Buscar

Unidade 4 - Perspectivas Pós-Modernas

Prévia do material em texto

Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
 
 
Identidade, Língua e 
Cultura 
 
 
Unidade Nº 4 - Perspectivas pós-
modernas 
 
 
 
 
Carolina Berbet 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
 
Introdução 
Nas unidades 1, 2 e 3, estudamos sobre os fenômenos da língua, identidade 
e cultura e como os processos identitários, linguísticos e culturais tem sofrido 
influência da pós modernidade. Exemplificamos causas, consequências, alterações 
no modo de viver e de se organizar do ser humano, além da maneira como se porta 
perante o mundo e como ele o vê. 
Nesta unidade, voltaremos a atenção ao período em que todas as mudanças, 
inovações e adaptações têm se manifestado, para entendermos mais 
profundamente como as modificações abrangem as mais diversas áreas: linguística, 
econômica, social, cultural, etc. 
Autores como Zygmunt Bauman, Stuart Hall, Richard Sennett e Tomaz Tadeu 
da Silva farão parte do conteúdo desta unidade, com os seus amplos conhecimentos 
sobre as alterações pós-modernas e suas manifestações, como a flexibilidade do 
capitalismo, as discussões sociológicas sobre termos e conceitos, as perspectivas 
culturais, as compressões do espaço e do tempo e os debates identitários. 
 Bons estudos! 
1. “Pós-modernismo” ou “Pós-modernidade” 
Nos anos 80, era forte a discussão sobre o conceito de pós-modernismo e 
pós-modernidade. Não se chegou a um consenso sobre qual termo deveria ser 
utilizado, inclusive há autores que rejeitam ambas as definições. 
Há rejeição principalmente por parte de alguns sociólogos, como Anthony 
Giddens, que prefere o termo “modernidade radicalizada” e Zygmunt Bauman, que 
define os tempos recentes como “modernidade líquida”. Há certa revelação naquilo 
que há de apego ou rejeição de um termo. 
O pós modernismo surgiu como fase histórica do capitalismo tardio e o reflexo 
do seu pensamento e representa uma deterioração de uma oposição política. A 
sociologia, que é um campo diversificado, não se alinha facilmente a discursos 
polarizados e restritivos, de maneira que busca uma análise mais profunda dos 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
diversos fenômenos que ocorrem pelo mundo, o que faz com que afaste de 
conceitos limitadores. 
1.1. A terminologia 
A terminologia busca o uso de ferramentas para propiciar uma descrição 
próxima a exatidão e representatividade desejada em certas área do conhecimento. 
O estudo desses termos e conceitos pertencentes a certo campo passa também pela 
tradução especializada. Neste caso, o tradutor não somente faz a passagem das 
palavras de uma língua para a outra, mas também realiza a assimilação e a 
correspondência de ideias, buscando alcançar o que seria a “melhor” tradução a ser 
feita. É uma pesquisa voltada para a linguística, em métodos e metodologias e na 
forma de enxergar a linguagem. 
A terminologia e seu trabalho com as variações de significado tem relação com 
o contexto, que é necessário para o conhecimento e compreensão, mas que deve 
ser analisado diante de toda a sua complexidade. O ser humano, ao estar imerso em 
estruturas sociais, políticas, culturais e de poder que exercem certo controle sobre 
ele, deve-se atentar ao fato de que todo conceito, compreensão ou conceito deve 
ser analisado e problematizado para que ganhe o significado mais exato e 
verdadeiro. 
Para Bauman, a reflexão sobre o contexto é extremamente necessária para 
uma análise crítica das narrativas das pesquisas etnográficas, que são aquelas que 
buscam estudar sobre as etnias e seus costumes e terminologias. O autor afirma que 
existem diversas condições externas ao discurso e que a noção de um contexto 
determinado leva uma falsa objetividade e realidade, já que os contextos podem ser 
inúmeros. 
Os textos podem ser constantemente descontextualizados, entextualizados e 
recontextualizados, ao depender da dinâmica ocorrente entre os participantes de 
uma interação. Dessa forma, não existe um contexto fixo e os processos tradutórios 
e terminológicos devem analisar todos os aspectos sociais, culturais, políticos e de 
poder, capazes de influenciar na construção dos textos. É preciso que o pesquisador 
entenda que são diversas as variáveis que influenciam em um discurso ou um texto, 
repletas de influências sociais, culturais, identitárias e até mesmo linguística, já que 
em muitas traduções é feita uma apropriação dos termos na cultura local, a qual é 
carregada de outros significados e histórias próprios, decorrentes da construção 
identitária localista. 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
Bauman afirma que realiza um papel de tradutor, pois busca traduzir o mundo 
em textos, sem limitar os fenômenos existentes, mas buscando estudar a vida 
humana como fundamentalmente abrangente, diversificada e impossível de ser 
apreendida por apenas uma classificação ou terminologia. Acredita em uma 
sociologia sem limites definidos. 
 
