Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ATUALIZAÇÕES LEGISLATIVAS DO CÓDIGO PENAL www.zeroumconsultoria.com.br E-mail: contato@zeroumconsultoria.com.br Instagram: @zeroumconsultoria Lei 13.606/18 Lei 13.654/18 Lei 13.715/18 Lei 13.718/18 Lei 13.771/18 Lei 13.772/18 Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor SUMÁRIO LEI 13.606/18 .................................................................... 2 LEI 13.654/18 .................................................................... 3 1) ALTERAÇÕES NO DELITO DE FURTO ........................... 3 2) ALTERAÇÕES NO DELITO DE ROUBO ........................... 6 MAJORANTE RELATIVA AO EMPREGO DE ARMA DE FOGO .. 6 ROUBO DE EXPLOSIVOS OU COM A UTILIZAÇÃO DE EXPLOSIVOS ........................................................................ 8 AUMENTO DA PENA DA FIGURA QUALIFICADA PELA LESÃO CORPORAL GRAVE ................................................................ 9 LEI 13.715/18 .................................................................. 10 LEI 13.718/18 .................................................................. 12 1) INTRODUÇÃO ......................................................... 12 2) IMPORTUNAÇÃO SEXUAL ......................................... 13 3) DIVULGAÇÃO DE CENA DE ESTUPRO E DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL, E DE SEXO OU PORNOGRAFIA ............................ 15 CAUSA DE AUMENTO DE PENA ..................................... 19 EXCLUDENTE DE ILICITUDE ......................................... 20 4) IRRELEVÂNCIA DO CONSENTIMENTO E DA EXPERIÊNCIA SEXUAL NO CONTEXTO DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL 20 5) NATUREZA DA AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL .............................................................. 24 6) ESTUPRO COLETIVO E CORRETIVO ........................... 26 LEI 13.771/18 .................................................................. 27 LEI 13.772/18 .................................................................. 31 Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor LEI 13.606/18 A Lei 13.606/18 foi publicada no Diário Oficial da União em 18/04/2018 e teve como objeto principal instituir o Programa de Regularização Tributária Rural, ou seja, não é uma lei eminentemente penal. Todavia, promoveu uma alteração no código penal ao inserir o § 4º ao art. 168-A, delito de apropriação indébita previdenciária. Tal delito consiste em: Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Um exemplo seria o estabelecimento bancário que tem autorização para receber do contribuinte a contribuição previdenciária que deixar de repassar os valores recolhidos à autarquia no prazo estabelecido pela lei. Note que não se pode imputar a prática do crime à pessoa jurídica por ausência de previsão legal, razão pela qual responderá pelo delito o seu administrador. Mas vamos direto à alteração promovida pela Lei 13.606/18. A lei autorizava, no § 3º do art. 168-A, o juiz a aplicar somente a pena de multa (livrando o agente da pena de reclusão) ou até mesmo a deixar de aplicar a pena quando o agente fosse réu primário e tivesse bons antecedentes nos casos em que o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, não ultrapassasse o valor mínimo exigido para ajuizamento da execução fiscal. Por determinação da Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda, o referido valor mínimo para ajuizamento da ação de execução fiscal é Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor de 20.000,00 (vinte mil reais), tendo em vista que o custo para se ajuizar a referida ação é muito elevado. Pois bem, o que fez o § 4º, acrescentado pela Lei 13.606/18, foi esclarecer que no cálculo desse valor limite deve-se levar em consideração o valor total do parcelamento dos débitos (quando for o caso), incluídos os acessórios, nestes termos: § 4o A faculdade prevista no § 3o deste artigo não se aplica aos casos de parcelamento de contribuições cujo valor, inclusive dos acessórios, seja superior àquele estabelecido, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. LEI 13.654/18 A Lei 13.654/18, publicada no Diário Oficial da União em 24/04/2018, promoveu diversas alterações nos crimes de furto e de roubo. No delito de furto inseriu duas novas qualificadoras (§§ 4º-A e 7º), enquanto no delito de roubo alterou o tratamento dado às causas de aumento de pena e recrudesceu as penas das modalidades qualificadas pela lesão corporal grave e morte. 1) ALTERAÇÕES NO DELITO DE FURTO A primeira alteração promovida no delito de furto foi o acréscimo do § 4º-A, segundo o qual: § 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. Percebe-se que a Lei 13.654/18 criou mais uma qualificadora de ordem objetiva, ou seja, relacionada ao meio de execução do delito. Desde a sua vigência, portanto, o furto praticado mediante emprego Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor de explosivo ou de artefato análogo tem pena de 4 a 10 anos de reclusão. É nítido que a referida lei teve por objetivo punir mais severamente a conduta cada vez mais recorrente daqueles que se utilizam de substâncias explosivas para furtar caixas eletrônicos em agências bancárias, supermercados e etc. À primeira vista parece se tratar de uma nova lei que prejudica o réu, aumentando sobremaneira a sanção pelo delito cometido, todavia, essa primeira impressão não sobrevive a uma análise mais aprofundada sobre o tema. Precisamos analisar qual era a sanção aplicável ao agente antes da vigência da nova lei para perceber que, na verdade, essa qualificadora acaba por beneficiar o réu que praticou um delito de furto com emprego de explosivos antes da vigência da Lei 13.654/18. Isso porque antes da vigência da nova qualificadora do furto, prevalecia o entendimento de que o agente que utilizasse substância explosiva para prática do furto deveria responder, em concurso formal impróprio, pelos crimes de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo (art. 155, §4º, I) e de explosão majorada pela finalidade de obtenção de vantagem pecuniária (art. 251, § 2º). Ou seja, ao agente que praticasse a referida conduta a sanção mínima aplicável seria de 6 anos, tendo em vista que o furto qualificado tem pena mínima de 2 anos e o delito de explosão tem pena mínima de 3 anos, subindo para 4 anos com a incidência da causa de aumento de pena de 1/3 em razão da finalidade de obtenção de vantagem pecuniária. Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor Sistematizando, temos: Agente que explodiu um caixa eletrônico para subtrair dinheiro de seu interior ANTES DA LEI 13.654/18 DEPOIS DA LEI 13.654/18 Pena mínima: 6 anos Pena máxima: 16 anos Pena mínima: 4 anos Pena máxima: 10 anos Crimes: furto qualificado pelo rompimento de obstáculo + explosão majorada em razão da finalidade de obtenção de vantagem pecuniária (concurso formal impróprio) Crime: furto qualificado pelo emprego de substância explosiva. Portanto, percebe-se o vacilo do legislador, que na tentativa de enrijecer o tratamento dispensado ao criminoso acabou por beneficiá- lo. E não se pode esquecer que até mesmo aqueles já condenados antes da vigência da Lei 13.654/18 pelos delitos de furto qualificado e explosão majorada em concurso formal impróprio, serão beneficiados por ela, tendo em vistaque a lei penal benéfica deve retroagir para melhorar a situação do réu, não devendo respeito nem mesmo à coisa julgada. A segunda alteração promovida no delito de furto foi a inclusão do § 7º ao art. 155 nos seguintes termos: § 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor Nesse § 7º foi introduzida uma qualificadora atinente ao objeto material do delito. Substância explosiva é aquela capaz de provocar detonação, estrondo, em razão da decomposição química associada ao violento deslocamento de gases. 2) ALTERAÇÕES NO DELITO DE ROUBO Enquanto no delito de furto apenas duas novas qualificadoras foram acrescentadas, no delito de roubo houve mais alterações: (i) revogação da causa de aumento de pena atinente ao emprego de arma; (ii) acréscimo da causa de aumento de pena referente à subtração de explosivos; (iii) acréscimo do aumento de pena referente ao emprego de arma de fogo; (iv) acréscimo da causa de aumento de pena referente à utilização de explosivos para a prática do roubo; e, por fim, (v) aumento na pena da figura qualificada pela lesão corporal grave. MAJORANTE RELATIVA AO EMPREGO DE ARMA DE FOGO Inicialmente vamos abordar o ponto mais polêmico da alteração legislativa. O inciso I, do § 2º, do art. 157, do código penal previa que: § 2º A pena aumenta-se de um terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; Portanto, antes da alteração promovida pela Lei 13.654/18 a causa de aumento de pena era relativa ao emprego de arma, sendo certo que o termo “arma” deveria ser interpretado de maneira extensiva, ou seja, considerando-se arma todo objeto capaz de vulnerar a integridade física da vítima (tais como faca, canivete, garrafa de vidro quebrada, estilete e etc.). Todavia, o legislador entendeu por bem revogar o dispositivo supracitado e inserir no inciso I do recém criado § 2º-A uma causa de aumento de pena relativa ao emprego de arma de fogo: Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor § 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; Perceba que com essa alteração a lei passou a considerar como causa de aumento de pena tão somente o emprego de arma de fogo, excluindo dessa possibilidade qualquer outro artefato capaz de causar danos à integridade física da vítima. Observando as alterações acima citadas (revogação do inciso I, § 2º e acréscimo do § 2º-A, inciso I, ambos do art. 157 do código penal), podemos tirar duas conclusões: a) O emprego de arma de fogo passou a ter tratamento mais rigoroso: antes recebia aumento de pena de 1/3 até a metade e passou a receber aumento de pena de 2/3); b) O emprego de armas brancas (facas, facões e etc.) e outros artefatos capazes de vulnerar a integridade física da vítima (caco de vidro, chave de fenda, espeto de churrasco) passou a ter tratamento mais benéfico: antes recebia aumento de pena de 1/3 até a metade e passou a não ser mais considerado causa de aumento de pena. Sistematizando temos que: ANTES DA LEI 13.654/18 DEPOIS DA LEI 13.654/18 ARMA DE FOGO Aumento de pena de 1/3 até a metade Aumento de pena de 2/3 ARMAS BRANCAS Aumento de pena de 1/3 até a metade Não é causa de aumento de pena Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor ROUBO DE EXPLOSIVOS OU COM A UTILIZAÇÃO DE EXPLOSIVOS Outro ponto alterado pela Lei 13.654/18 foi o acréscimo de duas causas de aumento de pena relacionadas a substâncias explosivas. A primeira foi acrescentada ao § 2º, no inciso VI: § 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade VI – se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. Causa de aumento de pena atinente ao objeto material do delito. Substância explosiva é aquela capaz de provocar detonação, estrondo, em razão da decomposição química associada ao violento deslocamento de gases. A segunda causa de aumento foi acrescentada no inciso II do § 2º-A: § 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. Também relacionada a explosivos, porém mais severa que a anterior, pune com aumento de pena de 2/3 a conduta do agente que utiliza substância explosiva para prática do roubo. Nesse ponto deve-se observar que na eventualidade de um roubo praticado com emprego de arma de fogo e com a utilização de substâncias explosivas para romper obstáculo simultaneamente, deve incidir sobre a conduta um aumento de pena de 2/3 relativo ao emprego da arma de fogo, sendo a circunstância da utilização do explosivo analisada como circunstância agravante no momento da dosimetria da pena. Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor Por exemplo, se o sujeito empregando arma de fogo rende os funcionários de um supermercado e com a utilização de explosivos explode o caixa eletrônico ali situado para subtrair o dinheiro, responderá pelo delito de roubo com causa de aumento de pena de 2/3 pelo emprego de arma de fogo e com a agravante da utilização de explosivo (prevista no art. 61, II, alínea d, do código penal). Situação diferente encontramos na hipótese em que incida simultaneamente uma causa de aumento de pena do § 2º e outra do § 2º-A, por exemplo, um roubo praticado em concurso de pessoas (§2º, II) e com o emprego de arma de fogo (§ 2º-A, I). Nessa hipótese deve ser aplicada a previsão do art. 68, parágrafo único, do código penal: Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua. Como houve concurso de causas de aumento de pena previstas em dois dispositivos diferentes (§§ 2º e 2º-A do art. 157), o juiz poderá aplicar somente a mais grave ou as duas simultaneamente. AUMENTO DA PENA DA FIGURA QUALIFICADA PELA LESÃO CORPORAL GRAVE Por fim, a última alteração promovida no delito de roubo diz respeito à pena cominada à figura qualificada do roubo pelo resultado lesão corporal de natureza grave, que antes variava de 7 a 15 anos, e passou a ser de 7 a 18 anos. Essa passou a ser a nova redação do parágrafo 3º, do art. 157 do código penal: § 3º Se da violência resulta Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa. LEI 13.715/18 Em relação ao código penal, a Lei 13.715/18 alterou o art. 92, II, que trata do efeito extrapenal específico da perda do poder familiar. Antes de adentrar na análise das alterações promovidas pelo nova lei, é importante tecer alguns comentários em relação ao que seria esse efeito extrapenal específico da condenação. Pois bem, trata-se de um efeito de caráter civil que pode decorrer de uma condenação criminal. Trata-se de um efeito não automático da condenação, portanto, exige que se tenha motivação concreta sobre sua necessidade na sentença condenatória. Para entendermos bem as alterações promovidas vamos fazer um quadro comparativo entre a redação anterior e a nova redação do dispositivo: REDAÇÃO ANTERIORNOVA REDAÇÃO (LEI 13.715/18) Art. 92. São também efeitos da condenação (...) II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; Art. 92. São também efeitos da condenação (...) II – a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado; Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor Comparando as redações podemos detalhar cada uma das alterações. A primeira alteração teve por objetivo apenas ajustar uma questão de nomenclatura, tendo em vista que sob a vigência do código civil antigo a expressão pátrio poder era utilizada para definir o conjunto de direitos e deveres conferido aos pais em relação ao filho menor de 18 anos (não emancipado), dentre eles o poder de dirigir a criação e a educação, de conceder consentimento para casar, de exigir que preste obediência, dentre outros. Com a vigência do código civil de 2002 a expressão para designar esse conjunto de poderes passou a ser poder familiar, razão pela qual o legislador alterou a redação nesse ponto para adequar a norma penal ao termo correto. A segunda alteração, bem mais importante, diz respeito à extensão do efeito extrapenal da condenação. Com a vigência da Lei 13.715/18, quando o agente comete um crime doloso punido com pena de reclusão contra outra pessoa com quem divide o poder familiar, pode vir a perder esse poder familiar. Por exemplo, se um pai pratica crime doloso punido com pena de reclusão contra a mãe de seus filhos, ou vice-versa. Perceba que aqui, o efeito extrapenal aplica-se indistintamente ao homem e à mulher que tenham sido condenados à pena de reclusão por crime doloso. A terceira alteração incluindo filha ou outro descendente deve ser analisada em dois momentos distintos. Em relação à filha, o acréscimo foi completamente desnecessário, tendo em vista que a previsão legal anterior já abarcava todo e qualquer filho. Já em relação à expressão outro descendente, podemos imaginar a situação de um sujeito que pratica crime de estupro contra a sua neta e vem a perder o poder familiar sobre a sua filha. Um acréscimo Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor importante para preservar os vulneráveis em relações familiares conturbadas. LEI 13.718/18 1) INTRODUÇÃO Recentemente, no dia 25/09/2018, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 13.718/18, que promoveu inúmeras alterações no âmbito do Título VI do Código Penal (“Dos crimes contra a dignidade sexual”), além de revogar a conhecida contravenção penal da “Importunação ofensiva ao pudor” (artigo 61, do Dec. Lei 3.688/41, agora revogado). Resumidamente, a Lei 13.718/18 promoveu as seguintes alterações ao Código Penal: (i) inseriu o art. 215-A, que tipificou o delito de “Importunação sexual”; (ii) inseriu o art. 218-C, que tipificou o delito de divulgação de cena de estupro e de estupro de vulnerável, e de sexo ou pornografia sem autorização dos envolvidos; (iii) introduziu o § 5º ao art. 217-A tratando sobre a irrelevância do consentimento e da experiência sexual no contexto do crime de estupro de vulnerável; (iv) modificou a redação do art. 225, modificando a natureza da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual; (v) introduziu o inciso IV ao art. 226 criando causas de aumento de pena nos casos de estupro coletivo e corretivo; (vi) e, por fim, modificou as causas de aumento de pena previstas no art. 234-A. Some-se às alterações acima a revogação do art. 61 do Dec. Lei 3.688/41 (contravenção penal da importunação ofensiva ao pudor) e, ufa... É fácil perceber que a referida Lei não mudou pouca coisa! Mas abordaremos todas elas de maneira sistematizada e organizada para facilitar o seu estudo. Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor 2) IMPORTUNAÇÃO SEXUAL Como dito anteriormente, o delito de importunação sexual foi inserido no Código Penal por meio do art. 215-A nos seguintes termos: Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. Prima facie percebemos que trata-se de um delito de médio potencial ofensivo tendo em vista que a pena máxima supera os dois anos e a sua pena mínima não ultrapassa 1 ano, permitindo dessa forma a concessão do benefício da suspensão condicional do processo previsto no art. 89 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais). Relevante também observar que a criação desse tipo penal se deu em substituição a contravenção penal da importunação ofensiva ao pudor, revogada pela mesma Lei 13.718/18 (como já mencionado). Uma simples leitura do dispositivo revogado e do novo tipo penal permite perceber que as condutas desviadas que antes se enquadravam na Lei de contravenções penais continuam penalmente ilícitas, mas agora se subsumindo perfeitamente ao art. 215-A do Código Penal. Dessa forma, chegamos a mais uma conclusão importante para as provas de concursos públicos: a revogação da contravenção penal da importunação ofensiva ao pudor não gerou a abolitio criminis do comportamento, uma vez que a conduta ali prevista continuou sendo considerada ilícita, mas agora no art. 215-A do Código Penal. Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor Ou seja, estamos diante da aplicação do famoso princípio da continuidade normativo-típica, segundo o qual a mera revogação formal de um tipo penal incriminador (a revogação do artigo de lei), não é suficiente para produzir o fenômeno da abolitio criminis, notadamente quando a conduta formalmente revogada permanece materialmente tipificada na lei penal (o comportamento não deixa de ser penalmente ilícito, mas apenas “muda de endereço” no ordenamento jurídico). Em relação aos sujeitos do crime, trata-se de um crime bi- comum, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa contra qualquer pessoa. Todavia, precisamos de cuidado com um detalhe nesse ponto, vejamos. No delito de importunação sexual, o agente criminoso objetiva a satisfação da própria lascívia ou de terceiro e o faz mediante a prática de ato libidinoso. Pois bem, a exemplo do que ocorre no art. 215-A, no art. 218-A do Código Penal (satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente) o agente busca a satisfação da própria lascívia ou de terceiro mediante a prática de ato libidinoso, mas o faz na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induz o menor a presenciar tal ato. Dessa forma, é importante diferenciar os dois dispositivos. Dito isso, devemos lembrar agora que o dispositivo ora analisado trata-se de uma resposta do legislador a episódios recentes, tais como o que ocorreu no Estado de São Paulo em que determinado indivíduo masturbou-se no interior de um ônibus, ejaculando contra o pescoço de outra passageira que ali estava. Mas isso não quer dizer que a masturbação em público sempre caracterizará a importunação sexual, é importante diferenciá-la do delito de ato obsceno previsto no art. 233 do CP. Enquanto no ato obsceno o agente ultraja (abala) as pessoas presentes, mas sem Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor direcionar o seu comportamento a nenhuma delas especificamente, na importunação sexual o agente direciona a sua conduta contraalguém específico. Por exemplo, ao se masturbar em uma praça pública sem visar nenhuma pessoa específica, o agente comete o delito de ato obsceno, diferentemente do que ocorre com aquele que resolve se masturbar em frente a alguém que lhe despertou interesse sexual repentino (art. 215-A). Finalizando a análise desse delito, atente-se para o seu preceito secundário, que prevê a denominada subsidiariedade expressa. O art. 215-A aduz que a pena do delito é de 1 a 5 anos de reclusão, se o ato não se constituir em crime mais grave. Isso porque, havendo, por exemplo, o emprego de violência ou grave ameaça com o intuito de constranger a vítima a se submeter ao ato libidinoso, estaremos diante do delito de estupro (art. 213 do CP). Feitas as considerações pertinentes ao delito de importunação sexual, passamos a análise do art. 218-C, a outra figura delituosa acrescentada pela Lei 13.718/18. 3) DIVULGAÇÃO DE CENA DE ESTUPRO E DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL, E DE SEXO OU PORNOGRAFIA A conduta de divulgação de cena de estupro e de estupro de vulnerável, e de sexo ou pornografia foi tipificada no art. 218-C do Código Penal nos seguintes termos: Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. Antes de detalhar o tipo penal em si, que é bastante extenso, três pontos assumem papel importante na análise deste delito: o primeiro é que se trata de crime de médio potencial ofensivo, sendo cabível a concessão da suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89, da Lei 9.099/95; O segundo é que se trata de delito expressamente subsidiário, ou seja, somente será aplicável diante da inocorrência de delito mais grave (como é o caso dos delitos dos artigos 241 e 241-A do ECA, que analisaremos em detalhes mais a frente). O terceiro e último é que se trata de um tipo penal misto alternativo, ou seja, o legislador previu nove condutas criminosas: Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, bastando a prática de qualquer uma delas para que o delito se consume, lembrando que a prática de mais de uma conduta no mesmo contexto fático configura crime único, por exemplo, o sujeito que expõe os registros à venda e vende-os posteriormente, pratica crime único, tendo em vista o princípio da alternatividade. Ainda no tocante às condutas é importante observar que o tipo penal não exige do agente necessariamente o elemento subjetivo específico de buscar lucro com a distribuição das imagens, portanto, ainda que os registros sejam distribuídos, oferecidos ou transmitidos gratuitamente, restará configurado o delito em análise. Em relação aos sujeitos do crime, trata-se de crime comum, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa e contra qualquer vítima, DESDE QUE não seja criança ou adolescente. Isso porque, tratando-se de vítima criança ou adolescente haverá a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tipifica em Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor seus artigos 241 e 241-A as mesmas condutas elencada no art. 218-C do Código Penal, a saber: Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. A conclusão de que o ECA deve prevalecer sobre o Código Penal nessas hipóteses se impõe, seja pela aplicação do princípio da especialidade em que a norma especial (ECA) deve prevalecer sobre a geral (Código Penal); seja pelo princípio da subsidiariedade, tendo em vista que o Código Penal foi expresso ao afirmar que o delito do art. 218-C somente seria aplicável diante da inexistência de outro crime mais grave (e as penas cominadas no ECA são superiores