability apesar do seu alto nível alcoólico. Como exemplos comerciais clássicos, temos a Chimay Cinq Cents (ABV 8,0%), produzida pela cervejaria Chimay; a La Trappe Tripel (ABV 8,0%), da Cervejaria De Koningshoeven; a St. Bernardus Tripel (ABV 8,0%), fabricada pela Cervejaria Brouwerij St. Bernardus; e a Westmalle Tripel (ABV 9,5%) da Abadia Trapista de Westmalle, que, segundo esta abadia, é considerada como a “mãe de todas as cervejas do subestilo Belgian Tripel” devido ao fato de ter sido produzida no ano de 1934, tendo a sua receita sido ajustada em 1956, porém, permanece a mesma até os dias de hoje. Nacionalmente, temos alguns bons exemplares deste subestilo, como a Votus Nº 002 (ABV8,2%) da Cervejaria Votus (Diadema – SP), a Tripel Montfort (ABV 10,0%) da Cervejaria Bodebrown (Curitiba / PR) e a Wals Trippel (ABV 9,0%) da Cervejaria Wäls (Belo Horizonte – MG). Conforme informações encontradas no site da Abadia Trapista de Westmalle, o nome “Tripel” refere-se ao fato de que os ingredientes são usados em maiores quantidades que o normal. Em outras palavras, esta cerveja forte contém três vezes a quantidade de ingredientes que foi usada na cerveja trapista original desta abadia. Com o passar do tempo, outras cervejarias adotaram desde então o nome “Tripel” para as suas próprias cervejas deste subestilo. Como harmonização, as cervejas do subestilo Belgian Tripel combinam com queijos, como os do tipo Emmental, Gruyère ou Gouda, além de peixes, aves, carnes de caça, e massa ao molho Bechamel e/ou Pesto. As Belgian Tripel funcionam bem com pratos que apresentam de médio a médio-alto teor de gordura (tem a capacidade de limpar o palato) e que sejam bem elaborados, com a adição de ervas (coentro, tomilho, manjericão, etc.) e/ou com elementos cítricos (laranja e limão). Dessa forma, podemos afirmar que estas são cervejas bastante versáteis. Oliver (2012) afirma que, devido ao caráter herbáceo das Belgian Tripel, elas harmonizam bem com aves de caça (faisão, perdiz e codorna), tornando-se ainda mais profunda caso haja raspas de limão-siciliano ou laranja no recheio desses pratos, devido às suas notas cítricas apresentadas por este subestilo de cerveja. No caso do serviço, recomenda-se que as Belgian Tripel sejam degustadas em temperaturas entre 8 e 14°C e, da mesma forma que as Belgian Dubbel, a orientação é utilizar o cálice típico das cervejas belgas. O último subestilo escolhido da categoria Trappist Ale do BJCP (2015) é o Belgian Dark Strong Ale, que possui um aroma complexo com ricas e fortes notas doce de malte que remetem a pão tostado e caramelo. Há também no aroma a presença de ésteres frutados no nível moderado-baixo à alto contendo notas de uvas passas, figos, ameixas, ameixas secas e cerejas secas. Os fenóis conferem uma qualidade apimentada e picante, e os álcoois com intensidade de baixa a moderada conferem aromas suaves, picantes e perfumados. Apesar do aroma de lúpulo normalmente não estar presente, é aceitável notas condimentadas, florais e ervas no nível muito baixo. Na aparência, as cervejas Belgian Dark Strong Ale apresentam coloração âmbar profundo a âmbar e marrom acobreado profundo, com alta formação de uma espuma densa, cremosa e persistente. A turbidez pode variar de límpida a pouco turva. No sabor, as notas do aroma se repetem, com um rico maltado no palato, amargor médio-baixo a moderado, equilibrados pelo álcool, com final moderadamente seco a seco, também sendo aceitável moderadas notas doces. Deve haver uma harmonia entre os sabores complexos: o amargor médio-baixo a moderado equilibrado com o álcool e balanceado com um sabor ricamente maltado. Na sensação de boca as cervejas Belgian Dark Strong Ale se mostram com um carbonatação alta, corpo variando de médio-baixo a médio-alto, cremosa, suave, porém com álcool perceptível. No guia do BJCP (2015) há a informação de que, às vezes, este subestilo também é chamado de trapista Quadrupel por algumas cervejarias. É o caso da cervejaria Koningshoeven (Holanda) que, em seu site, informa ter criado a primeira cerveja Quadrupel do mundo em 1991, a La Trappe Quadrupel (ABV 10,0%). Além disso, esta cervejaria também produz a La Trappe Quadrupel Oak Aged (ABV 11,0%), criada em 2009, na qual há o envelhecimento da cerveja em barris de diferentes tipos de madeira. Além dos exemplares comerciais clássicos supracitados, podemos citar a Chimay Grand Réserve (ABV 9,0%), as Rochefort 8 (ABV 9,2%) e 10 (ABV 11,3%), a St. Bernardus Abt 12 (10,5%), e a tão famosa, lendária e idolatrada Westvleteren 12 (ABV 10,2%). As ceverjas Belgian Dark Strong Ale harmonizam bem com queijos como o Gouda e/ou o Roquefort, carnes vermelhas e/ou de caça grelhadas/assadas, bobó de camarão, e sobremesas como cheese cake, creme brulee e mousse de chocolate, por exemplo. Devido ao caráter rico e frutado de