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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ CAROLINA DIAS DA COSTA NEUROMARKETING: A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR E A LIBERDADE DE ESCOLHA CURITIBA 2019 CAROLINA DIAS DA COSTA NEUROMARKETING: A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR E A LIBERDADE DE ESCOLHA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Roberto Siquinel. CURITIBA 2019 TERMO DE APROVAÇÃO CAROLINA DIAS DA COSTA NEUROMARKETING: A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR E A LIBERDADE DE ESCOLHA Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba ____ de ________________________ de 2019. _________________________________________________ Bacharelado em Direito Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná _________________________________________________ Prof. Dr. PhD Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografia da Universidade Tuiuti do Paraná Orientador:__________________________________________________ Prof. Roberto Siquinel Universidade Tuiuti do Paraná _________________________________________________ Professor (a) Universidade Tuiuti do Paraná _________________________________________________ Professor (a) Universidade Tuiuti do Paraná AGRADECIMENTOS Dedico este trabalho primeiramente a Deus, pois sem ele me ajudando nos momentos em que mais precisei eu não teria chegado até aqui. Aos, meus pais que seguraram minha mão por todo esse caminho, se não fosse o apoio de vocês eu nada seria, me desculpem pelos momentos que fui cabeça dura e acabei magoando vocês, realmente não era minha intenção, mas infelizmente somos humanos e humanos são miseravelmente falhos. A minha afilhada, que mesmo nos dias mais difíceis me trouxe felicidade com seu sorriso e alegria de criança, amo você minha filha do coração. A minha querida amiga Isabela, pelos dias em que me deu apoio e conselhos, mas principalmente pelos dias em que puxou minha orelha quando eu não acreditava que seria capaz, sou grata por tudo que fez por mim, também amo você. Aos professores, que com excelência compartilharam seu conhecimento comigo, eu os levarei para sempre em minha memória e no coração. Ao meu orientador, Roberto Siquinel, que mais do que compartilhar seu conhecimento também compartilhou seu tempo comigo, obrigada mestre por me ajudar a lapidar esse trabalho, sem você isso não seria possível. Aos colegas que fiz durante essa caminhada, que tornaram a jornada menos árdua e por vezes divertida. Aos funcionários da Universidade, que sempre que precisei se dispuseram a me ajudar, sempre com bom humor e dedicação, em especial ao Matheus e ao Benedito que por muitas vezes foram meus companheiros de intervalo. "O objetivo do consumidor não é possuir coisas, mas consumir cada vez mais e mais a fim de que com isso compensar o seu vácuo interior, a sua passividade, a sua solidão, o seu tédio e a sua ansiedade." Érico Veríssimo. RESUMO O presente estudo tem por objetivo analisar e entender o comportamento humano frente ao marketing, mais especificamente do neuromarketing, e analisar a vulnerabilidade do consumidor e até onde é possível se ter uma real liberdade de escolha diante de mecanismos que influenciam a tomada de decisão. O cérebro humano ainda é considerado um mistério para a humanidade. Isto se deve ao fato de que nem todos os processos que ocorrem em seu interior são conhecidos, o que intriga muitos pesquisadores e desperta curiosidade. O propósito do trabalho é estudar as alterações neurobiológicas que ocorrem no cérebro humano quando é exposto a uma marca, propaganda ou outra estratégia de marketing, objetivando entender o que faz o consumidor comprar um produto ou preferir uma marca. Esses processos neurobiológicos atuam no inconsciente humano, que é a parte do cérebro responsável pelas decisões repentinas, ou seja, o consumidor não perde tempo analisando quais as melhores escolhas a se fazer. Portanto, o indivíduo é induzido a preferir certa marca por vezes acompanhada de ótimas propagandas, ficando vulnerável e sem a possibilidade de escolher livremente. Também serão analisados os direitos básicos do consumidor para estabelecer um parâmetro de como será possível se proteger de práticas abusivas desenvolvidas pelo fornecedor, considerado o polo mais forte da relação de consumo, por esse motivo é que a Lei 8.078/90 estabelece proteção especial ao consumidor que é evidentemente o elo mais fraco da relação. Para a elaboração desse estudo, foi necessária a revisão bibliográfica, que consistiu em pesquisa em obras, artigos, revistas, sites e demais fontes necessárias para o seu desenvolvimento, utilizando-se do método dedutivo que parte de uma premissa geral em direção à outra, particular. Palavras-chave: Direito do consumidor. Código de Defesa do Consumidor. Marketing. Neuromarketing. Vulnerabilidade do consumidor. Hipervulnerabilidade. Liberdade de escolha. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 7 2 O CONSUMIDOR ............................................................................................. 9 2.1 O CONSUMIDOR NA LEI 8.078/90.................................................................. 9 2.1.1 Consumidores “standard” ................................................................................. 10 2.1.2 Consumidores “equiparados” ........................................................................... 12 2.2 O FORNECEDOR ............................................................................................ 15 2.3 PRODUTO E SERVIÇO ................................................................................... 18 3 AS TÉCNICAS DE NEUROMARKETING ........................................................ 23 3.1 A NEUROCIÊNCIA E O NEUROMARKETING ................................................ 23 3.2 O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR .................................................... 27 3.2.1 Crianças ........................................................................................................... 30 3.2.2 Adolescentes .................................................................................................... 31 3.2.3 Homens ............................................................................................................ 31 3.2.4 Mulheres ........................................................................................................... 32 3.2.5 Idosos ............................................................................................................... 33 3.3 O NEUROMARKETING NO MEIO DIGITAL .................................................... 34 4 A VULNERABILIDADE E A LIBERDADE DE ESCOLHA .............................. 36 4.1 PUBLICIDADE.................................................................................................. 36 4.2 A VULNERABILIDADE E SUAS ESPÉCIES .................................................... 40 4.3 A HIPERVULNERABILIDADE ..........................................................................42 4.4 A LIBERDADE DE ESCOLHA .......................................................................... 44 4.5 OS DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ........................................................ 46 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 51 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 53 7 1 INTRODUÇÃO O presente estudo tem por objetivo analisar e entender o comportamento humano frente ao marketing, mais especificamente do neuromarketing, e analisar a vulnerabilidade do consumidor e até onde é possível ter uma real liberdade de escolha diante de mecanismos que influenciam a tomada de decisão. Sendo assim, o consumidor se encontra no lado mais fraco da relação de consumo, uma vez que os fornecedores utilizam-se dos referidos mecanismos para induzir o consumidor ao consumo desenfreado e inconsciente, o que o torna vulnerável e retira sua liberdade para escolher livremente o produto que mais lhe agrada, levando em consideração suas próprias conclusões e experiências. Sob essa ótica, a defesa do consumidor se torna necessária, visando proteger o indivíduo contra práticas enganosas desenvolvidas pelo mercado na tentativa de reunir o maior número possível de compradores para seus produtos. Sendo assim, existem alguns mecanismos capazes de proteger o consumidor, como a Constituição Federal que em seu artigo 5°, inciso XXXII determina que o Estado seja o encarregado de promover a defesa do consumidor. Existe também o Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90) que se torna a maior arma contra os abusos, uma vez que o legislador consagrou em seu artigo 37 a propaganda enganosa ou abusiva. Portanto, é proibida toda publicidade que seja abusiva ou enganosa. Abusiva é toda a publicidade que seja discriminatória, que incite a violência, que possa causar medo dentre outras formas, e que possa ser prejudicial ou perigosa para o consumidor. Enganosa é toda a propaganda que na sua integridade ou em parte é falsa, ou que de qualquer outra maneira possa induzir o consumidor em erro. Nesse aspecto, é possível ver claramente que o neuromarketing incide nessas condutas uma vez que é capaz de induzir o indivíduo ao consumo desenfreado. O presente trabalho em primeiro momento será desenvolvido abraçando as noções gerais sobre consumidores e fornecedores, trazendo sua definição bem como caracterizando a relação de consumo. Num segundo momento, serão estudadas as técnicas pelas quais o neuromarketing se torna capaz de influenciar os gêneros, analisando o comportamento de cada grupo de consumidores (homens, mulheres, adolescentes, etc.) e também como o neuromarketing funciona no meio 8 digital (internet). Por fim, será analisado o princípio da vulnerabilidade do consumidor, a liberdade de escolha e também os consumidores hipervulneráveis, ou seja, os que têm mais facilidade de serem induzidos ao consumo errôneo. E por fim, serão analisados os direitos básicos do consumidor que estabelecem parâmetros para a defesa destes e a proteção contra as práticas abusivas do marketing. Desta forma, uma vez demonstrado os artifícios utilizados pelo neuromarketing, e como proteger o consumidor, restará demonstrado à relevância do presente estudo. 