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Livro II Antropologia Filosófica com ISBN

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Gilmar Francisco Bonamigo
ANTROPOLOGIA
notas históricas e críticas
FILOSÓFICA
Filosofia
Licenciatura
Universidade Federal do Espírito Santo
Secretaria de Ensino a Distância
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
Secretaria de Ensino a Distância
UFES - Vitória
2017
Gilmar Francisco Bonamigo
ANTROPOLOGIA
notas históricas e críticas
FILOSÓFICA
Copyright © 2017. Todos os direitos desta edição estão reservados à SEAD. Nenhuma parte deste material poderá ser 
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indicando-se o nome do autor e a origem da obra). Toda reprodução foi realizada com amparo legal do regime geral de 
direito de autor no Brasil.
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
B697a
Bonamigo, Gilmar Francisco, 1964-
Antropologia filosófica [recurso eletrônico] : notas históricas e críticas 
/ Gilmar Francisco Bonamigo. - Dados eletrônicos. - Vitória : Universidade 
Federal do Espírito Santo, Secretaria de Ensino a Distância, 2017.
149 p.
Inclui bibliografia.
Também publicado em formato impresso.
Modo de acesso: <Disponível no ambiente virtual de aprendizagem – 
Plataforma Moodle>
ISBN: 978-85-63765-85-7
1. Antropologia filosófica. I. Título.
CDU: 141.319.8
Presidente da República
Michel Temer
Ministro da Educação
José Mendonça Bezerra Filho
Diretoria de Educação a Distância 
DED/CAPES/MEC
Carlos Cezar Modernel Lenuzza
UNIVERSIDADE FEDERAL 
DO ESPÍRITO SANTO
Reitor
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Secretária de Ensino a Distância – SEAD
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Diretor Acadêmico – SEAD
Júlio Francelino Ferreira Filho
Coordenadora UAB da UFES
Maria José Campos Rodrigues
Coordenador Adjunto UAB da UFES
Júlio Francelino Ferreira Filho
Diretor do Centro de Ciências
Humanas e Naturais (CCHN)
Renato Rodrigues Neto
Coordenadora do Curso de Graduação
Licenciatura em Filosofia – EAD/UFES
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Revisora de Conteúdo
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Revisora de Linguagem
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Designer Educacional
Carla Francesca Sena
Design Gráfico
Laboratório de Design Instrucional – SEAD
SEAD
Av. Fernando Ferrari, nº 514 
CEP 29075-910, Goiabeiras 
Vitória – ES
(27) 4009-2208
Laboratório de Design Instrucional (LDI)
Gerência
Coordenação:
Letícia Pedruzzi Fonseca
Equipe: 
Fabiana Firme
Luiza Avelar
Diagramação
Coordenação:
Letícia Pedruzzi Fonseca
Thaís André Imbroisi
Equipe:
Ana Clara Balarini
Ilustração
Coordenação:
Priscilla Garone
Equipe:
Lucas Reis
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POEMA Medições da Vida Humana
INTRODUÇÃO
Apresentação da disciplina, 
programa, percurso, objeto e método
Objeto e Método da Antropologia Filosófica ..........7
MÓDULO 1
Da Abertura Ontológica do Ser Humano
O Problema do Homem ....................................... 12
Da Abertura Ontológica do ser Humano ............. 20
MÓDULO 2
História das Concepções do 
Homem na Filosofia Ocidental
O Homem na Idade Clássica 
(Primeira Aproximação) ...................................... 37
Quem é o Homem? (Segunda Aproximação) ....... 43
MÓDULO 3
História das Concepções do 
Homem na Filosofia Ocidental II
O Homem na Era Cristão-Medieval 
(Primeira aproximação) ...................................... 50
O Homem no Pensamento Cristão 
(Segunda Aproximação) ..................................... 56
5
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11
36
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MÓDULO 4
História das Concepções do 
Homem na Filosofia Ocidental III
O Homem na Idade Moderna 
(Primeira aproximação) ................................................. 61
O Homem no Pensamento da Idade Moderna 
(Segunda aproximação) ................................................ 66
MÓDULO 5
História das Concepções do Homem na Filosofia Ocidental I
As Concepções do Homem na Idade 
Contemporânea (Primeira aproximação) ........................ 71
O Giro Antropológico (Segunda aproximação) ............... 78
MÓDULO 6 (PARTE I)
História das Concepções do Homem na 
Filosofia Ocidental V - A Era Pós-Moderna 
O Homem na Era Pós-Moderna e 
Os Problemas do Habitat Humano ............................... 90
Um Passo para ‘Baixo’ ................................................. 119
Apontamentos Conclusivos ......................................... 127
MÓDULO 6 (PARTE II)
A Crítica: O Cerne do Humanismo Ocidental desde Lévinas
No Iinterior do Humanismo Ocidental .......................... 131
Apontamentos Conclusivos ......................................... 142
CONCLUSÃO
SOBRE O AUTOR
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A meditação sobre o Homem
A reflexão sobre SI mesmo
Exige silêncio
Precisa de tempo
Espera pela escuta
Requer vontade
É indispensável um desejo imenso.
O olhar sobre si mesmo
Exige um certo grau de solidão
Requer largas medidas de atenção;
A escuta da alma 
Precisa de tato
Como aquele que ausculta o coração;
O amor pelos outros
Exige a concretude,
A cadência das ações
Mostra por onde anda a virtude,
O olhar pelos outros
Requer as mãos da solicitude,
A distância de si mesmo
Faz perder da visão todos os outros;
A graça atinge a alma
Mas antes de voltar
Requer a passagem pelo corpo
As mãos quando se fecham
Esmagam o brilho da face
MEDI 
ÇÕES 
DE 
VIDA 
HU 
MANA
Don 
Bon 
amigo 
de 
las 
Fuentes
A alma quando se perde
Destrói o caminho de casa
O Homem quando não ama
Morre de sede perto das águas.
O olhar sobre o homem
É um amor que começa
A meditação sobre si mesmo
É um amor que nunca termina
O silêncio que sempre começa
Cria as brechas para a entrada
Da estrada do Sentido da Vida!
INTRODUÇÃO
Apresentação 
da disciplina, 
programa, 
percurso, 
objeto 
e método
 7Antropologia Filosófica
Atualmente, temos várias tentativas de definir esse método, 
seguindo diferentes inspirações epistemológicas e utilizando certa 
ciência como paradigmática:
• Método empírico-formal: sob o paradigma das ciências 
da natureza;
• Método dialético: sob o paradigma das ciências históricas;
• Método fenomenológico: sob o paradigma das ciências 
do psiquismo;
• Método hermenêutico: sob o paradigma das ciências da cultura;
• Método ontológico: sob o paradigma da ontologia clássica.
“O discurso filosófico sobre o homem está sujeito ao risco per-
manente do reducionismo, na medida em que um dos polos epis-
temológicos fundamentais, que definem o espaço da compreensão 
do homem, passa a imprimir uma direção privilegiada na ordem 
do discurso. Esses polos são a Natureza, o Sujeito e a Forma”. A 
Antropologia deve coordenar esses três polos de forma equilibrada. 
Ora, se o ‘objeto’ em questão é o homem, que também é sujeito, 
então precisamos considerar a compreensão espontânea e natural 
que o homem tem de si mesmo – pela qual ele faz uma imagem de 
si mesmo –, segundo a tradição cultural, com o estilo de vida por 
OBJETO E MÉTODO 
DA ANTROPOLOGIA 
FILOSÓFICA
As tentativas de tematizar o Homem têm uma história; a concep-
ção do homem atual integra traços, fundamentalmente, da tradição 
clássica e bíblico-cristã. Sinteticamente, é o homem como portador 
de uma razão universal e dotado de liberdade de escolha, que fun-
damentam a Ética e a Metafísica. A Antropologia está entre as duas, 
interligando razão teórica e razão prática. Hoje essa ideia do homem 
perdeu, de modo aparentemente definitivo, a sua unidade. Proble-
ma: como recuperar certa ideia unitária do homem? Essa é uma das 
tarefas fundamentais, difíceis e atuais da Reflexão Antropológica e, 
para isso, precisa definir com rigor o seu próprio método.1
1 Indicamos aqui, de modoesquemático, como Henrique C. de Lima Vaz 
põe a questão do método. Para aprofundamento, ver sua obra Antro-
pologia Filosófica I. São Paulo: Loyola, 1991. Isto serve de contraponto 
e pano de fundo para a maneira como aqui trabalharemos as questões 
antropológicas; metodologicamente, praticamos um exercício de her-
menêutica, em proximidade a Paul Ricoeur e sua hermenêutica crítica. 
Fundamentalmente trabalhamos com duas atitudes articuladas dialeti-
camente: a pertença e o distanciamento crítico. Os elementos desenvol-
vidos por Lima Vaz vão atravessar o nosso exercício hermenêutico. Para 
maior aprofundamento da Hermenêutica Crítica de Paul Ricoeur, ver 
sua obra O Conflito das Interpretações. Paris: Seuil, 1967.
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logicamente, pois o que é tematizado e ‘objetivado’ é justamente o 
conteúdo ontológico, no qual está a resposta à pergunta sobre a possi-
bilidade radical do Sujeito como Sujeito. Tal compreensão não é uma 
compreensão sobre o sujeito, mas do Sujeito – enquanto se conhece e 
se autocompreende como Sujeito – que procura dar razão de si mes-
mo, o que o distingue dos outros seres. A compreensão filosófica sis-
temática precisa exprimir, a nível conceptual-filosófico, o processo 
real e abrangente do auto constituir-se como Ser-Homem do Sujeito. 
Nesse sentido, o filósofo seria o intérprete da humanidade.
2.2. 
As Dimensões da Experiência Antropológica
A Antropologia Filosófica não busca o ser do homem como subjetivi-
dade abstrata do Eu Penso, alcançada pela suspensão entre parênte-
ses do mundo-da-vida. Trata-se de buscar o homem na sua ‘experiên-
cia situada’, na sua finitude. As dimensões da experiência filosófica 
são as dimensões da situação humana. A experiência humana é uma 
interpenetração de presenças: o homem é uma presença no mundo, 
um ser-com-os-outros, uma presença-a-si-mesmo. Natureza, Socie-
dade e eu constituem o espaço fundamental da experiência antro-
pológica; mas o homem tem também a experiência de poder abrir-se 
ao Transcendente, como Presença ou como Ausência, diante do que 
o discurso filosófico experimenta sua limitação.
ele adotado, com os símbolos do seu grupo humano – muitas vezes 
não codificados explicitamente. Trata-se da pré-compreensão de si, 
anterior à compreensão fornecida pelas ciências humanas ou ou-
tros sistemas de conhecimento formalizado (filosofias, teologias, 
etc.). A pré-compreensão se enraíza no ‘mundo da vida’ (Lebenswelt 
- Husserl) com sua historicidade. 