levedura e a doçura do malte, as Belgian Dark Strong Ale caem bem com todas as opções supracitadas. De forma geral, as Belgian Dark Strong Ale possuem serviços similares aos das demais cervejas belgas, sendo recomendável a utilização do cálice trapista devido aos seus complexos e concentrados aromas. Com relação à temperatura ideal de serviço, recomenda-se que estas cervejas sejam servidas em temperaturas entre 10 e 14°C. 2.2 English IPA (12C) 2.2.1 História O subestilo English IPA, conforme o BJCP (2015) faz parte do estilo Pale Commonwealth Beer (12), que é composto adicionalmente pelos subestilos British Golden Ale (12A) e Australian Sparkling Ale (12B). O estilo Pale Commonwealth Beer, de acordo com o BJCP (2015) é caracterizado por possuir cervejas moderadamente fortes, com orientação sensorial ao lúpulo e com origens relacionadas aos países que pertenciam ao antigo império britânico. A história da cerveja English IPA tem causado bastante polêmica com relação às suas origens, porém, o que se sabe hoje é que esse subestilo, baseado em pesquisas históricas com datas e registros da época, como a pesquisa intitulada “IPA: the executive summary” do historiador de cervejas Martyn Cornell (2010), não foi criado unicamente para ser consumido pelas tropas britânicas na Índia e que a questão da elevação da quantidade de lúpulo para evitar que esta cerveja não se estragasse durante a viagem da Inglaterra para a Índia não era exclusividade deste subestilo. O que há comprovação, segundo Cornell (2010), é que em 1705 já haviam pale ales sendo preparadas e que em 1709 estas cervejas já estavam sendo vendidas em Londres. Apesar de na década de 1760 os cervejeiros já serem avisados que era "absolutamente necessário" acrescentar lúpulo extra à cerveja se ela fosse enviada para locais de climas mais quentes, não há evidências, conforme Cornell (2010), ligando este conselho ao fato de exportar cervejas com mais intensidade de lúpulo especificamente para a Índia. Segundo o blog Beba Melhor (2017), os processos de inserir uma quantidade maior de lúpulo e aumentar o teor alcoólico das cervejas que “viajavam” para a Índia não foram desenvolvidos para as IPA´s. Neste período já haviam cervejas, como as “october ale” que recebiam altas cargas de lúpulos e elevador teor alcoólico que eram produzidas nos meses de outubro e maturavam por longos períodos nas adegas. A partir de 1784 já haviam exportações desta pale ale e de outros estilos de cerveja, como a porter, por exemplo. Em meados de 1793, de acordo com Cornell (2010), a Bow Brewery, administrada por George Hodgson, tornou-se uma grande exportadora de cerveja para a Índia, não apenas pela qualidade dos seus produtos, mas pelo fato de os capitães dos barcos da British East India Company receberem descontos em suas compras de cerveja para serem vendidas aos europeus que residiam em Mumbai, Calcutá e Madras (atualmente Chennai). Conforme Brunoro (2014), quando Frederick Hodgson, neto de George Hodgson, assumiu a Bow Brewery, começaram a haver alguns desentendimentos com a British East India Company, o que levou estes a procurarem por outra cervejaria, a Allsopp, da cidade de Burton upon Trent (ou Burton-on-trent), que replicou a receita da pale ale que era produzida pela Bow Brewery. Porém, com o passar dos anos apareceram outras cervejarias que começaram a exportar os seus produtos para a Índia, entre elas a Cervejaria Bass que logo superou as exportações da Allsopp. Cornell (2010) e Brunoro (2014) afirmam que essas pale ales envidas para a Índia eram comumente chamadas de “pale ale preparada para o clima da Índia Oriental e Ocidental” e, eventualmente, resumida para “India pale ale”, surgindo daí osprimeiros registros desta nomenclatura. Corroborando com Cornell (2010) e Brunoro (2014), o Instituto da Cerveja Brasil (2018) reitera que o termo “East India Pale Ale” surgiu pela primeira vez num jornal da então colônia britânica Sidney (Austrália) no ano de 1829 e, na Inglaterra, apenas em 1835 no jornal Liverpoll Mercury. Brunoro (2014) complementa que, mesmo com o desenvolvimento dos sistemas de refrigeração artificial no final do século XIX, o que possibilitou a produção de cervejas na Índia, a revolução e popularização das cervejas tipo lagers a nível mundial, acarretou num declínio da produção das india pale ales, restringindo-se à produção e comercialização na Grã-Bretanha, que lutou para manter a tradição das cervejas ales. Apenas com o surgimento de movimentos pró cervejas artesanais, encabeçados pelo CAMRA, é que este subestilo foi resgatado e, atualmente, vem sendo massivamente produzido em todo o mundo. Além disso, de acordo com o Instituto da Cerveja Brasil (2018), ao longo dos anos, este subestilo vem sofrendo variações que ocasionaram até mesmo a criação de novos subestilos como o American IPA, as Specialty IPAs, a Double IPAs e, mais recentemente, a New England IPA. 2.2.2 Justificativa A justificativa do subestilo English IPA fundamenta-se principalmente pela sua importância no papel de consolidação, propagação e perpetuação do estilo ale e representar a força e a tradição da escola britânica que luta para que as suas origens e cultura cervejeiras não sejam esquecidas pelas próximas gerações. 