1.2. A sociologia e o “pós-modernismo” ou “pós-modernidade” 
 
 A partir dos movimentos sociais e culturais dos anos 60, muitas perspectivas 
teóricas hegemônicas foram modificadas, a partir da presença das perspectivas 
críticas proporcionada pelos estudos das ciências sociais, desde a origem do 
marxismo. Dessa forma, os sociólogos passaram a estudar e formular 
caracterizações das sociedades, de suas rupturas e continuidades, o que permitia as 
classificações das épocas como “pós industrialismo” e “sociedade tecnocrática”. 
Já nos anos 80, com apoio das perspectivas surgidas em diversas áreas do 
conhecimento, a discussão foi mudando de foco. Os grandes movimentos de 
protestos haviam passado e a sociedade parecia estar estabilizada. Nesse momento, 
o conceito de modernidade tomou força e, assim como ele, o de pós-modernidade. 
A pós-modernidade vem como um desafio para os sociólogos, devido às constantes 
mudanças e transformações, como a transferência da sociedade da produção para 
a sociedade do consumo; o mundo após a queda do muro de Berlim; e as sociedades 
com culturas definidas para sociedades que possibilitam múltiplas identidades. 
Bauman realiza um amplo estudo sobre a situação pós moderna e suas crises 
sociais, culturais e políticas. Para ele, a modernidade surgiu inicialmente como uma 
época de hierarquia, dotada de padrões normativos e de certo controle sobre a 
natureza e a condição humana. Após os movimentos de ruptura, como a queda do 
Antigo Regime, é perceptível uma nova reflexão sobre a estrutura e a ordem. Os 
novos poderes buscam definir os rumos da sociedade, planejando racionalmente, 
buscando evitar a ocorrência do caos e todos os perigos que podem ameaçar a 
estabilidade social. Entretanto, o que advém é uma busca por maior liberdade 
individual, que culmina em uma sociedade com muitas incertezas e sem rumos fixos, 
de maneira que não há o controle desejado e as possibilidades de organização da 
vida humana são inúmeras, além das múltiplas identidades culturais. 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
Bauman aborda também a relação existente entre sociologia e pós-
modernidade, já que há uma grande preocupação pós-moderna pela construção dos 
discursos ou narrativas. O autor ressalta sobre o papel dos intelectuais, que nos 
estados-nações modernos, precisavam produzir discurso que legitimassem os 
projetos desejados, buscando disciplinar as sociedades existentes. Entretanto, na 
pós-modernidade, as novas formas de controle social, como a sedução causada pelo 
capitalismo exacerbado, não necessita de legitimação como antes. Dessa forma, 
diversos intelectuais deixam de ser essenciais para o mantimento de uma certa 
cultura e forma de viver dos indivíduos e passam a atuar como intérpretes dos 
fenômenos e não mais legisladores da sociedade. 
Para Bauman, a aceleraçãodo processo de emancipação de capital do 
trabalho, ou o capitalismo exacerbado, engaja os indivíduos em uma condição de 
consumidores e desenvolve-se um novo esquema de dominação e integração 
baseada em opostos entre sedução e repressão.A sedução se baseia na 
dependência das pessoas em relação ao mercado e uma tentativa de alcance da 
felicidade por meio do consumo. Já a repressão se envolve com uma penetração 
crescente do mercado na esfera privada, que cada vez mais tem criado meios para 
obter informações pessoais e para adentrar nesses gostos e preferências. A 
interferência na esfera particular pode ser fortemente rejeitada pelos indivíduos pós-
modernos, que admiram a falta de controle e a ampla existência de liberdade. 
2. O fenômeno espaço-tempo na pós-modernidade 
Apesar de alguns estudos considerarem o tempo e o espaço como dimensões 
separadas, uma fornece sentido a existência da outra, já que o tempo só existe 
porque pode ser materializado no espaço e espaço só existe porque se encontra na 
dinâmica do tempo. 
O avanço das telecomunicações, das tecnologias de informação e audiovisual 
promovem um mundo integrado. Além disso, fazem parte da construção de um 