Com isso, aparecem três níveis de conhecimento do homem que 
a Antropologia Filosófica deve levar em conta em seu procedimento 
metódico para chegar a uma organização sistemática:
• Nível da pré-compreensão: aí está a imagem espontânea do ho-
mem, formada a partir da experiência natural da vida, expres-
sa em representações, símbolos, crenças, etc.;
• Nível da compreensão explicativa: aí se situam as ciências 
humanas, com seus métodos e resultados;
• Nível da compreensão filosófica ou transcendental: aí entra a 
busca das condições de possibilidade da pré-compreensão 
e da compreensão explicativa. Trata-se da tematização da 
experiência ‘original’ que o homem faz de si mesmo, ‘como ser 
capaz de dar razão do seu próprio ser, ou seja, capaz de formu-
lar uma resposta à pergunta: “o que é o homem?”, expressa em 
categorias filosóficas. Tais categorias devem ter um conteúdo 
preciso e devem ser articuladas num discurso sistemático.
2.1. 
Categorias Antropológicas e seu Sistema
Na compreensão filosófica do homem, Sujeito e Objeto se entrecru-
zam – diferença do olhar da ciência, distanciamento – epistemo-
Antropologia Filosófica
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2.4. 
Estrutura do Sujeito na Antropologia Filosófica
Desde o plano da pré-compreensão, o homem se manifesta concreta-
mente como movimento dialético de passagem do dado à expressão, 
ou da Natureza à Forma: é um movimento em que o momento media-
dor é, justamente, o homem como sujeito. O sujeito está como media-
ção entre a pré-compreensão e a compreensão filosófica, procurando 
a lógica dialética do seu ser (eu sinto, eu desejo, eu penso, eu quero).
O Eu do sujeito não é uma forma estática nem fechada em si mes-
ma, mas sofre e executa em si mesmo um movimento de supras-
sunção do mundo, das coisas no mundo do Sentido. A Antropologia 
Filosófica percorre as formas desse movimento no sujeito ao nível 
transcendental, e as ordena no discurso respondendo à pergunta so-
bre o ser do homem.
O discurso filosófico é fundamental para distinguir os três níveis de 
mediação da constituição do sujeito:
• Mediação empírica: âmbito da experiência natural, do mundo-
da-vida, da pré-compreensão expressa na linguagem ordinária 
em que aparece o pronome eu.
• Mediação abstrata: âmbito da compreensão explicativa, resul-
tado de procedimentos operatórios da observação metódica e 
da experimentação; os conceitos e o discurso da Ciência obe-
decem à regras formais próprias de constituição; o sujeito da 
mediação abstrata é o sujeito metodologicamente abstrato pre-
sente no conhecimento científico.
2.3. 
Itinerário Metodológico da Antropologia Filosófica
O itinerário proposto retoma Aristóteles e sua análise dos momen-
tos do saber: do objeto, do conceito e do discurso, isto é, o que é dado 
empiricamente, sua expressão na ética (intencional) e sua articula-
ção discursiva.
• Momento do Objeto: O homem-Objeto e o homem-Sujeito, su-
jeito produtor de saber sobre si mesmo, permanecendo sujeito 
ao objetivar-se pelo saber. É ao nível da compreensão filosófica 
que o sujeito é tematizado como sujeito, e nela são integradas a 
pré-compreensão e a compreensão explicativa.
• Momento do Conceito: A compreensão filosófica exprime o Ob-
jeto-Sujeito como Ser, na sua inteligibilidade e na concretude 
do homem, aproveitando a contribuição das duas outras for-
mas de compreensão: uma praticamente empírica; a outra pra-
ticamente abstrata. Aqui se trata da concretude de Ser.
• Momento do Discurso: As categorias que exprimem o Sujeito de-
vem ser articuladas de modo a manifestar o movimento ‘lógi-
co’ da constituição do sujeito Enquanto sujeito, movimento que 
traduz a experiência antropológica original. É uma articulação 
dialética, na qual as categorias são suprassumidas em níveis 
sempre mais profundos de integração da unidade do sujeito, 
até atingir o sujeito enquanto Totalidade, o que Vaz chama de 
‘nível da pessoa’.
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2.6. 
Linhas Fundamentais da Antropologia Filosófica
A Antropologia filosófica vê aberto diante de si todo o imenso campo 
do saber sobre si mesmo que o homem vem acumulando ao longo 
de sua história, saber esse que, ao mesmo tempo, revela-lhe toda a 
complexidade estrutural e dinâmica do fenômeno humano (p. 167). 
A Antropologia Filosófica deve traçar as linhas ou direções do seu 
roteiro, acompanhando os esquemas básicos que organizam o saber 
do homem sobre si mesmo. Essas linhas definem o espaço conceptu-
al onde se inscreve o ser-homem; nesse caso, conceitos de Estrutura, 
Relação e Unidade.
• Em nível de estrutura, ou níveis ontológicos, a distinção entre: 
estrutura somática (corpo próprio), estrutura psíquica (psi-
quismo) e estrutura espiritual (espírito);
• Em nível de relação: relação com o mundo (objetividade), com o 
outro (intersubjetividade) e com o Absoluto (transcendência);
• Em nível de unidade: como unificação (realização) e como ser-u-
no (essência), culminando no conceito de Pessoa.
Daí: “O ser que eu-sou não é um conjunto de fenômenos empíri-
cos, mas um ser dado a si mesmo, irredutível aos fenômenos da na-
tureza, uma substância espiritual como espírito livre” - C. Bruaire, 
L’Être et L’Esprit. 
• Mediação transcendental: âmbito da compreensão filosófica, 
da objetivação do sujeito enquanto sujeito – a sua manifesta-
ção como sujeito e sua experiência de sujeito. Isso é articulado 
nessa mediação com categoriaspróprias, como veremos adian-
te. Aqui, o sujeito é visto em sua subjetividade absoluta, irre-
dutível à Natureza e à Sociedade, como consciência do mun-
do, do outro e de si, procurando dar ‘razão de’. É o âmbito da 
Antropologia Filosófica.
2.5. 
Estrutura da Conceptualização Filosófica
A constituição das categorias da Antropologia Filosófica é um proces-
so com alguns passos:
1. Da determinação do objeto: ‘o que é’. Na Antropologia Filosófi-
ca, o objeto é o próprio ser do homem; faz-se mister levar em 
conta a história do desenvolvimento das diferentes abordagens 
e a problemática atual, bem como o saber científico atual sobre 
o homem – é o momento aporético: aporética histórica e aporé-
tica crítica, i.é, rememoração e atualidade.
2. Da elaboração da categoria: cada qual exprime um aspecto fun-
damental do ser do sujeito, por ex., ‘corpo próprio’ – a experiên-
cia do “Eu sou meu corpo próprio”. Pela mediação do Eu trans-
cendental, a aporética é suprassumida no concreto conceptual.
3. Da dialética, ou do discurso articulado sobre as categorias: o 
discurso dialético implica uma relação de oposição e de su-
prassunção progressiva dos termos, constituindo um discurso 
ordenado e sistemático na forma de um todo.
Da Abertura 
Ontológica 
do Ser 
Humano
MÓDULO 1
 12Antropologia Filosófica
 E a filosofia como forma de vida;
O afã de Ser Homem
 Implica no trabalho de ser Sábio
E o sofrimento faz parte da Sabedoria
 Por causa de um Bem-Querer.
Compreender a Vida é a primeira tarefa da filosofia
Querer Bem ao Homem, tarefa de todo homem
Viver estas duas coisas, tarefa do homem Sábio!
Com os pés na história humana
E com as mãos na Esperança
Certamente o sábio morrerá
Antes do Seu Tempo
E terá suas Razões;
 Assim foi,
Assim parece que sempre será’.
 
O PROBLEMA 
DO HOMEM
1.1. 
Introdução: Algumas Considerações Filosóficas
No dia a dia, tantos papéis nos caem em mãos e, no geral, vão pa-
rar no lixo. Nesses últimos dias, dentre esses papéis, encontrei um 
que me chamou especial atenção e julguei-o merecedor de ser o meu 
ponto de partida para esta breve exposição sobre o Homem. Seu con-
teúdo trata de ‘coisas humanas’, concretamente, do mister de um ho-
mem, e diz assim: 
O trabalho de filosofar é
tão árduo
 E sofrido
Como arrebentar pedras com picaretas
 Ou o mesmo que arrombar os corações
Empedernidos
 E as almas embrutecidas
Só com as armas do Bem-Querer e da Razão.
O trabalho de filosofar 
É o afã de colocar
O trabalho na filosofia
1
DO 
FILOSOFAR
Antropologia Filosófica
13
Ora, numa época histórica, em que a ciência reivindica o mono-
pólio acerca da verdade sobre a realidade total e, nela, sobre o ho-
mem, tecer um discurso de outro calibre sobre o mesmo homem é 
correr, inclusive, o risco de se cair no descrédito e de, a priori, não ser 
ouvido. Porém, se a ciência e seu prolongamento na técnica fossem 
suficientes para a melhoria da vida humana e do homem mesmo, en-
tão o homem já não teria tantos problemas. E se a realidade está como 
ela está - e não adianta não querer ver os seus males que aumentam -, 
então, de novo, parece-me que ainda tem fundamento, importância 
e necessidade voltar a refletir e a discursar sobre o homem como par-
te de uma busca milenar, ao mesmo tempo em que se cumpre - aqui 
e agora - mais uma vez o princípio socrático ‘Conhece-te a ti mesmo’. 
Com isso, quem sabe, poderemos ajudar efetivamente o homem com 
seus problemas reais.
1.2. 
De Alguns Problemas do Homem
Como vai o homem, como vão os homens? Podemos afirmar - sal-
vo raras exceções - ‘o homem, os homens do nosso tempo vão mal’. 
