Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Rafael Venâncio de Souza ➢ Introdução à Reumatologia e Anamnese - a Reumatologia é uma especialidade extremamente clínica e completa, logo as doenças reumatológicas podem provocar sintomas em diversos sistemas, sendo necessária uma anamnese completa - reumatismo: rheos = fluir “logia” = estudo; deve-se sempre evitar o uso da palavra reumatismo, uma vez que é um termo bastante generalizado e que, por muitas vezes, é utilizado de forma errônea para se referir à alguma doença de outro sistema (p.ex. febre reumática) - basicamente, a Reumatologia trata doenças articulares de origem não traumática, além de doenças autoimunes - é fundamental entender a diferença entre artrite, artrose e “reumatismo”; é muito comum os pacientes referirem artrite e artrose como sendo a mesma condição - artrite é a inflamação da articulação, podendos ser de origem autoimune (p.ex. artrite reumatoide), degenerativa (p.ex. osteoartrite), por depósitos de cristais (p.ex. gota), séptica (p.ex. artrite séptica ou artrite por tuberculose) etc - artrose se refere a alterações degenerativas da articulação, se referindo mais especificamente à osteoartrite; um paciente pode apresentar artrite e artrose no sentido de possuir uma artrose que eventualmente se manifesta como artrite, mas nem todo paciente com artrite irá apresentar artrose - os pacientes reumatológicos geralmente são pacientes poliqueixosos, referindo dor em múltiplos locais, além de queixas de plenitude pós-prandial, dificuldade de dormir, de memória e de concentração 1. Identificação → Sexo - SEXO MASCULINO: as doenças mais comuns no sexo masculino são: gota, espondilite anquilosante e artrose de coxofemorais - SEXO FEMININO: as doenças mais comuns no sexo feminino são: osteoporose, artrite reumatóide (AR), lúpus eritematoso sistêmico (LES), artrose de mãos e joelhos e fibromialgia → Idade - CRIANÇAS: febre reumática e artrite idiopática juvenil (AIJ) - ADULTOS JOVENS: doenças reumáticas inflamatórias (p.ex. LES e espondilite anquilosante) - IDOSOS: osteoporose, osteoartrite, polimialgia reumática (dor articular principalmente em cintura escapular e pélvica em IDOSOS) e arterite de células gigantes (vasculite de grandes vasos que acomete pacientes > 50 anos) 2. Queixa Principal - a queixa principal é de DOR, a qual é o principal sintoma que faz o paciente buscar o Reumatologista - o paciente pode queixar dor em um único local ou em vários locais, como vértebras, quadril, joelho e, principalmente, pés e mãos (p.ex. AR se manifesta principalmente com artrite em mãos) - além da preocupação em confirmar a doença que causa a dor, é necessário também excluir doença reumatológica de base (na presença de artrite reumatoide, o paciente precisa ser tratado de acordo a sua doença, sendo um tratamento especifico, por exemplo, para doença inflamatória autoimune, e o tratamento específico é necessário de modo a prevenir deformações que podem gerar sequelas como perda de função) Rafael Venâncio de Souza 3. História da Moléstia Atual (Características da Dor) • DURAÇÃO DA DOR - aguda – geralmente, pacientes com dor não buscam primeiramente o reumatologista (a tendencia natural é a busca por um ortopedista), logo é mais comum a presença de pacientes com dor crônica que se estende por meses ou anos - crônica - intermitente - contínua OBS: o ponto de corte que divide uma dor aguda de crônica para as artrites é em torno de 6 semanas • LOCALIZAÇÃO DA DOR - articular/periarticular – localização mais comum - muscular - coluna vertebral - dor referida – paciente dor de origem renal (p.ex. pielonefrite) pode referir uma dor lombar, o que pode confundir o diagnóstico - dor irradiada – p.ex. dor neuropática causada por síndrome do Túnel do Carpo, a qual ocorre por compressão do nervo mediano ao nível do carpo, o que gera uma dor irradiada para o I, II e III dedos da mão; a dor neuropática se manifesta como dor com parestesia, logo o paciente apresenta sensação de choque, dormência e formigamento - óssea – a dor de origem óssea não é comum, apesar do paciente poder referir como