2.2.3 Características de escola pertencente Desde o ano 54 a.C. o povo celta que habitava a atual Grã-Bretanha produzia e consumia cerveja em grande quantidade para saciar a fome e a sede de toda a família. Durante esse período e, posteriormente, na Idade Média, toda a produção de cerveja era tarefa das mulheres, que ficaram conhecidas como alewives. Com o tempo, algumas dessas mulheres cervejeiras foram se destacando devido à qualidade de suas cervejas e começaram a vendê-las à população, dando surgimento às casas especializadas em cervejas (alehouses) nas quais as pessoas se confraternizavam regadas a cerveja, afirma Beltramelli (2014). Ainda segundo o autor, as alehouses foram se transformando em public houses (pubs), nas quais, além de beber cerveja, as pessoas podiam se alimentar e pernoitar. Com o crescente sucesso dos pubs, os homens de negócio começaram a se interessar pela produção de cerveja dando surgimento a associações (guildas) para montarem cervejarias mais estruturadas do que os pubs e produzindo cervejas de maior qualidade do que as alewives. Essas guildas se tornaram as primeiras cervejarias comerciais de toda a história da humanidade, sendo a primeira inaugurada em 1342, em Londres. A partir daí a cerveja começou a ser produzida definitivamente pelos homens. O subestilo de cerveja que sobressaiu no Reino Unido nessa época foi o Porter, uma cerveja substanciosa e calórica - na medida certa para satisfazer as necessidades do nível operacional das indústrias e dos portos, de onde se originou o nome, pois os operários que carregavam as mercadorias nos portos eram chamados de "porters" (BELTRAMELLI, 2014). Apesar do sucesso das cervejas tipo Porter, devido às inovações aplicadas pelos cervejeiros britânicos como o desenvolvimento de estudos microbiológicos no processo de fermentação, e a utilização de termômetros e densímetros no processo produtivo, novos estilos de cerveja foram sendo desenvolvidos, dentre eles o Stout, uma versão mais alcoólica, escura e amarga da Porter, a Pale Ale e a English Indian Pale Ale, ambas mais claras e refrescantes que as duas primeiras, fato que as tornaram as preferidas dos britânicos por volta dos anos 1840 (BELTRAMELLI, 2014). A supremacia das Pale Ales fez com que as cervejas tipo Lagers, que na época já tinham conquistado praticamente todo o mundo, chegassem no Reino Unido apenas na segunda metade do século XX. Porém, a Escola Britânica não resistiu à "revolução das cervejas Lagers" que logo viu os seus estilos tradicionais serem dominados por esse novo subestilo, mais suave, menos aromática e mais lucrativa, já que se tornou o "carro chefe" das grandes cervejarias industriais de produção em larga escala. Na contramão da produção industrial da cerveja, quatro admiradores cervejeiros britânicos - Bill Mellor, Graham Lees, Michael Hardman e Jim Makin - fundaram em 1971 uma associação de consumidores de cerveja, a CAMRA - Campaign for Real Ale (Campanha pela Ale autêntica), tendo como objetivos resgatar os estilos tradicionais da cerveja britânica, como também proteger os tradicionais pubs. Tudo isso em nome da cultura britânica e contra as campanhas publicitárias e propagandas massificadas que tentavam "empurrar" suas cervejas industrializadas para serem consumidas pela população que, segundo o CAMRA, não deveria ser influenciada pelas propagandas e sim ter o direito de escolher a sua própria cerveja (BELTRAMELLI, 2014). Morado (2009) afirma que a CAMRA foi uma resposta contra as cervejas de má qualidade dessa época com intuito de diferenciar as cervejas tradicionais que estavam sendo cada vez mais ameaçadas pelas cervejarias de grande porte. Atualmente, a CAMRA é uma ONG independente que atua em outros países da Europa, sendo o membro fundador da European Beer Consumer Union (EBCU), organização formada em 1990 para dar voz aos consumidores de cerveja da Europa. Como também para preservar a diversidade e tradição da cultura cervejeira europeia, com foco nas produções locais, regionais e nacionais e seus respectivos estilos de cervejas. Beltramelli (2014) complementa que, graças às ações da CAMRA, esse resgate à tradição surtiu efeito não só entre os britânicos, mas em vários países por todo o mundo e hoje essa associação possui mais de 180 mil membros. 