Na verdade, o que assistimos, não como meros espectadores, mas 
como partícipes, é a uma história que, ao final de outro século e 
de outro milênio, vai mal. Para quem quiser tomar consciência - e 
só toma quem quer - a nossa experiência aponta para nós mesmos 
como experiência ‘de’ nós mesmos, que, enquanto homens, ‘já-não’ 
ou ‘ainda-não’ sabemos quem somos. Essa experiência pode ser dita 
de outro modo, como a experiência de estar errante de si mesmo, de 
estar perdido por dentro e por fora, experiência feita, vivida, ardida, 
Na verdade, querer e pretender realizar um discurso sobre o 
Homem em nosso tempo é um empreendimento de bastante risco, 
sobretudo porque esse tema não está na moda, a preocupação an-
tropológica e antropocêntrica anda em refluxo e não há um míni-
mo suficiente de consenso sobre ‘Quem É o Homem?’. Mesmo as-
sim, julgo de fundamental importância esse tipo de interrogação, 
pois, se o homem não nos importa, penso que outra coisa pouco 
nos deveria importar. E no caso daqueles que dedicam o melhor 
dos seus esforços intelectuais na tentativa de tratar dos problemas 
do homem, esse tipo de questionamento - mais do que uma sim-
ples questão - deveria ser o primeiro na ordem do dia e mesmo uma 
tarefa para a vida toda.
Com efeito, se queremos contribuir para a melhoria da vida do 
homem, precisamos adentrar sempre mais no conhecimento do ho-
mem que queremos ver melhor, ‘naquele’ que manifesta problemas, 
inclusive para podermos avaliar a nossa pretensa contribuição. De 
fato, se não sabemos quem é o homem, se não temos consciência das 
estruturas fundamentais constitutivas do ser-homem a serem reali-
zadas na existência, se não fazemos em nós mesmos a experiência 
do ‘humano suficiente’, então será muito difícil de avaliar a própria 
eficiência de toda e qualquer vertente e técnica terapêuticas, quer 
em psicologia, quer na medicina, quer no magistério ou em qualquer 
área científica e da vida comum. Assim, conhecer e experienciar o hu-
mano se põem como condição sine qua non para toda a abordagem 
significativa dos problemas do homem. E, para isso, é preciso cavar 
no solo mais fundo, no aquém do edifício automultiplicante das ciên-
cias - mesmo do das ciências ditas humanas - com sua pluralidade 
de modelos e visées metodológicas.
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de importância, ou só pode ter importância nas horas de folga das 
coisas de trabalho e a nível privado.
O filósofo contemporâneo Eric Weil descreveu muito bem essa 
situação do homem em sua obra “Filosofia Política”, a situação do ho-
mem numa sociedade cujo sagrado é o trabalho. A consequência é 
o sentimento profundo de insatisfação e também de impotência. O 
homem passa a viver segundo os ditames da exterioridade, como ser 
unidimensional - muito bem tematizado por H. Marcuse3- ou subju-
gado por uma segunda natureza (cultura?!) - tematizada por Adorno 
e Horkheimer4- mais forte e violenta, com a inexorabilidade de um 
determinismo, como a lei da gravidade, mais contundente do que a 
natureza primeira que a ciência e a técnica estão em vias de domi-
nar. Na prática, na vida cotidiana, isso quer dizer: se o homem não se 
submete, começa a perecer a partir de fora, i.é, pelas necessidades do 
corpo; se se submete, começa morrendo por dentro, pelo sacrifício 
da interioridade. É um dilema introduzido no Ser que, nos dois casos, 
resultaria em Não-ser.
As exigências do trabalho levam os homens a desenvolver uma 
mentalidade utilitarista, pragmatista, quer no próprio trabalho, quer 
no conjunto de suas relações.5 O útil se torna sinônimo de Bem, ou, 
negativamente, o que não é útil não tem importância real. Com isso, 
encorpa-se também uma lógica do Ter-Poder-Prazer, trilogia que, 
como ideia reguladora e como fato - simultaneamente -, coordena 
3 Cf. H. Marcuse in: O Homem Unidimensional.
4 Cf. T. Adorno e M. Horkheimer in: A Dialética do Iluminismo.
5 Cf. J.G. Caffarena in: Raíces Culturales de la Increencia: Pragmatismo y 
Indiferencia. Estudios E.
de um vazio imenso que atinge, fende e ofende o Ser, experiência do 
‘esquecimento do Ser’, para usar uma expressão cara a M. Heidegger.1 
E o caráter eminentemente epistemológico das ciências dificilmente 
conseguirá dar conta disso. Tomando emprestado uma expressão de 
PaulRicoeur, o homem do nosso tempo, nós vivemos num ‘tempo 
sombrio’, cujo sentido vai muito além e cava no aquém do ‘mal-estar 
na cultura’, de Freud. 
Vejamos mais em concreto como vamos, tomando como impor-
tantes alguns ‘fatos’ perfeitamente acessíveis a qualquer um que 
queira. O homem do nosso tempo é aquele que está eminentemente 
ocupado e/ou preocupado com as questões do Trabalho, da sobrevi-
vência físico-biológica, em um mundo altamente competitivo que 
cobra eficácia na forma da produtividade. O homem se vê permanen-
temente ameaçado pelas ‘forças do mercado’, muito bem tematizadas 
por Marx, como forças exteriores que põem praticamente todos os 
homens em sobressalto - não apenas os trabalhadores - dentro de 
um ‘mecanismo’2 de produção-comércio-consumo, que se tornou 
mundial sem a preocupação efetiva de ser justo. Nisso, o homem é 
reduzido a número social produtivo ou improdutivo, portanto, a 
indivíduo, cuja força intelectual e força corporal são o que de fato 
contam. Quem quiser ter um lugar ao sol nesse mecanismo precisa 
gastar-se, desgastar-se e sobressair-se dentro das regras desiguais da 
competência/produtividade. Assim, a ‘parte’ profundamente huma-
na - se se pode falar assim - é relegada a segundo ou terceiro plano 
1 Cf. M. Heidegger in: Ser e Tempo. Vozes, 3ª edição, 1989. p. 27.
2 Expressão importante de E. Weil e que perpassa sua lúcida obra Filosofia 
Política. São Paulo: Loyola, 1990.
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é o antônimo do homem, a forma mais acabada da perversão do ho-
mem. Para o individualista, o outro é, a priori, um rival, um concor-
rente, talvez um lobo - para lembrar T. Hobbes - de quem é preciso 
desconfiar, principalmente dentro da lógica social da eficácia. Ser 
individualista é outra condição dessa lógica; e se isto é o que vale, 
então é compreensível que o homem vá mal.
Na verdade, são poucos os homens que conseguem resistir e fa-
zer frente a essa peste mundial; são poucos os homens que - usando 
uma expressão de Mounier - chegam a ser ‘pessoas’. No geral, o que 
há é uma massa anônima que encarna, consciente ou inconsciente-
mente, o espírito individualista. Esse espírito é geral, mas a expoên-
cia é para poucos nesse império do ego, do eu, do meu sobre o nós. 
Como diria Maquiavel acerca da conduta do príncipe: ‘É preferível 
fazer-se temer do que amar’7, porque, segundo ele, os homens são 
maus e instáveis no amor. Esse princípio maquiavélico - no sentido 
pejorativo do termo - extrapolou o âmbito político pervertido - que 
não vamos aprofundar aqui - e disseminou-se para todos os âmbitos 
da vida humana. Se os homens estão assim, é compreensível que, por 
aí, o humano se esvai progressivamente. 
Dessa lógica da eficácia, e da universalização do espírito indi-
vidualista, decorre grande parte dos problemas que afetam corri-
queiramente o homem, junto com aqueles já apontados. Um deles 
- que salta aos olhos - é o incremento da violência: violência aberta, 
violência sutil, violência sofisticada, violência velada, violência nas 
ruas, violência dentro das casas, violência fora do homem, violên-
cia no interior do homem, violência oficialmente institucionalizada, 
7 Cf. Maquiavel in: O Príncipe. Pensadores.
o processo de comercialização-instrumentalização das próprias rela-
ções ditas humanas. Numa palavra: o outro homem-indivíduo passa 
a ser um meio-para e, cessada a utilidade, cessa o interesse. A com-
petência profissional na forma de eficácia é condição para a partici-
pação na lógica dessa trilogia ou ‘trindade gestora do nosso tempo’; 
e, para isso, é preciso ser especialista, em detrimento - no geral - de 
um horizonte aberto e amplo de compreensão e de experiências ver-
dadeiramente humanas. A partir dessa lógica da eficácia, publica-
mente o que vale do homem é a especialidade, o curriculum, e não 
propriamente o homem que sofre desse mal de conhecer até demais 
sobre a ponta da agulha, mas que não aprendeu a colocar a linha nela, 
muito menos a costurar o humano com ela.
Se, por um lado, o homem pré-compreende que não dá conta de 
viver só – e a gestação, o nascimento e a própria história do homem 
no tempo deveriam ser suficientes para o homem assumir o seu ser-
comunitário –, por outro lado, o que vemos na maioria dos homens é 
um ensaio, mais, uma tentativa arrojada de individualismo: individu-
alismo em todas as suas formas, culminando com o que Macpherson 
chamou de ‘individualismo possessivo’.6 Tenho para comigo – e ago-
ra partilho com vocês – que, dentre todas as doenças, pestes ou vírus 
mortíferos que a humanidade já experimentou, o individualismo é 
o pior e o mais contundente de todos. Com efeito, o individualismo 
mata o humano na raiz e nos frutos, apodrece a seiva, contamina na 
fonte a possibilidade da vida humana em comum, leva o homem a se 
tornar muito pior do que o mais feroz dos animais. O individualismo 
6 Cf. C.B. Macpherson in: A Teoria Política do Individualismo Possessivo de 
Hobbes até Locke. Paz e Terra.
 16Antropologia Filosófica
não os valores dos outros, muito menos a possibilidade de valores 
comuns universalizáveis por seu alcance na forma de efetivo bem. 
O que vemos é a decadência e a corrosão dos valores que estrutura-
vam tradicionalmente o sentido e a vida em comum dos homens. 
