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A epigenética aplicada ao estudo de dietas deseja saber como a alimentação atua na expressão gênica (Fournier et al. 2019). 41 ALIMENTAÇÃO E CULTURA PARA NUTRIÇÃO etnobiologia, antropologia e arqueologia. A nutrigenômica, portan- to, é uma ciência transdisciplinar. A dieta define quem somos? Essa pergunta abriu esse capí- tulo. Com os exemplos que analisamos vimos que a dieta é um po- deroso motor na nossa história evolutiva. Vimos ainda que nossas práticas alimentares podem deixar marcas nos nossos genes e na nossa cultura, redefinindo-nos como seres. Portanto, a resposta a essa pergunta é sim. O que também é verdade é que quem somos pode definir nossa dieta. Nesta nova sentença causa e consequên- cia estão invertidas. Nela, nossa dieta seria resultado daquilo que somos. O nosso ser é adaptativo: culturalmente estamos aprenden- do e biologicamente estamos evoluindo. Após esse capítulo, você talvez seja mais consciente do nosso processo de evolução biocul- tural, da nossa capacidade de construir nichos e de compreender que temos traços mal adaptados ao nosso atual ambiente alimentar. Como essa tomada de consciência sobre nosso ser ficará expressa nas nossas formas de comer, como sociedade e como indivíduos? Que mensagem sua dieta comunica? Pense sobre isso. Pontos-chave • A dieta é um poderoso motor da evolução biocultural. • Os casos da persistência da lactase e do controle do fogo são exemplos de evolução biocultural, onde há uma mudança em larga escala em uma prática cultural que leva a uma alteração em nível genético na população. • Nosso mecanismo inato para reconhecer e apreciar alimentos altamente energéticos no atual ambiente alimentar obesogênico é um lag adaptativo. 42 ALIMENTAÇÃO E CULTURA PARA NUTRIÇÃO • A nutrigenômica é um campo de estudo transdisciplinar que busca entender como nossos genes, ambiente e dieta se relacio- nam e evoluem. • A transformação de ambientes alimentares é a estratégia mais imediata para abordarmos o desafio colocado pelo descompas- so da nossa herança ancestral genética e o ambiente alimentar obesogênico. Aprenda mais Nesta aula tivemos umas pitadas sobre evolução. Apesar de esse ser um tema importantíssimo para podermos participar do debate posto hoje pela nutrigenômica, temos oportunidades limitadas de conversar sobre evolução no currículo base de Nutrição. Se você tem interesse em começar a se enveredar por essa seara, vai gostar de ler o livro Darwin em frescura: como a ciência evolutiva ajuda a expli- car algumas polêmicas da atualidade, de autoria de Pirula e Reinaldo José Lopes. Aqui segue uma sinopse disponível sobre a obra. Darwin sem frescura: como a ciência evolutiva ajuda a explicar algumas polêmicas da atualidade, 2019, p. 256, Ed. HarperCollins (São Paulo) *** Em uma viagem por Eras, continentes, nascimentos e extin- ções, dois brasucas nerds nos convidam a um mergulho na teoria da Evolução com as mais modernas e variadas descobertas científicas já feitas na história. Com a leveza e descontração de que só quem entende do assunto é capaz, os autores Reinaldo e Pirula respondem 43 ALIMENTAÇÃO E CULTURA PARA NUTRIÇÃO questões das mais diversas que, de algum modo, se relacionam à teoria mais importante da biologia. Afinal, existe um elo perdido? De onde veio a nossa espécie? A humanidade está em processo de extin- ção? Por que irlandeses têm mais tolerância à lactose do que chineses? *** Exercício Questão 1. Com a hipótese do cozimento você aprendeu que evo- lutivamente os seres humanos estão adaptados ao consumo de alimentos cozidos. Há, todavia, uma corrente alimentar contem- porânea que tem como premissa o consumo de alimentos crus, o crudivorismo (ou raw foodism). Como você avalia o crudivorismo pensando (1) no nosso ambiente ancestral e (2) no nosso atual am- biente obesogênico? Produza um texto de no máximo 200 palavras respondendo a essa questão. Outras referências em língua portuguesa para continuar a leitura Wrangham R. 2009. Por que cozinhar nos tornou humanos. Rio de Janeiro, Zahar. 