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TGD - TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO Disciplina: Transtorno Desintegrativo da Infância (TDI) Pedagógico do Instituto Souza atendimento@institutosouza.com.br Modalidade de Curso Curso Livre de Capacitação Profissional Página 1 de 15 TRANSTORNO DESINTEGRATIVO DA INFÂNCIA (TDI) Segundo o MEC, embora se tenha recorrido ao campo da psiquiatria para melhor compreender as manifestações do transtorno no cotidiano do aluno na escola, o empenho é contextualizá-lo no âmbito educacional. Nesse sentido vale abordar, também, as práticas escolares com o objetivo de propiciar a superação das dificuldades iniciais e o desenvolvimento de competências sociocognitivas das crianças com este transtorno. Espera-se que o conteúdo contribua com os professores que atuam na sala de aula comum e no Atendimento Educacional Especializado - AEE, quando estiverem diante da oportunidade de atuar junto ao aluno com Transtorno Global do Desenvolvimento. Desejamos a vocês uma ótima leitura, bons estudos e sucesso em suas práticas. Equipe Pedagógica do Instituto Souza Página 2 de 15 Transtorno Desintegrativo da Infância (TDI) O transtorno desintegrativo da infância (TDI) foi inicialmente descrito por Theodore Heller, um educador austríaco, em 1908. Heller relatou o caso de seis crianças que, após um desenvolvimento aparentemente normal nos quatro primeiros anos de vida, apresentaram uma grave perda das habilidades de interação social e comunicação. Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM-IV-TR) 2002, o transtorno desintegrativo da infância é também conhecido como Síndrome de Heller, Demência Infantil ou Psicose Desintegrativa. A atual Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva usa a terminologia transtorno desintegrativo da infância (psicoses) ao se referir ao público alvo do Atendimento Educacional Especializado. Para fins deste estudo, queremos fazer uma ressalva a respeito do texto que vocês encontrarão a seguir. Sem desmerecer a cientificidade do DSM-IV-TR, acreditamos que as características apresentadas para o transtorno desintegrativo da infância refletem uma visão mais pragmática e imediatista através de sinais e sintomas, não levando em conta a forma como o sujeito vive sua condição. É, portanto, uma classificação que merece ser estudada com cautela para que não se torne mais um rótulo, empobrecendo a perspectiva do sujeito, impossibilitando a leitura do professor sobre o aluno que se apresenta com esse diagnóstico na escola. Ratificando mais uma vez a importância do DSM, porém tendo em vista a necessidade de ampliarmos sua visão, traremos a seguir um pequeno aporte da visão psicanalítica a respeito da psicose. Essa escolha diz respeito ao fato de que a Página 3 de 15 Psicanálise traz pontuais contribuições a respeito dos aspectos psíquicos envolvidos no diagnóstico desses transtornos, bem como oferece questionamentos que poderão nos auxiliar para uma visão abrangente da psicose na escola. Vale lembrar ainda que, para a Psicanálise, a psicose infantil é uma estrutura diferente do autismo e dos demais transtornos globais do desenvolvimento tratados neste módulo. A VISÃO DO DSM-IV-TR A principal característica do transtorno desintegrativo da infância (TDI) é surgir após um período de dois anos de desenvolvimento normal e aparecer antes dos dez anos de idade. O TDI é acompanhado de uma regressão das aquisições já adquiridas nas seguintes áreas: Linguagem expressiva ou receptiva; Habilidades sociais ou comportamento adaptativo; Controle esfincteriano; Jogos ou habilidades motoras De acordo com Marcelli; Cohen (2009), no transtorno desintegrativo da infância, a perda das aquisições afeta particularmente a comunicação e a linguagem. O DSM- IV-TR enfatiza ainda que os indivíduos com esse transtorno exibem os déficits sociais, comunicativos e de comportamento observados no Transtorno Autista. Quanto à prevalência, o TDI é um quadro muito raro e específico de psicose e não se refere a todas as psicoses. O início do quadro se dá por volta dos três ou quatro anos e os principais indícios de instalação do transtorno incluem o aumento da irritabilidade e ansiedade, bem como a perda da fala e do interesse pelo ambiente. ALGUMAS REFLEXÕES DA PSICANÁLISE PARA O ENTENDIMENTO DA PSICOSE INFANTIL Para compreendermos a psicose infantil pelo viés da psicanálise, é preciso que primeiramente falemos sobre como um sujeito se constitui, bem como as falhas que poderão ocorrer nessa trajetória, caso