Em nome do progresso material, da ciência e da técnica, foi feita a 
grande crítica à tradição na aurora da modernidade - e certamente 
essa crítica foi necessária - posteriormente continuada pelo assim 
chamado Esclarecimento e seus descendentes. Dessa crítica, pouca 
coisa de valioso sobrou a respeito do próprio passado. A verdadei-
ra história e o verdadeiro conhecimento da humanidade teriam co-
meçado com o advento da moderna ciência experimental; o que a 
humanidade viveu antes disso seria a sua pré-história, lugar do pré-
conceito, da superstição, da dependência ao transcendente, da ‘mi-
noridade humana’.8 
Com essa crítica de caráter eminentemente negativo, entraram 
progressivamente em crise os referenciais subjetivos, intersubjetivos 
e sociais de compreensão e de interpretação do homem. O que valia 
no passado torna-se sinônimo de arcaísmo, de coisa retrógrada. E se 
a preocupação com valores comuns, com uma vida ética, virtuosa, 
- pelo menos ao nível do discurso - foi importante no passado, isso 
foi perdendo progressivamente sua incidência histórica e na história. 
O relativismo ético tem a ver com a lógica do interesse particular - 
no máximo de grupos -, uma das poucas coisas que, paradoxalmen-
te, são universais.9 Com isso, na lacuna e na ausência de referências 
8 Expressão kantiana in: Resposta à Pergunta: O que é o Iluminismo?.
9 Cf. M. Perine in: Ética e Política: Irredutibilidade e Interação de Relações 
Assimétricas. Síntese, nº 48.
violência aceita a partir da experiência da própria violência, violên-
cia que o Ter provoca, o Poder executa e o Prazer atrai nas suas in-
consequências. Em suma, violência ou desrazão, absurdo do ser que 
se diz capaz de razão e de se dar razões para viver, portanto, capaz de 
razoabilidade. A violência é o sinal – e mesmo o estigma – desse ser 
que tem fracassado na tarefa livre e razoável de ser homem.
Com isso, concretamente, temos um companheiro cotidiano, o 
medo: Medo do que eu possa sofrer e possa cometer sob a forma da 
violência. E ainda há quem justifique isso, ‘racionalmente’, como 
normal. Nesse sentido - e em tantos outros -, não podemos dizer que 
o homem é um animal, pois as violências de que o homem é capaz 
ultrapassam de longe as dos animais. E se o distintivo do homem 
for apenas a racionalidade, então estamos em situação pior ainda, 
pois teríamos que afirmar em nós - contraditoriamente - uma ra-
cionalidade irracional, i.é, absurda. E se formos adiante, ainda seria 
possível a pergunta pelas condições de possibilidade dessa constata-
ção e desse julgamento.
Outro problema do homem do nosso tempo, decorrentedos ele-
mentos já citados e que se liga ao problema da violência, é o que 
chamo de problema ético. A nossa experiência mostra - dentro e fora 
da Universidade – que, hoje em dia, falar de ética, de moralidade, 
mostrar a exigência de uma vida ética e, sobretudo se se tocar na 
palavra virtude, implica - com raras exceções - distar disposto a en-
frentar sérias resistências. O homem do nosso tempo - e já faz al-
gum tempo - tem aderido ao chamado relativismo ético, seguindo a 
esteira do individualismo. O relativismo ético é mais uma versão 
e uma mediação pela qual o individualismo se concretiza. O que 
importa são os meus ‘valores’ e o que eu determino que tem valor, 
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forma da partilha - apesar de suas conhecidas deficiências -, a famí-
lia tem se reduzido a um lugar problemático de coabitação.
De fato, o reconhecimento do valor incondicional da pessoa - mesmo 
que por vezes pautado no pressuposto do sangue do sangue - anda 
raro também na família. Sob o pretexto de um machismo tradicional 
e de um feminismo dito moderno, lá se vai, se instala e se incrusta 
mais uma forma de individualismo. Certamente, não é preciso citar 
aqui nenhum exemplo de ‘desavença familiar moderna’ ou mesmo 
‘pós-moderna’, nem mesmo os casos em que se busca fora o que não 
se tem em casa. Miseravelmente, a família que não reflete e não se 
posiciona criticamente soçobra diante da avalanche individualista, 
e põe-se sempre mais longe de um lar, do primeiro berço do advento 
do humano. Um ser humano se forma desde o berço; ora, se a famí-
lia falha, fica severamente comprometido o homem que se quer por si 
mesmo ser humano. Com certeza, se não houver no horizonte de cada 
um alguma experiência significativa do humano que sirva de refe-
rência, fica difícil de saber o que se pode e o que se deve querer como 
mediação do contentamento.
Esse problema aponta para outro: a incompetência humana na ca-
pacidade de ouvir. Se J. Habermas falou com propriedade da ‘com-
petência comunicativa’,10 condição do entendimento razoável e do 
consenso fundamentado em razões, parece-me que isso implica 
outra pré-condição – que é a capacidade de ouvir – como elemento 
imprescindível para a emergência do humano enquanto tal e, por 
extensão, do entendimento entre os homens. Tenho para comigo 
que, mesmo que o discurso do outro, a sua língua, não me sejam 
10 Cf. J. Habermas in: Teoria da Ação Comunicativa. 
valorativas éticas a nível comum - público -, o homem é arremessado 
a si mesmo na tarefa de ser humano. E aí, historicamente esvaziado 
dessas referências, acaba acolhendo o que tem importância a nível 
público, i.é, as coisas da lógica da eficácia e, em concreto, a forma 
individualista de vida. E com isso o homem perde até o humano que 
julgava Ser ou pelo menos Ter.
Outro problema advém em decorrência: o da progressiva dimi-
nuição das experiências mais significativas, nas quais o humano se 
fez se faz e aparece. Eis novamente o vírus do individualismo em 
ação. Com efeito, hoje em dia está muito difícil de encontrar esse 
tipo de experiência, daquelas que deixam os homens que as vivem 
verdadeiramente contentes - e por que não felizes! -, acrescidos em 
seu ser. Refiro-me às verdadeiras experiências de solidariedade, que 
são em essência e, por sua vez, o antônimo concreto do individualis-
mo, o seu antídoto.
Se essas experiências andam raras e difíceis de serem feitas - por-
que o seu princípio implica em transcender o individualismo -, en-
tão é preciso admitir que o contentamento anda raro, e, com isso, o 
próprio ente humano concreto. A solidariedade é uma das faces do 
humano que se expressa na história humana pessoal e comum; se 
não houvesse um mínimo dela, a humanidade já teria sucumbido na 
violência. E se a violência aumenta a olhos vistos, é porque a solida-
riedade se torna rara. Com efeito, a família já não tem sido o mesmo 
lugar antropológico e antropocêntrico. A crítica à tradição não deixou 
de fora este mais que laboratório de experiências humanas pratica-
mente naturais, ou pelo menos mais espontâneas. A crítica à famí-
lia como mais uma das instituições burguesas também deixou suas 
sequelas; de lugar privilegiado da experiência da solidariedade na 
Antropologia Filosófica
18
homens, mas tem a certeza desgraçante de que continua anônimo e 
só. Com isso, o seu próprio olhar tende a se tornar fundo, mas vazio.
Parece-me que esse é um dos motivos pelos quais há uma procu-
ra em massa por terapeutas, psicólogos, medicinas diferentes, etc. 
A verdade é que poucos homens conseguem dar conta de si, daí a 
necessidade de profissionais pressupostamente competentes em 
‘humanidade’, para aliviar certo lugar interior que anda dolorido de 
vazio e que ainda não foi preenchido. E muitas vezes o ‘doente de hu-
manidade’ fica anos num divã ou em tratamento e não consegue as 
‘luzes’ que esperava! E por que será? Até o fato e o ato de ter de pagar 
por esse tipo de trabalho mostra àquele que procura solidariedade e 
importância humana efetiva que - tantas vezes - do outro lado tam-
bém há o padecimento - em maior ou menor escala - do mesmo mal. A 
gratuidade seria uma porta de entrada para outra qualidade relacio-
nal, mas ela também anda rara, e há muitas justificativas por aí de 
que ela nem é mais possível. Com isso, a solidão é um dos preços que 
paga aquele que incorpora o espírito do individualismo como ‘espíri-
to do tempo’ e, às avessas, procura e espera o humano.
A partir desse esvaziamento do homem, é também compreensí-
vel que a própria linguagem - como médium do sentido e do entendi-
mento, morada do sentido pelo qual o homem exprime o ser - ande 
profundamente esvaziada.12 Com efeito, a aspiração de univocidade 
na linguagem, levada a efeito pela ciência, contribuiu para esse esva-
ziamento. A riqueza polissêmica e simbólica foi perdendo seu lugar 
na linguagem significativa, na interpretação da vida e do homem, 
12 Cf. P. Ricoeur, Herméneutique des Symboles et Réflexion Philosophique. In: 
Le Conflit des Interprétations. Paris: Seuil, 1967.
compreensíveis, se assumo o outro na sua condição de ser huma-
no, incondicionalmente, posso perfeitamente interpretá-lo na sua 
precisão - necessidade - se sou competente, antropologicamente, 
em ouvi-lo. Numa palavra, saberei do que ele precisa e descobrirei 
alguma maneira de ajudá-lo.
Mas a capacidade de ouvir anda mais rara do que o próprio enten-
dimento, que, quando ocorre, nem sempre leva à ação, ou nela pode 
falhar. Com efeito, um ser que se quer humano Ouve, não apenas 
escuta, pois escutar - sem a intenção de ofender nem os homens nem 
os animais - já é próprio dos animais. O que geralmente experimen-
tamos é que ‘só se ouve o que interessa’, como mais uma forma de 
individualismo, como um – segundo uma expressão de M. Perine 
– ‘diálogo de surdos’.