44 ALIMENTAÇÃO E CULTURA PARA NUTRIÇÃO 3. A comida moveu o mundo Objetivo da aula Identificar marcos da história da alimentação importantes para compreender práticas alimentares atuais. Sequência pedagógica • Leia a “Fundamentação”. • Revise os “Pontos-chave”. • Responda ao “Exercício”. Fundamentação 1) O estudo da história da alimentação Neste curso o nosso foco é estudar cultura e alimentação. Para isso, é importante que você saiba que as culturas humanas podem ser analisadas tanto pelo seu passado como pelo seu presente. 45 ALIMENTAÇÃO E CULTURA PARA NUTRIÇÃO Quando utilizamos o passado como fio condutor, privilegiamos um viés histórico, ou seja, diacrônico. Essa abordagem é interessante porque ela nos permite visualizar os fenômenos em perspectiva, o que significa que ela nos possibilita prever alguns eventos que se re- petem na nossa trajetória para reorientar nossa rota no presente. Por outro lado, quanto utilizamos o presente como base, privilegiamos um viés sociológico ou antropológico que geralmente possui uma forte base sincrônica, ou seja, busca entender como as coisas ocor- rem no tempo presente. Após entender como a cultura opera é que se poderia refletir sobre processos de alteração, retornando ao pro- cesso histórico (diacrônico). Considerando que a cultura alimentar é tanto uma ativida- de de manutenção da tradição (aprendemos a comer de uma certa forma com nossos ancestrais), mas que também institui inovações (dominamos o fogo e revolucionamos a trajetória da espécie), não é possível aprender o suficiente sobre ela apenas olhando para o pas- sado (diacronia) ou apenas olhando para o presente (sincronia). É importante apreender tanto sobre permanências estruturais como sobre variações. Por isso, muitos pesquisadores e pesquisadoras das Humanidades defendem que é importante ter um olhar tanto sin- crônico como diacrônico no estudo da cultura humana. Caso você queira se aprofundar neste debate, você pode ler o texto “História e dialética” do antropólogo Claude Lévi-Strauss no livro Pensamento Selvagem (1989). Neste curso, aprendemos a partir da proposta mista de abordagem que religa passado e presente. Mas hoje nosso foco é na diacronia, na história. Mas não se engane: história e passado não são sinônimos. E há uma razão principal para isso: ainda que o trabalho dos histo- riadores ocorra nas bases do rigor científico - ou seja, considerando 46 ALIMENTAÇÃO E CULTURA PARA NUTRIÇÃO identificação e seleção de fontes, produção de um saber verificável e controlado pela comunidade científica de historiadores – há muitos silêncios na narrativa histórica. Por exemplo, você já deve ter ouvido falar sobre Martinho Lutero ao estudar a “Reforma Protestante”. Todavia, dificilmente você ouviu falar de Catarina Von Bora, que entrou para a história no máximo como “esposa de Lutero”. Ela foi o segundo nome de destaque no movimento da Reforma (perdendo apenas para o próprio Lutero), de acordo com a historiadora Ruth Tucker (2017). Esse ruído na narrativa histórica sobre as mulhe- res é frequente: elas nunca estiveram ausentes da história, embora a historiografia oficial as tenha omitido, como destaca Tucker. O mesmo acontece com a história dos povos indígenas, dos pobres, das crianças, da vida cotidiana: são narrativas oficiais cheias de si- lêncios e até imprecisões. Isso acontece porque aqueles que contam a história tendem a privilegiar seu ponto de vista sobre os eventos, seja de forma consciente ou inconsciente. E sabemos que, durante muito tempo, as pessoas que construíram a narrativa reconhecida como oficial da história foram homens, brancos, letrados e ricos (fe- lizmente, isso está mudando). De toda forma, antes de prosseguir- mos com o estudo da história da alimentação, valem alguns aler- tas: (1) lembre-se que a história tem lacunas; (2) apesar de termos fatos inquestionáveis na história (ex. holocausto, ditadura, pande-