2.2.4 Descrição do subestilo, exemplos comerciais clássicos, serviço e harmonizações O BJCP (2015) descreve o aroma da English IPA como lupulado, de moderado a moderadamente alto, com notas florais, picantes/apimentados, podendo também ser tipicamente cítricos a laranja natural. Devido ao dry hopping, pode-se encontrar um leve cheiro de grama, mas não é obrigatório. Também é opcional no aroma a presença de malte, caramelo ou tostado moderadamente baixo, sendo também aceitável um frutado de baixo a moderado. Alguns exemplares de English IPAs podem ainda apresentar, de forma opcional, notas sulfurosas em seus aromas. As cervejas do subestilo English IPA apresentam em sua aparência cores que variam do dourado ao âmbar profundo, porém, em sua maioria, apresentam tons mais claros. Também devem ser límpidas, com exceção dos exemplares não filtrados e com dry hopping que podem apresentar um pouco de turbidez. A espuma deve ser de formação moderada, persistente e cor marfim. No sabor das English IPAs, as notas lupuladas são classificadas como de média a alta e com amargor moderado, seguindo a mesma linha do aroma: floral, picante/apimentado, cítrico de laranja, podendo apresentar de forma leve um gosto de grama. O malte se apresenta de forma média-baixa a média, contendo sabor de pão e, de forma opcional, notas leves de biscoito, tostado como toffee e/ou caramelo. Apresenta ainda um final seco e com amargor se estendendo até o retrogosto, mas sem apresentar aspereza. O BJCP (2015) classifica o sabor amadeirado, caso haja, como inapropriado neste subestilo. Na boca, a English IPA apresenta uma sensação suave, um corpo médio baixo a médio, sem adstringência, com uma carbonatação classificada como moderada a média alta que, combinada com a presença de lúpulo, proporciona uma sensação de secura e, em alguns exemplares mais fortes, um aquecimento proveniente do álcool classificado como baixo a suave. Como impressões gerais o BJCP (2015, p. 43) descreve a English IPA como “uma ale britânicaclara, lupulada, moderadamente forte, bem atenuada com final seco e um aroma e sabor lupulado”. Como exemplares comerciais clássicos podemos citar: a Thornbridge Jaipur (ABV 5,9%), considerada o rótulo mais vendido da Cervejaria Thornbridge, da cidade de Bakewell (Inglaterra), ganhadora de mais de 100 prêmios em todo o mundo, inclusive a medalha de ouro no World Beer Awards 2016; a Fuller´s India Pale Ale (ABV 4,8%), da Cervejaria Griffin, localizada no distrito de Chiswick – Londres (Inglaterra); e a Shepherd Neame India Pale Ale (ABV 6,1%), da Cervejaria Shepherd Neame, na cidade de Faversham (Inglaterra) que, de acordo com o próprio site da cervejaria, é considerada a mais antiga do Reino Unido iniciando as suas atividade em 1698. Na harmonização, as English IPAs caem bem com hambúrguer, risoto de gorgonzola, queijo Gouda, carnes vermelhas, frutos do mar, e comidas mexicana e indiana. Oliver (2012), informa que as English IPAs, devido à elevada carbonatação e teor alcoólico permitem uma combinação com pratos condimentados e picantes (coentro, cardamomo, curry) que se fundem com o seu sabor lupulado. Comidas indianas e cajun combinam perfeitamente com o amargor destas cervejas, como também frutos do mar fritos (camarão, lagostas, vieiras, etc.) e o tradicional prato britânico fish ‘n’ chips. A temperatura de consumo indicada vai de 4 a 7°C. No serviço, recomenda-se a utilização de copos tipo Pint, também chamado de Nonic, bastante comuns nos pubs ingleses. 2.3 American IPA (21A) No guia de estilos do BJCP (2015), o subestilo American IPA (21A) está dentro do estilo IPA (21) que foi criado para categorizar, além das American IPAs, as suas derivadas denominadas de Specialty IPA, apenas para questões metodológicas de agrupar subestilos similares para fins de concursos, e não visa descaracterizar as English IPAs ou desassociar as relações existentes entre esses dois subestilos. 2.3.1 História A American IPA é uma cerveja considerada recente no mundo cervejeiro, tendo as suas raízes num subestilo de mais de 300 anos, o English IPA. Conforme Carr (2014), a história da American IPA se inicia em torno de 30 anos atrás e coincide com a moderna revolução cervejeira artesanal que começou no final de década de 1970 nos Estados Unidos e vem se popularizando cada vez mais em todo o mundo. Carr (2014) complemente que, nesse período, quando essa revolução artesanal estava apenas começando a dar os primeiros passos, os pioneiros mestres cervejeiros artesanais americanos buscavam algo de novo e próprio para aplicar as suas novas ideias e inovações. Foi aí que eles se depararam com a English IPA, trazendo de volta a sua história, mas com uma versão “americanizada”. Ao contrário da versão britânica, mais fraca, menos lupulada e pálida que ainda estava disponível na Grã-Bretanha, a versão americana remontou à época em que as ales inglesas recebiam altas dosagens de lúpulos e tinham um maior teor alcoólico, como as que eram exportadas para a Índia. Porém, vale salientar que as American IPAs não foram feitas para envelhecer. Nesta versão, o frescor tornou-se fundamental, tendo sido criada para ser apreciada assim que sair da cervejaria, na qual, todo o glorioso cítrico, notas florais e sabor frutado das variedades de lúpulos americanos dominam o aroma, paladar e sensação de boca. No início, as American IPAs não arrebataram muitos seguidores, mas, à medida que as cervejas artesanais foram sendo redescobertas os seus adeptos aumentaram. Atualmente, praticamente todas as cervejarias artesanais dos EUA fazem uma American IPA ou derivadas e a sua popularidade continua inspirando diversas cervejarias em todo o mundo. 