uma dor em região óssea - síndrome dolorosa generalizada – dor em múltiplas localidades • INTENSIDADE DA DOR - pode ser caracterizada como leve, moderada ou forte - pode-se utilizar a Escala Visual Analógica como forma de medição da dor - uma dor leve é característica de osteoartrite primária - uma dor moderada é característica de artrite reumatoide, de lúpus eritematoso sistêmico e de espondilite anquilosante - uma dor de forte intensidade é característica de gota, de febre reumática e de artrite séptica; a dor da febre reumática é de forte intensidade, porém se dissocia dos achados clínicos no exame, uma vez que há bastante dor, mas não há tantos sinais inflamatórios quanto visto na gota e na artrite séptica • RITMO DA DOR - INFLAMATÓRIO: é uma dor pior na parte da manhã e da noite, apresentando-se com uma rigidez após imobilização ou após repouso prolongado (p.ex. uma rigidez matinal, que tende a durar cerca de 1 hora); o paciente acorda com dor, tende a aliviar ou a cessar durante o dia com a realização de atividades (a mobilização melhora a dor) e a noite a dor piora novamente, podendo também ocorrer durante a madrugada, acarretando despertar noturno OBS: um paciente com ritmo de dor inflamatório tende a apresentar doenças inflamatórias autoimunes (p.ex. artrite reumatoide) - MECÂNICO: é uma dor pior no final da tarde, que piora com os movimentos e com o esforço prolongado; apresenta um padrão oposto ao de ritmo inflamatório: o paciente acorda bem (pode apresentar uma rigidez discreta após o repouso, porém é aliviada em minutos) e, ao longo do dia, apresenta dor, sendo pior no final do dia OBS: um paciente com ritmo de dor mecânico tende a apresentar artropatias degenerativas (p.ex. tendinite, osteoartrite, bursite etc) • MODO DE INÍCIO DA DOR - insidioso: artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, osteoartrite e espondilite anquilosante - agudo (súbito): gota, febre reumática e artrite séptica • MODO DE EVOLUÇÃO DA DOR - migratório: febre reumática e artrite gonocócica (o paciente tem dor articular, melhora dessa dor e passa a apresentar dor em outra articulação) - aditivo: artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico (o paciente passa a ter dor articular sem que a dor articular em outro local tenha melhorado) • SIMETRIA DA DOR ARTICULAR - simétrica: artrite reumatoide e osteoartrite primária (o paciente apresenta a dor, por exemplo, em um punho e irá manifestar no punho contralateral) - assimétrica: gota e espondiloartrites • NÚMERO DE ARTICULAÇÕES ACOMETIDAS PELA DOR - monoarticular: 1 articulação (a gota, nas crises, apresenta quadro de monoartrite) - oligoarticular/pauciarticular: até 4 articulações (o quadro periférico clássico de espondilite anquilosante é de uma oligoartrite assimétrica de grandes articulações, principalmente de MMII) - poliarticular: 5 ou mais articulações (o quadro clássico de artrite reumatoide é uma poliartrite simétrica de pequenas articulações) • FATORES DE MELHORA E DE PIORA DA DOR - a osteoartrite, a gota e a lombalgia da espondilite anquilosante respondem bem ao tratamento com AINEs e respondem menos ao tratamento com corticoides Rafael Venâncio de Souza 4. Interrogatório sobre Diversos Aparelhos (ISDA) - na suspeita de doença sistêmica, principalmente de origem autoimune (p.ex. lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica, síndrome de Sjögren) deve-se fazer o interrogatório completo - deve-se sempre perguntar acerca de: ① fenômeno de Raynaud ② lesões cutâneas e de mucosa – nas colagenoses, pode haver alterações de pele, principalmente lúpus eritematoso sistêmico e esclerose sistêmica ③ nódulos subcutâneos – artrite reumatoide ④ fraqueza muscular (grau de força muscular diminuído) – o paciente pode relatar fraqueza como uma indisposição para realizar as atividadesdiárias, o que seria uma fadiga e um cansaço propriamente ditos, e não uma fraqueza muscular ⑤ manifestações renais – deve-se perguntar principalmente da urina, em especial nos pacientes com suspeita de lúpus eritematoso sistêmico, a qual pode causar nefrite lúpica, o que gera espuma na urina e