9 2 O CONSUMIDOR 2.1 O CONSUMIDOR NA LEI N° 8.078/90 O surgimento do Direito do Consumidor se deve ao fato do crescimento na oferta de produtos e serviços e consequentemente o aumento das propagandas para vender esses produtos. Uma vez que o marketing crescia aumentava também o poder dos fornecedores em relação aos consumidores, por esse motivo à sociedade viu cada vez mais a necessidade de criar mecanismos que pudessem proteger o consumidor das práticas de mercado. Devido à necessidade de proteção, foi criada a Lei n° 8.078/90, visando especialmente à proteção do consumidor que se encontra em situação menos favorecida do que o fornecedor. O Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90) nos ensina não somente como proteger o consumidor, mas também como é possível identificá-los nas relações de consumo. Para isso o código traz quatro artigos que são capazes de definir quem são os consumidores, o que atribui várias interpretações a palavra “consumidor”. Os diversos termos tiveram a finalidade de não deixar que a promulgação do código fosse atrasada, conforme explica Finkelstein e Sacco Neto (2010, p.08) “A separação das diversas definições ocorreu com o intuito do legislador em desviar-se de lobbies políticos, cuja função precípua era a de atrasar a promulgação do Código de Defesa do Consumidor”. Com essa separação, o código definiu dois tipos de consumidores, os considerados “standard” e os “equiparados” que serão estudados mais adiante. Portanto, é possível encontrar a definição de consumidor nos seguintes artigos da Lei n° 8.078/90: Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Art. 2°, parágrafo único: Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. 10 Sendo assim, consumidor pode ser pessoa física, jurídica ou uma coletividade de pessoas. Mas, para que exista um consumidor é necessário estar do outro lado da relação de consumo um fornecedor, ou seja, só existirá uma relação de consumo se houver um consumidor, um fornecedor e também um produto ou serviço. O fornecedor também será objeto de estudo do presente trabalho, sendo analisado assim como o consumidor. 2.1.1 Consumidores “standard” Pelo fato de existirem quatro artigos no Código que trazem quem são os consumidores, é possível separá-los em dois grupos: o consumidor standard e o equiparado. Os consumidores considerados standard são aqueles que estão no caput do artigo 2° do CDC: “pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Sob uma rápida interpretação, Miragem define como: a)Consumidores serão pessoas naturais ou jurídicas. Logo, tanto uma, quanto outra poderá estar sob a égide das normas de proteção do CDC; b) será consumidor tanto quem adquirir, ou seja, contratar a aquisição de um produto ou serviço, quanto quem apenas utilize este produto ou serviço. Logo, é possível concluir que a relação de consumo pode resultar de um contrato, assim como pode se dar apenas em razão de uma relação meramente de fato (um contrato social), que por si só determina a existência de uma relação de consumo. (MIRAGEM, 2014, p. 144). Apesar do Código de Defesa do Consumidor trazer claramente a definição de consumidor, a expressão “destinatário final” contida no artigo 2° causa divergência na doutrina, conforme explica Finkelstein e Sacco Neto (2010, p.10) “Ocorre, porém, que apesar da definição clara trazida pelo Código, no caso concreto, há grande dificuldade na determinação sobre quem será e quem não será consumidor”. Os autores supracitados também elencam três teorias principais que podem ser capazes de delimitar a abrangência da expressão “destinatários finais”, são elas: a teoria finalista; maximalista e a teoria finalista temperada. A corrente de interpretação finalista é restritiva, ou seja, só se encaixa aqueles que retiram em definitivo um produto ou serviço de circulação não havendo a finalidade de obter lucro: 11 TeoriaFinalista: De acordo com esta teoria, a interpretação do art. 2° do CDC deve ser feita de forma restritiva, à luz dos princípios básicos do Código, levando em conta a posição de vulnerabilidade do consumidor. O consumidor seria o não profissional, mas, sim, aquele que retira o produto ou serviço de circulação, uma vez que o objetivo do Código de Defesa do Consumidor é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável³. Vale lembrar que para esta corrente o produto ou serviço não pode ter qualquer tipo de utilização profissional, sendo certo que pessoas jurídicas só serão consideradas consumidoras se o produto ou serviço não tiverem qualquer relação com a atividade econômica desenvolvida e desde que comprovada a sua hipossuficiência em face do fornecedor. Destaque-se, outrossim, que segundo a teoria finalista, pessoas jurídicas sem finalidade lucrativa sempre serão consideradas consumidoras (FINKELSTEIN; SACCO NETO, 2010, p. 10). Já na corrente de interpretação maximalista pouco importa que fim se da ao produto ou serviço, se ele vai ser utilizado em fins particulares ou não: Teoria Maximalista: Segundo esta teoria, as normas do Código de Defesa do Consumidor figuram como um novo regulamento para o mercado de consumo, e não como normas orientadoras da proteção do não profissional. Assim, as normas do Código de Defesa do Consumidor devem ser interpretadas de forma extensa, permitindo-se sua aplicação ao maior número possível de relações de mercado. Vale dizer, para esta corrente, o conceito de consumidor é amplo, bastando a utilização deste produto ou serviço na condição de destinatário final, sendo certo que não é relevante se a pessoa que adquire o produto ou serviço seja física ou jurídica ou se existe ou não finalidade lucrativa. O relevante é, pois, a aquisição e a utilização do produto ou serviço (FINKELSTEIN; SACCO NETO, 2010, p.11). Para a última teoria, a corrente de interpretação finalista temperada, o que importa é a vulnerabilidade do consumidor, mesmo que o produto ou serviço seja utilizado para auferir lucro: Teoria Finalista Temperada: É uma evolução da teoria finalista. Porém, segundo esta teoria, comprovada a vulnerabilidade do adquirente do produto ou serviço, ainda que este se utilize do serviço ou produto com a intenção de auferir lucro, o mesmo será considerado como destinatário final. Será, portanto, considerado consumidor (FINKELSTEIN; SACCO NETO, 2010, p.11). Portanto, conforme explica Miragem (2014, p.35) o consumidor pode ser definido como “aquele que adquire ou utiliza produtos e serviços, sem ser quem os produza ou promova sua prestação”. Sendo assim, é possível concluir que a pessoa jurídica pode ser protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, desde que esteja comprovadamente em situação de vulnerabilidade na relação de consumo. 12 2.1.2 Consumidores “equiparados” O Código de Defesa do Consumidor traz mais três definições de quem pode ser protegido mesmo sem ter adquirido o produto ou serviço diretamente, são eles os consumidores equiparados. Estes por sua vez, estão contemplados nos artigos 2°, parágrafo único, artigo 17 e 29. Para ser considerado consumidor equiparado inexiste o pressuposto da existência de uma relação de consumo, ou seja, não é necessário que o consumidor utilize diretamente o produto para receber proteção, basta apenas que se encaixe nas previsões legais dos artigos 2°, parágrafo único, 17 e 29 do CDC (MIRAGEM, 2014, p.147). O parágrafo único do artigo 2° dispõe que “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Vale destacar que mesmo sendo indetermináveis as pessoas da relação de consumo o que importa é que ela tenha intervindo na relação conforme explica Nunes: O parágrafo único do art. 2° amplia a definição, dada no caput, de consumidor que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, nos moldes já apresentados, equiparando a ele a coletividade de pessoas, mesmo que não possam ser identificadas e desde que tenham, de alguma maneira, participado da relação de consumo. (NUNES, 2015, p. 131). Desse modo, nota-se a importância de considerar como coletividade, não apenas os que estão ligados diretamente à relação de consumo, mas também os que hajam intervindo na relação, ou seja, todos que estão expostos à prática de mercado. O artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor estabelece: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. A seção a que se refere o artigo é a de responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, conforme explica Miragem (2014, p.148) é “[...] a responsabilidade por danos à saúde, à integridade ou ao patrimônio do consumidor (acidentes de consumo)”. Os consumidores previstos no artigo 17 como vítimas do evento, também conhecidos como “bystander”, são aquelas pessoas que