2.3.2 Justificativa A justificativa pela escolha da American IPA se alicerça basicamente na preferência que o autor deste trabalho tem por este subestilo e na admiração que o mesmo tem pela respectiva escola cervejeira, a Americana, repleta de criatividade e inovação. 2.3.3 Características de escola pertencente Nos Estados Unidos, de acordo com Morado (2009) e Beltramelli (2014), apesar da cerveja já ser produzida e consumida pelas tribos nativas antes da chegada dos colonizadores europeus, apenas em 1612 é que surgiu a primeira cervejaria da América do Norte, em Nova York, na ilha de Manhattan, pelos holandeses Adrian Block e Hans Christiansen. Outras cervejarias surgiram em 1683 na Pensilvânia e em 1685 na Filadélfia pelos ingleses. A partir daí, segundo estes autores, o mercado cervejeiro começou a crescer cada vez mais no país, tornando a cerveja a bebida alcoólica preferida dos colonos que, ao incorporarem os hábitos de consumo tanto dos holandeses quanto dos ingleses, desbancaram o consumo de outras bebidas, como o vinho por exemplo. Porém, na segunda metade do século XVIII, devido à Guerra de Independência dos Estados Unidos, esse crescimento foi interrompido pelo fato de os ingleses bloquearem os portos norte-americanos impedindo a entrada de vários produtos, entre eles os insumos utilizados na produção de cerveja. Beltramelli (2014), complementa que no período do pós-guerra, novas cervejarias surgiram ainda tendo a Escola Britânica como influenciadora, o que fez com que as cervejas dos tipos Porter e Real Ale fossem as mais consumidas da época. A partir de 1830, com a chegada dos imigrantes alemães e em 1840, com a introdução da levedura tipo Lager no país, as cervejas Lagers de baixa fermentação dominaram todo o território norte-americano. No ano de 1876 já havia mais de duas mil cervejarias artesanais nos Estados Unidos, porém, estas apenas satisfaziam o público local, não havendo distribuição em larga escala. No início do século XX, em meados dos anos 1910, esse número de cervejarias artesanais declinou para 1.498 (BELTRAMELLI, 2014). Essa redução se deu devido ao aparecimento de cervejarias industriais, como a Budweiser, por exemplo, que, com intuito de tornar as cervejas mais claras e diminuir o custo de produção, inseriram o milho e o arroz em substituição da cevada devido à sua escassez deste último no mercado local. Além disso, o fato dos dois primeiros cereais serem encontrados em abundância na região, tornou a cerveja mais barata e acessível às classes sociais mais populares, causando uma desleal competição com as cervejarias artesanais que não abriam mão de utilizar o malte de cevada nas suas cervejas. Porém, o mercado cervejeiro norte-americano começou a ser duramente combatido por entidades como a Liga Anti-Saloon, a União das Mulheres Cristãs pela Temperança e pelo Partido da Proibição, todas elas patrocinadas pelas igrejas evangélicas como a Metodista, a Batista, a Presbiteriana e a Congregacionista – tudo em nome da moralidade, dos bons costumes e da estabilidade familiar. A situação piorou ainda mais no período pós Primeira Guerra Mundial, a partir de 1918, devido ao sentimento antigermânico que afetou os imigrantes alemães e seus descendentes, considerados culpados pelas mortes dos soldados norte- americanos nos campos de batalha e, para piorar, ainda produziam bebidas alcoólicas (BELTRAMELLI, 2014). Esses fatores foram primordiais para que em 1920 entrasse em vigor a Décima Oitava Emenda à Constituição, também chamada de Lei Seca, proibindo a fabricação, a venda, a importação, a exportação e o transporte de bebidas alcoólicas em todo o país. Nesse período, praticamente todas as cervejarias fecharam as portas, apenas as de grande porte conseguiram sobreviver, pois começaram a produzir bebidas não alcoólicas à base de malte, refrigerantes e sorvetes. Das 1.179 cervejarias existentes na época que a Lei Seca entrou em vigor, restaram 703 cervejarias ao final dessa lei, que foi revogada em 1933 (BELTRAMELLI, 2014). O ressurgimento da indústria cervejeira norte-americana foi acontecendo em ritmo lento, pois além do fato de que em