Nessa lacuna de experiências humanas imprescindíveis - como 
a de ser ouvido -, cresce outra experiência eminentemente dolori-
da e negativa, que é a experiência da solidão profunda e, com ela, do 
vazio.11 Muitas vezes, ela vem à tona na forma da agressividade para 
consigo e/ou para com os outros, outros que na verdade não estão 
próximos, ou nas mil e uma formas de adoecimento e mesmo de iso-
lamento. Outra face é o recurso muitas vezes utilizado da precisão 
do barulho, de ambientes muito frequentados e agitados para com-
pensar ou abafar o ‘barulho’ que a solidão faz por dentro. Ou ainda o 
recurso aos tranquilizantes e anestésicos que podem assumir a rou-
pagem da bebida e das drogas. Essa experiência também pode ser 
dita como aquela em que o homem esbarra no dia a dia com muitos 
11 Cf. E. Mounier, Ouvres I, p. 158-159.
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Diante do tipo de expressão religiosa distorcida, certamente ain-
da tem valor a crítica de Marx, para quem a religião seria o ‘ópio do 
povo’, lugar de ‘suspiro’do indivíduo atribulado. Certamente que 
Freud também teria uma pitada de razão ao detectar uma possível 
relação entre religião e ‘neurose coletiva’. Mas deixemos para outra 
ocasião o problema da dimensão religiosa no que ela tem de essen-
cial e no que ela tem de perversão. O perigo é quando se mata a pró-
pria dimensão por causa das distorções nas manifestações religiosas 
(iconoclastia). Importa ainda inserir aqui o problema da multiplica-
ção das religiões, o que aponta para o relativismo religioso, ou da 
religião segundo o interesse e agrado de cada um, o que não deixa de 
ser mais um problema de individualismo com sua marca de solidão.
A enumeração de problemas do homem do nosso tempo poderia, 
certamente, se prolongar indefinidamente. Para este momento cito 
apenas mais um que considero muito importante. Trata-se do fato 
de uma crescente crise das utopias, do refluxo dos ideais políticos e 
sociais, da inércia dos movimentos de reivindicação, denotando a 
descrença na via pública como caminho de instauração do humano, 
vivida como frustração coletiva. Parece haver uma simetria - recí-
proca - entre baixa nas coisas humanas e desencanto público, i.é, 
uma coisa traz consigo a outra. Parece que o princípio liberal laissez-
faire, laissez-passer, tomou conta dos espíritos como espírito do tem-
po, embotando a força do possível, que anda junto com a esperança.
E, contudo, sabemos que não podemos ceder ao comodismo, 
pois teríamos que admitir o absurdo como o caminho da razão. 
Decerto é possível de se fazer alguma coisa em qualquer tempo, 
mesmo que seja a reflexão que muitas vezes protelamos, mas que 
agora encontramos um tempo para fazê-la. E se, pela reflexão, 
em prol de uma tecnicização crescente. Com o encurtamento da lin-
guagem, encurtou-se a compreensão do ser, do ser do homem. 
Muitas palavras tornam-se oficialmente ocas e supérfluas porque 
já não significam experiências humanas atuais; muitas palavras e 
símbolos já não nos levam a pensar - pelo menos espontaneamente 
- sobre o ser, ou então foram corroídos em seu sentido. Para ilustrar 
isso, basta um só exemplo: o da Aliança. A aliança, palavra e símbolo, 
já não é mais aquela. No geral, ela já não representa o compromisso 
e a opção radical e livre de assumir o outro como partícipe de uma 
história comum na busca do contentamento recíproco e tantas outras 
qualidades do ser que se assentavam nela. A aliança virou conchavo 
e cumplicidade, pervertendo-se no seu começo e no seu fim.
Se ousarmos um pouco e nos referirmos ao âmbito religioso da 
vida, o que vemos é uma acentuada e massacrante atitude icono-
clasta: morte não apenas aos símbolos de humanidade, morte aos 
mitos, aos ídolos; morte aos deuses e - no caso do ocidente - como 
apregoou Nietzsche, ‘morte de Deus’. É o homem concreto tentando 
viver, segundo o mesmo Nietzsche, ‘para além do bem e do mal’. 
Com efeito, o nosso homem - na sua pretensão de senhorio absolu-
to sobre o mundo, sobre si, e de contraditória auto suficiência - já 
não se refere ao transcendente, quando este ainda permanece no 
horizonte, numa relação profunda e reconhecedora da finitude hu-
mana. Muitas vezes, a dimensão religiosa serve de álibi, de muleta 
para as intempéries da vida; outras vezes, a relação com o divino 
se reduz a um comércio: se a divindade existe, ela já não pode ser o 
que ela é, mas segundo as necessidades e projeções do desumani-
zado homem. No outro extremo, quando já não há lugar para a fé, 
temos a multiforme teia do ateísmo.
 20Antropologia Filosófica
DA ABERTURA 
ONTOLÓGICA DO 
SER HUMANO
2.1. 
Preâmbulo
Quem é o Homem? Esta é uma pergunta que se impõe sobre nós, tan-
to na vida cotidiana quanto na ciência, na filosofia e em todos os 
âmbitos do saber e da práxis humana. Nós nos perguntamos pelo 
mundo, pelas coisas, pela matéria, pela vida, por sua essência e por 
suas leis, pelo universo e pelo Infinito; nós nos perguntamos pelo 
sentido de tudo. Mas a pergunta ‘quem é o homem?’ possui caracte-
rísticas especiais, porque diz respeito e afeta diretamente ao homem 
que interroga, porque o homem se põe a si mesmo sobre a mesa de 
discussão. É o homem se perguntando por sua própria essência, por 
aquilo que faz de cada ser humano alguém pertencente à Humanida-
de e radicalmente distinto dos outros seres ou entes da realidade que 
o homem experimenta. O ser humano se experimenta como diferen-
te de tudo o que é algo, de tudo o que é isto ou aquilo. 
A pergunta sobre o Homem – sobre o ser humano em geral – é 
uma questão problemática para o próprio homem, sobretudo em um 
tempo em que a realidade como um todo ameaça o homem, realida-
de que põe em dissolução os marcos de referência que estruturavam 
conseguirmos adentrar no como vão as coisas, então já estaremos 
andando bem melhor.
Essa parte de nossa exposição sobre o problema do homem pode 
ser dita sinteticamente em alguns pontos, perfilados a seguir.
1. Se o individualismo fosse o canal, o caminho por excelência da 
realização humana, então o homem não iria de mal a pior, não 
padeceria de uma estranha doença;
2. O ‘Id’ de Freud se realizou abundantemente sob a forma do li-
beralismo sexual - inclusive no realismo da exploração, uso e 
abuso da sexualidade -, e nem por isso o mal-estar na cultura 
diminuiu; ao contrário, alastrou-se prodigiosamente, sem que 
possamos depositar a culpa no ‘Superego’, que gradativamente 
foi perdendo força;
3. O niilismo ético, defendido por Nietzsche como necessário ao 
advento do super-homem na sua busca de consumação da von-
tade de poder, tornou-se realidade. Entretanto, nem por isso te-
mos super-homens, mas sim um submundo (des)-humano que 
cresce a olhos vistos. Isso é perceptível sem que precisemos 
discursar sobre o medo da violência, que afeta, inclusive, aque-
les que detêm oficialmente o poder;
4. Se as experiências significativas de uma humana vida se tor-
nam cada vez mais difíceis, então é compreensível a crise de 
Esperança acerca da realização do homem dentro de uma co-
munidade razoável, que conseguiu eliminar a violência;
5. Para aquele que adere à lógica da eficácia – mecanismo – e nela 
se torna individualista, o preço a se pagar - e não é o único - 
será a violência em si mesmo, sob a forma do vazio e da solidão, 
mesmo que isso demore.
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vem a segunda, como a outra face da primeira: somente posso per-
guntar se conheço algo daquilo pelo qual pergunto, sobre o obje-
to da pergunta, mesmo que seja apenas a palavra que o exprime. 
A pergunta, toda pergunta, com interesse cognoscitivo, pressupõe 
sempre uma espécie de pré-conhecimento sobre aquilo que se deseja 
conhecer. Assim, a pergunta sobre o ser do homem somente é possí-
vel dentro de um horizonte explorado anteriormente, que ultrapas-
sa a cada homem tomado em si mesmo, mas que ainda não diz de 
maneira clara – e suficientemente profunda – a resposta que aquele 
que interroga busca.
Se o homem se pergunta por seu próprio ser, é porque ele sem-
pre tem um conhecimento prévio de si mesmo, e porque o homem 
se manifesta como Consciência e Compreensão de si próprio. Por 
isso, o homem é capaz de elevar-se acima da vinculação cega à na-
tureza, como acontece com os animais. Somente porque o homem 
sabe de si mesmo – e se compreende – é possível também que pos-
sa perguntar-se. Mas é também porque não se compreende de um 
modo total – porque continua sendo para si mesmo um mistério, 
um enigma a desvendar – que o homem se pergunta e volta a per-
guntar. Por um lado, o homem se sabe como um ser que se pos-
sui espiritualmente, que se compreende a si mesmo; por outro, o 
homem está ligado, travado na obscuridade da realidade e aconte-
cimentos que dificultam e, muitas vezes, o impedem de chegar à 
plena compreensão de si mesmo.
Aquilo que o homem sabe de si mesmo de modo originário, ime-
diato – pela simples experiência de viverno mundo com outros 
homens –, precisa ser trazido à luz e Ter uma expressão reflexiva. 
Em outras palavras, aquela auto compreensão originária, aquele 
tradicionalmente o sentido e a vida e ameaça o homem com o absur-
do, o sem-sentido da existência. Como a vida do homem se faz e se 
inscreve no tempo, fazendo dele alguém histórico, e como o tempo 
humano sofre constantes e, muitas vezes, profundas mudanças, o 
homem precisa sempre, de novo, responder a si mesmo a pergunta 
sobre o seu ser, sobre o seu lugar no mundo e sobre o sentido – que 
espera verdadeiro – de sua existência. O homem é, pois, logo de saí-
da, o ser que se interroga: ele pode e deve perguntar, perguntar sobre 
a totalidade do que o envolve, perguntar-se sobre o seu Si (Soi).
Pois bem, dos entes de que temos notícias, ou até onde chega 
nosso conhecimento sobre a multiplicidade dos entes no mundo, 
só o homem é capaz de perguntar. Com efeito, a planta, as pedras, 
os animais, etc., são incapazes de perguntar. Esses seres tem uma 
existência que não lhes coloca problemas; em sentido estrito, não 
problematizam a realidade, não ultrapassam o horizonte daqui-
lo que a sua presentidade, ou imediatidade, coloca-lhes. O animal 
permanece ligado ao dado concreto de um determinado fenômeno, 
sem poder elevar-se acima ou perguntar-se pelas razões de ser do 
mesmo. Somente o homem é, por assim dizer, habitado pela possi-
bilidade e pela necessidade de perguntar. Esse é um traço peculiar e 
distintivo do homem; por ele, o homem transcende a realidade dada 
buscando o seu fundamento.