de alguma forma podem sofrer danos devido a um acidente causado por algum produto ou serviço, Efing explica: 13 Desconsidera-se, a partir desse momento, se o tutelado, ora consumidor, qualifica-se como destinatário final do produto ou serviço; se houve a sua participação na relação de consumo ou não, até porque restaria ilógico impor ao terceiro vítima do acidente de consumo a condição de destinatário final para a obtenção da proteção legal instaurada pelo CDC brasileiro. Mostra-se suficiente que a vítima, para que seja equiparada ao consumidor, tenha sido atingida em sua esfera jurídica pelos efeitos do acidente de consumo, interessando à perquirição que ora se almeja, o conhecimento de que a pessoa foi atingida em sua incolumidade físico-psíquica ou econômica. (DONATO, 1993, p. 195 apud EFING, 2006, p. 65-66). Nesse sentido, uma pessoa que seja atingida por estilhaços de vidro vindos de uma garrafa que explodiu em um supermercado, mesmo que ela não tenha uma relação de consumo com o fornecedor, nesse caso mesmo que ela não tenha adquirido o produto, é considerada consumidora nos moldes do CDC (MIRAGEM, 2014, p. 149). Sendo assim, a responsabilidade do fornecedor se vincula com o produto que ele oferece no mercado, bastando que o consumidor apenas prove que o dano foi causado pelo produto ou serviço. Dessa forma, a jurisprudência pátria vem buscando abranger todo consumidor que seja uma vítima em potencial, por exemplo, pessoas que morem próximo a refinarias de petróleo, que podem sofrer com possíveis poluições provenientes da atividade desenvolvida pela refinaria, e até mesmo de vítimas de acidente de avião que no momento da queda se encontravam no solo e foram atingidas (MIRAGEM, 2014, p. 150). Portanto, para efeitos do artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor, é considerado consumidor por equiparação, qualquer terceiro, que seja pessoa física ou jurídica, desde que esteja em situação de vulnerabilidade, comprovando o nexo de causalidade entre o dano causado e o defeito decorrido do produto ou serviço. Para o artigo 29 do CDC, equiparam-se a consumidores “[...] todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”, desse modo, o Código nos traz o terceiro conceito acerca dos consumidores. Conforme explica Efing, o Código considera como consumidor: “[...] qualquer pessoa exposta às práticas comerciais que dizem respeito à oferta, publicidade, às práticas abusivas, cobranças de dívidas, aos bancos de dados e cadastros de consumidor previstos pelo CDC (arts. 30 a 44), bem como qualquer indivíduo abrangido pela proteção contratual quanto às cláusulas abusivas e aos contratos de adesão (arts. 46 a 54). (EFING, 2006, p. 66). 14 Desse modo, não é possível dizer que apesar da expressão “todas as pessoas expostas às práticas” trazida pelo artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor, será considerado mais importante do que os outros artigos. O presente artigovisa proteger aqueles que podem sofrer danos mesmo não estando diretamente expostos as práticas desenvolvidas. Seria desconexo exigir que o consumidor efetivamente contratasse como destinatário final os produtos ou serviços para receber tutela do Código de Defesa do Consumidor (EFING, 2006, p.67); uma vez que uma publicidade pode induzir o consumidor ao erro por trazer informações apelativas e até mesmo explorar a superstição e o medo do indivíduo. Portanto, mesmo que nunca ninguém reclame de uma publicidade abusiva, ela não deixará de ser abusiva, podendo o Ministério Público intervir nesses casos, conforme explica Nunes: Dessa forma, por exemplo, se um fornecedor faz publicidade enganosa e se ninguém jamais reclama concretamente contra ela, ainda assim isso não significa que o anúncio não é enganoso, nem que não se possa – por exemplo, o Ministério Público – ir contra ele. O órgão de defesa do consumidor, agindo com base na legitimidade conferida pelos arts. 81 e s. do CDC, pode tomar toda e qualquer medida judicial que entender necessária para impedir a continuidade da transmissão do anúncio enganoso, para punir o anunciante etc., independentemente do aparecimento real de um consumidor contrariado. (NUNES, 2015, p. 132). Sendo assim, é possível notar a importância desse artigo uma vez que visa proteger todos os indivíduos expostos às práticas abusivas que são desenvolvidas pelo mercado, mesmo sem precisarem realmente reclamar de uma propaganda que acredite que seja abusiva ou enganosa. Em síntese, o Código de Defesa do consumidor traz quatro possibilidades de se identificar um consumidor. Em todas elas o sujeito de direito será pessoa física ou jurídica, determinável ou não, que se encontre em situação de vulnerabilidade diante de uma relação de consumo. Mas também poderá ser considerado consumidor quem possa sofrer danos causados por um produto ou serviço cuja contratação não tenha sido realizada diretamente pela pessoa atingida. Como no exemplo da garrafa que explode no supermercado, é perfeitamente possível que isso aconteça, embora o fato não tenha sido causado pelo fornecedor, ele será responsabilizado por que foi o responsável pela colocação do produto no mercado. É também possível considerar como consumidor quem se sente violado por uma publicidade que seja abusiva ou enganosa. 15 2.2 O FORNECEDOR O consumidor e o fornecedor coexistem, uma vez que para existir a relação de consumo é necessária a presença desses dois elementos. Se o consumidor é aquele que utiliza ou adquire certo produto ou contrata um serviço, o fornecedor por sua vez é o responsável por expor os produtos no mercado. Assim como o Código de Defesa do Consumidor nos traz a definição de consumidor, ele também classifica o fornecedor através de seu artigo 3°, caput, “fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. É possível perceber que o legislador buscou abranger o máximo possível todas as possibilidades de enquadrar uma pessoa física ou jurídica como fornecedora. Dada à amplitude do artigo 3°, Miragem nos explica: Destaca-se a amplitude da definição legal. O legislador não distingue a natureza, regime jurídico ou nacionalidade do fornecedor. São abrangidos, pelo conceito, tanto empresas estrangeiras ou multinacionais, quanto o próprio Estado, diretamente ou por intermédio de seus Órgãos e Entidades, quando realizando atividade de fornecimento de produto ou serviço no mercado de consumo. (MIRAGEM, 2014, p. 164). Note-se que o legislador em nenhum momento usou a expressão “profissional” ao redigir o conteúdo do artigo 3°. Isso pode dar a ideia de que um vendedor ambulante, por exemplo, não poderia se encaixar como um profissional pelo fato de exercer sua profissão de uma maneira informal. Efing nos mostra que mesmo nessa situação é possível ter profissionalismo: Contudo, a lei somente contemplou no conceito de fornecedor aqueles que participam do fornecimento de produtos ou serviços no mercado de consumo com caráter de profissionalidade (exercício habitual do comércio). Tal profissionalidade pode existir, todavia, ainda que de forma irregular, como ocorre, por exemplo, com os vendedores ambulantes que praticam, em sua maioria, atividade ilegal, mas sujeita às normas de consumo. (EFING, 2006, p. 67-68). Nesse sentido, mesmo o legislador não tendo se referido ao termo “profissional” ele elencou aqueles que “desenvolvem atividades”, esse termo remete 16 a ideia de que os fornecedores são aqueles que exercem profissionalmente ou com habitualidade suas atividades. As atividades podem ser típicas ou eventuais, sendo assim, um fornecedor que exerça suas atividades de maneira rotineira está desenvolvendo atividade típica, porém quando ele sai da habitualidade e pratica uma atividade diversa da que ele sempre desenvolve ele está praticando conduta atípica da que está acostumado, ou seja, de maneira eventual ele exerce outro tipo de atividade (NUNES, 2015, p. 133). Nunes continua no sentido de que apenas a expressão “desenvolver atividade” não nos permite ter plena certeza de que habitualidade e profissionalismo pertencem ao mesmo instituto, portanto, cita um exemplo: E a pessoa física vai exercer atividade atípica ou eventual quando praticar atos do comércio ou indústria. Por exemplo, uma estudante que, para pagar seus estudos, compra e depois revende lingerie entre seus colegas exerce atividade que a põe como fornecedora para o CDC. Se essa compra e venda for apenas em determinada e específica época, por exemplo, no período de festas natalinas, ainda assim ela é fornecedora, porque, apesar de eventual, trata-se de atividade comercial. (NUNES, 2015, p. 133). Um indivíduo que vende o seu carro a outrem, sem a intenção de começar a vender continuamente, mas sim eventualmente, por exemplo, a cada cinco anos ele resolve trocar seu carro e o vende de maneira particular para outra pessoa. Não há como se falar em profissionalismo, muito menos em habitualidade, ou seja, esse indivíduo não recebe a tutela do CDC. É possível enquadrar o fornecedor em três classificações: fornecedor real, fornecedor aparente e fornecedor presumido. O fornecedor real é aquele que fabrica o produto, ou seja, que esteja diretamente ligado a ele, seja no todo ou em parte. Dessa maneira, o fornecedor que for intermediário, aquele que fabrica apenas uma parte do produto, responderá solidariamente com o fornecedor do produto final pelos danos causados ao consumidor (EFING, 2006, p. 71). Como a responsabilidade é solidaria no caso de danos, o fornecedor real será