alguns estados aindaestarem sob forte influência dos movimentos proibicionistas, no ano de 1939 deu-se início a Segunda Guerra Mundial, o que afetou principalmente as cervejarias artesanais devido à ordem que se tinha no país de racionar o abastecimento de alimentos, inclusive os grãos em geral - fato que forçou as grandes cervejeiras a utilizarem ainda mais o milho e o arroz na produção cervejeira, para contrabalancear a utilização da cevada (BELTRAMELLI, 2014). Somando-se a isso, ainda havia a pressão dos parlamentares contrários ao consumo do álcool que afirmavam ser um desperdício para o país a utilização de espaço físico, grãos e combustível pelas cervejarias ao invés de serem utilizados para os esforços de guerra. De acordo com Beltramelli (2014), todas essas turbulências, praticamente fizeram com que apenas as cervejas de grande porte, como a Anheuser-Busch, a Miller e a Coors sobrevivessem no mercado. E, como elas possuíam uma robusta estrutura de distribuição em todo o país, consequentemente as suas cervejas tipo Lager, pálidas, uniformes, insossas, carentes de aromas e lotadas de milho e arroz iam dominando o mercado cervejeiro e influenciando o paladar dos consumidores em geral, que buscavam produtos mais baratos abrindo mão das cervejas artesanais. Como afirma Oliver (2012, p. 417): Os consumidores eram fiéis à marca na garrafa ou lata, mas, por dentro, não havia nenhuma razão para a lealdade. Desde aquela época, as marcas massificadas mudaram muito pouco. Justiça seja feita, essas cervejas combinavam com a época. A cultura alimentar americana como um todo se tornara insípida e massificada...pão "integral" era pão branco com um pouco de farelo e muito corante; o café vinha em cristais solúveis; os vegetais, em blocos congelados; e o ketchup era o rei dos temperos. Cada vez mais o império das cervejas tipo standard american beer se consolidava e fortalecia, o que perdura até os dias de hoje. Porém, em 14 de outubro de 1978 ocorreu um fato que mais tarde iria mostrar a verdadeira face da Escola Cervejeira Norte Americana - o então presidente Jimmy Carter influenciou a aprovação de uma emenda pelo congresso nacional norte-americano que permitia a fabricação de cerveja caseira em todo o país (BELTRAMELLI, 2014). A partir daí os homebrewers (cervejeiros caseiros) davam início a um movimento, inspirado nas três escolas europeias, que resgatava a cerveja artesanal de qualidade em oposição às cervejas industrializadas que dominavam o mercado da época. Não tardou muito para que surgissem também novas micro cervejarias, da mesma forma que algumas pequenas cervejarias, sobreviventes do período sombrio ao qual o país passou, ganhassem um novo fôlego antes de desaparecem por completo. Foi o caso da Anchor Brewery, situada até hoje em São Francisco (CA), que em 1965 já tinha sido comprada por Fritz Maytag, descendente de uma tradicional família possuidora de uma empresa referência no ramo de máquinas de lavar, a Maytag Washing Machine Company (HINDY, 2015; HAMPSON, 2016). Hampson (2016) afirma que a cervejaria Anchor Brewery foi a cervejaria responsável em introduzir aos consumidores locais alguns tipos de cerveja como as Porter, Barley wine, Wheat ale, e a lendária e carro chefe da empresa, a Anchor Steam, uma cerveja tipo Amber Larger fermentada em condições similares às cervejas tipo Ale. Conforme Oliver (2012, p. 71): Depois de 10 mil anos de produção de cerveja saborosa em todo o mundo, os cervejeiros americanos haviam, finalmente, reduzido a progenitora da civilização mundial a um espectro pálido, preso dentro de uma lata. Em 1974, restavam apenas quarenta cervejarias nos Estados Unidos, todas fabricando, basicamente, o mesmo produto. Alguns anos depois, quando a idade das trevas estava prestes a erradicar a cerveja tradicional da memória americana, houve um despertar na Califórnia. Estava para começar uma nova era na fabricação de cerveja nos Estados Unidos. Finalmente em meados da década de 1970, como complementa Oliver (2012), dava-se início à revolução e ao renascimento da cultura cervejeira artesanal norte-americana, graças às pessoas que, ao viajarem para a Europa, havia conhecido as “maravilhas da boa comida e resolveram resgatar essa sensibilidade perdida entre os americanos” e não aceitavam a ideia imposta pelas grandes cervejarias de que a cerveja era uma bebida “simples e insípida”. Nos anos 1980, as cervejarias artesanais se multiplicaram nos Estados Unidos e foram conquistando cada vez mais os consumidores devido à qualidade e variedades de suas cervejas, além do crescente sentimento de paixão pelo produto local encabeçado pelo lema "support your local brewery" (apoie sua cervejaria local) que passou a ser mais respeitado e apoiado pelos norte-americanos. Já em 2010, segundo a Brewers Association, existiam 1.700 