Mas, eis que se impõe, para aquele que reflete sobre si e se perce-
be perguntando, uma questão importante – e mesmo decisiva: quais 
as condições que permitem ao homem a elaboração e formulação da 
pergunta? A primeira condição é esta: somente posso perguntar se 
desconheço aquilo pelo qual pergunto, pois, se eu já conhecesse, 
certamente não seria preciso e nem faria sentido perguntar. Logo 
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ações que introduzo na realidade, estão remetidas a mim, ao meu 
Eu. No que tange às ciências, ao formular suas hipóteses acerca do 
homem, elas dão por suposto esse horizonte ao qual se refere o par-
ticular que elas investigam; todas as ciências são particulares por 
seu ponto de vista; todas as ciências são parciais em seu conteúdo, 
mesmo que tenham a pretensão à universalidade.
Anterior a qualquer conhecimento e compreensão explícitos e de-
terminados, existem uns dados concretos que constituem um todo 
ao qual o particular está pré-ordenado. Trata-se de um horizonte ao 
qual todo particular está relacionado, e no qual encontra o seu sen-
tido. Esse horizonte abarca a nossa conduta, a nossa linguagem; os 
nossos conhecimentos teóricos são condicionados por ele; a nossa 
vontade, atuação e práticas são afetadas por ele; até mesmo a nossa 
capacidade de imaginar e desejar é influenciada por ele em seus con-
teúdos e registros. Esse horizonte, formado pela nossa compreensão 
e pré-conhecimento de nós mesmos e do mundo, cresce com nossas 
experiências, e as nossas experiências são influenciadas por ele. Com 
isso, toda vez que quisermos compreender o todo do homem partindo 
de um traço, de um fenômeno particular, estaremos correndo o risco 
de elaborarmos uma falsa interpretação do homem. O ser humano se 
significa numa pluralidade essencial de dimensões nas quais experi-
mentamos a nós mesmos e o mundo; o homem se experimenta como 
uma totalidade concreta que fundamenta a pluralidade numa unidade 
estrutural. Essa dialética de mútua implicação entre totalidade e par-
ticularidade constitui-se numa situação intransponível do homem.
Para compreendemos corretamente o homem, temos que, por um 
lado, levar em consideração essa problemática do todo do homem, que 
se compreende como unidade; por outro lado, temos que partir sempre 
pré-conhecimento de si mesmo que sempre possibilita, acompanha 
e penetra todos os nossos conhecimentos, a linguagem e as ações, 
deve expor-se, iluminar-se tematicamente por uma reflexão do que 
nós somos e do que experimentamos e entendemos continuamen-
te. Essa tematização explícita do pré-conhecimento que sempre nos 
acompanha não é tarefa muito fácil, pois sempre é possível a influ-
ência de pontos de vista distorcidos – e mesmo errôneos – que fazem 
parte desse horizonte, e podem conduzir a interpretações unilate-
rais, deficientes e redutoras do ser humano. Às vezes, fomos criados 
num ambiente preconceituoso, e isso incidirá na densidade de nossa 
avaliação e compreensão do humano. Além do mais, a situação do 
homem é provedora de novas profundidades, mistérios e novidades 
que provocam novas perguntas e, muitas vezes, podem nos desviar 
daquela pergunta decisiva acerca do nosso ser, ou fazer a nossa tota-
lidade girar ao redor de apenas uma experiência do tempo presente.
As diversas ciências que investigam o homem tratam-no como 
um objeto de estudo, abordam-no sob diferentes e múltiplos prismas 
e chegam a muitos resultados. O problema do homem, nas ciências 
humanas, é que os resultados a que elas chegam a respeito do mes-
mo homem são, muitas vezes, contraditórios, esfacelados, centrados 
numa multiplicidade de pontos de partida onde se elege, a cada vez, 
um traço humano como o capital, que serve de chave interpretativa 
para a totalidade. Será que o homem é essa multiplicidade de resul-
tados desconexos? Será que é essa a experiência humana mais fun-
damental? Ora, o homem, antes de tudo, experimenta-se como um 
todo, e tem uma pré-compreensão desse todo que ele é. Nós sabemos 
que, por mais que seja variável o leque das nossas ações, todas elas 
estão remetidas a um centro irradiador, que é cada um. Eu sei que as 
 23Antropologia Filosófica
Com efeito, de acordo com o primeiro lado da dialética, o homem 
é determinado, em muitos sentidos, pelo mundo das coisas e objetos. 
Nossa vida corporal e biológica está inserida num mundo vivo, di-
nâmico, e está submetida às suas leis físico-químicas. O homem é 
referido ao mundo que nos oferece alimento e vestuário, no qual tra-
balhamos para podermos viver como humanos. Sem esse mundo – 
sobre o qual os homens põem os seus pés e o transformam com suas 
mãos, mas sempre a partir das possibilidades dadas desse mesmo 
mundo – o homem não poderia viver. Com isso, pensar o homem im-
plica, necessariamente, incluir o lugar e o sentido do mundo para o 
homem. Entretanto, o homem é, sobretudo, determinado pelo mun-
do dos homens; todo homem procede de uma comunidade concreta, 
nela nasce e se desenvolve, aprende sua língua, seus costumes, par-
ticipa de seu espírito e de sua cultura. O homem está determinado 
pelo mundo cultural em que vive; ele é formado na sua condição de 
sujeito em sociedade e sob as condições históricas, materiais, cultu-
rais e institucionais dessa sociedade. Tais condições determinam, 
em larga medida, a forma de vida, os costumes, o conhecimento, o 
querer, a prática e o sentido de sua vida. A pertença ao mundo dos 
homens numa comunidade histórica e atual marca, de forma deci-
siva, a existência humana, de modo individual. Assim, o homem é 
referido e é determinado pelo mundo em que vive.
Contudo, segundo o outro lado da dialética, o homem determina 
o seu mundo. Em verdade, o homem, enquanto vive no mundo, não 
é meramente passivo e determinado por ele. O homem não está 
simplesmente imerso na exterioridade; o homem é também inte-
rioridade, sujeito ativo do mundo e da história. Ele tem um mundo 
na medida em que o concebe e o realiza. O conhecimento não é 
do homem concreto, dos fenômenos da auto realização humana, nos 
quais nos experimentamos e nos entendemos, nos quais o todo do 
homem se manifesta. Daí, partimos desses fenômenos e nos pergun-
tamos pelas suas condições de possibilidade. Trata-se de buscar – e de 
se perguntar – pelos traços que constituem cada um dos homens em 
particulare do ser humano em geral. Em outras palavras, buscamos o 
universal em cada homem – a constituição ontológica do homem – a 
partir da sua manifestação dentro de um determinado mundo, no en-
contro e confronto com os outros homens, dado que a compreensão 
sempre ocorre num mundo, de múltiplas maneiras, comum.
2.2. 
O Homem é um ser-com-os-outros-no-mundo
O fenômeno fundamental da experiência humana é que nos encon-
tramos sempre no meio de uma realidade complexa, no meio das 
coisas e dos homens, com os quais entramos em contato. Esse fenô-
meno talvez seja o mais esquecido pela maior parte dos chamados 
humanismos modernos e contemporâneos. De fato, o homem não é, 
originariamente, um sujeito puro, sem história e sem mundo. O ho-
mem não é e nem seria capaz de ser num curto-circuito consigo mes-
mo; ele não se encontra numa consciência de si fechada; nós sempre 
nos encontramos numa rede ilimitada de relações e estruturas que 
nos situam aqui e agora e que, em grande medida, determinam-nos e 
nos abrem possibilidades. O homem, inevitavelmente, até para apa-
recer no e ter um mundo, é um ser-em-relação, relação – com os ou-
tros e com o mundo – que, como veremos a seguir, é dialética.
 24Antropologia Filosófica
metas de vida. As experiências fazem parte, pois, do nosso mundo, e 
este se torna o horizonte para novas experiências.
Em segundo lugar, o nosso mundo é experimentado como espa-
ciotemporal. Isso significa: percebemos o espaço como um todo, no 
qual realizamos as coisas e as transformações particulares; perce-
bemos o tempo como a totalidade de um decurso unitário, no qual 
se sucedem os eventos particulares. Tudo tem o seu aqui e agora no 
espaço e no tempo. Nós apreendemos conteúdos de sentido, valores, 
normas de ação, etc., que ultrapassam o aqui e agora, e constituem o 
nosso mundo como horizonte mais amplo; tal horizonte torna pos-
sível a compreensão e a análise crítica das situações atuais.
Em seguida, e sobretudo, o mundo do homem é um mundo inter-
subjetivo. Sem dúvida, a nossa situação, tanto presente quanto cons-
titutiva, é uma situação de relação com os outros seres humanos. 
É na relação social – e pessoal – com o outro que nós crescemos 
e nos realizamos como seres humanos; é aos outros que estamos 
ligados por uma relação de amor e confiança, ou de desconfiança e 
dominação. Antes das diferentes manifestações dessa relação com 
o outro, há um factum: nós nascemos de dentro do outro e nós nas-
cemos dentro do mundo do outro, com suas estruturas, cultura e 
historicidade, no seu horizonte. Sendo um factum, é algo intrans-
ponível, irremovível, é algo primigênio, é condição do aparecer e do 
constituir-se do humano. Em concreto, é com os outros que vive-
mos e agimos no mundo. Nessa relação é que cresce e se desenvolve 
um mundo humano; nessa relação é que participamos das experi-
ências, ideias e convicções dos outros. Muito do que conhecemos 
e experimentamos dos outros entra em nosso mundo, passando a 
fazer parte do horizonte em que cada um determina a sua ação. Esse 
só receptivo, mas exige engajamento, atuação, confronto e tomada 
de posição julgadora. O homem realiza, objetiva os seus próprios 
planos e ideias, metas e projetos através da ação livre, da obra que 
introduz no mundo, na expressão corporal, no trabalho. O mundo 
das coisas se torna então um mundo humano, configurado pelo 
homem, pela ação e pelo sentido que o homem dá às coisas. Dessa 
forma, a natureza se torna cultura, e o homem se mostra, por na-
tureza, um ser cultural; o mundo já não se reduz a um conjunto de 
fenômenos regulados por leis mecânicas, mas se torna o espaço 
humano de vida.