responsabilizado juntamente com quem coloca o produto no mercado de consumo, ou seja, o fornecedor do produto final. Sendo assim, se o fornecedor intermediário efetivar o pagamento da indenização ao consumidor lesado terá este o direito de regresso contra os que conjuntamente são responsáveis na medida de sua 17 culpabilidade conforme disposto no artigo 13, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor. O fornecedor aparente é aquele que não fabrica o produto que leva o seu nome ou sua marca, mas que os toma como se seus fossem. Por exemplo, há supermercados que comercializam produtos que não são fabricados pela empresa, contudo, a rede de lojas rotula as embalagens com a sua logomarca, como se fosse ela própria quem os fabrica, mas na realidade são fabricados por empresas especializadas, terceirizando o serviço. No que toca a responsabilidade, o fornecedor será obrigado a reparar os danos causados ao consumidor pelo fato de indicar o produto como sendo seu, através de nome ou outros fatores que o identifique.Ao fazer essa alteração no rótulo, assume a responsabilidade como se fabricante fosse. (EFING, 2006, p. 71-72). O artigo 12 do CDC dispõe que independente da existência de culpa, o fabricante, o produtor, o construtor seja ele nacional ou estrangeiro, e o importador respondem pelos defeitos decorrentes do projeto. Os defeitos podem ser decorrentes da fabricação, da construção, da montagem, das fórmulas, da manipulação, da apresentação ou do armazenamento de seus produtos, por isso, o fornecedor aparente é responsabilizado pelos danos do produto que definiu como sendo seu. Por fim, o fornecedor presumido, é aquele que comercializa um produto de modo anônimo. Efing cita James Marins como forma de melhor compreender quem será o fornecedor presumido: Entende-se como fornecedor presumido o importador e comerciante de produto anônimo, ou “aquele que importa produtos para venda, locação, leasing ou qualquer outra forma de distribuição, assim como aquele que forneça mercadoria sem identificação ou com identificação imprecisa”. (EFING, 2006, p.72). O importador responde independentemente de culpa pelos danos causados ao consumidor pelos produtos que ele tiver importado, conforme dispõe o artigo 12, caput do CDC. Vale destacar que o fornecedor presumido é apenas comerciante do produto, não sendo o real fabricante, mesmo assim ainda será responsabilizado pelos danos decorrentes do produto que importou, partindo da premissa de que ele é o responsável pela sua qualidade uma vez que conhece o conteúdo dos produtos (NUNES, 2015, p. 325). 18 O importador só não responderá pelos danos quando puder provar que não foi o responsável por ter colocado o produto no mercado ou mesmo que o tenha colocado o defeito não exista, ou então que a culpa foi exclusivamente do consumidor ou de terceiro. Essa regra está prevista no artigo 12, parágrafo 3°, incisos I, II e III do Código. Já o comerciante de produto anônimo responderá subsidiariamente pelos danos causados, por não haver identificação quanto ao real fornecedor. O artigo 13, inciso II, que dispõe que quando “o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador” será igualmente responsável nos termos do artigo 12. 2.4 PRODUTO E SERVIÇO Não basta apenas o caput do artigo 3° para entender quem é o fornecedor, para isso é necessário o estudo dos parágrafos 1° e 2° do referido artigo, os quais tratam sobre produto e serviço, ou seja, os “objetos” da relação de consumo. O artigo 3° em seu parágrafo 1° traz a definição jurídica de produto: “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. Para João Marcelo de Araújo (1992, p. 57 apud EFING, 2006, p. 77) “a palavra „produto‟ é empregada em sentido econômico, como „fruto da produção”. Nunes (2015, p. 137-142) nos traz cinco tipos de produtos, o móvel ou imóvel, material ou imaterial, produto durável, produto não durável e o produto gratuito ou “amostra grátis”. O produto móvel ou imóvel, constante no artigo 3°, parágrafo 1° do CDC, segue a mesma regra do Código Civil. Assim, segundo o artigo 82 do CC, “são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”. Por sua vez o artigo 79 conceitua os bens imóveis: “são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”. Assim explica Nunes (2015, p. 138) “A utilização dos vocábulos “móvel” e “imóvel” nos remete ao conceito tradicional advindo do direito civil. O sentido é o mesmo”. Na esfera dos bens materiais ou imateriais, qual o tipo de produto que poderia ser classificado como imaterial? Pois o material é aquele que é possível tocar, utilizar de diversas formas, vendê-lo, trocar por outro, etc. Segundo Nunes (2015, p. 19 139) o bem imaterial seria aquele das “[...] atividades bancárias (mútuo, aplicação em renda fixa, caução de títulos etc.). Tais “produtos” encaixam-se, na definição de bens imateriais”. Nesse sentido, fica clara a preocupação do legislador em conseguir abranger o máximo possível das atividades desenvolvidas no Brasil para obter uma melhor proteção do consumidor e de toda e qualquer relação de consumo realizada. O produto durável é aquele que não se extingue com facilidade, podendo ser usado diversas vezes e esse se manterá em seu estado original que somente com o tempo de uso é que irá se desgastar até se tornar inutilizável. Para Filomeno (2007, p. 41) produtos duráveis são “bens tangíveis que normalmente sobrevivem a muitos usos (exemplos: refrigeradores, roupas)”, Nunes explica de forma mais clara: Produto durável é aquele que, como o próprio nome já diz, não se extingue com o uso. Ele dura, leva tempo para se desgastar. Pode - e deve – ser utilizado muitas vezes. [...] Até mesmo um imóvel construído se desgasta (o terreno é uma exceção, uma vez que dura na própria disposição do planeta). A duração de um imóvel, enquanto tal, comporta arrumações, reformas, construções etc.; com idêntica razão, então, é claro que um terreno se desgaste, uma geladeira se desgaste, um automóvel se desgaste etc. (NUNES, 2015, p. 139). Portanto, é perfeitamente compreensível que um produto, com um certo tempo de uso se desgaste e não tenha mais o mesmo desempenho de quando estava novo. Não é possível dizer que este produto é “não durável” apenas por que veio a ter seu desempenho reduzido, ou que tenha sofrido estragos. Na mesma linha de pensamento vamos à análise dos produtos “não duráveis”. Os “não duráveis” são os produtos que se extinguem imediatamente após o uso ou se extingue aos poucos conforme o uso. Um exemplo é uma loção hidratante, o conteúdo do frasco não é utilizado todo de uma só vez, mas na medida em que é utilizado ele se extingue, não mantendo a característica de durabilidade para ser considerado um produto durável. Da mesma forma que um sabonete não é durável como explica Filomeno (2007, p. 41) “bens tangíveis que normalmente são consumidos em um ou em alguns poucos usos (exemplos: carne, sabonete)”. A condição do exemplo supracitado sobre o hidratante não lhe tira a característica de “não durável”. Segundo Nunes (2015, p. 141): “O fato de todo o produto não se extinguir de uma só vez não lhe tira a condição de “não durável”. O que caracteriza essa qualificação é sua maneira de extinção “enquanto” é utilizado”. Portanto, quando um produto é extinto conforme a sua utilização, é considerado não 20 durável, por mais que sua “duração” se dê por um longo período o produto vai se acabando “enquanto” é usado. O produto gratuito ou “amostra grátis” é aquele que é entregue ao consumidor como forma de “mostrar” a natureza e qualidade do produto, visando uma maior veiculação do produto ofertado para que mais consumidores possam conhecê-lo. Vale ressaltar que conforme disposto no artigo 39, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor não tem obrigação alguma de pagamento pelas “amostras grátis”. O artigo 3°, § 2° do CDC nos traz o conceito de serviço: “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” sendo assim, serviço é toda e qualquer atividade fornecida ou prestada no mercado de consumo. Nunes (2015, p. 142-149) separa o serviço da seguinte forma: serviço bancário, financeiro, de crédito, securitário etc.; atividade; serviço durável e não durável; o serviço sem remuneração e por fim que não se vende produto sem serviço. Os bancos prestam serviços. Não havendo qualquer discordância a respeito disso uma vez que a súmula 297 do Supremo Tribunal Federal assim dispõe: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Para Filomeno:Resta evidenciado, por outro lado, que as atividades desempenhadas pelas instituições financeiras, quer na prestação de serviços aos seus clientes (por exemplo, cobrança de contas de energia elétrica, água e outros serviços, ou então expedição de extratos-avisos etc.), quer na concessão de mútuos ou financiamentos para a aquisição de bens, inserem-se igualmente no conceito amplo de serviços e enquadram-se indubitavelmente nos dispositivos do novo Código de Defesa do Consumidor. (FILOMENO, 2007, p. 42-43). O serviço é uma atividade, ou seja, ele se desenvolve com um propósito. Nunes (2015, p. 147) afirma que por se tratar de uma ação (e que a ação se acaba quando é praticada) só poderia existir o serviço não durável, porém segundo ele o mercado criou serviços duráveis como os convênios de saúde. Dessa forma, é possível notar que assim como os produtos, o serviço também pode se dividir em durável e não durável. 