proteinúria ⑥ manifestações neurológicas – p.ex. crises convulsivas e psicose, o que fala a favor de lúpus eritematoso sistêmico ⑦ manifestações oculares – é muito comum a apresentação de doenças reumáticas inflamatórias com inflamação ocular como episclerite, esclerite, uveíte, amaurose etc • FENÔMENO DE RAYNAUD - é um fenômeno vascular de vasoconstrição, se manifestando principalmente nas mãos, apesar de que pode ocorrer em qualquer extremidade do corpo - é uma alteração de coloração na porção distal dos dedos, sendo que a apresentação clássica é trifásica: palidez → cianose → hiperemia (reativa) - pode acontecer do paciente apresentar diferentes fases em diferentes dedos e é um fenômeno que é exacerbado no frio - o fenômeno de Raynaud pode ser primário – é a doença de Raynaud, o que não significa que o paciente apresenta uma doença reumática – ou secundário – o paciente apresenta uma doença reumatológica e manifesta o fenômeno de Raynaud, como doenças autoimunes tipo esclerose sistêmica, lúpus eritematoso sistêmico, dermatomiosite etc - TODO PACIENTE COM FENÔMENO DE RAYNAUD DEVE SER AVALIADO PARA PRESENÇA DE DOENÇAS AUTOIMUNES Rafael Venâncio de Souza 5. História Patológica Pregressa (Comorbidades) - algumas doenças reumatológicas são acompanhadas de outras doenças de base que não são reumatológica a princípio - hepatite C: a crioglobulinemia mista – doença multissistêmica rara caracterizada pela presença de complexos imunes crioprecipitáveis circulantes no soro, que se manifesta clinicamente por uma tríade clássica de púrpura, fraqueza e artralgia – pode se manifestar como vasculite crioglobulinêmica - hepatite B: os pacientes podem apresentar poliarterite nodosa (PAN), que é uma vasculite de médios vasos - psoríase: pacientes com psoríase podem apresentar artrite psoriásica - doenças inflamatórias intestinais: a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa podem estar acompanhadas de espondiloartrites, sendo caracterizadas de espondiloartrites enteropáticas - síndrome metabólica: pode estar associada a quadros de osteoartrite (principalmente em pacientes obesos), osteoporose, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, artrite psoriásica e gota - doenças oculares: o uso de corticoides pode aumentar a pressão intraocular, gerando glaucoma, assim como o uso de cloroquina pode causar alterações maculares - doenças renais: é contraindicado o uso de anti-inflamatórios em pacientes com doença renal prévia 6. Outras Áreas de Investigação • HISTÓRIA FAMILIAR - deve-se investigar a presença de espondilite anquilosante – se o paciente apresenta história familiar de espondilite anquilosante e queixa de dor na coluna, deve-se investigar para a doença no paciente, visto que essa doença apresenta um fator predominantemente genético – e osteoartrite – é uma doença que também apresenta um grande fator genético, principalmente em relação a articulações semelhantes; p.ex. um paciente cuja mãe apresenta osteoartrite em mãos tem grandes chances de também apresentar osteoartrite em mãos • ETILISMO E TABAGISMO - muitas medicações são hepatotóxicas, logo deve-se investigar se o paciente é etilista, podendo já apresentar um déficit de função hepática - deve-se avaliar o tabagismo em pacientes com artrite reumatoide, uma vez que pode ser um gatilho para o aparecimento da doença • MENOPAUSA - deve-se investigar se foi feito terapia de reposição hormonal (TRH), o que pode estar relacionado com o agravamento de uma doença autoimune • ANTICONCEPCIONAIS - pacientes com doença autoimune em uso de medicação teratogênica - a Talidomida é extremamente teratogênica e é utilizada no tratamento da doença de Behçet e no lúpus eritematoso sistêmico • HISTÓRIA DE ABORTAMENTO - na investigação de doença reumática autoimune, deve-se estar atento para o histórico de abortamento, uma vez que a Síndrome do Anticorpo Anti-Fosfolípide (SAAF) se manifesta com trombose e com abortamento • PADRÃO DE SONO E DE ATIVIDADE FÍSICA - na investigação de pacientes com fibromialgia, estes apresentam um mau padrão de sono e não realizam atividades físicas
Compartilhar