ocorram impasses na constituição. Página 4 de 15 Na visão psicanalítica, o sujeito se constitui, ou seja, não está ali desde o início. Por isso se afirma que o bebê é um ―bolo de carne ou, para usar a definição de Lajonquière (2003), um acúmulo de partes: um monte de carne, unhas e cabelos, que para vir a se constituir como sujeito precisa de um outro primordial (geralmente a mãe) que oferecerá à criança um lugar de existência. Para que um bebê se constitua como sujeito, é preciso que a mãe ou quem exerça essa função delimite a geografia do corpo da criança numa espécie de mapeamento corporal através da fala, dos toques, dos carinhos. Um exemplo disso é o deleite que a criança sente quando a mãe durante as trocas ,por exemplo, beija, aperta, abraça esse sujeitinho contornando cada segmento do seu corpo através de um ―banho de palavras. É durante esse encontro que um organismo que é inicialmente biológico passará a existir e ocupar um lugar na família. Esse é o momento inicial de constituição do sujeito, chamado tempo de alienação, um tempo que é fundamental para que o bebê se constitua, sendo tomado pelo desejo materno. Diz-se que a alienação é uma das operações de causação do sujeito. O outro momento fundante do sujeito é o tempo da separação (LAZNIK- PENOT, 1997). Se a alienação é necessária para que o sujeito possa advir, é preciso, também, que se opere a separação para que a criança possa se afastar do laço maciço que a liga à mãe, podendo viver como um sujeito separado dela. A separação é operada pela função paterna. A função paterna é exercida pelo pai ou por outra pessoa que ocupe esse lugar, às vezes um tio, avô, ou até mesmo alguém que não tenha uma ligação direta com a família, porém é alguém que a mãe admira e tem como referência para si enquanto figura representativa da lei. É importante mencionar que a função paterna é simbólica, ou seja, na falta de uma pessoa que a realize, essa poderá ser exercida, por exemplo, pelo ator da novela da oito por quem a mãe nutre certa admiração. Ela tomará as falas desse personagem e transformará em lei os seus ditos toda a vez que se dirigir ao filho. Página 5 de 15 Com a entrada do pai na relação, o bebê sai da posição de único objeto de desejo da mãe que em função disso passa a realizar as atividades anteriormente exercidas, retomando sua vida. Esse geralmente é o momento em que a mãe retorna ao trabalho, vai para a academia de ginástica, volta a se enfeitar para o marido, etc. É um importante momento tanto para a mãe quanto para o bebê. E quando essa separação não acontece e a mãe toma essa criança para si impedindo que o bebê também busque outras pessoas e experiências além daquelas proporcionadas por ela? Podemos dizer que o pai (simbólico) não conseguiu entrar nessa relação, operando a separação; dizemos que falhou a função paterna. Nesse caso, mãe e filho formarão uma célula, permanecerão fusionados e um quadro de psicose poderá se instalar. Para tanto, na psicose, falha a função paterna, essa que porta a lei e interdita o vínculo mãe-bebê, lançando o sujeito para a vida. A criança psicótica fica então capturada aos desejosda mãe, não conseguindo dela se separar. Tal situação fará com que a criança tenha grandes dificuldades de ocupar o lugar de sujeito na vida. Para ilustrarmos um dos efeitos da não instalação dessa função, traremos a seguir um exemplo que reflete as falhas nesse processo quando observado na escola. Letícia, com diagnóstico de psicose e aluna de uma escola pública, não conseguia permanecer em sala com seus colegas. Fugia para o parquinho e ficava correndo entre os brinquedos. Gostava muito de ficar na sala da recepção da escola até o dia em que encontrou o filho da diretora que trabalhava na secretaria. Esse, ao vê-la fora da sala, falou em alto e bom tom que ela retornasse imediatamente para junto de seus colegas e que aquele era o momento de estar estudando. O rapaz a partir desse dia ocupou simbolicamente para Letícia o lugar paterno, aquele que a interditava toda vez que ela ultrapassa as regras da escola. Letícia fez outras investidas e muitas fugas se sucederam, porém, a professora lembrava-lhe que o filho da diretora havia dito que ela não poderia sair da sala à hora que quisesse. Aos poucos ela foi se organizando e saindo menos da sala de aula. Não se sabe por que Letícia tomou a figura do filho da diretora como o representante Página 6 de 15 da lei, o que sabemos é que às vezes essas crianças elegem um personagem e passam a tê-lo como referência. Nesse caso, um