21 Os serviços não duráveis são aqueles serviços que assim que prestados extinguem-se imediatamente como, por exemplo, serviço de transporte e hospedagem. Os duráveis são aqueles que se tornam contínuos, ou seja, enquanto o serviço estiver sendo prestado, mesmo que o consumidor não o utilize, conforme o exemplo do convênio de saúde, o serviço ainda está à disposição do usuário para quando for preciso prestar-lhe efetivamente o serviço. Para que um serviço seja considerado durável ele precisa atender dois requisitos, devido a uma estipulação contratual esse serviço dure no tempo, como o plano de saúde, ou que o serviço embora tenha característica de não durável tenha como resultado um produto como, por exemplo, a pintura de uma casa (NUNES, 2015, p. 147-148). É possível notar que o serviço em si dura somente enquanto é prestado, por exemplo, enquanto o pintor está pintando a casa o serviço dura o quanto baste para ele terminar, depois disso o que torna o serviço durável é o “produto” que resultou do serviço prestado. É possível existir serviço sem que resulte um produto, mas nunca se vende um produto sem a existência de um serviço: Temos de lembrar, então, que qualquer venda de produto implica a simultânea prestação de serviço. O inverso não é verdadeiro: há serviços sem produtos. Assim, por exemplo, para vender um par de sapatos, o lojista tem de, ao mesmo tempo, prestar serviços: vai atender o consumidor, trazer os sapatos por ele escolhidos, colocá-los nos seus pés para que experimente, dizer como pode ser feito o pagamento, passar o cartão de crédito na maquineta etc. Já na prestação de serviço de consulta médica, por exemplo, há apenas serviço. (NUNES, 2015, p. 148). Do mesmo modo que o serviço pode não ter um produto como resultado, também é possível que o serviço seja prestado sem remuneração. A remuneração é algo que caracteriza o serviço, pois o parágrafo segundo do artigo 3° do CDC estabelece que “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração [...]”. Contudo, é possível que exista a prestação de serviço sem remuneração, pois a remuneração pode ser direta ou indireta. Para Efing a remuneração direta é “[...] a compensação imediata, ou a retribuição instantânea pelo serviço prestado: há a prestação, e sua consequente remuneração que se dá de forma perfeitamente visível”. Dessa forma, a remuneração direta é aquela presente quando o indivíduo compra algo, o fornecedor entrega o produto e o 22 consumidor entrega a ele o valor referente aquele produto. Já a remuneração indireta para Efing é a “[...] remuneração que se traduz num benefício econômico, numa vantagem auferida pelo prestador do serviço que será verificada não no exato momento da prestação, mas da qual poderá este desfrutar futuramente.”. Levando em consideração que nada é gratuito o custo por algo pode ser repassado ao consumidor direta ou indiretamente. Sendo assim, o cafezinho servido ao consumidor em um restaurante não é gratuito, o seu custo está embutido no preço da refeição, portanto, a remuneração é a cobrança direta ou indireta sobre algum produto (NUNES, 2015, p. 148-149). Portanto a “remuneração” é um requisito que apesar de no caso do cafezinho não parecer existir ele existe na exata medida em que pode estar vinculado com o principal na relação que é a refeição feita pelo consumidor. Isso também se aplica, seguindo a ideia do cafezinho as sobremesas ofertadas nos restaurantes. Cada elemento analisado neste capítulo são fatores necessários para a existência da relação de consumo, portanto, sempre que existir em um dos polos da relação um consumidor ou um fornecedor haverá a aplicação do Código de Defesa do Consumidor para tutelar os direitos presentes na relação jurídica de consumo. A mesma proteção é possível antes mesmo que possa existir in concreto um consumidor ou fornecedor, podendo ser tutelado igualmente pelo CDC. 23 3 AS TÉCNICAS DE NEUROMARKETING 3.1 A NEUROCIÊNCIA E O NEUROMARKETING O cérebro humano é muito estudado para conseguir desvendar seus mistérios, e obter o avanço da medicina desde os primórdios da humanidade. Um dos registros mais antigos data de 4.000 anos antes de Cristo, onde os sumérios registravam os efeitos da papoula no cérebro, devido à análise do comportamento de quem a consumia, relatando que os indivíduos sofriam alterações no comportamento que causavam euforia, bem-estar etc. (CAMARGO, 2013, p. 22). Em outros documentos é possível perceber que havia um pensamento “cardiocêntrico”, ou seja, a ideia de que o coração era o centro do corpo humano. Sendo assim, ele seria o responsável pelas emoções e demais funções importantes desenvolvidas no interior do corpo, para enfatizar isso Camargo (2013, p. 22) faz uma referência sobre a mumificação “Para ter-se uma ideia, na mumificação o cérebro era retirado pelo nariz e o coração era conservado no corpo”. Um discípulo de Pitágoras foi o responsável por implantar a ideia de que o cérebro seria o grande responsável pela diferenciação dos humanos dos demais seres existentes. Esse pensamento influenciou Hipócrates e Platão, mas Aristóteles não estava convencido disso. Para Aristóteles, o coração era o responsável por determinar as emoções do corpo humano, por ser quente, e não o cérebro, que segundo ele seria o responsável pela refrigeração por ser frio: [...] o órgão sensorial do olfato tem sua sede nas imediações do cérebro; de fato, a matéria daquilo que é frio é potencialmente quente. O mesmo se aplica à gênese do olho, que é desenvolvido a partir do cérebro, o qual é, entre todas as partes do corpo, a mais aquosa e mais fria). O órgão do tato consiste de terra e o sentido do paladar constitui uma forma de tato. Isso explica a razão do órgão sensorial do paladar e do tato estar próximo do coração. De fato, o coração é a antítese do cérebro, sendo, dentre todas as partes do corpo, a mais quente. (ARISTÓTELES, p. 46). Isso se deu por que o filósofo notou que feridas causadas no coração levavam o indivíduo à morte, mas as causadas no cérebro muitas vezes resultavam em sequelas, mas não retiravam a vida. Os diversos achados históricos confirmam a tese do filósofo, pois 50% dos indivíduos que eram submetidos a trepanações sobreviviam. Além disso, Aristóteles percebeu que as emoções dos indivíduos 24 alteravam a frequência cardíaca, e o cérebro, aparentemente, não esboçava qualquer alteração, mas o que o filósofo não sabia era que o cérebro era o responsável por alterar a frequência cardíaca (CAMARGO, 2013, p. 23). Em 300 a.C. houve uma revolução, foi o fim do pensamento cardiocêntrico. As “pesquisas” realizadas no cérebro se elevaram a um novo patamar, foi onde começaram as descrições sobre os hemisférios cerebrais e o cerebelo, os responsáveis por essa revolução foram os alexandrinos Herpophilus e Erasistratus, que além de descreveros hemisférios também classificaram os nervos em motores e periféricos. Houve um significativo avanço nas pesquisas cerebrais quando Galeno, um dos mais importantes médicos da época, realizou vários estudos com cérebros de animais, fazendo dissecações e produzindo lesões, para observar seus efeitos. Galeno também criou a classificação dos nervos, dividindo-os em moles, sensitivos e duros: Galeno foi o primeiro a fazer investigação cerebral a fundo e conhecia essa área graças a dissecações e estudos de cérebros de vacas, carneiros, porcos, gatos, cães e macacos, produzindo lesões no cérebro, no cerebelo e seccionando a medula espinhal em diferentes locais para observar os efeitos resultantes dessas lesões. Como o mais destacado médico de sua época, ele pesquisou anatomia, fisiologia, semiologia, patologia e terapêutica e é considerado como um dos maiores neurofisiologistas da Antiguidade. Ele também criou uma classificação para os nervos, dividindo- os em moles ou sensitivos para os órgãos dos sentidos e duros para os movimentos, além de dar início ao conceito de plasticidade do sistema nervoso, que é a habilidade que esse sistema tem de recuperar-se após lesões. (CAMARGO, 2013, p. 24). Após a morte de Galeno o estudo do cérebro se estagnou, na Idade Média a igreja proibiu as pesquisas, passando a ser apenas ela a detentora do conhecimento cerebral, realizando as chamadas “psicocirurgias”. Essas “psicocirurgias” tinham o objetivo de acabar com a loucura, sendo considerada uma “cirurgia” milagrosa (CAMARGO, 2013, p. 24). Até essa época as descobertas acerca do cérebro eram ensinadas por meio de textos, com a chegada de Vesalius esse método de estudo foi mudado. Ele passou a dissecar cadáveres em praça pública demonstrando a anatomia do cérebro humano, o trabalho de Vesalius era muito importante, pois ajudava a todos a entenderem o cérebro desmistificando aos poucos seus segredos, Camargo explica: 25 Vesalius (1514-1564) destacou a anatomia como ciência e mudou a forma de estudá-la, que era ensinada, até então, apenas por meio dos textos de Galeno. Ele dissecava cadáveres diante do público e revelava a anatomia do cérebro. O trabalho desse anatomista mostrava a importância da dissecação como ferramenta básica para entender o corpo humano e também enfatizava o caráter deste como uma estrutura orgânica e não como algo habitado por fenômenos sobrenaturais. [...] Pelas mãos de Andreas Vesalius a anatomia cerebral deslanchou como nunca, pois foi ele quem descreveu as meninges, os pares cranianos, as cavidades ventriculares, o liquido cefalorraquidiano e também doenças cerebrais como a hidrocefalia. (CAMARGO, 2013, p.24). Diante do exposto fica claro que a anatomia do cérebro era muito estudada, mas isso