estabelecimentos com a cultura do "beba local" entre pequenas e médias cervejarias e brewpubs (BELTRAMELLI, 2014). Nesse mesmo ano, conforme Beltramelli (2014), a produção das cervejarias artesanais chegou a 5% de toda a produção cervejeira nacional e a cada ano esse percentual vem crescendo, representando o ramo de negócios que mais cresce entre os produtores de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos. Para Oliver (2012), o recado das cervejarias artesanais norte-americanas era claro: “a cerveja saborosa estava de volta e tinha orgulho de ser americana.” A Escola Americana de cerveja se diferencia das tradicionais escolas europeias pelo fato de a palavra de ordem ser "mais" - mais lúpulo, mais malte e mais álcool. Além dessas características de cervejas extremas, os norte-americanos também investem em inovações e experimentações, misturando ingredientes inusitados, combinando estilos já existentes, criando novos estilos, desenvolvendo novas variedades de lúpulos e inovando nas técnicas de produção cervejeiras - a experimentação e a obstinação são as molas propulsoras dessa escola que cada vez mais se destaca e ganha mais adeptos em todo o mundo (BELTRAMELLI, 2014). Oliver (2012, p. 420), corroborado por Beltramelli (2014), afirma: As cervejas artesanais americanas estão voltadas para esse novo mundo de sabor. São inspiradas nos estilos de cervejas europeus, mas tendem a ser mais ousadas, ostentosas e extravagantes, como os americanos. A palavra de ordem da cerveja artesanal americana é mais. Mais lúpulo, mais malte, mais sabores caramelizados, mais sabores torrados, mais aroma, e, às vezes, mais álcool. Algumas delas viraram novos estilos, gerando seus próprios imitadores. Porém, de acordo com Hindy (2015), o grande desafio das cervejarias artesanais norte- americanas ainda é o fato de que grande parte dos consumidores atuais estarem acostumados com as cervejas industriais como a Budweiser, Coors e Miller, que são distribuídas em todo o país e possuem orçamentos massivos para investir em campanhas de marketing na qual vende- se a ideia de que essas cervejas são melhores do que as cervejas artesanais. 2.3.4 Descrição do subestilo, exemplos comerciais clássicos, serviço e harmonizações Conforme o BJCP (2015), o subestilo American IPA é descrito como tendo, no aroma, uma intensa fragrância de lúpulos americanos ou do Novo Mundo, com notas cítricas, florais, de pinho, resinosa, condimentada e de frutas tropicais. Devido ao dry hopping em alguns exemplares, pode-se perceber um aroma de lúpulo fresco (característica desejável, mas não obrigatória). Um limpo aroma maltado de baixo para médio-baixo também pode ser detectado, como também um frutado de levedura, porém em apenas algumas versões, sendo também aceitável um aroma neutro de fermentação. O aroma de álcool é aceitável, porém deve ser minimamente detectado. Na aparência, as American IPAs podem variar de dourado médio a âmbar avermelhado, com alta limpidez, a não ser que haja dry hopping ou o exemplar seja não filtrado, o quepode apresentar turbidez. A espuma pode se apresentar na cor branca a bege claro, com média formação e alta persistência. As American IPAs apresentam no sabor notas de lúpulo de médio a muito alto e, da mesma forma que no aroma, deve refletir as características dos lúpulos americanos ou do Novo Mundo, apresentando perfis cítrico, floral, de pinho, resinoso, condimentado e frutas tropicais. O amargor lupulado se apresenta de médio-alto a muito alto, e, no caso do malte, o sabor se pronuncia com intensidade de baixa a média-baixa, sendo também aceitáveis notas suaves de caramelo ou tostado. Da mesma forma que no aroma, um frutado de levedura em caráter baixo é aceitável. O final deve ser seco com baixo a nenhum dulçor residual. No retrogosto pode haver sabores e amargor de lúpulo, mas sem aspereza. Além disso, pode-se encontrar sabor muito suave de álcool nos exemplares mais potentes, e, numa minoria, notas sulfurosas podem ser percebidas. Na sensação de boca as American IPAs apresentam um corpo médio-leve a médio, textura macia e carbonatação média a média-alta, não apresentando adstringência áspera proveniente do lúpulo. Além disso, pode haver um leve aquecimento alcoólico, desde que não atrapalhe o balanço geral. Como impressões gerais, esse subestilo se apresenta como lupulado, amargo, moderadamente forte, presença de lúpulos americanos ou do Novo Mundo, com o balanço tendendo para o lúpulo, perfil de fermentação limpo, sustentado pelo malte, e permite que um mix de variedades de lúpulos se apresente na cerveja. As American IPAs, de uma forma geral, são mais fortes e mais lupuladas que as cervejas do subestilo American Pale Ale (APA), e possuem um menor caráter “britânico” de malte, lúpulo e levedura, ou seja, apresentam tanto no sabor quanto no aroma notas