mundo que não é baseado no capitalismo industrial, mas no capitalismo 
informacional, fomentado pela existência de diversos modelos de trabalho, de uma 
forte difusão cultural e da interdependência entre diversas zonas do planeta. 
Sendo assim, o espaço se move de acordo com o tempo e o tempo é a causa 
para o espaço e a condição, já que não existe o tempo real sem o espaço geográfico. 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
Os espaços urbanizados se tornaram centros geográficos integrados às redes 
mundiais. 
2.1. A experiência do espaço e do tempo 
Espaço e tempo são conceitos importantes para a fundamentação do 
pensamento e são fenômenos necessários para a compreensão do mundo. As 
conquistas advindas das ciências e dos avanços tecnológicos trouxeram uma nova 
reflexão acerca do lugar onde se vive e do momento vivido. As informações são 
processadas com extrema rapidez, de maneira que a comunicação de um fato em 
um local do mundo chega em milésimos de segundos a um local oposto. Devido a 
esse fenômeno, o indivíduo se vê com uma ampla acesso aos dados e com certa 
dificuldade de administrar tanto conhecimento. 
A concepção de espaço e tempo existe desde a tradição judaica, a qual 
acredita em um processo de emancipação e salvação do homem, que ocorrerá em 
tempo e espaço determinados, a partir das atitudes do povo eleito por Deus. A 
crença judaica, assim como muitas crenças antigas, acreditam em uma concepção 
circular do tempo, a qual reflete até hoje em nossos calendários, que possuem 
características repetitivas, que evidenciam o início e o fim de uma semana, mês ou 
ano, assim como marcam a convicção de um eterno recomeço da vida. 
Bauman, ao abordar sobre “tempo e espaço”, exemplifica utilizando o projeto 
do arquiteto inglês George Hazeldon, que projetou uma cidade planejada chamada 
de Heritage Park. Este projeto baseava em uma fortaleza, em que foi construído 
barreiras contras ataques externos, como assaltos e vandalismos, mas que sufocava 
internamente a sociedade que a habitava. Sendo assim, apesar da ideia da criação 
de uma sociedade perfeita, repleta de harmonia, ocorre a repressão dos próprios 
habitantes e não apenas de situações indesejadas. 
Bauman acredita que o que garante uma convivência com o mínimo de 
harmonia é necessário civilidade, por meio de um ambiente civil que é promovido 
por espaços públicos. Entretanto, os espaços públicos são cada vez menos civis. Para 
exemplificar, cita uma praça em Paris, onde os espaços são resguardados e não há 
maneira para que os pedestres sentem-se nos bancos e interajam entre si, fazendo 
com que o local não se apresente como convidativo e propício às relações sociais. 
Outra abordagem do sociólogo remete aos locais frequentados pelos 
indivíduos para o consumo, como shoppings, cafés, restaurantes. O objetivo da ida 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
dos sujeitos a estes locais não consiste em interação social, de maneira que não 
buscam a comunicação com os demais sujeitos, mas a realização de compras e a 
busca por experiências individuais. 
Bauman menciona também sobre a espécie dos não-lugares, que são aqueles 
locais que não evidenciam nenhum tipo de interação entre os indivíduos, de maneira 
que anulam os contatos, como as esperas que ocorrem nos aeroportos, os pontos 
em que os sujeitos aguardam os transportes públicos, as experiências dentro destes 
meios de locomoção e também os quartos de hotéis. 
Por fim, Bauman ressalta sobre a existência de espaços vazios, que podem se 
dividir em dois tipos: os bairros pobres, cortiços e moradias improvisadas, que 
seriam espécies de restos arquitetônicos e os que são criados a partir das própria 
estrutura cognitiva dos indivíduos. Dessa forma, as quatro categorias apresentadas 
seriam locais marcados pela falta de interação entre as pessoas. 
Com relação ao tempo, o autor acredita que a modernidade realizou a 
consolidação da história do tempo, já que, através das técnicas e tecnologias criadas 