àquela prevista no CP). Ainda em relação à comparação entre os dois diplomas legais (ECA e Código Penal), devemos ficar atentos ao grande deslize cometido pelo legislador no art. 218-C do Código Penal ao não tipificar criminalmente a conduta daquele que adquire, possui ou armazena os conteúdos ilícitos descritos no tipo penal. Exatamente! O art. 218-C não será aplicável em situação na qual um indivíduo mantenha armazenado em seu notebook, celular, pen drive, CD ou qualquer outra mídia, registros audiovisuais de várias cenas de estupro ou cenas de sexo, nudez ou pornografia e não tenha Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor intenção de vendê-las ou distribuí-las a qualquer título, nem divulgue- as. Afinal, o legislador elencou nove condutas hábeis a caracterização do referido delito: Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, e nenhuma delas pune a conduta de adquirir, armazenar ou possuir os registros ilícitos. Andou muito mal o legislador nesse ponto. Mas nem tudo está perdido, em se tratando de vítimas crianças ou adolescentes, as condutas de adquirir, armazenar ou possuir os registros ilícitos configura delito previsto no art. 241-B, do ECA, nos seguintes termos: Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Em relação aos objetos materiais do delito, devemos observar que a Lei elenca o seguinte rol: fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual. E somente terão importância aqueles que registram (i) cena de estupro ou de estupro de vulnerável, (ii) material que faça apologia ou induza a prática dos citados delitos sexuais, ou (iii) materiais que registrem cena de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima. Em relação às cenas de estupro de vulnerável, somente caracteriza o delito do código penal aquela que envolve vulnerável por enfermidade ou deficiência mental que não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, ou aquele que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Sendo vulnerável menor de 14 anos, o delito será aquele previsto no ECA, como já demonstrado. No caso das cenas de estupro, observação semelhante se impõe: sendo a vítima do estupro (praticado mediante violência ou grave Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor ameaça, nos termos do art. 213 do CP) uma pessoa maior de 14 e menor de 18 anos (portanto, adolescente), aplicar-se-á o ECA em atendimento aos artigos 241 e 241-A daquele diploma legal. Somente no caso de vítima maior de 18 anos estaremos diante do crime previsto no Código Penal. No tocante aos materiais que façam apologia ou induzam a sua prática, não é necessário que as imagens veiculem cenas sexuais,afinal o que se pune é o registro audiovisual em que se esteja fazendo apologia ou induzimento à prática de estupro, como um vídeo em que alguém defenda a legitimidade da prática ou de alguma forma a instigue. No que diz respeito a registros de cenas de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima, observe que não se trata de cenas de violência sexual, mas de sexo, nudez ou pornografia sem que a pessoa fotografada ou gravada tenha concordado com a distribuição, ainda que tenha permitido o registro das cenas em momento anterior. CAUSA DE AUMENTO DE PENA A Lei 13.718/18 estabeleceu também duas causas de aumento de pena ao delito de divulgação de cena de estupro e de estupro de vulnerável, e de sexo ou pornografia, aduzindo em seu § 1º que: § 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. Atente-se para o fato de que são duas circunstâncias absolutamente independentes, ou seja, se o agente tem a finalidade de se vingar ou humilhar a vítima, não é necessário que tenha havido entre eles uma relação íntima de afeto para que incida o aumento de pena; ao passo que se houve ou há relação íntima de afeto entre autor Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor e vítima, pouco importa a finalidade do agente para a incidência da majorante. EXCLUDENTE DE ILICITUDE Por fim, encerrando a análise do dispositivo, lembramos de seu § 2º, que diz: § 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. Observe que a excludente de ilicitude abrange duas situações distintas: aquela em que o profissional responsável pela publicação das imagens toma as cautelas necessárias para preservar a identidade da vítima; ou quando a própria vítima, maior de 18 anos, autoriza previamente a divulgação do material, caso em que a preservação da imagem se faz desnecessária. Todavia, atenção a um detalhe: o consentimento prévio só é capaz de afastar a ilicitude quando concedido por maior de 18 anos, caso a vítima seja menor, o consentimento é irrelevante e a falta de cautela para preservação da imagem atrai a incidência do tipo penal. 4) IRRELEVÂNCIA DO CONSENTIMENTO E DA EXPERIÊNCIA SEXUAL NO CONTEXTO DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL O delito de estupro de vulnerável está previsto no art. 217-A do Código Penal nos seguintes termos: Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor § 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Observe que o código penal tipifica como estupro de vulneráveis duas situações bastante distintas entre si: a primeira na qual a vítima é um menor de 14 anos e a segunda na qual a vítima é alguém que não possui o necessário discernimento para a prática do ato (em razão de enfermidade ou deficiência mental) ou não pode naquele momento oferecer resistência (por qualquer outra causa). Tanto é assim que o caput do dispositivo aborda somente a primeira hipótese (menor de 14 anos) e apenas no § 1º equipara a segunda hipótese àquela prevista inicialmente. Mas porque preciso compreender tão bem essa distinção, se na prática o agente será punido com as mesmas penas em qualquer hipótese? Essa distinção entre as situações é fundamental para entendermos o âmbito de abrangência do comando inserido pela Lei 13.718/18 no § 5º do art. 217-A, in verbis: § 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. Observe que de acordo com o dispositivo supracitado, o crime de estupro de vulnerável se consuma no momento em que o agente mantém conjunção carnal ou pratica outro ato libidinoso diverso com a vítima, tornando expressa e totalmente irrelevantes o consentimento da vítima ou a existência de vida sexual ativa pretérita ao fato. Todavia, há nesse § 5º um grande equívoco por parte do legislador, um problema que deverá ser resolvido pelo intérprete da lei penal: a Lei não fez distinção alguma entre as duas situações totalmente distintas que configuram o estupro de vulnerável. Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor Muito pelo contrário, afirmou expressamente que o consentimento ou a experiência sexual eram irrelevantes no contexto dos crimes previstos no caput (contra menor de 14 anos) e no seu § 1º (pessoas sem o necessário discernimento ou incapazes de oferecer resistência). Ora, andou muito mal o legislador nesse ponto, criando um claro conflito entre os §§ 1º e 5º do art. 217-A do código penal. Isso porque o § 1º é claro ao afirmar que só se equiparam a estupro de vulnerável duas situações: A primeira quando a vítima não é capaz de oferecer resistência, ou seja, não é capaz de consentir com a prática do ato sexual por qualquer causa que lhe tenha retirado a consciência (por exemplo, abuso no consumo de substâncias entorpecentes). A segunda quando a pessoa com enfermidade ou deficiência mental não tiver o necessário discernimento para a prática do ato. Ou seja, ainda que portadora de enfermidade ou deficiência mental, se a pessoa possui capacidade de discernimento para consentir com a prática do ato sexual não haverá crime algum. O mesmo ocorre com a pessoa momentaneamente incapaz de resistir, caso o fosse, não haveria crime algum. E isso é expressamente dito pelo próprio código penal no § 1º, do art. 217-A. Aliás, o fato de que a deficiência não deve ser tratada como algo que torne a pessoa necessariamente incapaz de praticar os atos da vida civil foi reforçado com o advento do Lei 13.146/15 (estatuto da pessoa com deficiência), que em seu artigo 6º, inciso II, aduz que: Art. 6o A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: II - exercer direitos sexuais e reprodutivos; Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor Além disso, o Brasil é signatário da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada em nosso ordenamento jurídico com status constitucional por meio do Decreto 6.949/09. A referida Convenção prevê em seu artigo 23: Artigo 23 Respeito pelo lar e pela família 1.Os Estados Partes tomarão medidas efetivas e apropriadas para eliminar a discriminação contra pessoas com deficiência, em todos os aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos, em igualdade de condições com as demais pessoas, de modo a assegurar que: c) As pessoas com deficiência, inclusive crianças, conservem sua fertilidade, em igualdade de condições com as demais pessoas. Dessa forma, em relação às figuras previstas no § 1º não é possível ignorar a existência do consentimento para a prática do ato sexual como fator excludente da própria tipicidade formal do ato. Afinal, o § 1º, diferentemente do caput, exige a ausência de capacidade de consentimento para a consumação do delito. Por isso, tendo a pessoa envolvida na prática do ato sexual a capacidade de discernimentonecessária para tanto, não há subsunção do fato à norma e, portanto, não se opera a tipicidade formal, sendo fato irrelevante para o direito penal. Situação diametralmente oposta diz respeito à aplicação do § 5º ao estupro de vulnerável contra menores de 14 anos. Isso porque mesmo antes da publicação da Lei 13.718/18 já prevalecia na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a incapacidade do menor de 14 anos para consentir com a prática do ato sexual era presumida e absoluta. Ou seja, para os menores de 14 anos, o consentimento para a prática do ato sexual ou a existência de vida sexual ativa pretérita ao Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor fato, nunca se constituíram em fatos capazes de excluir a incidência do tipo penal. O entendimento era amplamente majoritário na doutrina e inclusive sumulado pelo STJ no enunciado de número 593: “Súmula 593 do STJ: O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente” Portanto, acreditamos que a única forma de adequar o § 5º do art. 217-A ao ordenamento jurídico brasileiro é fazer uma interpretação restritiva de seu comando a fim de limitar o seu alcance apenas aos casos de estupro de vulneráveis contra os menores de 14 anos, previstos no caput do art. 217-A do código penal, excluindo do âmbito de sua incidência as figuras previstas no § 1º, do art. 217-A, do código penal. 5) NATUREZA DA AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL Antes da Lei 13.718/18, em regra, a ação penal nos crimes sexuais era pública condicionada à representação da vítima. Essa regra somente se alterava nos casos de crimes praticados contra menores de 18 anos ou pessoas vulneráveis. Agora, com a alteração trazida pela nova Lei, todos os delitos sexuais, em qualquer hipótese passam a ser perseguidos por ação penal pública incondicionada, nos termos da nova redação dada ao artigo 225 do código penal: Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada. Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor É inevitável tangenciar a discussão sobre a repercussão que tal alteração legislativa provoca na questão dos direitos individuais fundamentais nas vítimas dos delitos sexuais, que agora não possuem mais o poder de decidir se querem ou não se submeter ao profundo constrangimento e revitimização característicos dessa espécie de processo. A meu sentir, não me parece ter sido o caminho mais adequado do ponto de vista humano o legislador ter colocado o direito penal subjetivo (jus puniendi, direito de punir do Estado) acima dos direitos individuais das vítimas destes delitos. Todavia, a alteração legislativa se demonstra muito eficiente do ponto de vista jurídico (desprendida de todo o aspecto sociológico acima descrito), tendo em vista que põe fim a um sem número de discussões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito da natureza da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual em determinadas ocasiões. Discutia-se, por exemplo, qual deveria ser a natureza da ação penal nos crimes sexuais qualificados pelo resultado lesão corporal grave ou morte (permaneceria sendo pública condicionada à representação ou passaria a ser incondicionada?). Agora, sendo a ação pública incondicionada em qualquer circunstância, a discussão perde o seu objeto. A discussão a respeito da aplicabilidade da Súmula 608 do STF também perde o sentido. Dizia a Súmula 608 do STF: “No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.” Agora não há mais razão para diferenciações, sendo todos os crimes perseguidos por ação penal pública incondicionada, sendo irrelevante a existência ou não de violência real. Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor 6) ESTUPRO COLETIVO E CORRETIVO A Lei 13.718/18 acrescentou ao art. 226 do código penal as figuras do estupro coletivo e do estupro corretivo, aumentando a pena do agente de 1/3 a 2/3 em qualquer um dos dois casos. Estupro coletivo é a situação em que o crime é praticado pelo concurso de duas ou mais pessoas, enquanto o estupro corretivo é a situação em que o agente comete o delito com o objetivo de controlar o comportamento social ou sexual da vítima. Observa-se que o estupro corretivo é, em regra, praticado contra transexuais, mulheres homossexuais ou bissexuais, em que o criminoso pretende redirecionar a orientação sexual ou o gênero da vítima. Já em relação ao estupro coletivo, há um detalhe muito importante. A Lei 13.718/18 criou uma causa de aumento de pena de 1/3 a 2/3 para os estupros praticados em concurso de dois ou mais agentes (estupro coletivo). Todavia, antes mesmo da edição dessa nova Lei, o art. 226, em seu inciso I, já previa como causa de aumento de pena de 1/4 o fato de haver concurso de dois ou mais agentes para a prática do crime. Ou seja, atualmente temos dois dispositivos que abordam a mesma circunstância fática como causa de aumento de pena, mas cada um deles com um quantum de aumento diferente. Como conciliá-los? A resposta é simples. O novo inciso IV introduzido pela nova Lei passa a ser a causa de aumento de pena aplicável exclusivamente ao delito de estupro, enquanto o inciso I, que já previa causa de aumento de pena de 1/4 aos crimes praticados em concurso de pessoas, permanece aplicável a qualquer outro delito dos capítulos I e II, do Título VI, dos crimes contra a dignidade sexual, com exceção ao delito de estupro. Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor Resumindo, se o agente pratica um estupro em concurso de 2 ou mais agentes, sofrerá aumento de pena de 1/3 a 2/3. Entretanto, se pratica, por exemplo, assédio sexual, violação sexual mediante fraude (ou outro delito dos capítulos I e II do título dos crimes contra a dignidade sexual), sofrerá aumento de pena de 1/4. Por fim, a Lei 13.718/18 também promoveu alterações nas causas de aumento de pena do art. 234-A do código penal. Em resumo, foram as seguintes alterações: (i) modificou o aumento de pena aos crimes sexuais que resultam em gravidez para o patamar de metade a 2/3 (antes era aumentada só de metade). (ii) modificou o aumento de pena aos crimes sexuais em que o agente transmite doenças sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador para o patamar de 1/3 a 2/3 (antes era aumentada de 1/6 até a metade). (iii) acrescentou uma causa de aumento nas situações em que a vítima é idosa ou pessoa com deficiência no patamar de 1/3 a 2/3. Pronto! Assim finalizamos todos os detalhes sobre as alterações produzidas pela Lei 13.718/18 aos crimes contra a dignidade sexual. Foram quase 20 páginas para que pudéssemos organizar os temas de forma didática e sistematizada, buscando uma fácil compreensão de tudo aquilo o que foi exposto. LEI 13.771/18 Antes de analisar especificamente as alterações produzidas pelo novo diploma legal, é importante fazermos uma rápida digressão: há pouco mais de dois anos atrás entrava em vigor a Lei 13.104/15, que acrescentou ao delito de homicídio a já bastante conhecida Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor qualificadora do feminicídio, consistente na prática do homicídio contra mulher em razão da condição do sexo feminino. Perceba que o feminicídio não se trata pura e simplesmente do crime de homicídio praticado contra vítima mulher;vai além, exige que o crime tenha decorrido da violência de gênero (chamada pelo legislador de “razões da condição do sexo feminino”), ou seja, configura o feminicídio aquele homicídio praticado contra a mulher envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo/discriminação à condição de mulher. Naquela oportunidade, o legislador também estabeleceu que a pena do feminicídio seria aumentada de 1/3 (um terço) até a metade sempre que o crime fosse praticado (i) durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; (ii) contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; ou (iii) na presença de descendente ou de ascendente da vítima. Pois bem! Foi justamente essas causas de aumento de pena que a Lei 13.771/2018 publicada no Diário Oficial da União em 20/12/2018, alterou. O referido diploma legal alterou duas causas de aumento de pena já existentes, além de acrescentar uma nova causa introduzindo um inciso IV, no § 7º, do art. 121 do Código Penal. Basicamente, foram três alterações importantes, agora, além das situações já previstas pela legislador em 2015, passam a constituir causa de aumento de pena de 1/3 até a metade no feminicídio: O delito praticado contra vítima portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; O delito praticado na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima (antes da alteração não havia menção expressa á incidência do aumento de pena nos casos de presença virtual dos ascendentes ou descendentes, o que Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor causava discussão doutrinária a respeito da (im)possibilidade de incidência da majorante); O delito praticado em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha); Vamos então analisar juntos os detalhes de cada uma das alterações promovidas pelo legislador. Em relação à primeira alteração, andou bem o legislador ao