efetivamente não contribuía para desvendar como o cérebro realmente funcionava. Para Descartes a glândula pineal era a responsável pela ligação do corpo com a mente, seria ela a responsável por produzir os movimentos. Portanto, Descartes acreditava que existiam espíritos animais que seriam capazes de “viajar” pelo corpo humano e que eles seriam os responsáveis por produzir os movimentos (CAMARGO, 2013, p. 25). Tempos depois da teoria de Descartes é que se relacionou a eletricidade como responsável por causar os movimentos. A partir de então foi surgindo cada vez mais estudos a respeito do cérebro, e se constatou que existiam regiões no cérebro que teriam cada uma a sua função. Dessa maneira uma região seria responsável pelas funções motoras, outra definiria a personalidade do indivíduo e assim por diante. Da mesma maneira que as descobertas a cerca do cérebro surgiam, também se desenvolviam os exames capazes de detectar as atividades cerebrais e ajudar nas descobertas, como por exemplo, a tomografia. São esses exames que surgiram juntamente com o estudo do cérebro que foram capazes de desenvolver o chamado neuromarketing, pois através desses diagnósticos por imagem foi possível notar os estímulos cerebrais quando o indivíduo é exposto a marcas, propagandas, cores e até mesmo odores, conforme explica Camargo: Dessa forma, o neuromarketing baseia-se em estudar o comportamento do consumidor através da psicologia e da neurociência para desenvolver mecanismos que são capazes de convencer o consumidor a comprar certo produto ou a consumir mais do que o esperado. Sendo assim, é como se fosse possível “entrar” na mente do consumidor e descobrir seus desejos antes que eles próprios tenham consciência do que querem. É preciso aprimorar as técnicas para chamar a atenção do consumidor, não basta apenas oferecer amostras grátis e demonstrar como os 26 serviços oferecidos por sua loja são excelentes. Torna-se necessário chamar a atenção do cliente em potencial, mantendo-se em seu inconsciente para que constantemente durante a sua vida ele se lembre do seu produto ou de sua marca, tornando-o um cliente fiel. O neuromarketing além de ajudar a convencer o consumidor a comprar determinado produto, também é utilizado para pesquisar quais produtos seriam capazes de chamar a atenção do consumidor. Por exemplo, um refrigerante, as empresas usam outras marcas para avaliar qual seria a probabilidade de aceitação do seu produto pelos consumidores. Com a obtenção de uma boa resposta dos consumidores a empresa decide se coloca o produto no mercado, ou então se a resposta não for tão boa assim analisam qual a probabilidade do produto se tornar famoso e então decidem colocá-lo ou não no mercado. A Coca-Cola é um exemplo disso, pois a sua receita de refrigerante original fez muito sucesso e faz até hoje, porém, alguns produtos não deram tão certo assim, conforme explica Lindstrom: Até mesmo a Coca-Cola teve alguns produtos que fracassaram constrangedoramente. Lembra-se da New Coke, em 1985? Embora tivesse se saído bem nas pesquisas com consumidores, o refrigerante, depois de chegar às lojas com grande estardalhaço, encalhou, obrigando a empresa a retirá-lo de circulação. (LINDSTROM, 2016, p. 145). Além da New Coke, a Coca-Cola teve mais produtos que mesmo se saindo bem nas pesquisas não prosperaram no mercado real: Em 2006, a empresa anunciou que estava lançando uma nova linha do seu famoso refrigerante contendo pequenas quantidades de café, chamada Coca-Cola BlaK. Depois de dois anos sendo desenvolvido, o produto era enaltecido pelos executivos da Coca-Cola como “o gosto refrescante de uma Coca-Cola gelada terminando com uma saborosa essência de café”. “Só a Coca-Cola poderia criar essa combinação peculiar de sabores”, disse Katie Bayne, vice-presidente sênior da Coca-Cola na América do Norte. Mas os consumidores ficaram indiferentes, as vendas foram irrisórias e cerca de um ano mais tarde a Coca-Cola retirou o produto de circulação. (LINDSTROM, 2016, p. 145). Diante disso, é possível perceber que mesmo que o produto vá bem nas pesquisas ele pode não prosperar. Isso se deve ao fato de que nem tudo que as pessoas pensam é consciente. Por exemplo, uma empresa pode desenvolver um questionário perguntando aos voluntários se eles gostaram mais do produto A, B ou C, e baseado nessa pesquisa a empresa recebe o resultado de que o produto A foi o 27 que mais agradou os voluntários. Mas quando os voluntários se submetem a um mapeamento cerebral capaz de determinar quais áreas do cérebro mais sofreram estímulos quando expostos aos produtos o resultado pode ser totalmente diferente do questionário. O mapeamento pode indicar que o produto que mais agradou aos voluntários foi o produto C, ficando o produto A em último lugar, por exemplo. Por essa razão existem produtos que estão há anos no mercado e suas vendas sempre aumentam nunca perdendo espaço no mercado. Se um produto está no mercado à intenção do fornecedor é apenas vende-la cada vez mais, e o consumidor irá consumi-la para satisfazer seus desejos, conforme Baumanexplica: Primeira: o destino final de toda mercadoria colocada à venda é ser consumida por compradores. Segunda: os compradores desejarão obter mercadorias para consumo se, e apenas se, consumi-las for algo que prometa satisfazer seus desejos. Terceira: o preço que o potencial consumidor em busca de satisfação está preparado para pagar pelas mercadorias em oferta dependerá da credibilidade dessa promessa e da intensidade desses desejos. (BAUMAN, 2008, p.18). Sendo assim, o objetivo do indivíduo é consumir, consumir para satisfazer seus desejos. Quanto mais as empresas conseguirem convencer o consumidor de que seu produto é a melhor escolha para satisfazer seus desejos, mais o consumidor vai buscar adquirir produtos daquela marca, uma vez que utilizou um produto e o achou bom logo pensará que os demais também serão. 3.2 O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR Todo indivíduo consome, alguns mais outros menos, mas inevitavelmente todos consomem. Desde uma criança até um adulto, todos estão expostos às práticas de venda desenvolvidas através do neuromarketing. O indivíduo pensa que é capaz de escolher conscientemente, sem que nada interfira em sua decisão, mas será que está mesmo? É assim que o neuromarketing funciona, nos faz acreditar que precisamos de algo, implanta essa ideia no nosso inconsciente e cada vez mais ela vai se solidificando até atingir o real objetivo, comprar. Existem teorias sobre o comportamento do consumidor, são elas as teorias racionais e as da motivação. As teorias racionais acreditam que o ser humano consegue ter plena consciência sobre o seu comportamento, o que o faria controlar os impulsos consumistas. Já para a teoria da motivação o consciente seria deixado 28 de lado, dando espaço as emoções e sentimentos de cada indivíduo que seriam os responsáveis pela motivação do comportamento de consumo. As teorias racionais econômicas, são aquelas em que o indivíduo leva em consideração o custo-benefício do produto. Através da racionalidade de que são dotados os seres humanos ponderam sobre comprar um produto que seja bom, mas ao mesmo tempo em que o compra espera que o produto dê a maior satisfação possível para “valer a pena” o valor gasto. Sob essa teoria, o comportamento de consumo é regulado por escolhas acerca da disponibilidade e do capital necessário para obter o produto, pois o objetivo do ser humano segundo essa teoria é escolher o produto que vai lhe proporcionar a melhor satisfação. Sendo assim, quando o consumidor obter o produto pela primeira vez, irá valorizá-lo, na segunda o custo benefício terá diminuído e na terceira ao perceber que está gastando mais e sua satisfação não está sendo saciada poderá trocar o produto por outro (GIGLIO, 2010, p. 34). Sendo assim, o consumidor ao perceber que o custo-benefício do produto que ele adquire regularmente já não atende mais as suas necessidades ele procura outro capaz de satisfazê-lo. A teoria racional de avaliação de risco e decisão é aquela em que o consumidor analisa os riscos decorrentes da compra de um produto antes mesmo de efetivamente comprá-lo: Segundo essa abordagem, o fundamento da decisão da compra estaria na análise de risco realizada pelo sujeito. O risco nada mais é do que a possibilidade de o resultado ser alcançado ou não, considerando os esforços financeiros e psíquicos. (GIGLIO, 2010, p 34). Como por exemplo, um aparelho celular, muitas pessoas antes de comprar analisam o tamanho, a velocidade, quantos gigabytes de memória o aparelho possuí entre outras coisas. a partir de então, acreditando que fez a melhor escolha compra o aparelho, assumindo o risco de depois de algum tempo de uso o celular não funcionar como esperava. As teorias da motivação são criadas por Freud e Maslow (Giglio, 2010, p. 38- 44). A teoria de Freud leva em consideração o inconsciente no comportamento humano. A pessoa vê determinado produto, não o deseja imediatamente, mas com o passar do tempo o indivíduo vai fazendo considerações a cerca dele e acaba desejando-o inconscientemente: 29 São abundantes os exemplos de produtos anunciados como propiciadores de satisfação de desejos não objetivamente relacionados ao seu funcionamento ou utilidade lógica. Se um carro tem como propósito transportar o sujeito de maneira mais rápida, não é esse o argumento de venda. Mostrar um homem com um carro apresentado como bonito, conseguindo uma bela companhia é