e proporcionadas pelo homem, ocorreu a modificação da relação entre sujeito e 
tempo. Bauman exemplifica por meio da ocorrência da inovação nos meios de 
transportes, capazes de realizar o encurtamento das distâncias, do envio de 
correspondências, produtos e informações. 
O sociológico acredita que o tempo é um elemento capaz de ser manipulado, 
encurtado ou corrompido pelo ser humano e acredita que há uma certa dominação 
do tempo. Essa dominação se daria pela existência, por exemplo, da previsibilidade. 
Para o autor, o tempo é instantâneo e se torna imprevisível, porém quando o 
indivíduo consegue prevê-lo, possui o seu domínio. Bauman explica que devido aos 
dominados não aproveitarem a instantaneidade do tempo, acabam presos dentro 
de suas próprias limitações, sejam elas tecnológicas, financeiras, geográficas, etc. 
2.2. Vida online e vida offline 
Zygmunt Bauman afirma que atualmente os indivíduos vivem em dois mundos 
paralelos e diversos, um é aquele criado pela tecnologia, que seria o online, onde o 
sujeito passa horas em frente a uma tela; o outro mundo seria o offline, em que 
vivemos a vida considerada normal, que é oposta ao mundo online. 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
Para ele, existe uma certa ocorrência de sensação de ausência de conflitos 
quando se está perante o mundo online. O autor exemplifica ao dizer que quando 
caminhamos na rua, estamos em conexão com diversos outros indivíduos, que 
possuem outras cores, religiões, culturas, idiomas, costumes e gostos, e não há como 
fugir dessa diversidade, entretanto, quando estamos imersos no mundo online, 
podemos evitar o contato com o diferente, podemos controlar e decidir como será 
a nossa interação. É como se fosse possível evitar e “apagar” certas situações ruins 
ou sentimentos desagradáveis. 
Os avanços da tecnologia e da comunicação tem gerado um forte processo 
de liquidez na vida humana. O alto uso da vida online tem feito com que o indivíduo 
se distancie da arte do diálogo, se torne cada vez mais disperso e com capacidade 
de escuta e de compreensão reduzida, enfraquecendo a interação pessoal, que se 
configura como a principal forma de se comunicar no mundo offline. 
Bauman ressalta também que, além da sociabilidade estar vinculada ao 
online, as relações de trabalho também sofreram alterações. Antigamente, os locais 
de trabalho geravam estabilidade, permitindo uma interação mais duradoura entre 
os indivíduos que trabalhavam no mesmo local, já na atualidade, as novas formas de 
trabalho se mostram instáveis, flutuantes e com contratos breves, fazendo com que 
o indivíduo mude constantementede emprego e enfraqueça as relações 
profissionais. 
3. A flexibilidade do capitalismo 
Richard Sennett, sociólogo e historiador norte-americano aborda sobre o 
capitalismo flexível. Para o autor, o capitalismo vive um novo momento, marcado por 
flexibilidade, atacando as formas rígidas e burocráticas e permitindo uma nova rotina 
e significação do trabalho, além da ansiedade causada nos profissionais, que não 
sabem os riscos que correm e onde irão chegar. 
O sociólogo aborda que o trabalhador fordista, que possui um trabalho 
burocratizado e rotinizado, constrói uma história caracterizada pelo uso do tempo, 
da disciplina e de planos a longo prazo. Entretanto, o trabalho flexibilizado, presente 
no novo capitalismo, possui relações de trabalho e de afinidade que não se baseiam 
no longo prazo, de forma que há a ocorrência de incertezas e de constantes 
mudanças, que dificultam as relações sociais, sejam elas com vizinhos, amigos ou 
familiares. 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
Sendo assim, Sennett acredita que há uma mudança no comportamento 
humano, devido ao novo paradigma profissional, social e cultural em que se encontra 
e que isso pode gerar a uma certa corrosão do caráter, já que não há a formação de 
uma narrativa linear de vida, sustentada por experiências vividas pelos sujeitos. 
 