feliz encontro aconteceu entre Letícia e o filho da diretora. Este conseguiu ocupar o lugar da lei, exercendo a função paterna: aquele que diz ―não e organiza, de certa forma, a vida escolar de Letícia. Síndrome de Asperger A síndrome de Asperger foi descrita pela primeira vez pelo médico pediatra vienense Hans Asperger, em 1944. Nesse estudo, Asperger descreveu quatro casos clínicos que denominou de Psicopatia Autística. Essa descrição aconteceu um ano após o trabalho de Kanner sobre o autismo. Asperger realizou seu estudo sem conhecer o trabalho de Kanner. Na década de 50, Asperger, tomando conhecimento do que Kanner havia proposto, reconheceu certas semelhanças entre os casos descritos. Porém, em 1979 afirmou tratar-se de dois quadros distintos (SCHWARTZMAN, 1991; ROBALLO, 2001). O estudo de Asperger não se tornou muito conhecido por ter sido publicado na língua alemã. Em 1981, quase quarenta anos após a primeira publicação, Lorna Wing, psiquiatra britânica, publicou um trabalho sistematizando o quadro, chamando-o de síndrome de Asperger. Apenas em 1994 essa síndrome foi reconhecida e incluída no DSM-IV. Para iniciarmos nossa compreensão do que é a síndrome de Asperger, é interessante pontuarmos que os sujeitos com essa síndrome podem ser considerados autistas de alto nível. Nos sujeitos com síndrome de Asperger, os signos autistas se apresentam de forma mais moderada, mais sutil. São pessoas que possuem interesse intenso em uma área do conhecimento, podendo ser atraídos por rituais. São inteligentes (geniais em sua área de interesse), têm memória privilegiada, possuem particularidades na linguagem e dificuldades na interação social. Em função dessas peculiaridades, as pessoas com síndrome de Asperger são consideradas excêntricas, estranhas. Página 7 de 15 Acreditamos que a síndrome de Asperger é uma forma singular de estar no mundo, é um modo de ser do sujeito. Lançando esse olhar, poderemos perceber as especificidades desses sujeitos sem tentar adequá-los a um padrão de normalidade estabelecido. Essa concepção irá permear toda a nossa discussão sobre essa síndrome. Para fins didáticos, destacaremos quatro pontos relevantes para entendermos a síndrome de Asperger, sempre considerando que cada sujeito é único e terá o seu próprio estilo cognitivo. O primeiro ponto diz respeito às áreas de interesse especial. Esses sujeitos possuem interesse em determinada área do conhecimento e se especializam nela. Como exemplo, podemos citar o caso de uma criança que é uma sumidade no conhecimento de animais pré-históricos. Essa criança sabe tudo sobre dinossauros: de onde vieram, onde viviam, o tipo de DNA, se eram carnívoros ou herbívoros, etc (SCHWARTZMAN, 2009). É possível citar ainda o exemplo, do próprio Asperger, ao dizer que uma criança que revelava certo fascínio por transportes, memorizou as linhas de bonde da cidade de Viena (BAUER, 1995). É importante destacar que em alguns sujeitos a área de interesse pode se modificar, sendo substituída por outra. As pessoas com síndrome de Asperger possuem alguma capacidade genial em um campo específico como, por exemplo, os números, os transportes, a leitura ou a biologia de certos animais. Elas são capazes de entrar em contato direto com o campo do saber sem a intermediação do outro (pais ou professores). Assim, podem aprender a ler sozinhos ou aprender cálculos matemáticos complexos por conta própria. De acordo com Schwartzman (2009), a diferença entre os sujeitos com síndrome de Asperger e os gênios é sutil, de forma que, quando são pequenos, é difícil distingui- los de uma pessoa com altas habilidades/superdotação. O autor cita os exemplos de duas pessoas conhecidas, Mozart e Santos Dumont, com capacidade genial e comportamento excêntrico, porém com dificuldade na interação social. Esses Página 8 de 15 personagens poderiam ter sido diagnosticados como portadores da síndrome de Asperger: Não pretendo fazer um diagnóstico à distância, mas há alguns exemplos que vale a pena mencionar. Provavelmente, Mozart tinha um distúrbio de desenvolvimento que é típico dos portadores da síndrome de Asperger. Ele compôs a primeira obra importante aos cinco anos, o que é maravilhoso, mas não é normal. Além disso, tinha enormes dificuldades de relacionamento. Seu casamento foi um desastre e seu comportamento era absolutamente inadequado. Se analisarmos a vida de Santos Dumont, veremos que era um indivíduo isolado, com pouquíssimo relacionamento social e, como a maioria dos autistas, vestia sempre o mesmo tipo de roupa. Aliás, os