de lúpulos americanos e do Novo Mundo, menos ésteres derivados das leveduras, menor corpo, uma maior balanço tendendo ao lúpulo e, geralmente, mais alcoólica que as English IPA. Como exemplos comerciais clássicos podemos destacar: a Union Jack (ABV 7,0%) da Cervejaria Firestone Walker (Califórnia, EUA); a Liberty Ale (ABV 5,9%) da Cervejaria Anchor (Califórnia, EUA), que, conforme informado no site da cervejaria, essa cerveja foi produzida pela primeira vez em 1975 e foi a primeira American IPA elaborada após a Lei Seca de 1920, também sendo a primeira American single-hop ale e dry-hopped ale e considerada a cerveja histórica que iniciou a revolução da cerveja artesanal nos EUA; a Stone IPA (ABV 6,9%) Cervejaria Stone (Califórnia, EUA), a Fat Head (ABV 7,5%) da Cervejaria Fat Head´s (Ohio, EUA) e a Centennial IPA (ABV 7,2%) da Cervejaria Founders (Michigan, EUA). Da mesma forma que as English IPAs, as American IPAs harmonizam bem com hambúrgueres, frutos do mar, comida mexicana, risotos de queijos como Gorgonzola ou Emmental, costelinhas de porco no Barbecue, e carnes vermelhas em geral. Conforme Oliver (2012), as American IPAs casam bem com comidas mexicanas pois o seu amargor pronunciado suaviza a ardência normalmente encontrada nesse estilo de comida, como também o sabor lupulado combina com dos demais condimentos utilizados nos pratos típicos mexicanos. Da mesma forma, este subestilo de cerveja combina com pratos indianos, vietnamitas e tailandeses, nos quais há um casamento entre as notas lupuladas com o equilíbrio de elementos doces, ácidos, salgados e condimentados dessas culinárias. No serviço, de forma geral, a temperatura de consumo ideal das American IPAs varia de 4 a 8°C, tendo como copo ideal o Pint, da mesma forma que as English IPAs. 3 CONCLUSÃO Além dos subestilos apresentados neste trabalho, há vários outros que trazem consigo características singulares de suas histórias, escolas, tradição e cultura, e cada um, dentro do seu propósito, cumpre com os seus objetivos aos quais foram criados e/ou adaptados. Cabe a nós, apreciadores cervejeiros, entendermos cada vez mais esses fatores e contribuir para a expansão e compartilhamento desses conhecimentos, sendo multiplicadores e consolidadores desta cultura milenar e, principalmente, não deixando que este momento seja apenas uma moda passageira. REFERÊNCIAS ABBEY OF TRAPPISTS WESTMALLE. Disponível em: https://www.trappistwestmalle.be/en BEER JUDGE CERTIFICATION PROGRAM. Style Guidelines. Disponível em: https://www.bjcp.org/stylecenter.php BELTRAMELLI, Maurício. Cervejas, brejas e birras: um guia completo para desmistificar a bebida mais popular do mundo. 2.ed. São Paulo: LeYa, 2014. BRUNORO, Paulo de F. A Verdadeira História da Cerveja IPA. Disponível em: http://www.beabadacerveja.com.br/2014/08/historia-da-ipa.html CARR, Nick. American IPA: the beer style that launched a craft beer revolution? Disponível em: https://learn.kegerator.com/american-ipa/ CHIMAY. Disponível em: http://chimay.com/us/ CORNELL, Martyn. IPA: the executive summary. Disponível em: http://zythophile.co.uk/2010/03/31/ipa-the-executive-summary/ HAMPSON, Tim. O grande livro da cerveja: informações atualizadas sobre cervejas e as grandes cervejarias em todo o mundo. São Paulo: Publifolha, 2016. HINDY, Steve. A revolução da cerveja artesanal: como um grupo de microcervejeiros está transformando a bebida mais apreciada do mundo. São Paulo: Tapioca, 2015. INSTITUTO DA CERVEJA BRASIL. Cervejarias Artesanais no Brasil. 16 dez. 2016. Disponível em: <https://www.institutodacerveja.com.br/blog/n113/novidades/cervejarias-artesanais-no-brasil>. Acesso em: 17 set. 2018. INTERNATIONAL TRAPPIST ASSOCIATION. Disponível em: https://www.trappist.be/en/ LA TRAPPE TRAPPIST. Disponível em: https://www.latrappetrappist.com/pt/ LEITÃO, Leonardo B. História da IPA. Disponível em: https://www.bebomelhor.com.br/publicacao/1156/ MORADO, Ronaldo. Larousse da cerveja. São Paulo: Lafonte, 2009. OLIVER, Garret. A mesa do mestre-cervejeiro: descobrindo os prazeres das cervejas e das comidas verdadeiras. São Paulo: Senac, 2012. ORDER OF CISTERCIANS OF THE STRICT OBSERVANCE. Disponível em: https://www.ocso.org/ SAINT-SIXTUS ABBEY OF WESTVLETEREN. Trappist Westvleteren. Disponível em: https://sintsixtus.be/trial/bierverkoop/ SEBRAE. Como montar uma microcervejaria. Empreendedorismo, 2017. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=10&ved=0ahUKEwjSgK G3- ebXAhWIjZAKHdVsBkAQFghmMAk&url=http%3A%2F%2Fwww.sebrae.org.br%2Fappportal%2F reports.do%3Fmetodo%3DrunReportWEM%26nomeRelatorio%3DideiaNegocio%26nomePDF%3D Microcervejaria%26COD_IDEIA%3D7f387a51b9105410VgnVCM1000003b74010a____&usg=AOv Vaw2jkJZ9g4qOjmWb4K2ppGGs>. Acesso em: 17 set. 2018. SHEPHERD NEAME. Disponível em: https://www.shepherdneame.co.uk/brewery/brewery-history
Compartilhar