Figura 1 - Richard Sennett. Fonte: The Guardian. 
 
3.1. A corrosão do caráter no novo capitalismo 
Para Richard, a sociedade atual está em contínua revolta contra o trabalho 
feito de maneira taylorista/fordista, com a existência de uma rotina e busca 
solucionar essa questão por meio da reestruturação do tempo, com a formação e 
consolidação de instituições mais flexíveis, dotadas de novas formas de poder e de 
controle. Estas novas maneiras institucionais de manifestação revelam uma 
constante reinvenção da própria instituição, buscando romper com o passado 
burocrático e construir um presente baseado na especialização flexível, onde 
empresas concorrem e cooperam mutuamente, buscam nichos de mercado em que 
ficarão fixadas por períodos temporários, encurtam a vida útil de produtos, 
máquinas e serviços, geram uma descentralização de poder e até mesmo a mudança 
das formas de controle sobre o funcionário. 
A constante flexibilização do tempo exigiu certa flexibilização do caráter do 
indivíduo, que deve se portar sem apego temporal e com certa adaptação a 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
fragmentação e mutabilidade. Com as novas tecnologias, o trabalho tornou-se fácil e 
ilegível, onde os trabalhadores se encontram repletos de incertezas, já que há a 
imposição de que o indivíduo deve correr riscos e coloca em constante prova o seu 
caráter pessoal. 
Os novos modelos de trabalho valorizam a capacidade imediata, sem se 
importar muito com a experiência e a história desenvolvida pelo sujeito, o que é 
facilmente perceptível diante da preferência de trabalhadores mais jovens, que se 
portam de maneira mais flexível. Os riscos diários proporcionam um sentimento de 
esvaziamento no ser humano e podem trazer sentimentos desnorteantes, já que a 
própria ética é contestada e tem se fundamentado no trabalho em equipe, de 
maneira que os trabalhadores devem ser polivalentes e adaptáveis para que saibam 
lidar com as constantes mudanças e com a ampla gama de informações, dos mais 
diferentes tipos. 
O sociólogo ressalta ser paradoxal a situação em que vivemos, pois o novo 
sistema de dominação se constitui na disseminação da liberdade e um dos exemplos 
centrais é a flexibilização do tempo. Atualmente, os controles do tempo mudaram, 
de maneira que há planejamento flexível das jornadas e até mesmo trabalho virtual, 
constituindo novas maneiras de monitoramento. Sendo assim, a nova organização 
do trabalho abandona a rigidez do formalismo e da burocracia, mas recria a 
dominação e alienação do trabalhador. 
Richard exemplifica seu posicionamento, ao dizer que, em atividades 
operacionais, a automação está reinventando a superespecialização taylorista, já que 
em certas situações, basta o indivíduo saber em qual botão deve clicar para que tal 
atividade aconteça, tornando-se cada vez mais indiferente em relação ao trabalho. Já 
no campo gerencial, os executivos devem mostrar diariamente as suas 
competências, em profundo estado de vulnerabilidade, em que todos os dias devem 
mostrar o seu valor e as suas capacidades imediatas, exibindo-se de maneira 
favorável aos riscos, instabilidade e flexibilidade. 
Sennett ressalta que, apesar do trabalho estar rompendo com a rotina e a 
burocracia, ainda possui fortes traços fordistas, que têm precarizado as relações de 
trabalho. Para ele, o trabalho em equipe contribui para a formação de um sujeito 
irônico, sem referência de autoridade e responsabilidade, o qual vive em um tempo 
flexível. Tudo isso tem influenciado para a constante ocorrência do fracasso, que se 
configura em um grande tabu moderno, mas que atinge todas as pessoas. 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
O fracasso é um fenômeno social de difícil trato para o indivíduo e que muitas 
vezes se apresenta de maneira confusa, necessitando de ajuda coletiva, do 
compartilhamento de informações para que seja sanado e superado. Dessa forma, 
um senso amplo de comunidade e de caráter se fazem necessários. 
Outro grande problema atual, segundo Sennett, é a superficialidade das 
relações sociais, de maneira que as pessoas não se sentem mais importantes e 
necessárias, pois são de fácil descartes e os laços de lealdade e confiança se 
afrouxam devido ao alto número de experiências a curto prazo. Como não há 
narrativa e experiências partilhadas com os outros, o caráter humano se corrói. 
O sistema capitalista atual valoriza o volúvel, flexível, mutável, o individualismo, 
de maneira que o “nós”, muitas vezes é visto como um perigo remetente a 
organizações sindicais e sociais que possam ameaçar o andamento do capitalismo. 