Portanto, o homem é um ser-em-relação com o mundo, mundo 
que, por assim dizer, antecede e determina, mas também é determi-
nado pelo homem. O que o homem experimenta e compreende de si 
é o resultado dessa relação dialética entre ele e o mundo constituído, 
entre interioridade e exterioridade. Tal relação é aberta e histórica, 
exigindo uma compreensão continuada do seu devir e da sua ex-
pressividade pelo homem.
A partir das considerações feitas, vejamos agora o que significa 
propriamente mundo, nos seus aspectos e estruturas fundamentais. 
Em princípio, e de forma genérica, o mundo é a totalidade do nosso 
espaço concreto de vida e horizonte de compreensão. Quais são, em 
concreto, os elementos constitutivos do mundo do homem? Vejamos.
Em primeiro lugar, o mundo do homem é constituído pela tota-
lidade atual de nossas experiências. Experimentamos o mundo en-
quanto o compreendemos pelo nosso conhecimento – e nos apro-
priamos dele e o determinamos pela ação, pela tomada de posição –, 
enquanto apreendemos relações de sentido, enquanto aprendemos 
e criamos valores, enquanto tomamos decisões e nos propomos 
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tradição encontra seu lugar e sua expressão. Numa comunidade, o 
passado tem sentido; pela linguagem é que recuperamos a memó-
ria do vivido. Com isso, a linguagem é o elemento fundamental do 
nosso mundo de compreensão: toda a vida do homem é simbólica, 
os símbolos manifestam o homem; a linguagem é o símbolo por ex-
celência da vida humana.
Por fim, e a partir da linguagem, chegamos a mais um elemen-
to constitutivo do mundo humano: o mundo humano é um mundo 
histórico. Falar em historicidade é falar em presente, passado e futuro. 
Com efeito, a vida – as relações dos indivíduos – é interligada e entre-
tecida numa realidade histórica mais abrangente; cada indivíduo hu-
mano é influenciado por um passado que opera no presente e deter-
mina interna e externamente nossa existência no mundo, acerca do 
que poderemos viver. O passado marca, mas marca definitivamente. 
Eventos históricos, experiências feitas, decisões tomadas continuam 
a determinar-nos. A realidade econômica, política, social e cultural é 
dada ao indivíduo com a sua situação e densidade históricas. O pas-
sado é o ‘lugar da faticidade’, do imutável: o que foi feito, feito está.
Mas à historicidade do homem e do seu mundo pertence também 
o saber da história. Em verdade, quanto mais sabemos sobre a nossa 
realidade histórica, maior será a nossa visão sobre o presente; rela-
ções existentes e concepções vigentes podem mais facilmente ser 
relativizadas, questionadas ou integradas num horizonte ulterior. O 
presente ‘é o lugar do aqui e agora’, das nossas decisões e ações, ele 
é, propriamente, o instante em que inscrevemos mais experiências e 
significações no horizonte particular e comum de uma comunidade. 
À mesma historicidade do mundo humano pertence também – 
e, sobretudo – a possibilidade de transcender o presente, de criticar 
mundo comum aperfeiçoa-se, continuamente, na troca de opiniões, 
de conhecimentos, de avaliações na comunidade de experiências. 
Forma-se, pois, um mundo comum de compreensão, sem o qual 
não seria possível a nossa formação humana, nem a criação da cul-
tura ou a ciência; numa palavra, não seria possível a vida humana 
no mundo. Assim, o mundo humano é intersubjetivo, e o homem é, 
constitutivamente, referido ao outro.
Em quarto lugar, o mundo do homem é sempre mediatizado pela 
linguagem. A linguagem é algo central na vida humana; sem ela, não 
seria possível a comunidade. Mais do que ter linguagem, o homem 
é linguagem. O mundo que o homem cria é o mundo das expres-
sões do homem; a linguagem é a expressão do ser-com-os-outros no 
mundo. Os primeiros anos de vida do homem são de aprendizagem; 
ensinar uma língua a uma criança é transmitir-lhe um mundo cul-
tural, um espírito comum inscrito no tempo. Nesse sentido, toda 
análise compreensiva da realidade humana passa, inevitavelmente, 
pela análise da linguagem. De fato, pelo aprendizado de uma língua 
determinada, entramos no mundo humano, crescemos no contato 
pessoal e na comunicação com os outros, criamos relações inter-
subjetivas, pensamos, compreendemos e agimos. Sem a linguagem,nem poderíamos pensar. Nesse mundo humano mediatizado pela 
linguagem, a linguagem falada tem primazia sobre as outras, porque 
ela estabelece sempre uma relação direta com o outro, produz o en-
contro e traduz a expressividade das relações.
Disso decorre que é pela linguagem que todo homem recebe uma 
determinada interpretação do mundo, pois a linguagem é forma-
da sempre numa e por uma comunidade histórica, na qual nos são 
transmitidas determinadas formas de pensar e agir, na qual toda a 
 26Antropologia Filosófica
mem e do animal. Enquanto o comportamento, humano na inves-
tigação científica atual – mesmo depois das tentativas de redução 
à Genética –, é designado como aberto, o comportamento animal é 
tido como ligado ao ambiente.
Em primeiro lugar, o comportamento animal é fundamentalmen-
te caracterizado como ligado ao ambiente. Mas o que é o ambiente? 
Ambiente significa um espaço determinado de vida ao qual o animal 
está fixado especificamente. Não se trata apenas de um espaço geo-
gráfico, mas da imediatidade dinâmica das condições e das coisas 
nas quais e com as quais o animal vive. Numa palavra, o ambiente 
do animal é a natureza, ou o mundo natural em sentido estrito.
Em segundo lugar, o comportamento animal é designado pela 
percepção sensível. Com efeito, o animal reage totalmente ou não 
reage; tudo depende de como ele capta – sensivelmente – ou não 
um determinado conteúdo do ambiente que ponha em movimento 
a sua instintividade. Nesse sentido, o animal não tem, propriamen-
te, um ‘mundo’.
Em terceiro lugar, o animal tem uma memória sensível, que pode 
armazenar impressões e vivências que de novo são despertadas por 
ocasião semelhante de impressões. É o caso do ‘gato que tem medo 
de água fria’. Isso pressupõe no animal um centro sensível de opera-
ções, que recebe as percepções e dirige a reação. Porém, a percepção 
sensível e as formas de reação permanecem ligadas ao ambiente.
Em quarto lugar, o animal é um ser especializado biologicamente 
para determinadas condições ambientais. O seu corpo, a formação 
de seus membros e o modo de alimentação e de viver são apropria-
dos para um determinado ambiente; nele, o animal está capacita-
do para exercer domínio, porque seus membros são formados em 
o negativo existente e projetar novas possibilidades históricas de 
existência. Sendo o homem capaz de se distanciar do presente, pode 
criticá-lo e vê-lo como não adequado. O futuro ‘é o lugar do possível’, 
daquilo que ainda não é, mas que pode vir-a-ser; por essa dimen-
são da historicidade do mundo humano, o homem pode levantar os 
possíveis mais próprios para a sua vida e para a vida da comunida-
de, pode projetar seu desejo e suas esperanças, na direção dos quais 
pode mover suas decisões e ações.
Esses cinco elementos constitutivos do mundo humano mostram, 
pois, que o homem não é puramente condicionado pelo acontecer his-
tórico mais abrangente; cada homem é um ser que tem de configurar 
sua história por sua ação livre, e nessa história precisa realizar a sua 
vida. Assim como o homem determina o mundo das coisas, e assim 
também o homem determina a história, o mundo se torna mundo 
humano, e a história uma história propriamente humana. Assim, só 
é compreensível a vida humana como a vida num mundo histórico. 
Temos, então, uma síntese antropológica muito importante: o ho-
mem é, essencialmente, um ser-com-os-outros-no-mundo, e o mundo 
do homem é o espaço concreto de vida formado pela totalidade desses 
elementos que constituem o horizonte da compreensão do homem.
2.3. 
A Abertura como o Modo humano de 
Ser-Com-Os-Outros-No-Mundo
Comecemos analisando as condições biológico-corporais humanas 
que possibilitam a abertura humana propriamente dita. Para tanto, 
procederemos a um desvio que confronta o comportamento do ho-
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mundo’. Na prática – e sem dúvida –, cada homem tem também um 
ambiente limitado, entendido como imediatidade da situação dada. 
Contudo, esse ambiente não é fixo em sua estrutura, nem limitado 
pela especialização biológica ou pela ligação ao instinto e a sua se-
gurança. O ambiente do homem é, simplesmente, o ambiente ime-
diato das pessoas, das coisas, da sociedade, etc., ou seja, o mundo do 
homem; esse ambiente humano, por sua vez, é essencial e constitu-
tivamente aberto à totalidade maior de um mundo que, como vimos, 
forma o horizonte total da experiência e da compreensão.
A partir dessa abertura, aparecem as características específicas 
do comportamento humano. A primeira diz respeito às condições 
biológico-corporais do homem. Com efeito, o equipamento bioló-
gico do homem, em comparação ao do animal, apresenta uma au-
sência de especialização. Em relação ao animal, o homem é um ser 
defeituoso, pois, se tivesse que viver como o animal, seria o mais 
despreparado de todos, e desapareceria. O homem se mostra despre-
parado para o ambiente, sem vestido natural para o calor e para o 
frio, sem armas naturais para a sua defesa, sem instrumentos natu-
rais para prover o alimento.
A segunda característica do comportamento humano é que, o 
que, em relação ao animal, aparece como deficiência, mostra-se, do 
ponto de vista da existência humana, a condição de possibilidade 
mais imediata para uma vida livre do ambiente e aberta ao mundo. 
Na verdade, na sua configuração biológica, o homem é aberto e capaz 
de adaptação e acomodação. Os nossos membros, sendo abertos, são 
polifacéticos, são a expressão de nós mesmos, capazes de uma mul-
tiplicidade de atividades superiores. Por exemplo, a mão recebe o seu 
sentido do ser todo do homem, ela pode ser órgão de contato ou de 
consonância com o ambiente, como instrumentos e armas para o 
ataque e defesa. O animal sofre os processos evolutivos gerais que 
habitam a natureza e a sua própria espécie, mas permanece ligado 
às condições do ambiente. Assim, mudanças radicais no ambiente 
podem provocar a extinção da espécie.