ampliar a proteção das vítimas vulneráveis, isso porque antes da Lei 13.771/2018 a causa de aumento de pena alcançava apenas as pessoas que tivessem alguma deficiência física ou mental, assim definidas pelo Estatuto da pessoa com deficiência (Lei 13.146/15). Após a alteração foram incluídas também as pessoas portadoras de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental, tais como esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica, Parkinson, Alzheimer, osteoporose, arteriosclerose, diabetes e alguns tipos de câncer. A segunda alteração foi a que acrescentou expressamente como causa de aumento de pena a presença virtual de ascendente ou descendente da vítima no momento da prática do crime. Como exemplos de presença virtual temos as chamadas de vídeos pela internet como Skype, WhatsApp, Hangouts, Facetime e etc. Perceba que antes da alteração legislativa, a lei não mencionava expressamente que a presença virtual de ascendente ou descendente da vítima no momento do crime seria suficiente para fazer incidir a majorante sobre a pena do delito. Em razão do silêncio da lei nesse sentido, formaram-se duas correntes sobre o tema na doutrina: uma (amplamente majoritária) que defendia a necessidade de se fazer uma interpretação extensiva da norma para que incidisse a causa de aumento nas situações em que Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor a presença fosse meramente virtual; outra que defendia a impossibilidade de se aplicar a causa de aumento de pena diante da mera presença virtual. Fato é que com a recente alteração a discussão torna-se inócua para os casos futuros, nos quais a presença física ou virtual ensejará causa de aumento de pena ao delito. Todavia, devemos acompanhar qual será o entendimento adotado em relação aos crimes praticados antes da vigência da Lei 13.771/18. Isso porque a partir do momento em que o legislador resolve incluir expressamente a presença virtual como circunstância majorante do delito, fica a impressão de que anteriormente não teve a intenção de fazê-lo, ou seja, anteriormente referia-se apenas à presença virtual dos ascendentes e descendentes da vítima. Prevalecendo esse entendimento, a nova lei seria maléfica ao réu (tendo em vista que criaria uma circunstância nova de aumento de pena) não podendo retroagir para alcançar os crimes já praticados antes de sua vigência. Por fim, a última alteração promovida pelo legislador diz respeito ao feminicídio praticado com descumprimento de determinadas medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha), quais sejam: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; LEI 13.772/18 A Lei 13.772/18 introduziu um novo delito no código penal, no art. 216-B, denominado “Registro não autorizado da intimidade sexual”, nos seguintes termos: Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. Trata-se de delito que protege a intimidade sexual da vítima e se divide em duas situações distintas: no caput é punida a conduta de registrar ou produzir por qualquer meio cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso REAL (que de fato aconteceu) sem autorização dos participantes. Já no parágrafo único pune-se a conduta de realizar uma montagem de fotografia, áudio, vídeo ou qualquer outro registro, produzindo uma CENA FALSA, ADULTERADA em que se envolve a vítima em um contexto de nudez ou ato sexual ou libidinoso. Quanto aos sujeitos, o delito é classificado como bi-comum, tendo em vista que pode ser praticado por qualquer pessoa contra Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor qualquer pessoa, não se exigindo qualidades especiais nem do sujeito ativo e nem do sujeito passivo. Não se admite a modalidade culposa, portanto o elemento subjetivo deve ser o dolo, todavia, muito cuidado, porque não se exige nenhuma finalidade específica de agir. Ou seja, não é necessário que o agente tenha efetivado o registro com finalidade de satisfazer a própria lascívia, de se vingar da vítima ou até mesmo de obter alguma pecuniária. Ainda que tenha feito a montagem ou o registro da cena real com animus jocandi, ou seja, intenção de “brincar” com a vítima, haverá a incidência do delito. Em razão de a pena máxima ser igual a um ano, é classificado como infração de menor potencial ofensivo e julgado pelo juizado especial criminal, admitindo, por exemplo, transação penal e suspensão condicional do processo.Ademais, é um delito de ação penal pública incondicionada, nos termos do art. 225 do código penal (com a nova redação dada pela Lei 13.718/18). Ponto importante de ser observado diz respeito à situação em que o agente registra a cena de nudez ou ato sexual com a vítima sem a sua autorização e depois divulga as imagens, por exemplo, para um grupo no aplicativo de Whatsapp ou qualquer meio de transmissão que o valha. Nessa situação teremos a prática de dois crimes em concurso material (duas condutas e dois resultados lesivos diferentes), tendo em vista os momentos consumativo distintos. Primeiramente se consuma o delito do art. 216-B no momento em que o agente faz o registro clandestino das cenas sexuais. Em seguida, consuma-se o delito do art. 218-C quando o agente divulga, sem o consentimento da vítima, a cena registrada. Prof. Paulo Igor Instagram: @profpauloigor Este delito é mais um daqueles em que o consentimento prévio do ofendido tem o condão de excluir a tipicidade do delito e não a ilicitude (a exemplo do que ocorre no delito de estupro ou de violação de domicílio), tendo em vista que o dissentimento é um elemento essencial do tipo penal. Ou seja, só existe crime se a cena é registrada sem o consentimento da vítima; a partir do momento que existe a anuência para confecção do registro das cenas, não haverá subsunção dos fatos à norma. Por fim, apesar de parecer lógico, é importante reforçar que não basta a autorização de apenas um dos participantes para que se afaste a incidência do tipo penal. Ou seja, se, por exemplo, em uma relação sexual entre um casal de namorados, o homem autoriza o registro, mas não existe o consentimento de sua parceira, obviamente haverá conduta criminosa no registro das cenas.
Compartilhar