Essa corrosão do caráter, pela falta de acúmulo de experiências profundas e 
duradouras, além da escassez de relações sociais, culminam em questionamentos 
realizados pelos seres humanos, resumidos em uma pergunta: “quem precisa de 
mim?”. 
4. Perspectivas Culturais 
Stuart Hall afirma que, por meio das histórias repassadas de geração a 
geração, há a criação de uma imagem nacional que se envolve com a imagem pessoal 
do indivíduo que participa dessa cultura. 
Há a formação de novas identidades, evidenciadas pelas diferenças existentes 
entre os seres humanos. Para Hall, as culturas, que agregam a formação das 
identidades nacionais, são construídas por meio de diferenças e características 
imaginadas. 
A concepção da existência de culturas nacionais, como já vimos em outras 
unidades, tem perdido força, devido às transformações conceituais existentes na 
estrutura da vida do sujeito pós-moderno, trazidas através da globalização, que 
modifica a ideia de espaço e tempo, influencia nas trocas culturais, comerciais, 
políticas e sociais e reduzem o sentimento de pertencimento das pessoas. No pós-
modernismo, as identidades globalizadas reúnem culturas múltiplas e até mesmo 
antagônicas. 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
4.1. Identidade e diferença 
A construção do conceito de identidade em Hall tem conexão com a ideia de 
diferença. Para o autor, a identidade é construída e consolidada por meio daquilo 
que reconhecemos como próprio da nossa identidade e daquilo que 
compreendemos como próprio na identidade do outro. Tudo o que se apresenta 
como desigual, estranho, avesso, contrário, corrobora os elementos constitutivos da 
identidade em questão. 
É preciso que o ser humano conheça, compreenda, interaja com a forma de 
ser e de viver de um outro indivíduo, para que perceba as características existentesem sua forma de ser e de viver. Por meio das diferenças existentes é que as 
identidades são percebidas e construídas, de maneira que os fenômenos identitários 
são resultantes de contradições. 
Além de serem interdependentes, identidade e diferença são resultantes de 
criações linguísticas, pois não são elementos da natureza que foram revelados ou 
descobertos, mas são ativamentes produzidas. São criaturas de um mundo social e 
cultural, já que são criadas e produzidas nos contextos das relações socioculturais, 
por meio dos atos de criação linguística. As identidades são nomeadas, descritas, 
exemplificadas e se constituem ao se diferenciar de outras identidades que também 
foram nomeadas, descritas e exemplificadas, mas sob outro espectro. 
Para Hall, a reflexão da identidade vai muito além da definição de conceitos, 
mas envolve a ampla compreensão de fenômenos, inclusive aqueles que buscam a 
dominação por meio da linguagem. Ele acredita que, por meio do uso linguístico, as 
palavras podem se constituir de diferentes significados, não se tratando do sentido 
essencial, mas da forma como influenciam a nossa forma de pensar e de enxergar a 
nós e as outros. É por meio da interação, com o uso da língua, que o indivíduo 
percebe as diferenças existentes e consegue reconhecer e fazer reconhecida a 
existência de diferentes identidades e culturas. A linguagem, conforme já 
abordamos, é parte da cultura e também é o principal meio de construção, 
compreensão e difusão dos valores, pensamentos, tradições e costumes existentes, 
sendo objeto constitutivo das identidades. 
O sociólogo acredita que o conceito de identificação é extremamente amplo, 
flexível e volátil, pois trata-se de um objeto fundado na fantasia, na projeção, na 
idealização, de maneira que as identidades são comparadas, forjadas na exclusão e 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
por meio de um processo não -natural fazem com que as pessoas aceitem as 
identidades que lhes foram designadas. 
Hall aborda também sobre a sensação de pertencimento gerada pelo 
reconhecimento de uma identidade por meio dos indivíduos. Há elementos 
simbólicos e culturais que são formados e exaltados em discursos identitários que 
compõem as identidades nacionais. Para ele, a ideia de uma nação com uma 
identidade composta por tradições antigas nem sempre é verdade, pois muitos 
costumes se formaram no tempo recente. 
Stuart expõe também a questão da migração constante na realidade pós-
moderna, de forma que os indivíduos possuem constante contato com realidades 
culturais diferentes e tornam-se cada vez mais híbridos, compostos por diversas 
culturas. Dessa maneira, as diferenciações, que eram tão importantes no momento 
de criação e reconhecimento das identidades, perdem a importância, já que as 