Em quinto lugar, o animal está ligado ao ambiente porque está 
ligado ao instinto. Por certo, o animal capta o ambiente de modo 
vital, instintivo; o animal só percebe conteúdos que oferecem sa-
tisfação ou provocação ao instinto. Sua percepção sensível é refe-
rida rigorosamente à instintividade; ele tem uma segurança ins-
tintiva que está a serviço do comportamento ligado ao ambiente. O 
animal é seguro de sua vida porque o instinto lhe é suficiente para 
viver no seu ambiente.
Mas o que é o instinto? É um comportamento hereditário, inato, 
fixado especificamente para a conservação da vida do animal. É um 
modo de comportamento que surge com o mesmo ser vivo animal; o 
animal tem certo espaço de movimentos ‘livres’, mas, rigorosamen-
te, não pode inventar, criar. 
Por fim, o animal também capta certas experiências práticas, po-
rém, de novo, isso está ligado ao instinto. Mesmo o comportamento 
‘inteligente’ do animal não ultrapassa as suas possibilidades instin-
tivas; o animal não consegue se distanciar nem do ambiente, nem de 
si mesmo, mostrando uma estreita conexão entre comportamento, 
instinto e ambiente. Nesse sentido, o animal não é capaz de história 
e cultura. (Apesar de gostarem tanto de bananas, os macacos não se 
decidiram a plantá-las!).
Vejamos agora o comportamento do homem. A tese aqui é a se-
guinte: o comportamento humano se caracteriza pela ‘abertura ao 
 28Antropologia Filosófica
assim, o homem precisa confrontar-se, constantemente, com as si-
tuações dadas, procurar o comportamento mais adequado, encon-
trar as mediações mais apropriadas para satisfazer seus instintos, 
suas necessidades em geral. A natureza do homem é, pois, aberta.
Isso mostra que o homem é um ser inacabado. Esse inacabamento 
do homem mostra-se não apenas em sua peculiaridade biológica – 
que não é especializada para determinados ambientes –, mas em todo 
o seu comportamento, o qual não é determinado por esquemas ins-tintivos. Esse inacabamento mostra que o homem tem de conseguir 
configurar o seu mundo por própria ação, e tem de realizar-se em seu 
mundo para tornar-se plenamente um ser humano. O homem é dado 
a si mesmo como uma tarefa a realizar; ao transcender o ambiente e 
o instinto, o homem alcança um horizonte propriamente humano.
Podemos designar esse comportamento humano como capacida-
de de distanciar-se. Essa quarta característica inclui e suprassume as 
anteriores. Com efeito, o homem pode distanciar-se das coisas e dos 
outros porque ele não experimenta o mundo imediatamente ligado 
ao ambiente e ao instinto; o homem pode também distanciar-se de 
si mesmo e, nisso, ultrapassa o seu ser natural instintivo. E, distan-
ciando-se de si mesmo, o homem vê surgir em si a possibilidade 
de experimentar o seu mundo como a totalidade de uma realidade 
efetiva dada previamente a ele, totalidade feita por outros homens e 
também modelada por ele. Assim, o homem vive na totalidade de um 
mundo essencialmente aberto, e o homem é aberto a esse mundo.
Os fenômenos descritos acima mostram uma lei fundamental de 
todo o comportamento humano: o homem vive na mediação. O ani-
mal vive na imediatidade; o homem, na mediação. O homem, pois, é 
outro tipo de ser, o homem não é um animal.
trabalho, órgão de apropriação das coisas ou símbolo da intervenção 
do homem no mundo, sinal de um gesto de mão estendida ou atitu-
de de fechamento, sinal de oração e de partilha, sinal revelador de si 
e de doação ou sinal de violência e egoísmo.
Afirmações semelhantes podemos fazer a respeito do rosto. 
Trata-se da parte do corpo humano mais diferenciada morfologi-
camente e mais finamente modelada do ser humano. O rosto é a 
manifestação por excelência da pessoa; é no rosto que a consciên-
cia aflora e se mostra; nele, dizemos nossa tristeza e nosso con-
tentamento, assentimos e acolhemos o outro; nele, dizemos nosso 
afastamento e nossa recusa. O rosto é um atestado de si mesmo. O 
homem é o único ser no mundo que tem rosto, porque é o único 
que, estritamente, pode manifestar-se. O rosto é interpretação e in-
terpelação humana, porque cada rosto é único, porque não há dois 
rostos iguais; cada rosto é uma versão inédita. A violência contra o 
rosto é a que dói mais, porque machuca o que em cada um é único, 
singular. Porém, como o homem é aberto, o rosto também pode se 
tornar sinal e lugar de vedetismo, pode transmutar-se em objeto de 
consumo, em coisa, em mercadoria.
A terceira característica do comportamento humano é que, com-
parado ao animal, o ser humano mostra uma pobreza de instintos. 
Na verdade, o homem carece de verdadeiros instintos. A criança 
precisa, durante muito tempo, de total proteção e ajuda, e precisa, 
paulatinamente, aprender a orientar-se no mundo. Os instintos no 
homem existem, mas são abertos, não fixados, possuem uma his-
tória, só se formam por costume e educação. É o homem que dá a 
significação aos instintos e decide a forma de satisfazê-los ou não. 
Em outras palavras, o instinto no homem é indeterminado; sendo 
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da abertura do homem, que é a abertura para a história. De fato, o ho-
mem tem de configurar o seu mundo pela própria ação, autodetermi-
nar-se; ora, o resultado dessa autodeterminação de seres conscientes 
é o que chamamos de História.
Um ser que não está determinado por um mundo fixo – e cuja 
característica fundamental é a automedicação – é um ser que com-
preende, um ser consciente de sua situação no mundo. O homem é 
consciência compreensiva. A consciência, nesse sentido, não é uma 
faculdade que se acrescenta ao homem, mas é algo constitutivo do 
ser do homem. Ele é um ser consciente que compreende a sua rela-
ção com o mundo; para poder viver, o homem precisa compreender 
a vida. Assim, todos os fenômenos da vida, mesmo os mais banais, 
são sempre fenômenos com sentido. Os movimentos da vida coti-
diana, como o andar, sentar, comer, as necessidades, os impulsos, as 
tendências, são sempre fenômenos compreendidos, interpretados, 
significados; é a compreensão que orienta a sua atividade. Sem cons-
ciência, não existe realidade; para que haja realidade para mim, é 
necessário que eu tome consciência dela.
Vejamos então como é a estrutura da consciência. Com efeito, por 
um lado, o homem é consciência situada. O homem não é consciência 
independentemente da experiência, nem consciência como reflexo 
do dado experimental; a consciência é sempre situada aqui e agora. 
O homem está sempre referido aos dados da experiência, às condi-
ções naturais, sociais e culturais de sua existência. Essas condições 
reais são sempre limitadas; os limites podem ser variados, diminuí-
dos, estendidos, e muitos deles nunca suprimidos.
Por outro lado, a consciência do homem é consciência do possí-
vel. Isso significa: o homem tem consciência de compreender e está 
Retomemos as características do comportamento humano acima 
indicadas, mas agora sob o prisma da mediação. Em verdade, o com-
portamento humano pressupõe um distanciamento originário das 
coisas, do ambiente e da própria natureza instintiva. O homem se 
experimenta como um ser distanciado, pelo qual ele é um ser ativo. 
Tal distanciamento é a condição de possibilidade para um compor-
tamento ativo e, como tal, humano. Por esse distanciamento, o ho-
mem medeia a sua ação.
A relação do homem com o mundo é sempre mediatizada, por ele 
e para ele. Isso não altera os determinismos do mundo, suas leis; 
sem dúvida, a existência humana é sempre mediatizada pelo mun-
do, mas o mundo é mediatizado pelo homem e para o homem. Nesse 
sentido, o homem mesmo é a sua própria mediação, ele introduz 
conhecimento no mundo, ele projeta transformações no mundo a 
partir das perspectivas que abre para si mesmo.
Um dos elementos que caracteriza a existência humana – e seu 
essencial distanciamento – é a capacidade de dizer não. O dizer Não 
é como uma subversão dos dinamismos do mundo, é a atualização, 
aqui e agora, do poder de distanciar-se. Essa mediação ativa que ca-
racteriza o homem é, no fundo, o que, historicamente, chamamos de 
liberdade. Por certo, ela abarca o comportamento total do homem, e o 
homem se experimenta dado a si mesmo como liberdade. O homem 
se experimenta como liberdade e como inacabado; daí a tarefa ina-
lienável de cada homem: configurar sua vida, autoconstruir-se por 
sua liberdade. Assim, todo homem é livre para chegar a ser livre – 
realizando-se em liberdade – por autodeterminação.
Se o distanciamento frente ao ambiente e aos instintos era condi-
ção para um comportamento humano, vejamos agora a especificidade 
 30Antropologia Filosófica
dotado de consciência e linguagem, capaz de transcender, intencio-
nalmente, o dado imediato. A historicidade da consciência se dis-
tende, pois, entre o que o mundo lhe oferece, como já o efetivado 
ou dado no tempo, e o conjunto de possibilidades de vida a serem 
instauradas, também no tempo.
A necessidade de assegurar o próprio futuro impele o homem a 
construir o mundo cultural. O pensamento sobre o futuro tem um 
imenso poder sobre a fantasia, e esta, sobre a abertura das possibi-
lidades. Tal poder tem como condição o fato de que os instintos e 
pulsões humanas nunca chegam, no presente, à sua satisfação defi-
nitiva. A fantasia antecipa, nos seus desejos e imagens, o futuro que 
pode trazer o que o presente nos nega. E, porque pode transcender 
o presente, o homem tem também um passado em sentido estrito, 
como o diverso do atualmente dado ou factível. Porém, o passado, 
como lugar da faticidade, do irrevogável, do que não pode ser mu-
dado, suporta um saber a seu respeito, uma permanente reinterpre-
tação e atualização do sentido, que pode ser o vetor da abertura de 
novas possibilidades pela consciência.
Em outras palavras, se a consciência do homem é consciência 
no tempo, é porque ela se estende numa dupla

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