transmitir a mensagem de que o carro torna o sujeito mais atraente. É óbvio que não há nada em carro algum que possa tornar uma pessoa mais atraente, então, onde está o segredo? O processo todo inclui uma triangulação entre a pessoa, com seu desejo de ser atraente (talvez até por considerar-se feio, sem sabe-lo), o objeto sobre o qual se projeta a atração (o carro é que passa a ser atraente) e, finalmente, o resultado, que é a evidência de alguém considerar o sujeito atraente, já que inconscientemente a atração desloca-se do objeto em que foi colocada a atração (o carro) e volta novamente para o sujeito de origem. (GIGLIO, 2010, p. 40). Dessa forma, o inconsciente faria com que o sujeito pensasse na possibilidade de arranjar uma companhia e sendo assim ele desejaria inconscientemente comprar o carro e a partir de então ele compraria. Já na teoria de Maslow as pessoas têm cinco objetivos básicos: satisfazer suas necessidades fisiológicas, de segurança, afetivas, de relacionamentos e autorrealização. Cada um deles age de forma independente, cada pessoa define qual dos objetivos é mais importante, partindo do pressuposto de que se dará mais importância ao objetivo que está mais distante de ser saciado. As fisiológicas não contribuem de maneira significativa para o consumo, pois todos tem necessidade de comprar para prover a subsistência. As de segurança envolvem a esfera psíquica, no sentido de que o indivíduo se sente seguro com aquilo que conhece. Nas afetivas estão presentes as necessidades eróticas e sexuais, e também a vontade de pertencer a grupos. A esfera dos relacionamentos está ligada com a vontade do indivíduo de ter suas qualidades valorizadas por grupos de que participa. Por último, está a autorrealização, onde o indivíduo desenvolve todas as suas possibilidades de crescimento (GIGLIO, 2010, p. 41-42). Dessa maneira é possível perceber que as teorias da motivação podem ser aliadas do neuromarketing, uma vez que acreditam que no inconsciente é que se instala a vontade irrefletida de consumo. De certa forma é assim mesmo que funciona, quem nunca entrou em uma loja e sentiu um agradável perfume presente nela? Essa técnica chamada de “marcas olfativas” é utilizada para que o consumidor permaneça por mais tempo nas dependências da loja. Fazendo com que consuma 30 mais, ou então que a pessoa grave o aroma no seu inconsciente e ao senti-lo novamente associe imediatamente aquela marca ou loja. Sendo assim, após a análise do comportamento do consumidor de um modo geral, se faz necessário estudar especificamente o que leva cada gênero (homem, mulher, crianças, etc.) a consumir seja consciente ou inconscientemente. 3.2.1 Crianças As crianças são mais suscetíveis a serem persuadidas pelas propagandas uma vez que seu desenvolvimento ainda não é completo, seu cérebro não tem total consciência sobre o que acontece com ela. Na infância, o comportamento das crianças é influenciado pela família, amigos da escola e pela mídia. Os canais televisivos infantis são repletos de propagandas de brinquedos, todas as propagandas são voltadas para apresentação de um produto, mostrando crianças brincando felizes. Isso faz com que a criança que assiste essa propaganda, mesmo sem entender o que está acontecendo queira desesperadamente aquele brinquedo. Influenciada a criança pede o determinado produto aos pais, que muitas vezes nem sabem como a criança “conhece” aquele brinquedo. Como dia a dia tão corrido que os pais têm muitas vezes não sobra tempo para ficar com os filhos, fator pelo qual as crianças passam muito tempo diante de uma televisão, conforme explica Limeira: As crianças nos grandes centros urbanos, tendo reduzidas as oportunidades de brincar ao ar livre, tiveram aumentado seu tempo de exposição aos programas de televisão. Com isso, teria aumentado o contato das crianças com as propagandas e as mensagens da mídia, que estimulam novos desejos de consumo. Portanto, a televisão estaria comunicando valores que contribuem para a construção dos ideais infantis nos dias de hoje. (CASTRO, 1999, p. 11-22 apud LIMEIRA, 2008, p.167). Sendo assim, essa facilidade em “seduzir” as crianças por meio de propagandas torna-se vantajoso para o mercado de brinquedos infantis. A criança vendo apenas uma vez o comercial na televisão já é o bastante para despertar o desejo de obter aquele brinquedo para ela. E na media que a criança é “seduzida” pelos comerciais ela pouco a pouco convence os pais a comprar o brinquedo para ela. 31 3.2.2 Adolescentes A juventude ou adolescência como é mais chamada é o período de transição entre a infância e a vida adulta. É o período no qual os adolescentes sofrem transformações corporais, buscam a independência o que pode causar conflitos familiares; e também sentem uma imensa vontade de se auto afirmarem diante do grupo social em que são inseridos. Esses grupos são um dos principais fatores que desencadeiam o consumo nos adolescentes. Essa coletividade é formada por pessoas que compartilham interesses comuns, como por exemplo, o mesmo gosto musical ou gênero literário. Podendo estar incluído em vários grupos com interesses diversos de uma só vez, conforme explica Limeira: Um grupo, por sua vez, pode ser definido como um conjunto de pessoas que interagem umas com as outras, que aceitam direitos e obrigações e compartilham uma identidade comum. Para haver um grupo social, é preciso que os indivíduos se percebam de alguma forma afiliados ao grupo. Os grupos formam “uma coletividade identificável, estruturada, contínua, de pessoas que desempenham papéis recíprocos, segundo determinadas normas, interesses e valores sociais, para a consecução de objetivos comuns”. (FICHTER, 1995, p. 124 apud LIMEIRA, 2008, p. 205). Desta forma os jovens por estarem inseridos em um grupo que é capaz de “ditar” as regras, muitas vezes consomem por acreditar que vão ser mais bem acolhidos ou notados pela coletividade se tiverem um tênis da moda, uma roupa de marca ou um aparelho celular de última geração. 3.2.3 Homens Os homens tem uma tendência de serem mais práticos do que as mulheres, ou seja, eles compram apenas o que é necessário não se deixando levar por impulsos. Por essa razão é que as mensagens publicitárias dirigidas ao público masculino devem ir direto ao ponto, sem enrolação. O cérebro masculino é facilmente influenciado quando há emprego de curvas nas imagens publicitárias, pois o cérebro assimila as curvas como “sexys”. É preciso que a propaganda venha acompanhada de frases curtas de fácil compreensão e que sua mensagem seja clara, conforme explica Gonçalves: 32 Estímulos cerebrais intensos são observados nos homens ao terem acesso a mensagens textuais ou mesmo imagens com apelos sexuais claros. Esse fenômeno faz todo o sentido quando lembramos que o espaço destinado ao impulso sexual no hipotálamo cerebral masculino é 2,5 vezes maior que o hipotálamo das mulheres. Essa reação instintiva com foco na obtenção da atividade sexual também pode gerar bons frutos às campanhas de marketing voltadas ao público detentor dos cromossomos Y. Uma dica para atingir de uma vez por todas o cérebro reptiliano masculino é optar por curvas em suas imagens publicitárias. Para o cérebro curvas são associadas a sexo, fertilidade, saúde e nutrição desde a época das cavernas, em que os homens viam nos objetos pontiagudos ameaças à sobrevivência, como lanças, rochas cortantes e até dentes irregulares. (GONÇALVES, 2013, p. 68). Sendo assim, ao desenvolver uma propaganda e até mesmo embalagens voltadas a esse público, é preciso ter em mente que mesmo que o cérebro masculino seja mais influenciável que o cérebro feminino, esses fatores serão os responsáveis por determinar o sucesso e o fracasso de um produto. 3.2.4 Mulheres As mulheres são as principais responsáveis por movimentar o mercado de consumo. Além de consumir para si mesmas são responsáveis pelo consumo dos maridos, dos filhos e de abastecer os armários de casa com comida e produtos de limpeza. Dessa maneira, as mulheres lideram o mercado destinado exclusivamente a elas, como maquiagem, perfumes e produtos de beleza, mas comandam também o mercado de consumo no geral (GONÇALVES, 2013, p. 59). As mulheres compartilham entre si as experiências tidas com produtos dos mais variados tipos, como cosméticos, produtos de higiene, limpeza entre outros. Essa troca de experiência faz com que as mulheres que não usam determinado produto de uma marca comecem a usa-lo com o intuito de alcançar o mesmo grau satisfatório que a sua amiga que utiliza o produto: Mais uma vez, todo esse conhecimento passado de mãe para filha, entre melhores amigas ou colegas recheia as listas e mais listas de marcadores somáticos, colecionados pelo cérebro reptiliano feminino. Para as mulheres, se uma experiência de uso de um produto foi tão positiva para uma amiga, seus neurônios-espelho entram em campo, prontos para fazer o mesmo teste e confirmar a sensação de prazer descrita (e sentida) pela referência passada. (GONÇALVES, 2013, p. 60-61). 33 Devido a essa necessidade de trocar experiências, as mulheres ao se depararem com produtos que tornem a sua vida mais prática e que tenham uma facilidade de uso que possa fazer com que tenham mais tempo para a família e para descansar, imediatamente tornam-se clientes fiéis. Pois com o dia a dia sempre corrido as mulheres tem pouco tempo para ficar com a família para cuidar de si mesmas, esse é o fator que faz com que as mulheres liderem o mercado de consumo. 