diferenças são comuns e as identidades não buscam mais se afirmar por meio das 
suas contradições, entretanto, harmonizam a existência de características diversas e 
permitem que os sujeitos se apropriem de múltiplas culturas e possuam múltiplas 
identidades. 
O autor acredita que a identidade, atualmente, tem ficado em segundo plano, 
já que as diferenças também não assumem locais de ampla importância e, por isso, 
as identidades são ressignificadas e assumem uma certa descentralidade. 
4.2. A identidade e a diferença no âmbito pedagógico 
A identidade é constituída por símbolos relativos a outras identidades, 
capazes de exemplificar a sua consolidação. As identidades nacionais, por exemplo, 
se manifestam por meio de símbolos como os uniformes, selos ou bandeira nacional. 
Todas essas marcações simbólicas, que servem para fortalecer as identidades 
existentes, têm origem em uma série de elementos e condições sociais, históricos, 
teóricos, materiais e também psíquicos, necessários para a perpetuação dessas 
identidades. 
 Existe uma “filosofia da diferença”, a qual justifica a ideia clássica de 
representação, por meio da explicação da conexão entre identidade e diferença. 
Segundo essa teoria, a representação é um sistema de significação, sem qualquer 
conotação mentalista, mas como uma estrutura de signos, representada por um 
filme, um texto ou uma fotografia. Sendo assim, a representação não tem existência 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
no “real” mas é um meio de expressão de um sentido, o qual existe de acordo com 
as relações de poder. Os estudos pós-estruturalistas acreditam que a representação 
é um sistema linguístico e cultural, que não é determinável, mas que está fortemente 
vinculado às relações de poder. Os poderes influenciam na representação e essa se 
conecta a identidade e à diferença, de maneira que definem como as identidades e 
as diferenças serão reconhecidas. Em suma, os fenômenos de autoridade são 
capazes de definir os rumos da significação e do julgamento de uma diferença, de 
uma identidade ou de uma representação. 
A identidade, assim como a diferença, é resultante de um processo produtivo 
com vínculo simbólico e discursivo. A produção da identidade oscila entre processos 
que buscam estabilizá-la e processos que tendem a subvertê-la. Os processos 
identitários tem uma certa tendência para a fixação, porém encontram entraves, já 
que constantemente são influenciados e modificados. 
Tomaz Tadeu da Silva, autor de “Identidade e Diferença”, afirma que a 
pedagogia que busca teorizar a cultura contemporânea, a qual engloba os 
fenômenos de identidade e diferença, não pode se basear apenas na ocorrência da 
globalização e dos processos multiculturais para exemplificar a diversidade de 
identidades, mas deve também associá-las às relações de poder existentes. Para ele, 
a identidade e a diferença se manifestam de acordo com a atribuição de sentidos no 
mundo social. O autor defende uma estrutura pedagógica e curricular que 
identifique a identidade e a diferença como questões políticas. 
Para o autor, era preciso desenvolver uma pedagogia da diferença, em que há 
a reflexão de como a diferença é produzida, antes mesmo de ser reconhecida, 
tolerada, admitida ou respeitada. Os alunos deveriam estudar esses fenômenos 
socioculturais, explorando possibilidades de perturbação, subversão e 
transformação das identidades existentes. Silva defende um currículo escolar capaz 
de abrir espaço para o reconhecimento do eu e do nós, com o conhecimento do 
múltiplo e não só do que é diferente. 
A pedagogia deveria, portanto, basear-se em uma problematização da 
identidade, buscando compreender o viés político que influencia no reconhecimento 
e na definição das identidades e das diferenças existentes, buscando entender a raiz 
das definições e das percepções humanas nesse sentido. 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
Síntese 
Nesta unidade, abordamos os conceitos pós-modernos, visualizando a pós-
modernidades e seus fenômenos de forma mais ampla. Compreendemos que, os 
processos pós-modernos influenciam na forma de viver, comunicar e ser do sujeito, 
com a ocorrência de certa deterioração social, associada a contaminação do público 
pelo privado ou do privado pelo público. 
Há grande preocupação com os laços sociais, no trabalho, no âmbito familiar, 
nas amizades e vizinhanças. Por meio da desconstrução de formas padronizadas de 
relacionamento e de uma perda de possibilidades dialógicas, através da pulverização 
das identidades sociais e culturais. 
 