autistas costumam manter a rotina de forma absolutamente rígida. Conheço alguns que usam a mesma calça jeans durante cinco anos. Os exemplos citados evidenciam além da genialidade, tratada no primeiro ponto, o segundo aspecto que abordaremos nesse momento: a dificuldade na interação social. As crianças com síndrome de Asperger possuem dificuldades no relacionamento com outras pessoas, havendo pouca efetividade nas interações. Esses sujeitos possuem dificuldade em compreender as regras sociais e o ponto de vista do outro, parecendo desajeitados no plano social. Segundo Bauer (1995, p.4): Eles parecem ter dificuldade para aprender a fazer ―conexões sociais. Gilbert descreveu isso como uma ―desordem de empatia, a inabilidade de efetivamente ―ler as necessidades e as perspectivas dos outros e responder apropriadamente. Como resultado, crianças com AS tendem a ler errado as situações sociais e suas interações e suas respostas são frequentemente vistas como ―ímpares. Schwartzman (2009) enfatiza que, apesar da dificuldade de interação social, os sujeitos com síndrome de Asperger aprendem formas de interagir com o outro através do intelecto. O autor relata um exemplo que esclarece essa questão: Tenho pacientes relativamente bem integrados socialmente. Outro dia, conversando com um rapaz que acompanho faz tempo, perguntei-lhe se tinha namorada. Ele me Página 9 de 15 disse que já tinha tido três. Quis saber, então, como fazia para relacionar-se com essas moças. ―Olhe, Salomão, é muito simples. Comprei um livro de auto-ajuda e agora conheço algumas regras básicas de aproximação. Primeira regra: vista-se de acordo, isto é, ponha roupas que combinem. Regra dois: dirija-se a um shopping center. Ali, você anda pra lá e pra cá e, se vir uma menina bonita, chegue perto e peça o telefone. Se elader o número, anote para não esquecer e vá embora. Regra três: não deixe de telefonar-lhe nas próximas 24 horas. Caso contrário, ela poderá não se lembrar mais de você. Podemos perceber através desse caso que o sujeito encontrou uma maneira de namorar, apesar da dificuldade na interação social. Ele elaborou uma espécie de manual, utilizando para isso a leitura de um livro de auto-ajuda. Pensamos que a estratégia utilizada pelo rapaz possa servir de inspiração para os professores: quais estratégias, formas criativas de ensinar, podem ser utilizadas, levando em consideração a singularidade em sala de aula? O terceiro ponto que gostaríamos de destacar é a diferença na forma de utilizar a linguagem. Os sujeitos com síndrome de Asperger, normalmente, não possuem dificuldade no desenvolvimento da fala, mas é interessante observarmos que existem algumas particularidades nesse aspecto. O vocabulário utilizado pode ser inadequado devido ao rebuscamento exagerado. Além disso, ―utilizam-se de certas palavras e expressões de modo estereotipado e repetitivo. Sua fala é peculiar por alterações no ritmo, entonação, altura e timbre. Tem-se a impressão de algum sotaque de língua estrangeira‖ (SCWARTZMAN, 1991, p.19). A compreensão da linguagem também ocorre de forma singular, uma vez que esses sujeitos possuem dificuldade em compreender metáforas ou significados implícitos, interpretando tudo de forma literal. A frase ―vai chover canivete‖, por exemplo, pode levá-los a se esconderem com medo de serem atingidos por um canivete (SCHAWARTZMAN, 2009). Página 10 de 15 Schwartzman (2009) ilustra, através do relato abaixo, essa dificuldade de compreensão: Tenho um menino de 8 anos que pôs fogo no porão da casa. Quando viu a fumaça, saiu correndo, mas cruzou com o pai que lhe falou: ―Muito bem, veja só o que você fez. Passada a confusão, o menino perguntou -lhe se havia gostado do que tinha feito. O pai disse que não, pois ele poderia ter acabado com a casa. ―Por que você falou muito bem, então?, indagou o garoto. O pai que estava bem a par da dificuldade do filho explicou-lhe que, em português, a expressão ―muito bem pode significar tanto ―muito bem, quanto ―muito mal. Meses mais tarde, esse garoto foi ao consultório e eu lhe pedi que fizesse um desenho. Era a época do desastre de 11 de setembro, e ele desenhou as duas torres e os aviões. Quando me mostrou o que havia feito eu disse ―Muito bem, João. Ao ouvir essas palavras, ele se levantou, pôs as mãos na cintura e quis saber a qual muito bem eu estava me referindo. Sua pergunta mostra que ele sabe que a expressão admite mais de um sentido, mas não a contextualiza. Esse exemplo demonstra como a linguagem se apresenta de forma singular