3.2.5 Idosos Com o passar dos anos o cérebro se torna mais maduro, e coisas que antes incomodavam e traziam preocupação hoje não mais importa. Por esse motivo as pessoas mais velhas vivem com o desejo de aproveitar a vida que ainda lhe resta. O trabalho que os filhos davam hoje dá lugar às brincadeiras com os netos, e é exatamente ai que o marketing entra, a todo momento que um idoso tem um dinheiro sobrando ele compra um brinquedo ou doces para os netos. Sendo assim, as propagandas desenvolvidas para esse público devem ser positivas capazes de causar um sentimento de felicidade, conforme explica Gonçalves: Para atingir o público pertencente a essa faixa etária, é necessário abordar argumentos positivos nos textos de suas mensagens de marketing. Segundo os cientistas, as pessoas mais velhas não se deixam influir por notícias ruins ou críticas como ocorre com os mais jovens. Isso porque ao longo da vida já passaram por muitos desafios que as fizeram desenvolver uma habilidade especial: superar rapidamente situações adversas. Por fim, para conversar com mentes resilientes, seja positivo. (GONÇALVES, 2013, p. 73). Portanto, para atingir esse público específico seja positivo, não utilize gírias, seja óbvio e direto. Os idosos por sua experiência de vida tem necessidade de conhecer a fundo o produto ou serviço que irá adquirir a fim de garantir que fez um bom negócio. Dessa maneira, o idoso procura principalmente escolher produtos pela qualidade e eficiência. Além disso, os consumidores da terceira idade também buscam adquirir produtos que sejam benéficos a saúde, pois com o envelhecimento esse público alvo necessita de produtos capazes de mantê-los bem consigo mesmos. 34 3.3 O NEUROMARKETING NO MEIODIGITAL O neuromarketing no meio digital é o marketing de internet. Ele se dá através de propagandas nas quais divulgam produtos, serviços, marcas, oportunidade de negócio entre outros. Quantas vezes depois de pesquisar um produto na internet e depois acessar outra página qualquer não apareceram nesse outro site uma propaganda exatamente sobre o produto que você pesquisou? Na internet existem diversos formatos de publicidade, sendo os mais importantes os banners, pop-ups e newsletter. Cada um deles utiliza-se de uma técnica diferente para chamar a atenção do consumidor. Banners é a técnica mais utilizada na internet. Sua principal função é atrair o consumidor ao site de origem do produto, onde poderá comprá-lo, conhecer novos produtos e marcas. Nesse sentido, Gonçalves ensina: Um dos formatos publicitários mais comuns na internet é o banner. Uma peça de exposição que usa imagens estáticas ou em movimento e tem como meta encaminhar o usuário ao site da marca anunciante, onde encontrará mais informações sobre o produto, serviço ou mesmo a promoção oferecida e, é claro, onde também poderá efetuar a compra. (GONÇALVES, 2013, p. 142). Pop-ups são mensagens instantâneas que aparecem de repente em algum site trazendo informações extras sobre ele, como por exemplo, um produto novo ou que esteja em promoção: As chamadas pop-ups nasceram com o intuito de chamar a atenção do usuário do website para alguma informação extra que não poderia passar despercebida aos olhos dos consumidores e complementaria o conteúdo do site que a contivesse. Por esse motivo foram criadas como uma janela que surge independentemente, por cima da home page. (GONÇALVES, 2013, p. 143). Newsletter são e-mails publicitários. Quando o consumidor vai a uma loja e a vendedora faz um cadastro ela solicita o e-mail dessa pessoa, a partir dai a loja/marca se utiliza desse cadastro para enviar mensagens publicitárias contando sobre os novos produtos ou promoções: O e-mail marketing, também conhecido por newsletter, nada mais é do que uma mensagem eletrônica publicitária, em que o anunciante pode ofertar produtos e serviços, divulgar lançamentos ou mesmo distribuir conteúdo institucional para um grupo determinado de consumidores, sejam eles 35 clientes em potencial ou antigos clientes que, por algum motivo, diminuíram suas ações de compra. (GONÇALVES, 2013, p. 144). É totalmente visível o importante papel que a internet desenvolve nos dias de hoje, aparecendo como a principal plataforma de veiculação publicitária pois cada vez mais estamos conectados, seja por computadores, tablets ou smartphones. Todos são capazes de enviar e receber mensagens, e-mails, imagens e vídeos, o que amplia o potencial das estratégias utilizadas nas campanhas publicitárias. Com tanta tecnologia fica fácil rastrear em detalhes o comportamento do consumidor na internet, como por exemplo, as impressões e a taxa de cliques. As impressões são às vezes em que uma propaganda é exibida em um site. Já a taxa de cliques é o número de vezes que uma propaganda obteve um clique levando o usuário ao site do produto. A taxa de cliques é a responsável por prever o sucesso ou fracasso de uma publicidade, nada mais é do que o cálculo da porcentagem de cliques que determinado anúncio recebeu. É a quantidade de cliques dividida pelo número de impressões que o anúncio obteve. Sendo assim, é possível calcular quais produtos ou marcas mais atraem o consumidor, além do tipo de publicidade que é capaz de chamar mais a atenção do indivíduo ou qual ele rapidamente irá ignorar. Dessa forma pode-se abrir um enorme leque de oportunidades para o anunciante, pois a internet além de servir como divulgação dos seus produtos e serviços se torna uma ferramenta estratégica para o marketing. 36 4 A VULNERABILIDADE E A LIBERDADE DE ESCOLHA 4.1 PUBLICIDADE O consumidor a todo momento está exposto aos mais variados tipos de publicidades existentes no mundo, seja pelo celular, televisão, andando na rua, lendo um jornal ou uma revista. Por esse motivo torna-se importante compreender quais os princípios que norteiam a propaganda para torná-la menos “perigosa” aos consumidores vulneráveis. Antes de tudo, deve-se entender que existem dois tipos de publicidade, a institucional e a promocional. A publicidade institucional serve para divulgar empresas, mesmo que essas não produzam qualquer tipo de produto, sendo assim, a publicidade institucional tem o condão de promover instituições que eventualmente estejam passando por um momento difícil. Para o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin: Na publicidade institucional (ou corporativa) o que se anuncia é a própria empresa e não um produto seu. Seus objetivos são alcançados a mais longo prazo, beneficiando muitas vezes produtos ou serviços que não são sequer produzidos pela empresa. Em certas ocasiões, especialmente quando a empresa enfrenta problemas de imagem, uma campanha de publicidade institucional pode ser a solução para alterar a forma como o público a enxerga. (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2009, p. 197). Já a publicidade promocional, como o próprio nome já diz, tem o objetivo de vender um produto ou serviço, divulgando promoções, lançamentos entre outros. Segundo Herman Benjamin (2009, p. 197): “De modo diverso, a publicidade promocional (de produto ou serviço) tem um objetivo imediato: seus resultados são esperados a curto prazo.”. Sendo assim, a publicidade institucional é desenvolvida com o intuito de que se a empresa possui problemas com a imagem é esperado que a longo prazo ela seja novamente aceita pelos consumidores. Dessa forma com o passar do tempo voltarão a confiar na empresa novamente, já a promocional tem o condão de imediatidade, fazendo com que o consumidor ao ver a publicidade deseje o produto ofertado e consequentemente o compre o mais rápido possível. 37 Da publicidade decorrem diversos princípios que objetivam proteger o consumidor de práticas abusivas ou enganosas. Os mais encontrados nas doutrinas são: princípio da identificação da publicidade, princípio da vinculação contratual da publicidade, princípio da veracidade da publicidade, princípio da inversão do ônus da prova e o princípio da transparência da fundamentação da publicidade. O princípio da identificação da publicidade encontra amparo no artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor que dispõe: “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”. Pela simples e pura leitura do texto da lei é possível perceber que não se faz necessário nenhum tipo de discernimento excepcional para identificar a publicidade como tal. A regra prevista no artigo 36 do CDC também se faz presente no artigo 28 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária o qual dispõe que: “O anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação”. Mesmo com as regras dos artigos supracitados existem práticas publicitárias que tentam ludibriar as disposições, a mais conhecida é a publicidade clandestina. A publicidade clandestina é comumente utilizada em novelas em que um ator consome um refrigerante, utiliza um aparelho celular ou produtos de beleza de determinadas marcas. Isso causa a sensação no consumidor de que aquele produto é bom pelo simples fato de ver o ator famoso utilizando o produto/marca, conforme Miragem: [...] consiste na aparição, de modo associado ao roteiro original do programa, de situações normais de consumo nas quais se faz uso, referência ou simplesmente se projeta imagem de produto ou serviço, ou ainda de uma determinada marca, logomarca ou congênere, com a finalidade de estabelecer uma associação entre estes e qualidades ou circunstâncias positivas decorrentes da sua utilização.
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