Portanto, aprendemos que: 
● Os textos envolvem contextos que não são fixos, mas contemplam diversas 
variáveis. 
● Os indivíduos, na pós-modernidade, se encaixam como consumidores, 
envolvidos em um esquema de sedução e repressão. 
● No novo capitalismo, os laços sociais no trabalho são construídos a curto 
prazo, pois os trabalhos não são duradouros. 
● O espaço e o tempo estão sendo globalizados, de maneira que as distâncias 
são encurtadas eo tempo também tem sido visto com maior velocidade, 
devido a amplificação das informações. 
● As identidades são formadas e reconhecidas por meio da existência das 
diferenças, ambas manifestadas pelo uso da linguagem. 
As quatro unidades nos permitiram conhecer melhor sobre o nosso entorno, como 
as identidades, as culturas, as línguas e as relações sociais foram construídas, são 
modificadas e influenciam na nossa maneira de agir e se organizar. 
 
Identidade, Língua e Cultura - Unidade Nº 4 - Perspectivas Pós-Modernas 
 
Bibliografia 
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. 
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro, 
Lamparina, 2014. 
HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da 
mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1996. 
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho 
no novo capitalismo. São Paulo, Record, 2009. 
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: ______. 
(Org). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: 
Vozes, 2000. 
Referências imagéticas: 
Figura 1 - Richard Sennett. Fonte: The Guardian. Disponível em: 
https://www.theguardian.com/books/2013/feb/26/society-paperbacks. Acesso em: 
20 ago 2019. 
 
https://www.theguardian.com/books/2013/feb/26/society-paperbacks

Continue navegando