nas pessoas com Asperger. O menino referido tem dificuldade em compreender qual o sentido da expressão ―muito bem utilizada em diferentes contextos. Citaremos outro exemplo acontecido durante o atendimento educacional especializado do aluno Rafael, com síndrome de Asperger. Rafael tem 12 anos e frequenta a 6ª série de uma escola regular. Após concluir uma pintura com tinta guache, a professora solicitou que ele lavasse os pincéis. O aluno pegou o copo com água e os pincéis que estavam dentro para serem lavados. Quando voltou, Rafael trouxe os pincéis agora limpos dentro do copo com a mesma água suja de tinta. Assim, que viu o copo a professora chegou a pensar que ele não havia lavado os pincéis, porém, logo após percebeu o que havia ocorrido. Perguntou se Rafael havia lavado os pincéis; ele disse que sim. Vendo que Rafael havia lavado os pincéis, porém não havia colocado fora a água do copo solicitou que assim o fizesse. Em seu primeiro pedido a professora não especificou que gostaria que Rafael lavasse os pincéis e o copo, uma vez que considerou ser essa uma atitude óbvia. Para Rafael não foi tão óbvio assim. Ele não havia Página 11 de 15 entendido que deveria lavar os pincéis, jogar fora a água e lavar o copo. Na semana seguinte, novamente trabalhando com tinta, a professora solicitou que Rafael fosse ao banheiro e lavasse os pincéis. Rafael já saindo da sala, voltou e perguntou: ―Lavar o copo também? A professora respondeu que sim. Por fim, trataremos do quarto e último ponto acerca da síndrome de Asperger: a descoordenação motora. Diversos autores destacam que esses sujeitos podem ser desajeitados fisicamente, com andar ―duro e dificuldade em jogos que envolvem a coordenação motora ampla. Além disso, eles podem apresentar dificuldade na motricidade fina, ocasionando problemas de caligrafia, por exemplo. É possível percebermos, através da discussão estabelecida até aqui, que os sujeitos com síndrome de Asperger têm uma forma peculiar de estar no mundo e lidar com situações que para nós parecem simples, como lavar alguns pincéis. Esse fato deve ser considerado quando recebemos um aluno com síndrome de Asperger em nossa escola. No início do texto afirmamos que esses sujeitos podem ser atraídos por rituais, por rotinas. É imprescindível que observemos no contexto escolar quando alguma mudança na rotina causa ansiedade ou desconforto a esse aluno. Podemos usar o diálogo como estratégia, conversando com o aluno sobre alguma mudança futura ou sobre uma possível alteração na rotina. Quanto à linguagem oral e compreensiva desse aluno, é importante que o professor considere suas ―estranhezas, pois assim saberá como agir diante de um aluno que sabe tudo a respeito de determinada área do conhecimento, mas que pode ter dificuldade em compreender expressões como ―chover canivete, ―a casa caiu, ―estou com a corda no pescoço, ―recebi a mesada. A área de interesse dos sujeitos com a síndrome de Asperger deve ser considerada ponto chave no trabalho pedagógico. O professor pode partir do conhecimento em Página 12 de 15 que esses alunos se especializaram, ou seja, de sua capacidade genial, acompanhando e ampliando as áreas de interesse. As áreas de interesses podem ser trabalhadas de forma transversal com os demais conteúdos curriculares estabelecidos pelo professor ou pelo próprio aluno que fará as possíveis relações. Além disso, o aluno pode apresentar aos colegas o conhecimento que possui em determinada área, suas descobertas e novas conexões. Essa é uma forma de o espaço escolar se tornar extremamente rico para todos os alunos, além de valorizar e dar lugar ao estilo cognitivo dos alunos com síndrome de Asperger. Para finalizar nossa discussão traremos uma reflexão de Rodriguez (2006,p.185) acerca dos sujeitos com síndrome de Asperger: Não compreendem metáforas, não aceitam mentiras, não fofocam, não entendem porque as pessoas cumprem e descumprem os acordos e regras com facilidade; podem reagir e conviver socialmente; são inteligentes com excelente memória; obstinados, dedicados e não percebem a desistência como algo possível; mas, podem ser abandonados, ridicularizados, ―perdidos em suas habilidades, deixados sós em seus mundos. Portanto, não deixemos de investir nesses alunos por serem ―diferentes dos demais na escola. É fundamental que sigamos mais além, endereçando um olhar de aposta, desafiando-os para o alcance de novos objetivos e conquistas. Página 13 de 15 Referências Bibliográficas ALBERTI, S. 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